Teologia

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

“EU VI O AMORÁVEL JESUS”


 Merlin D. Burt*

O impacto das visões do Salvador na vida e nos escritos de Ellen White

Aqueles que são chamados para o ministério profético recebem, muitas vezes, revelação divina por meio de sonhos e visões. As visões e os sonhos proféticos são algo semelhante à realidade virtual. Deus Se comunica de modo mais direto com a mente do Seu mensageiro, como descrito em Daniel 10:7-9, Isaías 1:1 e Habacuque 2:1 e 2.

Os adventistas do sétimo dia creem que Ellen White (1827-1915) exerceu o dom bíblico de profecia durante mais de 70 anos de ministério público. Embora não seja autora das Escrituras, recebeu comunicações de fonte divina por meio de visões e sonhos proféticos. A parte mais preciosa dessas revelações foi o privilégio de ter visto Jesus, ouvi-Lo e até ter sido tocada por Ele. Esse fato causou profundo impacto em sua vida e em seus escritos. Na condição de mensageira do Senhor, seu esforço durante toda a vida foi levar as pessoas para a Bíblia e uni-las a Jesus.

NÃO TENHA MEDO

Ellen White viu Jesus, pela primeira vez, em um sonho sobrenatural quando tinha cerca de 15 anos de idade. Embora já tivesse sido batizada, ainda lutava contra um intenso sentimento de pecaminosidade. Ela sentia-se indigna da salvação. Em seu sonho, ela foi levada para uma sala e viu Jesus.

Em Testemunhos Para a Igreja (v. 1, p. 28, 29), ela relata a experiência: “Não havia dúvida quanto àquele belo semblante; aquela expressão de benevolência e majestade não poderia pertencer a nenhum outro.” Quando Ele olhou para Ellen, ela viu em Seus olhos que Ele conhecia “todas as circunstâncias” da sua vida e todos os seus “íntimos pensamentos e sentimentos”.

Sentindo-se “incapaz de suportar” a cena, ela tentou esconder-se do Seu olhar “por ser tão penetrante”. Foi quando aconteceu a coisa mais impressionante. Ela escreveu: “Ele, porém, Se aproximou com um sorriso, e, pondo a mão sobre minha cabeça, disse: ‘Não tema!’” Essa expressão de compaixão e aceitação amorosa a dominou. Ela se lembrou: “O som de Sua doce voz agitou-me o coração com uma felicidade que nunca havia experimentado antes. Eu estava alegre demais para poder proferir uma palavra, e, vencida pela emoção, caí prostrada a Seus pés.”

Depois de um tempo, enquanto ainda estava sonhando, sua força retornou, e ela se levantou. A mensageira se lembra de quando saiu daquele lugar: “O olhar amorável de Jesus ainda estava sobre mim, e Seu sorriso enchia meu coração de alegria. Sua presença despertou em mim santa reverência e amor inexprimível.”

Este sonho inicial sobre Jesus foi seguido por muitos outros depois que ela foi chamada para o ministério profético, em dezembro de 1844. Durante seus primeiros anos, ela escreveu sobre suas visões e sonhos: “Tenho visto muitas vezes o amorável Jesus, que é uma pessoa” (Primeiros Escritos, p. 77). Repetidas vezes ela se referiu ao “amorável Jesus”. Suas expressões faciais, especialmente Seus olhos e o som da Sua voz, causaram um impacto profundo sobre ela.

O PLANO DA SALVAÇÃO

As imagens e mensagens que ela recebeu em visão retratavam eventos passados, atuais e futuros. Ellen White foi levada de volta ao jardim do Éden quando Adão e Eva desobedeceram a Deus e comeram o fruto proibido. Foi-lhe mostrada uma representação visual do encontro de Deus Pai e Deus Filho ao confirmarem o plano para a redenção da humanidade.

