Teologia

sábado, 27 de junho de 2020

A DECISÃO DA HORA UNDÉCIMA: É POSSÍVEL?


Ricardo André

Neste artigo queremos refletir sobre a decisão que muitos fazem de aceitar a Jesus na “hora undécima” da vida. Na parábola dos trabalhadores na vinha, registrada somente em Mateus 20:1-16, Jesus, representado pelo “dono da casa”, chama um grupo de trabalhadores na “hora undécima” para trabalhar na vinha (v. 6). E eles aceitam o chamado. Na contagem judaica do tempo, a “hora undécima”, era “por volta das 17 horas. Os homens que foram trabalhar às 17 horas deveriam trabalhar durante um período curto até que escurecesse [...]” (Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, v. 5, p. 490). Em certo sentido, o Sol se apaga diariamente para milhares de pessoas ao redor do mundo (Is 60:20). Cada vez que morre um ente querido, tenha ele sido brilhante ou não, o Sol se põe nos horizontes da família enlutada. E, muitos deixam para tomar sua decisão de aceitar a Jesus justamente ao pôr do sol da sua vida. O grupo de trabalhadores na parábola de Jesus que aceitaram o chamado na “hora undécima” representa exatamente essas pessoas. É possível alguém tomar a decisão de aceitar a Jesus na última hora da vida? Jesus aceita tal decisão? Vejamos.

Os quatro evangelhos testificam que Jesus não foi crucificado sozinho. “Com ele crucificaram dois ladrões, um à sua direita, e outro à sua esquerda” (Mc 15:27; Mt 27:38; Lc 23:33; Jo 19:17, 18). Por que Jesus foi pendurado entre ladrões? Não sabemos ao certo. Mas, a escritora cristã Ellen G. White lança um lampejo de luz acerca dessa questão ao afirmar que “isso foi feito por instrução dos sacerdotes e principais. A posição de Jesus entre os ladrões indicava ser Ele o maior criminoso dos três. Assim se cumpriu a escritura: ‘Foi contado com os transgressores’ (Is 53:12)” (O Desejado de Todas as Nações, p. 751). Os evangelhos não revelam os nomes tampouco detalhes da vida daqueles ladrões que ladeavam Jesus. Segundo a tradição, o nome do ladrão impenitente ou o “mau ladrão” era “Gestas”, e o ladrão arrependido era “Dimas”, o “bom ladrão”. Sabe-se que estes eram companheiros de Barrabás (Ibdem, p. 741). Sabe-se também que os dois eram considerados bandidos perigosos, o que explica a crucificação, já que as leis romanas reservava esta punição somente aos grandes criminosos e aos escravos. Segundo Mt 27:44, a princípio ambos os ladrões que foram crucificados com Cristo proferiram insultos contra ele. Os dois gritavam palavras rudes, obscenas, concernente ao estilo de vida de Jesus. No meio daquela mortal agonia, ambos blasfemavam dEle. Aquele criminoso endurecido parecia resumir a atitude deles ao escarnecer dizendo: “Você não é o Cristo? Salve-se a si mesmo e a nós” (Lc 23:39, NVI). Ele apoia a zombaria dos príncipes e a lança contra o Salvador moribundo. Imediatamente o outro, que estava extraordinariamente passando por uma transformação interior, o repreende: “Você não teme a Deus, nem estando sob a mesma sentença? Nós estamos sendo punidos com justiça, porque estamos recebendo o que os nossos atos merecem. Mas este homem não cometeu nenhum mal” (Lc 23:40, 41, NVI).

Mas à medida que os torturantes minutos passavam e o tempo escoava dolorosamente com lentidão, o outro ladrão voltou seu coração para Jesus e arrependido de sua vida de crime se entrega a Cristo. Amigo, você consegue visualizá-lo tentando chegar mais perto de Jesus? Dá as costas ao mundo e a uma vida desperdiçada, ao escárnio da multidão de espectadores.

As causas do arrependimento do ladrão

O que teria levado esse criminoso a se arrepender na “hora undécima” (última hora da sua vida) e a clamar a Cristo, reconhecendo-O como Salvador, enquanto seu colega continuava blasfemando contra Ele? Ellen G. White lança alguma luz acerca dessa questão, ao escrever que ele “não era um criminoso endurecido; extraviara-se por más companhias, mas era menos culpado que muitos dos que ali se achavam ao pé da cruz, injuriando o Salvador. Vira e ouvira Jesus, e ficara convencido, por Seus ensinos, mas dEle fora desviado pelos sacerdotes e príncipes” (Ibdem, p. 749). Porém, sua consciência o perturbava. E à semelhança de muitos envolvidos em graves casos de culpa, ele ultrapassou os limites cometendo pecados cada vez piores até que, finalmente, arrastado pelos crime, foi preso e sentenciados à morte. Mas agora as coisas estavam tomando seu devido lugar. A cena da sala do julgamento, a tentativa feita por Pilatos para soltar a Jesus, as palavras daqueles que seguiam ao longo do caminho até ao Gólgota. Tudo se ajustava a um modelo. Ele e seu companheiro de crime estavam para findar sua carreira para sempre. Nada mais havia para temer de qualquer ser humano.

Pendente da cruz, o ladrão arrependido lembra-se de tudo o que ouvira de Jesus e, iluminado pelo Espírito Santo, se convence que Cristo era o Filho de Deus. Agora chegara o momento de decidir. Apesar da tremenda dor, dirigiu-se a Jesus. Ele sabia que necessitava do Salvador. Com um fio de esperança em seu coração, faz ao Salvador o comovente apelo: “Jesus, lembra-te de mim quando entrares no teu Reino” (Lc 23:42, NVI). Esse pedido em tom enternecedor foi um “raio de conforto” para Cristo, após sofrer tanta injúrias e zombarias (Ibdem, p. 749). Jesus morria ao seu lado, mas Ele viria em Seu reino. Seria Rei! E o ladrão moribundo pediu para ser parte desse reino.

E dos lábios feridos de Cristo vem a promessa: “Eu lhe garanto: Hoje você estará comigo no paraíso” (Lc 23:43, NVI).  “Quando Jesus garantiu ao ladrão um lugar com Ele no “paraíso”, estava Se referindo às “muitas moradas” da casa de Seu Pai e ao momento em que receberia os Seus ali (Jo 14:1-3)” (Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, v. 5, p. 969). Jesus deu ênfase ao momento da Sua promessa. Ele queria dizer: “Neste dia da minha humilhação, você revela fé na Minha exaltação. Neste dia, quando todos os outros Me abandonam, você Me chama Salvador. Neste dia em que você chegou ao limite da sua vida, quando você lança a sua alma impotente sobre um Salvador moribundo, Eu lhe prometo. Hoje, declaro como mum decreto real a partir da cruz, como se fosse de um trono: Você estará comigo no Paraiso!”

Jesus sentiu que o ladrão prestes a morrer havia tomado sua decisão para o tempo e a eternidade. Ele podia não compreender tudo o que era possível saber sobre o Seu reino, mas Jesus prometeu-lhe um lugar no paraíso por ocasião da ressurreição, quando Ele voltar (1Co 15:20-23).

Enquanto os discípulos, temerosos, haviam fugido, exclamando com desânimo: “E nós esperávamos que era ele que ia trazer a redenção a Israel” (Lc 24:21, NVI), este homem rude e cruel, de modo inesperado, manifestou sua fé no Filho de Deus, dele recebendo a certeza da salvação eterna. Uma coroa o aguarda. Ela será dele quando Jesus estabelecer o Seu reino. É este o triunfo da fé.

As lições da experiência do ladrão arrependido

Hoje, podemos aprender algumas relevantes lições com esse ladrão.

1) A graça de Cristo pode salvar o mais vil pecador. Ninguém está além do alcance da graça de Cristo. Ninguém está numa situação tão ruim que não possa ser alcançado pelo evangelho. As Sagradas Escrituras dizem que somos justificados pela fé em Jesus, ou seja, no momento em que nos arrependemos dos nossos maus caminhos, todos os nossos pecados são perdoados (Rm 3:21-25; 5:1). Isso é fantástico! Para muitos essa preciosa verdade do evangelho soa como um absurdo, como um escândalo. É por isso que o apóstolo Paulo afirmou que “a palavra da cruz” ou a mensagem do evangelho “é loucura para os que não se perdem” (1 Co 1:18). Essa é a maravilhosa graça de Deus. Que bom que é assim, pois todos somos pecadores e necessitados dessa misericórdia divina. É confortante sabermos que apesar das nossas transgressões, Deus sempre dá uma chance para nos arrependermos e buscarmos refúgio nEle. Na hora em que a revelação de Deus entra dentro de nós, não mais nos importamos com o que vai acontecer conosco nesse mundo, pois já fomos crucificados para este mundo juntamente com Cristo (Gl 2:20). Não somos deste mundo, estamos apenas de passagem por aqui. Temos que ter a certeza absoluta de que todas as nossas dívidas já foram pagas na Cruz do calvário. A cruz simboliza a reconciliação de Deus para conosco. É um novo e vivo caminho que se abre para todos, basta nos arrependermos dos maus caminhos e confessarmos Jesus como nosso Salvador, só isso! A obediência a Ele vem como consequência (Ef 2:8-10).

