A
doutrina de que Deus veda e abomina uma medida eficacíssima de salvar vidas
humanas, a transfusão de sangue humano, é relativamente nova na sistemática
jeovista. Russell jamais pensou nela. Rutherford, idem. Mas logo após a morte
do “juiz”, ocorrida em janeiro de 1942, já nos corredores da sede da Sociedade
Torre de Vigia se cochichava alguma coisa a respeito da transfusão de sangue.
Era ainda uma coisa vaga, que só três anos mais tarde assumiria definitivamente
foros de doutrina a ser finalmente incorporada pela organização.
Sob a
direção de Nathan Knorr, os “doutores da lei” do neorusselismo, a princípio
timidamente, começaram a propalar a grande "descoberta": a transfusão
de sangue é proibida pela Bíblia. E sem levar em conta o fato indisputável de
que a Bíblia nem toca neste assunto, totalmente desconhecido nos tempos
bíblicos, a revista The Watchtower (A
Torre de Vigia), em sua edição (em inglês) de 1° de julho de 1945, pela
primeira vez anunciou, num artigo intitulado “A santidade do sangue”, que “a
transfusão do sangue humano constitui violação do concerto de Jeová, ainda que
esteja em jogo a vida do paciente”.
O
pensamento jeovista sobre este assunto baseia-se unicamente numa interpretação
errônea, livre, extra-contextual e inteiramente descabida das regras do
sacerdócio levítico pertinentes ao sangue sacrifical dos animais. Citam livremente os versículos, sempre isolados do
contexto, sempre separados do assunto a que se prendem.
Os textos
mais usados são os seguintes:
Gênesis 9:4 – “Carne, porém, com sua vida,
isto é, com seu sangue, não comereis.” Quem disse aos jeovistas que isso se
refere à transfusão de sangue? Após o Dilúvio, não havendo ainda vegetação
suficiente para alimento, Deus diz a Noé que, naquela contingência, podia usar
alimentação cárnea, porém com o cuidado de tirar-lhe previamente o sangue. Não
há aí nenhuma alusão, nem remota, ao sangue humano, e muito menos se refere a
transfusões. O assunto é carne de animais. O assunto é alimentação por via
oral. É comer, digerir, alimentar-se.
Levítico 3:17 – “Estatuto perpétuo será durante
as vossas gerações, em todas as vossas moradas: gordura nenhuma nem sangue
jamais comereis.” Primeiramente o adjetivo “perpétuo”, empregado no hebraico, é
holam, e significa duração enquanto
durar o fato a que se junta. As festas judaicas, luas-novas, páscoa, o
sacerdócio arônico, etc., também eram “estatuto perpétuo”, mas não se celebram
mais. Em segundo lugar, a proibição, no texto em tela, também se aplica ao
consumo de gordura animal, e os jeovistas ainda não resolveram inventar um
dogma sobre isso, para serem coerentes. Em terceiro lugar, o texto acima se
refere a ofertas queimadas, e a parte dela que devia ser comida, com exceção da gordura e também do sangue. Essas razões
serão explicadas mais adiante, mas o assunto ainda é alimentação via oral, e
pertinente à carne, gordura e sangue de animais.
Nada de humano. Nada de transfusão. Leia os versículos anteriores, com isenção
de ânimo, e você terá o sentido exato. Para que distorcer?
Levítico 7:27 – “Toda Pessoa que comer algum
sangue, será eliminada de seu povo.”
Por que
as testemunhas não apresentam o contexto? O versículo anterior dá claramente
que é sangue de animais: “Não
comereis sangue em qualquer das vossas habitações, quer de aves, quer de gado.”
Não há a menor referência a sangue humano, e obrigar a significar transfusão é
afirmar que minha avó é bonde elétrico! O assunto é alimentação por via bucal,
refere-se a comer e digerir, e não a sangue transfundido.