Ela escreveu em Primeiros Escritos (p. 126; Review and Herald, 17 de fevereiro de 1853): “Vi então o amorável Jesus e contemplei em Seu semblante uma expressão de simpatia e pesar. Logo O vi aproximar-Se da inexcedível luz que envolvia o Pai. Disse o meu anjo assistente: ‘Ele está em conversa íntima com Seu Pai.’ A ansiedade dos anjos parecia ser intensa enquanto Jesus estava em comunhão com Seu Pai. Três vezes Ele foi envolvido pela gloriosa luz em torno do Pai, e na terceira vez Ele veio do Pai e pudemos ver Sua pessoa. Seu semblante estava calmo, livre de toda perplexidade e angústia, e brilhava com uma luz maravilhosa que palavras não podem descrever. Ele fez então saber ao coro angélico que se abrira um caminho de escape” para a humanidade perdida.

Ela então descreveu a mensagem de Jesus: “Ele estivera pleiteando com o Pai, e obtivera permissão de dar Sua própria vida como resgate para a raça, de levar seus pecados, e receber sobre Si a sentença de morte, abrindo dessa maneira caminho pelo qual pudessem, mediante os méritos do Seu sangue, encontrar perdão para as transgressões passadas, e mediante a obediência ser levados de volta ao jardim do qual haviam sido expulsos.”

O DESEJADO DE TODAS AS NAÇÕES

Em seus escritos, Ellen White deu uma ênfase especial na vida terrena de Cristo. A ela foram mostradas as cenas dos acontecimentos. Algumas eram “agradáveis de ser contempladas”, mas outras “machucavam” seu coração (manuscrito 93, 1900). Em uma carta, ela exclamou: “Oh, quão ineficiente, quão incapaz eu sou de expressar as coisas que ardem em minha alma com referência à missão de Cristo! […] Não sei como apresentar os assuntos com o vivo poder em que se acham diante de mim” (carta 40, 1892; ver também Mensagens Escolhidas, v. 3, p. 115).

Seu magnífico livro sobre a vida de Cristo, O Desejado de Todas as Nações, já ajudou milhares de pessoas a conhecer Jesus e a se apaixonarem por Ele como Salvador e Amigo. Ellen White viu Jesus e Seu ministério atual no santuário celeste, conforme relatado em Primeiros Escritos (p. 36-39): “Fui levada em visão para o lugar santíssimo, onde vi Jesus ainda intercedendo por Israel. […] Vi quatro anjos que tinham uma obra a fazer na Terra, e estavam em vias de cumpri-la. Jesus estava vestido com trajes sacerdotais. Ele olhou compassivamente para os remanescentes, levantou então as mãos e, com voz de profunda compaixão, exclamou: ‘Meu sangue, Pai, Meu sangue! Meu sangue!’” Ela viu “o terno amor que Ele tem por Seu povo, e é muito grande.”

Ellen White foi também levada em visão para o futuro, quando os redimidos entrarão na Nova Jerusalém (carta 3, 1851): “Os portões de pérola da Nova Jerusalém são abertos, revolvendo-se em seus resplandecentes gonzos, e ouve-se a agradável e jubilosa voz do adorável Jesus, mais melodiosa do que qualquer música que já chegou aos ouvidos mortais, convidando-nos a entrar.”

O AMOR DE DEUS

A forma pessoal e poderosa como suas visões a impactaram é descrita no relato pessoal que ela escreveu a um amigo (carta 3, 1851): “Ontem [...] tivemos um momento agradável e maravilhoso [...]. O amor de Deus foi derramado no meu coração, todo o meu ser foi arrebatado com a glória de Deus e fui levada em visão. Vi o amor e a glória de Jesus. Seu semblante era mais brilhante que o sol ao meio-dia. Seu manto era mais branco do que o branco mais branco. Como posso, querida irmã, descrever para você as glórias do Céu? [...] Querida irmã, o Céu não é barato o suficiente?”