2) Não podemos escapar das consequências temporais da vida de pecado. Cristo lhe prometeu vida eterna, o que indica que os seus pecados foram perdoados. Mas não o mandou descer da cruz. Os crimes pelos quais havia sido condenado teriam de ser pagos. É como se Cristo lhe tivesse dito: “Olha, Dimas, como você se arrependeu, Eu pago, na Minha cruz, as consequências eternas dos seus crimes e pecados. Mas as consequências temporais, você terá de pagar, na sua cruz!” Dimas, portanto, não ficou impune.

3) A salvação oferecida por Cristo vale enquanto o coração bater. À semelhança do “bom ladrão”, muitos aceitarão a Cristo e sua graça na “hora undécima” da sua vida, quando o sol estiver se pondo, ou seja, na última hora da sua vida. Eles são representados pelos trabalhadores que foram chamados na “hora undécima” (17h00) pelo “dono de casa” (Jesus), da parábola dos trabalhadores na vinha. No Céu teremos muitas surpresas. Uma delas, é justamente ver pessoas que julgávamos que nunca entrariam no reino de Deus por terem vivido no lamaçal de pecados, mas que nos últimos instantes de suas vidas se arrependeram deles e clamaram a Jesus como Salvador. Pela graça de Deus, elas estarão lá. Podemos ver com os olhos da imaginação Jesus, ainda hoje, inclinado sobre doentes, nos instantes finais, atento ao mínimo sinal de aceitação. Apenas um dedo levantado na direção do Céu, um olhar para Ele são suficientes para que Cristo entenda que esses doentes terminais estão aceitando-O como seu Salvador pessoal.

Ainda que essas pessoas sejam chamadas no final de suas vidas, elas são para Deus tão importantes quanto aquelas que serviram na obra durante muitos anos. Devemos nos lembrar de que lá encontraremos tanto o ladrão que se arrependeu prestes a morrer ao lado de Jesus na cruz, como também Timóteo que trabalhou na obra desde a sua infância (2Tm 3:15).

Caro amigo leitor, enquanto há vida, há esperança. Contudo, procrastinar a decisão de se entregar a Cristo para o derradeiro momento da vida é muito arriscado, pois para milhões de pessoas a morte chegou subitamente e essa decisão não foi possível. É um erro querer ser salvo nos mesmos termos do “bom ladrão”. Os mesmos princípios básicos – a salvação pela fé mediante a graça – são válidos para todos. Mas seria errado procurar ser salvo exatamente como o ladrão foi. Nós não estamos morrendo numa cruz. Ele foi crucificado! Portanto, devemos nos volver a Ele hoje. Jesus está perto para auxiliar-nos agora. Concede-nos perdão e poder para viver por Ele em nossa vida de cada dia. Isso é absolutamente verdadeiro. Você pode contar com isso.

 

 

 

domingo, 21 de junho de 2020

QUEM SOMOS: NOSSA IDENTIDADE E NOSSO PAPAEL NESTE MOMENTO DA HISTÓRIA


Robert Costa*

Neste tempo de crise global, é importante ter uma compreensão clara da nossa identidade e do nosso objetivo. Este artigo é para um tempo como este. Foi resumido de uma newsletter do Comitê Executivo da sede mundial da Igreja Adventista. Ted N. C. Wilson. Presidente da Associação Geral.

Nossa igreja é apenas mais uma igreja? O que nos distingue do restante da cristandade? O que justifica nossa existência? Deus responde a essas perguntas. Ele nos vê no contexto do grande conflito: “Vocês, porém, são geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo exclusivo de Deus, para anunciar as grandezas Daquele que os chamou das trevas para a Sua maravilhosa luz” (1Pe 2:9, NVI).

Essa declaração define nossa identidade e nosso propósito. Mas e o restante do mundo cristão não pode alegar a mesma coisa? Em parte, sim, mas não totalmente, e essa pequena margem faz toda a diferença.

A DIFERENÇA

Somos a igreja que apresenta a verdade em sua totalidade. Muitas igrejas levam pessoas a Jesus. Porém, se as maiores verdades para nosso tempo forem excluídas, será um evangelho incompleto. A Bíblia sempre deveria ser apresentada como um todo. É um engano misturar a verdade com o erro e, mais sutilmente, não dizer toda a verdade. Podemos nos precaver contra isso reavivando nossas origens, identidade, mensagem, compromisso e a missão do nosso lar, púlpitos e salas de aula.

Não somos apenas mais uma igreja. Somos o movimento final que Deus levantou para um tempo profético, com uma mensagem profética, centrada em Jesus e na Sua graça, para restaurar toda a verdade e preparar o mundo para o Seu retorno.

“Os adventistas do sétimo dia foram escolhidos por Deus como um povo peculiar, separado do mundo”, escreveu Ellen White. “Com a grande talhadeira da verdade. Ele os cortou da pedreira do mundo, e os ligou a Si. [...] O maior tesouro da verdade já confiado a mortais, as mais solenes e terríveis advertências que Deus já enviou aos homens foram confiadas a este povo, a fim de serem transmitidas ao mundo” (Testemunhos Para a Igreja, v. 7, p. 138).

O apóstolo Paulo disse que a igreja é “coluna e fundamento da verdade” (1Tm 3:15). Foi para esse propósito que Deus chamou Israel (Dt 7:6-9; 14:2; Is 60:1-3), para ser o Seu povo especial. Ele não deixou a critério deles a escolha de como viver, como adorar e como evangelizar, mas deu instruções específicas.

Infelizmente, o antigo Israel falhou. Porém, o plano de Deus, não terminou ali. No exato momento profético, algo grande aconteceu no Céu, algo “tão essencial ao plano da redenção como foi a morte de Jesus na cruz” (O Grande Conflito, p. 486). Deus abriu os livros. O mundo precisa saber.

CERTIDÃO DE NASCIMENTO PROFÉTICO

Por isso, Deus levantou um povo em meio ao desapontamento, profetizado por Jesus em Sua visão dada a João séculos atrás (Ap 10:5-11), para o compromisso sagrado de restaurar toda a luz da Sua verdade, apresentando “com alta voz” as três mensagens de amor mais solenes jamais reveladas (Ap 14:6-12).

O desapontamento foi a certidão de nascimento do verdadeiro povo de Deus. Se a última igreja não tivesse surgido de uma decepção durante o momento profético, durante o estudo das profecias de Daniel, ela não poderia ser a verdadeira igreja. Foi quando nossos pioneiros estudaram diligentemente as Escrituras para discernir o que tinha acontecido em 22 de outubro de 1844 que compreenderam, pela fé, onde Jesus está ministrando.

Pouco depois, Deus deu a esse povo o dom de profecia, definindo assim as duas características marcantes do remanescente do tempo do fim: aqueles que guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus, que é o espírito de profecia (Ap 12:17; 19:10). Estes dois componentes aparecem juntos na Escritura e definem o verdadeiro povo de Deus (Is 8:19, 20).

Na primeira visão de Ellen White, Deus estabeleceu claramente a ascensão, o curso e o destino deste movimento. Se a verdade do santuário celestial não for compreendida, o plano da salvação também não será completamente compreendido.

CUIDADO COM AS DISTRAÇÕES

Certas distrações e perigos podem comprometer nossa identidade, nossos propósitos e nossa missão como povo remanescente.

Deixar de apresentar a verdade atual. O evangelho eterno foi o plano de salvação apresentado a Adão e Eva. Há também verdade presente dentro do contexto do evangelho eterno. Qual é a verdade presente para esta hora? As verdades centram-se no lugar santíssimo do santuário celestial, onde Jesus ministra hoje.

Concentrar-se apenas na justiça social e na ajuda humanitária sem levar as pessoas a Jesus e à mensagem plena do evangelho. Muitas entidades seculares fazem um excelente trabalho social. Mas a ajuda e a justiça social não são a nossa missão final como igreja. Passagens em Miquéias 6, Isaías 58 e Tiago enfatizam a ajuda que devemos oferecer aos outros. O próprio Jesus fez boas obras. No entanto, Sua missão não era apenas aliviar o sofrimento, e sim salvar a raça humana. Ele viveu Sua religião, mostrando amor e compaixão dentro do contexto da missão. É importante ajudar as pessoas suprindo suas necessidades temporais, mas não podemos para por aí. Precisamos levar as pessoas ao pé da cruz e à mensagem plena do advento.