Levítico 17:10, 11 e 14 – “Qualquer homem da casa de
Israel, ou dos estrangeiros que peregrinam entre eles, que comer algum sangue,
contra ele Me voltarei e o eliminarei do seu povo.” “Porque a vida da carne
está no sangue. Eu vo-lo tenho dado sobre o altar, para fazer expiação pelas
vossas almas: porquanto é o sangue que fará expiação em virtude da vida.”
“Porquanto a vida de toda carne é o seu sangue; por isso tenho dito aos filhos
de Israel: Não comereis o sangue de nenhuma carne, porque a vida de toda a
carne é o seu sangue; qualquer que o comer será eliminado.” As testemunhas
costumam disparar estes três versículos juntos, e com muita ênfase, para tentar
provar a tese contra a transfusão sangüínea, mas com deliberada má fé, porque omitem o contexto. Porque pulam
exatamente o versículo 13 que esclarece: “Qualquer homem que caçar animal ou ave que se come, derramará o seu sangue, e o cobrirá com pó.” Aí
está o sentido correto. É simplesmente o que a Bíblia diz. A Bíblia em lugar
algum se refere a comer sangue humano, e isso porque não havia canibalismo
entre os israelitas. A lei de Deus tem um mandamento “Não matarás”, no qual
incorre inclusive quem permite que outros morram quando pode salvar-lhes a
vida, como no caso da transfusão de sangue. Deus abominava e abomina a
antropofagia. “Se alguém derramar o sangue do homem, pelo homem se derramará o
seu.” Gên. 9:6. Aqui se refere ao homicídio e não às transfusões. Deus proíbe
sacrificar pessoas a Moloque (Lev. 20:1-5). Portanto, todos os sacrifícios
abonados por Jeová eram de animais, e o sangue desses animais não devia ser
ingerido como alimento.
Levítico 19:26 – “Não comereis coisa alguma com
sangue.” A ordem é não comer carne
com sangue. Carne de animal. Não há referência a transfusões.
Atos 15:20, 29; 21:25 – São três versículos do Novo
Testamento, idênticos na enunciação “que se abstenham (...) da carne de animais
sufocados e do sangue.” “Que vos abstenhais das coisas sacrificadas aos ídolos,
bem como do sangue, da carne de animais sufocados (...).” “Quanto aos gentios
que creram (...) que se abstenham das coisas sacrificadas aos ídolos, do sangue,
da carne das animais sufocados (...).” Será que Tiago, na primeiro verso,
estava aconselhando os cristãos a que se abstivessem de comer sangue humano? Se
foi assim, então havia canibalismo ou antropofagia na igreja primitiva. A
referência, nos três versos, é à carne animal, comida como alimento. Sempre
evitar de ingerir o sangue.
Por aí se
verifica que tudo resulta de falsa interpretação de textos que se relacionam
com carne de animais. É verdade que Deus proíbe comer o sangue, bem como a
gordura dos animais. Que razão havia para isso? Vamos dar a palavra a um
cientista de renome e cristão, o Prof. Flamínio Fávero. Diz ele:
“1.
Fundamentalmente [não se deve comer sangue] para inspirar ao homem o respeito
pelo sangue. É prescrição, assim, de caráter moral. Pelo sangue se respeita a
vida, de que o mesmo é símbolo e até sede... Quando se toma um animal morto
violentamente, escorrendo sangue, tem-se a impressão de que a vida ainda lateja
naquela carne quente, e que essa vida se extingue justamente quando se for a
última gata de sangue. O corpo humano tem grande porção de sangue, cerca de
1/13 do seu peso, ou seja, cinco litros para um peso de 65 quilos. Quando
aberto um vaso, há hemorragia, e a morte sobrevém desde que a metade desse
líquido se perca. Pelo mecanismo chamado dessangramento processa-se uma anemia
aguda, de graves conseqüências, que apenas uma injeção de outro sangue, de tipo adequado, pela transfusão, pode
combater.
“O sangue
é a vida... E é pela circulação desse líquido que se realizam todas as trocas
vitalizadoras nos lugares mais distantes e escondidos da economia orgânica. Bem
cabe ao sangue, pois, a sinonímia que a Bíblia lhe empresta, de vida. (...)