Os escritos de Ellen White nos atraem a Jesus como nosso Salvador e Amigo vivo. Somos chamados a experimentar, todos os dias, Seu amor e carinho. Podemos ansiar por Sua vinda, quando todos O veremos com olhos glorificados e ouviremos Sua bela voz nos recebendo em casa. Até esse dia, podemos ler os escritos de Ellen White e ser atraídos para a Bíblia e para o nosso maravilhoso e amoroso Deus.

Em Jesus “habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Cl 2:9), e é Ele que “a tudo enche em todas as coisas” (Ef 1:23). Ele é nossa alegria, nossa esperança e nossa salvação. Em breve O veremos “face a face” (1Co 13:12).

 *Merlin D. Burt, doutor em História da Igreja, é diretor do Patrimônio Literário de Ellen White, em Silver Spring, Maryland (EUA)

 

FONTE: Revista Adventista Abril 2021, p. 26, 27.

 

sexta-feira, 8 de setembro de 2023

PANORAMA DO FIM


 Emilson dos Reis*

A relevância do livro O Grande Conflito para a escatologia adventista

De modo geral, para os adventistas do sétimo dia, a expressão “o grande conflito” tem pelo menos três significados: (1) refere-se a uma série de cinco livros escritos por Ellen White; (2) indica o nome do quinto livro dessa série; (3) trata-se de uma das 28 crenças fundamentais da denominação.

Como ocorre com todo ensinamento da Igreja Adventista, a compreensão sobre o grande conflito está fundamentada na Bíblia. Entre os diversos textos que iluminam a compreensão do tema, é possível mencionar Apocalipse 12:7 e Efésios 6:2. O primeiro apresenta a origem do conflito no Céu, e o segundo mostra como ele afeta nossa vida na Terra.

Apesar dessas informações estarem disponíveis nas Escrituras, é provável que não tivéssemos compreendido a importância e magnitude desse conflito se Deus não tivesse chamado nossa atenção por meio dos escritos de Ellen White, especialmente da metanarrativa descrita na série Conflito.

MINISTÉRIO DO ESPÍRITO SANTO

O Espírito Santo é um participante ativo no contexto do grande conflito. Ele inspirou homens santos para que escrevessem a Palavra de Deus (2Pe 1:20, 21). Isso não significa que tudo o que foi escrito lhes foi revelado por meio de sonhos e visões, mas que o Espírito supervisionou o processo de redação e chancelou o conteúdo final. Paulo explicou que Deus falou muitas vezes e de diferentes maneiras aos seres humanos por intermédio dos profetas (Hb 1:1, 2).

Esse mesmo Espírito foi prometido por Jesus para revelar coisas que Cristo não havia revelado durante Seu ministério terrestre e iluminar nossa mente a fim de compreendermos toda a verdade. Em João 16:12, Ele afirmou: “Tenho ainda muito para lhes dizer, mas vocês não o podem suportar agora.” Portanto, Jesus ensinou o essencial, mas não tudo. Posteriormente, Ele continuaria a revelar-Se à Sua igreja, mostrando aquilo que não havia dito em Seu ministério terrestre – ensinos que não estão escritos nos quatro evangelhos – e faria isso mediante o Espírito Santo. A esse respeito, Jesus disse: “Ele não falará por Si mesmo, mas dirá tudo o que ouvir e anunciará a vocês as coisas que estão para acontecer. Ele Me glorificará, porque vai receber do que é Meu e anunciará isso a vocês” (Jo 16:13, 14).

E como o Espírito faz isso? Especialmente por meio do dom de profecia, presente ao longo das Escrituras. O Antigo Testamento apresenta a vida, a obra e os ensinos de dezenas de profetas. Por sua vez, o Novo Testamento explica com mais detalhes a doutrina dos dons espirituais e menciona o dom de profecia como um dos mais destacados (Rm 12:4-8; Ef 4:11-13; 1Co 12:8-10, 28). Entre aqueles que receberam o ofício profético nos dias apostólicos estão Paulo, autor com mais livros no Novo Testamento, e João, que escreveu o livro do Apocalipse e registrou a identificação que um anjo fez entre o “testemunho de Jesus” e o “Espírito da profecia” (Ap 19:10), ou seja, o dom profético.