Imitar a liturgia, a música e os métodos de crescimento de outras denominações. Para Israel, imitar outros povos produziu resultados catastróficos (Nm 22-24). Alguns buscam ideias de fontes que negam verdades bíblicas importantes, depois aplicam esses métodos em nossas igrejas. O que nos motiva a adotar o estilo de adoração e métodos de crescimento das igrejas que a Bíblia descreve como “Babilônia”? Deus nunca sugeriu que, para alcançar as nações vizinhas, Israel deveria adotar seus métodos ou estilo de adoração.

Enfatizar um adventismo existencialista no qual o discipulado é separado da doutrina. Se falamos apenas do mestre e das Suas virtudes, mas não ensinamos o que Ele nos pede que ensinemos, até que ponto podemos realmente ser bons discípulos? Como os novos crentes podem ensinar aos outros as verdades que não aprenderam?

Quando a pregação deixa de ser profética, doutrinária e centrada em Cristo e se baseia apenas na graça barata, leva à satisfação pessoal, em que é impossível haver um reavivamento genuíno. Um evangelho da graça barata produz liberalismo; um evangelho de advertência produz fanatismo. Nós não somos fanáticos nem liberais. Somos discípulos que recebem e aceitam a graça de viver de forma comprometida.

RESPONSABILIDADE RECEBIDA DE DEUS

Será que compreendemos a responsabilidade que Deus que Deus nos conferiu nestes últimos dias da grande controvérsia entre Cristo e Satanás?

Ellen White escreveu: “Em sentido especial foram os adventistas do sétimo dia postos no mundo como vigias e portadores de luz. A eles foi confiada a última mensagem de advertência a um mundo a perecer. Sobre eles incidiu a maravilhosa luz da Palavra de Deus. Foram incumbidos de uma obra da mais solene importância: a proclamação da primeira, segunda e terceira mensagens angélicas. Nenhuma obra há de tão grande importância. Não devem eles permitir que nenhuma outra coisa lhes absorva a atenção” (Testemunhos Para a Igreja, v. 9, p. 19).

Que privilégio e responsabilidade? Sabemos como as coisas vão acabar. Uma última geração permanecerá firme e amará tanto o Senhor que será obediente a Ele. Esse fiéis serão selados para a eternidade, estabelecidos em toda a verdade bíblica para que não possam ser tocados. Essa geração participará de coisas maravilhosas, como a chuva serôdia e a terminação da obra de Deus. A Terra será iluminada com a Sua glória (Ap 18:1).

Minha oração é que sejamos essa última geração. Maranata!

*Robert Costa é secretário ministerial associado e coordenador do evangelismo mundial da Igreja Adventista do Sétimo Dia.

FONTE: Revista Adventista, Junho 2020, p. 22 e 23.

 


quinta-feira, 18 de junho de 2020

O QUE VAMOS LEVAR PARA O CÉU: O TEMPERAMENTO, O CARÁTER OU A PERSONALIDADE?


O. Javier Mamani-Benito*

Deus não nos pede para sermos cada vez melhores, Ele nos pede para nascermos de novo. Somente então seremos capazes de desenvolver um caráter à Sua imagem. O caráter transformado é o único tesouro que podemos levar para o Céu.

Quando fazia a pesquisa para a minha tese de graduação, deparei-me com este texto − um dos mais incisivos que já li nos escritos de Ellen White: “Os traços de caráter que nutrirdes na vida não se mudarão pela morte ou pela ressurreição. Saireis do sepulcro com a mesma disposição que manifestáveis no lar e na sociedade”.1 À primeira vista, a declaração é muito clara e inequívoca. Se a lermos cuidadosamente, podemos concluir que o caráter se refere à nossa maneira de ser, sentir, pensar e agir. Pessoalmente, sinto-me em conflito com essa interpretação tão simplista, especialmente no contexto da minha profissão como psicólogo. A literatura psicológica descreve as pessoas com muito mais nuances, envolvendo conceitos como os de temperamento e de personalidade, além do caráter. Esses três termos são usados frequentemente de forma intercambiável, mas a psicologia determinou limites claros quanto ao seu uso. Muitos pesquisadores têm sugerido que o conceito de personalidade explica melhor as diferenças entre as pessoas e a organização geral das características. A personalidade em si pode ser vista como composta pelo temperamento e o caráter.2

Ao procurar entender e encontrar uma resposta para a pergunta apresentada no título deste artigo, devemos levar em consideração a origem e o significado de cada termo à luz da literatura da psicologia.

TEMPERAMENTO

A palavra temperamento vem do latim temperamentum, significando “mistura”.3 Palavras como melancólico, sanguíneo, colérico e fleumático são usadas frequentemente para descrever as pessoas. O temperamento representa a parte biológica do comportamento humano, que é determinado pela genética. Os traços de temperamento estão presentes por ocasião do nascimento, e assim permanecem ao longo da vida. As influências ambientais intencionais, particularmente a influência dos pais, ou mesmo o impacto não intencional das experiências traumáticas, afetam o temperamento, mas não o alteram completamente.

CARÁTER

O termo grego para caráter significa “marca”. É o cunho pessoal que uma pessoa dá aos seus atos.4 Diferente do temperamento com o qual a pessoa nasce, o caráter está relacionado à parte da personalidade que é aprendida. Os resultados obtidos com as experiências da vida, por sua vez, moldam o aspecto biológico, isto é, os traços do temperamento. A formação do caráter é o resultado da interação do indivíduo com seu ambiente e é medido pela ética, pela moral e o raciocínio virtuoso, pela motivação e também pelo comportamento.5 O caráter é uma função da autorregulamentação social, que resulta na descrição de uma pessoa como honesta, boa etc.

PERSONALIDADE

A formação da palavra “personalidade” vem do termo latino personare,6 que se referia às máscaras usadas pelos atores de teatro na Grécia Antiga e significava o papel desempenhado pelo ator. Em épocas posteriores, o termo foi usado para designar um indivíduo separado do seu ambiente e, a partir da Idade Média, passou a descrever as características que determinam as tendências comportamentais de um indivíduo. Em Psicologia, a personalidade é definida como um grupo de elementos psicológicos que difere um indivíduo dos outros. Dessa forma, o termo se refere a todo o conjunto de caraterísticas de uma pessoa, como também aos padrões de pensamento, sentimentos e comportamento, como também a forma em que eles se unem como um todo. A formação da personalidade resulta de uma integração da base biológica (temperamento) com o padrão de comportamento aprendido e influenciado pelo meio ambiente (caráter).7 Na formação da personalidade, as influências ambientais interagem com a tendência genética e juntos formam os traços particulares da pessoa. O caráter é uma parte da personalidade e é o que a pessoa é internamente no que diz respeito às motivações e à tomada das decisões mentais e morais. Tanto o temperamento como o caráter são influenciados, mas não totalmente mudados pelo ambiente. A personalidade é quem a pessoa revela ser externamente, a concha externa com a qual os outros interagem, comparada aos termos mais específicos do temperamento e do caráter, que são os elementos dos quais é ela constituída.8

Tendo esclarecido a origem e o significado desses termos, e entendendo que eles não são sinônimos, com diferentes conotações quanto ao comportamento humano, estamos mais próximos da resposta à pergunta feita anteriormente. Permita-me acrescentar mais um ponto de vista com base nas Escrituras: Paulo escreveu que, quando Jesus vier pela segunda vez, vamos passar pela experiência da transformação do nosso corpo (1 Coríntios 15:42-55). Essa transformação é necessária, pois nosso corpo atual passou pela corrupção por causa do pecado e da morte.9 A transformação pela qual nosso corpo passará por ocasião da Segunda Vinda será semelhante à que Jesus passou quando ressurgiu. Essa transformação é essencial para que os seres humanos possam se adaptar às novas condições do Céu. Na ressurreição, nosso corpo será despido de toda corrupção e das enfermidades do pecado, e receberá um novo e glorioso corpo, igual ao de Jesus ressuscitado (Colossenses 3:4; 1 Tessalonissenses 4:16, 17). Dito isto, não nos devemos esquecer de que a única coisa que não será mudada por ocasião da Segunda Vinda é o nosso caráter. Quando nos encontrarmos com nosso Senhor em sua segunda vinda, será com o caráter transformado que já temos.10 Por toda a eternidade, vamos manter esse caráter que foi transformado por Sua graça.