Enquanto tiverem [os animais] sangue têm resquícios de vida. E a vida não nos
pertence, não é nossa...
“2. Em
paralelo com essa prescrição de caráter eminentemente moral, que apela para o
respeito ao sangue, está outra de aspecto higiênico. (...) A quebra de preceito
de higiene pode redundar em males gerais e individuais e, neste último caso,
quando são capazes de atingir-nos, lembramo-nos de evitá-los. (...) O sangue
não deve servir de alimento, porque é bastante indigesto, pelas albuminas bem
resistentes dos seus glóbulos vermelhos e, ainda, pelo teor elevado de pigmento
ferruginoso que os mesmos contêm. É desse pigmento, a hemoglobina, que deriva a
cor vermelha especia1 que caracteriza o sangue dos mamíferos. E conforme a sua
pobreza no mesmo, fala-se em maior ou menor grau de anemia, necessitando ser
tratada por medicamentos contendo ferro ou que facilitem a sua fixação
adequada.
“Como se
não bastasse ser indigesto, o sangue se
corrompe facilmente, putrefazendo-se. Basta sair dos vasos que o contém,
para coagular-se, dividindo-se em uma parte sólida – o coalho – e outra líquida
– o soro. E então, não tendo mais vida,
os germes putrefativos invadem, transformando-o inteiramente, dando-lhe aspecto
e cheiro repelentes. Compreende-se logo o que vai de perigoso no uso de
alimento corrompido, cheio de toxinas venenosas, que causam grave dano à saúde
e até a morte. Daí a sabedoria da Bíblia, mandando derramá-lo na terra, que o
absorve. (...)” – Extraído do artigo “Não comereis o sangue de qualquer carne”,
Fé e Vida, março de 1939, págs. 16 e
17.
Falou a
ciência autorizada. Uma coisa é alimentar-se, por via oral, do sangue de
animais, que não deve passar pela química digestiva, tal o perigo que oferece à
vida; e outra muito diferente é renovar a corrente circulatória, com o mesmo
elemento que a compõe, depois da classificação técnica do tipo sangüíneo,
repondo o sangue perdido, evitando a morte do paciente.
Quando
ocorre uma transfusão, não se trata de comer sangue humano, nem de alimento,
mas de reabastecimento circulatório, uma dádiva feita num espírito de
misericórdia e caridade. As estatísticas da Cruz Vermelha, por exemplo, atestam
que milhões e milhões de vidas preciosas foram salvas pela transfusão. Ao passo
que, por outro lado, quantas vidas são ceifadas por falta de uma transfusão.
A Bíblia
diz: “Não matarás.” Negar por vontade própria a transfusão salvadora, é matar,
é transgredir a lei de Deus! E disse Jesus: “Ninguém tem maior amor do que
este: de dar alguém a própria vida em favor de seus amigos.” João 15:13. E a
vida é o sangue porque o sangue é a vida!
Quem quer
que leia os Evangelhos, com espírito contrito, sem pensar nas extravagantes
interpretações das “testemunhas de Jeová”, ficará impressionado com a atitude
de Cristo em face do sofrimento alheio. Compadecia-Se dos doentes, curava-os,
confortava-os onde os encontrasse. E nós, como servos Seus, como Suas
testemunhas, devemos ter o mesmo espírito para com os doentes. Lemos em I João
3:16 que “devemos dar a vida pelos irmãos”.
As
“testemunhas de Jeová” não mantêm nenhum
hospital, nenhuma instituição de assistência social. Dizem que a missão deles é
restaurar o nome de Jeová e não fazer caridade. Que a melhor caridade é fazer
prosélitos. Mas quando está em jogo a vida humana, se depender de uma
transfusão de sangue, não a aceitam nem a dão, e... que morra o paciente! Para
eles a lei “Não matarás” foi abolida!
(Extraído do livro Radiografia do
Jeovismo, de Arnaldo Christianini - CPB)
Nenhum comentário:
Postar um comentário