Se dissermos que o que levamos para o Céu é o temperamento e a personalidade, isso seria contrário ao que a Bíblia diz. Lembremo-nos de que a personalidade inclui tanto o temperamento (com o qual nascemos) como o caráter (que é aprendido). As Escrituras nos levam a entender que nosso novo corpo incluirá uma base biológica. Isso implica em um temperamento não predisposto à hereditariedade do pecado. Em Êxodo 20:5, no contexto do mandamento, Deus diz que vai visitar os pecados dos pais sobre os filhos até a terceira e quarta gerações. Isso nada mais é do que o resultado de um comportamento pecaminoso operando através das leis da hereditariedade, passando de uma geração para outra.11 Considerado dentro desse contexto, nosso novo temperamento será uma nova forma de apoio biológico para o caráter formado aqui na Terra. Ele vai remover a possibilidade de reter e desenvolver os impulsos da nossa natureza pecaminosa que inerentemente distorce a formação de um caráter como o de Jesus.

É por isso que Ellen White enfatizou a importância da transformação de caráter enquanto ainda estamos aqui na Terra. Reflita nesta declaração feita por ela: “Não se herda caráter perfeito e nobre. Não o recebemos por acaso. O caráter nobre é ganho por esforço individual mediante os méritos e a graça de Cristo. Deus dá os talentos e as faculdades mentais; nós formamos o caráter”.12

Com base nessa análise e entendendo a importância da formação do caráter essencial, é natural que todo crente pergunte: “Como posso desenvolver um caráter de acordo com as condições requeridas pelo Céu?” Nessa busca por respostas à luz da Palavra de Deus, o encontro de Nicodemos com Jesus nos é bastante útil (ver João 3:1-21). Em sua procura para entender a verdade, Nicodemos recebeu uma resposta clara: “Digo-lhe a verdade: Ninguém pode ver o Reino de Deus, se não nascer de novo” (verso 3).13 Como Nicodemos não conseguiu entender essas palavras, Jesus acrescentou: “Digo-lhe a verdade: Ninguém pode entrar no Reino de Deus, se não nascer da água e do Espírito” (verso 5). A resposta de Jesus referia-se ao batismo com água e à completa transformação da vida pelo poder do Espírito Santo.14 Nascer “da água e do Espírito” significa “nascer de novo”, nascer do Alto. Aqueles que experimentam esse novo nascimento reconhecem a Deus como Pai e refletem o Seu caráter. Entender essa bela dinâmica envolve aceitar que a transformação trazida pelo Espírito Santo também nos faz aspirar a viver uma vida comprometida em vencer o pecado e ter a capacidade de dominar os impulsos do passado. Isso se ajusta perfeitamente às descobertas científicas que discutem a parte aprendida do comportamento humano, ou seja, o caráter. Essa transformação magnífica foi elucidada por Ellen White quando escreveu: “Todos os justos atributos de caráter habitam em Deus como um todo perfeito, harmonioso. Todo aquele que recebe a Cristo como Salvador pessoal é privilegiado com a posse desses atributos”.15

Todo crente que deseja desenvolver um caráter digno do reino do Céu deve primeiro aceitar a Jesus como seu Salvador pessoal, mostrar seu compromisso publicamente por meio do batismo e renovar pessoalmente esse pacto cada dia, para que o poder do Espírito Santo possa realizar a mais complicada intervenção terapêutica conhecida na psicologia − a transformação do caráter da pessoa. Isso também torna claro que, embora um agente externo efetue essa obra, cada pessoa deve continuar exercendo a sua vontade e esforçar-se para realizar as mudanças necessárias. Ellen White fez a mesma colocação desta maneira: “Um caráter bom não vem por acaso; é formado por esforço perseverante, incansável”.16 Os membros da igreja que trabalham na área da psicologia concordam com essa declaração. Toda pessoa que deseja fazer mudanças e aprimorar sua personalidade deve fazer o compromisso de investir na parte do comportamento que se aprende. Essa transformação pode ser alcançada se a pessoa introduz mudanças em seus hábitos pessoais e estilo de vida para que a coerência e a estabilidade sejam implantadas em seus padrões de comportamento ao longo do tempo.

As livrarias estão cheias de livros de autoajuda sobre como ser mais feliz, bem-sucedido ou emagrecer. Deus não nos pede para sermos cada vez melhores, Ele pede para nascermos de novo. Somente então seremos capazes de desenvolver um caráter à Sua imagem. O caráter transformado é o único tesouro que podemos levar para o Céu. O corpo que temos agora vai ser transformado e adaptado às condições de perfeição do Céu quando Cristo voltar. Os fiéis que estiverem vivos passarão por essa transformação. Aqueles que dormiram em Cristo ressurgirão com um corpo imortal. Como a crisálida que a borboleta abandona antes de alçar seu primeiro voo, o corpo mortal e a parte pecaminosa do temperamento e da personalidade serão deixados para trás. As inclinações do nosso coração estarão livres da tentação dos desejos enganosos e pecaminosos. Nossas ambições serão santas, nosso caráter será transformado e santificado, mas quem nós somos, como indivíduos únicos, todos vamos permanecer os mesmos. Esse processo começa com o novo nascimento. Se essa é uma decisão que você já fez, o Espírito Santo concluir a boa obra que começou!

*O. Javier Mamani-Benito (MEd pela Universidad Peruana Unión, Peru) é professor de Psicologia na Universidad Peruana Unión, em Lima, Peru, e pesquisador certificado pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia do Peru. E-mail: oscar.mb@upeu.edu.pe.

NOTAS E REFERÊNCIAS

1. Ellen G. White, O Lar Adventista (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,1992), 16.

2. Ángel Izquierdo Martínez, “Temperamento, carácter, personalidad. Una aproximación a su concepto e interacción,” Revista Complutense de Educación (2002): 2: 617-643.

3. Lilia Alborez, Ma Marquez, e Bruno Estañol, “¿Qué es el temperamento? El retorno de un concepto ancestral,” Salud Mental,/i> (2003): 3: 16-26.

4. Ibid.

5. “How Does Personality Differ From Character and Temperament?” enotes.com: https://www.enotes.com/search?q=how+does+persona lity+differ+from+character.

6. Merfi Montaño, Jenny Palacios, and Carlos Gantiva, “Teorías de la personalidad. Un análisis histórico del concepto y su medición.” Psicología. Avances de la disciplina (2009): 2: 81-107.

7. Psicología. Avances de la disciplina (2009): 2: 81-107.

8. Alex Figueroba, “Diferencias entre personalidad, temperamento y carácter.” Psicología y Mente.com: https://psicologiaymente.net/ personalidad/personalidad-temperamento-caracter-diferencias.

9. Francis D. Nichol, ed., Seventh-day Adventist Bible Commentary, (Washington, D.C.: Review and Herald, 1980), 812, 813.

10. Ibid.

11. Ibid., Êxodo.

12. Ellen G. White, Parábolas de Jesus (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1996), 331.

13. Todos os textos bíblicos citados neste artigo foram extraídos da Nova Versão Internacional.

14. Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, João 3.

15. Ellen White, Para Conhecê-Lo (Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1965), 131.

16. Ibid., 233.

FONTE: https://dialogue.adventist.org/pt/3339/o-que-vamos-levar-para-o-ceu-o-temperamento-o-caracter-ou-a-personalidade

 


terça-feira, 16 de junho de 2020

RESPOSTA AO DISCURSO ALIENANTE E ENVIESADO DO DR. RODRIGO SILVA


Ricardo André

No dia 07 de junho, o Dr. Rodrigo Silva, apresentador do Programa “Evidências”, da Rede de Televisão Novo Tempo, postou em seu canal no Youtube “Rodrigo Silva Arqueologia” um vídeo de 31 minutos e 48 segundos, cujo título é: “Racismo, Protestos, Ideologias”. Nele, o referido doutor expõe abertamente seu posicionamento contrário as gigantescas manifestações antirracistas que explodiram em dezenas de cidades estadunidenses desencadeadas pelo assassinato brutal de George Floyd, um homem negro, de 46 anos, por um policial branco, no dia 25 de maio, no estado de Minnesota.

Durante seus comentários, ele apresenta as razões do seu posicionamento contrário aos protestos nos EUA. Entre outras coisas, ele alega o “quebra-quebra” presente nos protestos, as motivações ideológicas e o exemplo de Jesus, que segundo ele, Cristo que disse: “Dai a César o que é de César”, ensinou que não devemos boicotar os impostos, que devemos “dá a outra face”, que Ele não agiria como os manifestantes queimando pneus, que não tinha preferência pelos pobres.

Antes de analisar seu discurso, devo dizer que reconheço o importante trabalho desenvolvido por ele no sentido de esclarecer importantes assuntos bíblicos, e de nos ajudar a confiar na Bíblia por meio do seu Programa “Evidências”. No entanto, sou obrigado a discordar veementemente da posição equivocada do apresentador ao expor sua opinião sobre os temas já mencionados. De uma simples leitura de seus comentários enviesados, se infere que o doutor Rodrigo Silva:

1) Erra ao tentar deslegitimar um movimento justo. É lamentável sob todos os aspectos o posicionamento contrário dele as manifestações antirracistas, desprezando, inclusive a justeza das reivindicações do movimento, bem como seus méritos, que fizeram o mudo debater o racismo e forçou o presidente Donald Trump a assinar decreto para iniciar uma reforma necessária na Polícia americana, a fim de torná-la mais humanizada. Ao se colocar contra os protestos dos negros americanos, Rodrigo Silva recorre à estratégia das elites brancas conservadoras para tirar a legitimidade do movimento civil dos negros norte-americanos. Elas pensam que protesto é uma caminhada evangélica, ou uma procissão que todo mundo sai as ruas silenciosamente, sem gritos de ordens e sem cartazes. Ora, um protesto pressupõe um “conflito”, obviamente, não no sentido de “banditismo” tão pouco de violência gratuita. É preciso que se diga que a ação violenta de um pequeno grupo de manifestantes não pode tirar a legitimidade do movimento, haja visto que a pauta é legítima, que é a justiça por Floyd e o fim do racismo estrutural, que é histórico naquele país. A maioria das pessoas que participaram dos protestos não eram violentas e fizeram protestos pacíficos.

Ademais, quando entendemos que há anos que os negros americanos sofrem a violência policial e a desigualdade racial, a indignação e as ações radicais de alguns nas manifestações é até compreensível. Particularmente, sou contra o uso da violência em qualquer tipo de protesto, tanto por parte de policiais como de manifestantes. Mas, não tenho o direito de criminalizar um movimento como um todo por causa do uso pontual da violência empregada por alguns poucos manifestantes. A história de Floyd, de 46 anos, cujo nome e agonia deram a volta ao mundo, se perde na selva de estatísticas que contam o que significa ser negro nos Estados Unidos hoje. Meio século depois da extinção das leis de segregação, mais de 150 anos depois da abolição da escravidão, e alcançados marcos tão simbólicos quanto a eleição de um presidente negro, brancos e negros não vivem a mesma vida. Os primeiros continuam ganhando mais dinheiro do que os segundos, gozam de melhor saúde e têm muito menos probabilidade de acabar seus dias no chão retidos por quatro policiais durante oito minutos e 46 segundos enquanto gritam em público: “Não consigo respirar”. Essa foi a onda mais generalizada e intensa de protestos contra o racismo desde o assassinato de Martin Luther King, inclusive atravessando fronteiras. Seu nome é o último de uma longa lista de mortes incompreensíveis nas mãos das forças de segurança, a manifestação extrema de um viés racista que sobrevive no consciente e no inconsciente deste país, um tipo de segregação diferente da jurídica, econômica em boa medida, que se mantém ao longo das décadas.

E ainda o Dr Rodrigo Silva vem com essa “conversa mole” de que "é contra os protestos por causa do quebra-quebra", para justificar seu não envolvimento e omissão nas questões étnico-raciais. Por se reconhecer uma pessoa negra e ocupar a posição que ocupa deveria ser um dos primeiros a alçar a voz contra as injustiças cometidas contra o povo negro norte-americano e contra os daqui. Por ser cristão, deveria ser, à semelhança dos profetas do passado, a voz dos oprimidos (Is 1:17). Ao invés de ficar com essa "conversa pra boi dormir", Silva deveria empregar seu canal para promover a reflexão a respeito do racismo como uma prática pecaminosa, logo reprovada por Deus, suas consequências para os negros, bem como debater a implementações de ações, a fim de superar a discriminação racial na sociedade, e mesmo na igreja. Mas não, ele preferiu empregar 30 minutos do seu vídeo tentando deslegitimar os protestos antirracistas. Durante todo o seu discurso, percebe-se nitidamente que ele estava preocupado unicamente em combater o movimento antirracista, quando deveria combater o racismo. Que lástima! É preciso que se entenda que ficar em silêncio diante de atitudes racistas, sem interferir, é ser cúmplice.

A verdade é que, quando a pessoa se nega a perceber a importância de tratar das questões raciais e as consequências do racismo para a população negra, propondo um silenciamento sobre tais temas (nas entrelinhas o doutor propôs isso), ela externa ignorância sobre os elementos sociais que estruturam nossa sociedade e reproduz um racismo cordial, pois engrossa um discurso de igualdade que serve apenas para manter a situação como sempre foi, a da opressão do povo negro.

Cabe aqui duas frases de valor inquestionável do grande ativista negro e Pastor Batista Martin Luther King: “Quem aceita o mal sem protestar, coopera com ele”. “O QUE ME PREOCUPA NÃO É O GRITO DOS MAUS, MAS O SILÊNCIO DOS BONS”. São exatas! É sob o silêncio cúmplice dos decentes que alguns dos maiores crimes acabam sendo perpetrados. Um texto do Pastor Niemöller, que cometeu o equívoco de ser simpatizante do nazismo no começo do movimento — e veio a se tornar seu adversário radical, tanto que foi parar num campo de concentração -, expressa esse mesmo valor:

“Um dia, vieram e levaram meu vizinho, que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho, que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia, vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram. Já não havia mais ninguém para reclamar.”

Penso que a partir do momento que o Dr. Silva se reconhece uma pessoa negra e sabe que no seu país existe racismo, e que ele está em uma situação favorável como professor de Universidade e apresentador de TV que permite influenciar milhares de pessoas a respeito da questão racial, e não o faz, eu acho que, mais cedo ou mais tarde, ele vai se arrepender dessa omissão. Espero que lá na frente isso aconteça com ele.

2) Erra ao usar argumento raso e racista

Causou-nos indignação o argumento racista empregado pelo Dr. Rodrigo ao afirmar, com base em dados do livro “A Guerra contra a Polícia”, da escritora americana Heather Mac Donald, que nos EUA, os negros cometem mais crimes dos que os brancos. Como se não bastasse, de forma debochada, afirma que negar isso é “ter teoria da conspiração na cabeça”. O objetivo desse argumento é nitidamente associar a população negra americana aos índices de criminalidade. Ao empregar esse tipo de pressuposto, Silva reproduz as velhas sutilezas racistas por meio da associação da cor da pele à criminalidade. Falas como estas contribuem para reforçar estereótipos do negro como criminoso em potencial, e essa é justamente uma das razões pelas quais são eles os principais alvos das abordagens policiais.

Perguntamos: Qual o sentido desse recorte racial no que toca à prática de crimes? É encontrar características biológicas que justifiquem a superioridade racial de uns sobre outros e, com isso, instituir padrões de controle social focados nos “degenerados”, “desviantes”, “bárbaros” (os nascidos da mestiçagem, os rústicos, os negros). Sua argumentação serve muito bem ao propósito de estabelecer um determinismo biológico que designa a raça como fator criminógeno. Aliás, o positivismo racial nada tem de inocente e serviu a propósitos políticos e econômicos bastante claros.

A naturalização do racismo a partir de arquétipos deterministas justificou, historicamente, a escravidão moderna e o colonialismo pela subjugação das “raças” inferiores. Hoje em dia, com mais sutilezas, justifica o superencarceramento da população negra, a maior abordagem policial sobre pessoas negras e a repressão nas favelas, pois, no imaginário social, ali estão os crimes que devem ser reprimidos. A abordagem, então, em que pese teoricamente equivocada, é útil para legitimar o controle e a exploração sobre a população negra. Dizer que negros cometem mais crimes que brancos é racismo, sim. A premissa é racista e rasa. Lamentavelmente, com essa argumentação Rodrigo Silva cometeu racismo. Que absurdo!

Silva não revelou que a autora em que se baseia para tal absurdo é branca, e que no seu livro considera normal os negros serem 26% dos mortos pelas polícias, mesmo representando 12,69% da população do país, conforme números oficiais. Não podemos perder de vista que tanto nos EUA como no Brasil a justiça é seletiva. A abordagem a negros é muito maior do que a pessoas brancas, isso explica em parte o alto índice de prisões de negros. Porém, estatísticas recentes no site do Federal Bureau Of Prisons, responsável pelas prisões nos Estados Unidos, revelam uma realidade completamente diferente daquela apontada por Heather M. Donald. Lá, as estatísticas apontam que 38% dos 164 mil presos em unidades federais do país são negros, contra 58,2% brancos, 2,3% nativos americanos e 1,5 asiáticos. Os dados são do dia 30 de maio de 2020.

3) Erra ao desprezar o movimento por ser, segundo ele, “movido por ideologias”. Perguntamos ao doutor: Qual das nossas atitudes e ações não trazem uma carga ideológica subjacente? Na verdade, não existe neutralidade ideológica. Nas palavras do mestre Paulo Freire, “toda neutralidade afirmada é uma opção escondida”. Portanto, quem defende a “neutralidade ideológica" está do lado dominante da sociedade e é contra o lado oprimido e dominado. Tentar evitar ideologias é impossível. Nossa sociedade se organiza através de ideologias. A partir do momento que pensamos, concebemos ou falamos a respeito de algo, esse algo já está sendo pensado, concebido e falado através de alguma ideologia. Não temos como fugir disso. O próprio discurso do doutor Silva possui um forte viés “ideológico”, inclusive no vídeo faz um alerta: “Tomemos cuidados com as ideologias que querem fazer nossa cabeça”. Seu discurso visa, entre outras coisas, justificar a inércia, omissão e alienação dos cristãos frente aos problemas sociais, bem como afastá-los da participação em movimentos que lutam por justiça social. Comumente os pastores e outros líderes religiosos conservadores, em seus discursos procuram introjetar nos cristãos a ideia de que, como cidadãos dos Céus não devem se envolver com questões sociais que afligem as pessoas do mundo, inclusive os cristãos; que eles têm que “olhar somente para o alto”, esquecer as coisas do mundo, que isso e aquilo são contrários aos princípios ensinados por Jesus, etc. Isso é uma ideologia, e que favorece a elite dominante da sociedade. É uma forma de instrumentalizar a religião para domesticar os crentes e a conformá-los com as mazelas sociais.

Penso que pior do que defender uma ideologia com convicção é defendê-la através de uma suposta neutralidade, utilizando de subterfúgios argumentativos. Pessoas carregam história e essa história nos mostra o reflexo das segregações sociais. Ignorar isso é ignorar o sofrimento passado por muita gente que sempre ficou à margem da sociedade.

Enquanto os cristãos fazem vistas grossas as injustiças sociais, políticas e raciais, milhares de mulheres estão sendo violentadas e assassinadas, centenas de crianças e adolescentes estão sendo violentadas e exploradas sexualmente, centenas de jovens negros e negras estão sendo assassinadas e sofrendo com as desigualdades sociais, milhões de pessoas estão vivendo abaixo da linha da pobreza, vivendo na miséria, trabalhadores perdendo seus direitos por causa de leis injustas, entre outros problemas políticos e sociais.

Se Martin Luther King pensasse como muitos de nós, os negros americanos ainda estariam segregados. Foi ao custo de muitas greves, boicotes e manifestações que a América se dobrou às reivindicações daquele jovem pastor.

Acredito que os cristãos não somente podem como devem participar de movimentos sociais que lutam contra o racismo, pela justiça social, pelo direito à moradia, atendimento médico-hospitalar público e de qualidade, a terra, pela preservação do meio ambiente, entre outros. Reproduzo abaixo interessante trecho da Lição 5 da Escola Sabatina, 3º Trimestre de 2019, edição do professor, que reforça o que estou afirmando:

“Às vezes os membros da igreja evitam o envolvimento em protestos e na defesa de causas por medo de ser vistos como muito políticos. Leia Jeremias 22:1-3, 13-17. Jeremias, outro profeta envolvido na defesa de causas, intercedeu em favor dos oprimidos perante os líderes do governo de sua época. A seguir, leia a citação de Jan Paulsen e discuta suas implicações.

“Há uma grande diferença entre procurar ser ouvido no discurso público e procurar exercer poder político. Como igrejas e indivíduos, não só temos o direito, mas também a obrigação de ser uma voz moral na sociedade, de falar com clareza e eloquência sobre o que está relacionado aos nossos valores. Direitos humanos, liberdade religiosa, saúde pública, pobreza e injustiça são algumas das áreas que temos a responsabilidade dada por Deus de defender aqueles que não podem falar por si mesmos” (Jan Paulsen, Serving Our World , Serving Our Lord” [Servindo ao Nosso Mundo, Servindo ao Nosso Senhor], Adventist World, Edição da DivisãoNorte-Americana, maio de 2007, p. 9, 10)”. (Lição da Escola Sabatina, 3º Trimestre de 2019, edição do professor, p. 67).

4) Erra ao não reconhecer que os pobres e oprimidos eram o foco especial do ministério de Jesus

No seu discurso, o Dr. Rodrigo Silva, menciona a expressão “Opção pelos Pobres”, da Teologia da Libertação, e afirma, de forma incisiva, que Jesus não fez “opção pelos pobres”, “Ele não fez opção por ninguém, que “Ele não faz acepção de pessoas”, criando, desse modo, confusão entre as duas expressões. Afirma ainda que, "dizer que Cristo fez 'opção pelos pobres' é criar racismo reverso, como se ser rico é pecado, é está fora da preferência de Cristo". Para sustentar seu argumento tosco, menciona alguns personagens bíblicos ricos que foram alvo do ministério de Cristo, a exemplo de Zaquel, Simão e Nicodemos. Com esse discurso, Silva revela sua completa ignorância a respeito do sentido da expressão. Concordamos com o doutor de que “Deus não faz acepção de pessoas” (At 10:34). É bíblico. Agora, dizer que Jesus fez “opção pelos pobres” não tem nenhuma relação com discriminação de classe social. Não quer dizer, de modo algum, que Deus escolheu amar mais a alguns e amar menos a outros, ou que ele queira salvar apenas os pobres e deixar para trás os ricos. João 3:16 diz: “Deus amou o mundo de tal maneira [...]”. Portanto, Deus ama a todos/as igualmente, com um amor tão peculiar para cada pessoa, e ao mesmo tempo tão infinito, que não há possibilidade de quantificações nem de comparações nesse amor. Toda pessoa, independentemente de raça, de cor, de gênero ou de cultura, pode sentir-se amada infinitamente por Deus, e ninguém deve sentir-se “preferido” ou discriminado, nem positiva nem negativamente. Não é possível falar seriamente de “amores preferenciais” de parte de Deus com relação a alguns seres humanos em detrimento de outros. A suprema dignidade da pessoa humana e a equanimidade infinita de Deus o exigem. E tudo que se afaste disso, somente podem ser formas inadequadas de falar.

Todavia, existe um campo em que Deus é necessariamente radical e inflexivelmente parcial: o campo da justiça. Aí Deus coloca-se do lado da justiça e contra a injustiça, sem a menor concessão, sem a menor “neutralidade”, e sem simples “preferências”: Deus está contra a injustiça e coloca-se do lado dos “injustiçados” e "oprimidos" (as vítimas da injustiça). Deus não faz nem pode fazer uma “opção preferencial pela justiça”, ao contrário, opta por ela posicionando-se radicalmente contra a injustiça e assumindo de uma maneira total a causa dos injustiçados. Esse é o sentido da expressão “preferência pelos pobres”. Compreendamos que a opção pelos pobres feita por Jesus, significa que Ele acolheu os pecadores, as pecadoras, os publicanos, os doentes. Expulsou os demônios das pessoas, ressuscitou os mortos, fez os paralíticos andarem, os surdos ouvirem, os cegos verem a realidade, curou os leprosos. Ele fez o que pode às pessoas mais excluídas da sociedade da sua época, a fim de ajudá-las e levantá-las. Similarmente, hoje também Cristo coloca-se ao lado dos pobres, dos negros, dos índios, das crianças, das mulheres, dos desempregados, dos idosos abandonados e de qualquer outro grupo social, que sofrem com as injustiças sociais.

Nesse contexto, ao longo dos reinados de Israel e Judá, além do profeta Isaías, Deus enviou diversos outros profetas para denunciar e advertir o pecado da injustiça contra os oprimidos, bem como para lembrar aos líderes e ao povo suas responsabilidades para com os excluídos. Os opressores deveriam ser refreados, e os pobres, desafortunados e oprimidos precisavam ser libertados. O Senhor chama Israel ao arrependimento e a praticar obras dignas. Entre outras coisas Ele pede: “Aprendam a fazer o bem! Busquem a justiça, acabem com a opressão. Lutem pelos direitos do órfão, defendam a causa da viúva” (Isaías 1:17). O profeta Isaías ainda deixou nítido que a injustiça social provoca a indignação de Deus: “Seus líderes são rebeldes, amigos de ladrões; todos eles amam o suborno e andam atrás de presentes. Eles não defendem os direitos do órfão, e não tomam conhecimento da causa da viúva. Por isso o Soberano, o Senhor dos Exércitos, o Poderoso de Israel, anuncia: "Ah! Derramarei minha ira sobre os meus adversários e me vingarei dos meus inimigos” (Is 1:23,24, NVI).

Já o profeta Miqueias deixou claro que, quando praticamos a justiça, estamos andando com Deus: “Ele mostrou a você, ó homem, o que é bom e o que o Senhor exige: Pratique a justiça, ame a fidelidade e ande humildemente com o seu Deus” (Miquéias 6:8, NVI). Para além da depravação sexual, o profeta Ezequiel claramente descreveu “os pecados de Sodoma e Gomorra”, como sendo a injustiça econômica e a falta de cuidado para com os pobres oprimidos, ao declarar: “Ora, este foi o pecado de sua irmã Sodoma: Ela e suas filhas eram arrogantes, tinham fartura de comida e viviam despreocupadas; não ajudavam os pobres e os necessitados” (Ezequiel 16:49, NVI).

Ao vir Jesus à Terra, Ele mostrou, entre outras coisas, que Deus ama a justiça e abomina a opressão. Ele definiu Sua missão afirmando que "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres. Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor" (Lucas 4:18,19, NVI). Toda a prática de Jesus foi a realização dessas coisas lidas na sinagoga. “Além disso, os escritores dos evangelhos, ao narrarem a história do Salvador, muitas vezes usaram a linguagem dos profetas do Antigo Testamento para explicar o que Ele estava fazendo. Dessa maneira, a vida de Cristo foi vista claramente na tradição desses profetas, incluindo a compaixão deles pelos pobres e oprimidos” (Lição da Escola Sabatina, 3º Trimestre de 2019, edição do professor, p. 84).

Portanto, as Sagradas Escrituras revelam claramente que os pobres e oprimidos, que Jesus chama de “meus pequeninos irmãos” (Mt 25:40), eram o foco especial do Seu ministério, por serem os mais vulneráveis da sociedade, e fruto de uma estrutura sócio-política opressora. Logo, defender e lutar para que haja justiça social, para que negros, pobres, mulheres, crianças abandonadas, indígenas e outros oprimidos usufruam de cidadania plena é honrar e adorar a Deus (Is 56:6-10). Mas, quando, seja qual for a razão, negamos a apoiar tais causas representamos mal a Deus. O sábio afirmou: “Aquele que oprime o pobre com isso despreza o seu Criador, mas quem ao necessitado trata com bondade honra a Deus” (Pv 14:31, NVI). A palavra de Jesus fica como uma exortação para cada um de nós, a fim de termos uma prática de vida cristã que se vislumbrará no dia da Sua vinda: “o que vocês fizeram a algum dos meus menores irmãos, a mim o fizeram” (Mt 25:40, NVI) e “o que vocês deixaram de fazer a alguns destes mais pequeninos, também a mim deixaram de fazê-lo” (Mt 25:45). Portanto, quando Jesus voltar, nossa atitude diante dos injustiçados e oprimidos será o critério para distinguir os salvos dos perdidos.

Concluo minha reflexão com um pensamento do mestre Paulo Freire:

“Que é mesmo a minha neutralidade senão a maneira cômoda, talvez, mas hipócrita, de esconder minha opção ou meu medo de acusar a injustiça? Lavar as mãos em face da opressão é reforçar o poder do opressor, é optar por ele”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

sábado, 13 de junho de 2020

MUITOS ESTÃO EM BUSCA DO “DEUS-MOSCA DE ECROM” MODERNO


Ricardo André

Em 2 Reis 1, encontramos um dramático relato da vida de um rei de Israel, que possui relevante lições espirituais para nós hoje. No versículo 2 lemos: “Certo dia, Acazias caiu da sacada do seu quarto no palácio de Samaria, e ficou muito ferido. Então enviou mensageiros para consultar Baal-Zebube, deus de Ecrom, para saber se ele se recuperaria” (NVI). Acazias era rei de Israel e filho de Acabe. De acordo com o relato bíblico, ele caiu de uma janela em um dos andares superiores de seu palácio, em Samaria (2Rs 9:30), e ficou bastante doente. Provavelmente estivera inclinado nessa janela feita de tiras finas de madeira, que não estava bem fixada. Repentinamente ela se desprendeu aberta, e ele caiu. Foi um grande tombo para o monarca. Sem dúvida sofrendo de ferimentos internos, permanecia em grave condição de saúde. Querendo saber a respeito do seu futuro, se sararia de seus ferimentos, Acazias, em vez de voltar-se para Deus, o Grande Médico, enviou mensageiros a Ecrom, uma das principais cidades filisteias, para saber seu prognóstico através de um falso deus, cujo nome é repulsivo somente de pronunciar: Baal-Zebube, que significa literalmente “senhor das moscas”. (Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, v. 2, p. 932).

De acordo com o comentário da Bíblia de Estudo Andrews, Baal-Zebube era “o deus da cura (Mt 12:24-27), adorado na cidade filisteia de Ecrom. O nome significa ‘Senhor das moscas’ e pode se tratar de uma distorção do nome original Baal-Zebul que significa “Baal é o príncipe” (p. 475). “Supunha-se que o deus de Ecrom dava informações por meio de seus sacerdotes sobre eventos futuros. Grande número de pessoas ia buscar informações sobre isso; mas as predições ali pronunciadas e as informações dadas procediam diretamente do príncipe das trevas” (Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, v. 2, p. 1148).

Acazias escolheu rejeitar o verdadeiro Deus

Acazias poderia ter tido um futuro brilhante, pois, em seus dias, ainda habitava em Israel o profeta Elias. Por certo, ele soube do que Elias fizera com seu país, quando fechou os céus para que não chovesse e, por mais de três anos, não caiu um pingo de água (1 Rs 17:1-7). Também estava ciente do destino que tiveram os profetas de Baal e os do poste-ídolo (1 Rs 18:20-40). Segundo Ellen G. White, “durante o reinado de seu pai, Acazias tinha testemunhado as maravilhosas obras do Altíssimo. Ele vira as terríveis evidências que Deus havia dado ao apostatado Israel, da maneira como Ele trata os que põem de lado obrigatórios reclamos de Sua lei. Acazias tinha agido como se essas terríveis realidades fossem apenas tolas histórias” (Profetas e Reis, p. 209). Acazias decidiu lançar sua sorte com esse detestável deus-mosca de Ecrom. Seu coração tinha, provavelmente, sido endurecido contra o Senhor através da má influência de sua infame mãe Jezabel.

“O fato de Acazias enviar uma delegação a fim de consultar o deus de Ecrom constituía desprezo público e aberto para com o Senhor. Isso era um insulto à Majestade do Céu, que não podia ser admitido sem repreensão. Israel devia aprender que os deuses dos filisteus eram impotentes para salvar na hora extrema e que o Senhor está assentado em Seu trono eterno” (Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, v. 2, p. 933).

Ellen G. White afirma que, ao ele “suplicar ajuda ao pior inimigo de seu povo, proclamava aos pagãos que tinha mais confiança nos seus ídolos do que no Deus do Céu” (Profeta e Reis, p. 211).

Os mensageiros, porém, voltaram rapidamente. Foram interceptados por Elias, que lhes perguntou se não havia Deus em Israel para que Acazias passasse para a região costeira a fim de buscar auxílio desse deus estúpido. Sem meias palavras, o profeta ordenou aos homens do rei que voltassem e informassem a Acazias que ele ia morrer.

Quando os mensageiros descreveram a barba fluente, a cabeleira e a vestimenta de pelos de camelo, Acazias conheceu imediatamente as marcas de identificação. “É Elias, o tesbita”, disse ofegante (v. 7, 8).

Duas vezes o rei enviou uma força de 50 homens para prender Elias, mas cada vez o profeta assentou-se no alto de uma colina e mandou descer fogo do céu para consumir os homens forte de Acazias. Porém, o capitão da 3ª força estava desgostoso com o impenitente rei, e suplicou por misericórdia. O anjo do Senhor disse a Elias que não temesse, mas entregasse ao rei a mensagem de morte pessoalmente. Acazias escolhera permanecer obstinado e sofreria as consequências. Ele morreu de sua enfermidade que contraíra em sua queda, “segundo a palavra do Senhor, que Elias falara” (v. 17).

“Como rei de Israel, num momento em que Deus estava pronto a Se manifestar de forma espetacular, Acazias tivera diante de si oportunidade incomum de conduzir o povo para longe dos caminhos do mal, para as sendas da justiça e da paz. Ele, porém, falhou. Permaneceu até a morte com a mensagem da repreensão divina soando aos ouvidos. Esse é o fim dos que resistem ao espírito de Deus e O desafiam” (Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, v. 2, p. 934).

Baal-Zebube moderno

O ser humano sempre tem buscado conhecer o futuro. São milhões de pessoas que consultam todos os dias os jornais lendo o horóscopo, buscando alguma resposta para suas dúvidas. Elas buscam direção nos horóscopos sobre o rumo que devem seguir em assuntos tão importantes como a profissão, casamento e os negócios. A incerteza quanto ao futuro deixa as pessoas inseguras, inquietas, indecisas e preocupadas. Inseguras, as pessoas se apegam a qualquer coisa que lhes pareça dar alguma orientação: advinhos, médiuns espíritas, necromantes, horóscopos e outros recursos estranhos, os quais em vez de oferecer saída para a dúvida humana, às vezes põem mais dúvida ainda. Estes são alguns dos deuses-moscas modernos. Os desvios que fazemos, em nossa teimosia e orgulho, a fim de não nos encontrarmos com Deus sempre nos conduzirão a um beco sem saída.

À semelhança do rei Acazias, muitos hoje se voltam para o charlatanismo, o ocultismo, o espiritismo, as religiões orientais ou qualquer fonte em busca de conhecimento do passado e do futuro, bem como a cura para suas doenças, menos a verdade de Deus. “No âmbito das falsas religiões, quando Satanás promete curar, é só para atrair as pessoas para sob o controle de sua vontade cruel, e, então, governá-las com poder aparentemente impossível de quebrar” (Ibdem, p. 933). As pessoas hoje podem não prestar homenagens aos deuses do paganismo clássico, mas estão adorando inocentemente ou não a Satanás como fez Acazias, rei de Israel. “Os apóstolos de quase todas as formas de espiritismo sustentam possuir poder para curar. Eles atribuem este poder à eletricidade, ao magnetismo, aos assim chamados "remédios de simpatia", ou a forças latentes contidas na mente do homem. E não são poucos, mesmo neste século cristão, os que vão a esses curandeiros, em vez de confiar no poder do Deus vivo e na habilidade de médicos bem qualificados” (Profetas e Reis, p. 211).

O resultado da obra dos curandeiros nos “centros espirituais de recuperação” tem sido lamentável. Tem deixado atrás de si legiões de pessoas desiludidas e perplexas, ao descobrirem que a melhora física produzida pela excitação emocional não era duradoura.

Toda prática ocultista é proibida por Deus. Ao orientar os israelitas que deveriam possuir a terra prometida de Canaã, Ele disse: “Quando entrarem na terra que o Senhor, o seu Deus, lhes dá, não procurem imitar as coisas repugnantes que as nações de lá praticam. Não permitam que se ache alguém entre vocês que queime em sacrifício o seu filho ou a sua filha; que pratique adivinhação, ou dedique-se à magia, ou faça presságios, ou pratique feitiçaria ou faça encantamentos; que seja médium ou espírita ou que consulte os mortos. O Senhor têm repugnância por quem pratica essas coisas, e é por causa dessas abominações que o Senhor, o seu Deus, vai expulsar aquelas nações da presença de vocês. Permaneçam inculpáveis perante o Senhor, o seu Deus” (Deuteronômio 18:9-13, NVI).

Só Deus é que conhece o futuro, e Ele tem interesse de introduzir-nos nesse futuro (Amós 3:7). Desde a antiguidade é aconselhado ao crente em Deus a buscar seu futuro no Senhor. A Bíblia diz em Isaías 8:19, 20: “Algumas pessoas vão pedir que vocês consultem os adivinhos e os médiuns, que cochicham e falam baixinho. Essas pessoas dirão: “Precisamos receber mensagens dos espíritos, precisamos consultar os mortos em favor dos vivos!” Mas vocês respondam assim: “O que devemos fazer é consultar a lei e os ensinamentos de Deus. O que os médiuns dizem não tem nenhum valor.” (NTLH). A “lei e os ensinamentos de Deus” correspondem a Bíblia Sagrada. Somente ela oferece seguras respostas para as dúvidas e incertezas humanas.

Há vários textos bíblicos onde Deus reprova o ocultismo em todas as suas formas (Deuteronômio 18:9-14; Isaías 8:19; Levíticos 19:31; 20:6, 27; 2 Re 21:6; Ezequiel 13:18; Malaquias 3:5). Nestes textos a Bíblia se posiciona contra todo e qualquer tipo de manifestação espiritualista (cartomancia, feitiçaria, macumba, candomblé, umbanda, espiritismo kardecismo, necromancia, parapsicologia, hipnose).

Ocorre que, ao buscar no ocultismo algum auxílio para as questões da vida, a pessoa se afasta de Deus e de Sua proteção, e se envolve com forças malignas a fim de adquirir poder, defender-se de outras forças parecidas, descobrir o que acontecerá no futuro (1 Samuel 28) ou simplesmente satisfazer a curiosidade.

As Escrituras condenam as práticas espiritualistas de tal modo que afirmam que todos aqueles que continuarem praticando-as ficarão fora do reino dos céus (Ap 22:15) e serão castigados no lago de fogo e enxofre ao final do milênio (Ap 21:8). Isto porque, segundo a Palavra do Senhor, tais práticas não condizem com a verdade revelada de Deus acerca do estado dos mortos. A descrição bíblica da morte é a de terminação (Jó 7:21; 14:12). Quando alguém morre, nada permanece, visto que o fôlego da vida retorna a Deus e o corpo se decompõe nos elementos básicos dos quais é formado (Salmo 146:4; Eclesiastes 12:7; cf. Gênesis 2:7; Jó 33:4; Eclesiastes 9:5, 6, 10). Logo, o estado do morto é de absoluta inconsciência, e que só alcançarão a imortalidade na ressurreição por ocasião da volta de Jesus (ver Salmo 6:5; 13:3, 115:17; Eclesiastes 9:5, 6 e 10; João 14:1-4; 1 Tessalonicenses 4:13-18) e serem de origem diabólica e demoníaca (Apocalipse 16:14; 2 Coríntios 11:11-14; 2 Tessalonicenses 2:9-10). Sendo assim, Deus “abomina” tais experiências.

Assim como o rei Acazia, no passado, desonrou a Deus pondo sua confiança “nos seus ídolos do que no Deus do Céu, de igual maneira homens e mulheres desonharam-nO quando tornam da Fonte de força e sabedoria para solicitar auxílio ou conselho dos poderes das trevas” (Ibdem).

Diz mais Ellen G. White: “Aqueles que não estão ligados a Deus estão ligados ao inimigo de Deus, e o inimigo trabalhará junto com eles para levar-nos a falsos caminhos. Não honramos a Deus quando deixamos de lado o único Deus verdadeiro para consultar o deus de Ecrom. É feita a pergunta: “porventura, não há Deus em Israel, para irdes consultar [...] [o] deus de Ecrom?” [2Rs1:3]” (Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, v. 2, p. 1148).

Os filhos de Deus devem confiar que Ele o protegerá das forças malignas sobrenaturais (Efésios 6:10-18) e que cuidará de seu futuro. Há apenas um Deus capaz de satisfazer nossas buscas e necessidades.

A quem você vai buscar: Baal-Zebube ou o Deus do Céu?

Josué estava com cento e dez anos de idade, quando exortou o povo de Israel a temer ao Senhor e lançar fora os deuses pagãos. Foi seu discurso de despedida. Ele mesmo já havia tomado uma decisão categórica: “Eu e a minha casa serviremos ao Senhor” (Js 24:15). Antes, porém, ele fez um veemente apelo ao povo: “Agora temam o Senhor e sirvam-no com integridade e fidelidade. Joguem fora os deuses que os seus antepassados adoraram além do Eufrates e no Egito, e sirvam ao Senhor. Se, porém, não lhes agrada servir ao Senhor, escolham hoje a quem irão servir, se aos deuses que os seus antepassados serviram além do Eufrates, ou aos deuses dos amorreus, em cuja terra vocês estão vivendo. Mas, eu e a minha família serviremos ao Senhor" (Js 24:14,15, NVI).

Caro amigo leitor, no mundo de hoje, o mesmo conselho é dirigido a cada um: temer ao Deus verdadeiro, ou inclinar-se perante os deuses criados pelo arqui-inimigo de Deus. A quem vamos adorar? Busque a Deus enquanto há tempo. Clame-O enquanto está perto e o reconheça como Senhor e Salvador da sua vida, mas principalmente como Senhor. Aprenda a depender de Deus.

Querido Deus e bom Pai que estás no Céu, por favor, perdoe-nos pelas muitas vezes em que nos esquecemos que estás perto e buscamos por respostas nos lugares errados. Por favor, ajude-nos a lembrar de trazer nossas orações e perguntas a Ti. E se descobrirmos que estamos no caminho errado, nos ajude a estarmos dispostos a nos humilhar e mudar de rumo. Amém.