Essa é uma informação importante, porque uma das marcas da igreja remanescente no tempo do fim é a manifestação profética em seu meio (Ap 12:17; cf. 19:10). Como adventistas do sétimo dia, cremos que isso foi cumprido no ministério de Ellen White. Ao estabelecer a relação entre a Bíblia e seus escritos, que em sua época eram conhecidos como “testemunhos”, ela observou: “Os testemunhos do Espírito de Deus são dados para dirigir os homens à Sua Palavra, que tem sido negligenciada” e “pouca atenção é dada à Bíblia, e o Senhor deu uma luz menor para levar homens e mulheres à luz maior”. Seus escritos são chamados de “luz menor”, não por causa do grau de inspiração, mas por conta de sua função e autoridade. O propósito de seus escritos é nos conduzir à Bíblia e auxiliar no processo de compreensão. As Escrituras, por sua vez, são a luz maior, cuja função é nos levar a Cristo e à salvação (Jo 5:39).

PRINCÍPIO ORGANIZADOR

Examinando os escritos de Ellen White percebe-se que neles o grande conflito é um tema predominante. Mais do que isso, é também seu princípio organizador, “o conceito central que traz coerência a todos os assuntos bíblicos” (Herbert E. Douglass, “The Great Controversy theme: What it means to Adventists”, Ministry, dez/2000, p. 5). “Esse ‘grande pensamento central’ fornece unidade, coerência, transcendência e relevância duradoura para todas as informações encontradas em todos os livros da Bíblia. Cada mensagem bíblica, onde quer que seja encontrada, quando conectada ao ‘grande pensamento central’ da Bíblia, assume um ‘novo significado’” (Douglass, p. 6).

Assim, o tema do grande conflito nos permite ver harmonia entre assuntos que parecem conflitantes para outros cristãos, entre eles:

1. A relação entre a obra de Cristo na cruz e a obra do Espírito Santo na vida dos crentes;

2. A relação entre a lei e o evangelho;

3. A relação entre Cristo como Redentor e Governante.

4. A relação entre a obra de Deus e a obra humana no processo de salvação;

5. A relação entre justificação e santificação;

6. A relação entre o papel de Cristo como Sacrifício/Salvador e como Sumo Sacerdote/Mediador;

7. A relação entre o novo nascimento e a obediência à lei de Deus; e

8. A relação entre a fé e a obediência e as boas obras (Douglass, p. 7).

É devido a essa revelação do grande conflito que a escatologia adventista é peculiar. Ela considera um conjunto de ideias que, seguindo esse princípio organizador, interagem entre si e incluem “a imortalidade condicional, a guarda do sábado, a interpretação historicista pré-milenialista, a aceitação do dom profético manifestado no ministério de Ellen White, os ensinos sobre a obra sacerdotal de Cristo no santuário celestial e um povo preparado por Sua graça” (ibid.).

O tema do grande conflito revela como Deus trata com o pecado e o mal. Se o Senhor tivesse destruído Satanás no Céu assim que ele pecou, ninguém ficaria sabendo das consequências terríveis que o pecado acarreta e, em qualquer parte do Universo, poderiam surgir rebeliões contra Deus e Sua lei. Então, em lugar de extirpar o mal logo que ele despontou, o Senhor permitiu que ele se manifestasse por um tempo suficientemente longo a fim de que todos os seres inteligentes pudessem ver os resultados nefastos de sua escolha.

Infelizmente, a maioria das denominações cristãs adotou a ideia dos filósofos gregos pagãos de que a alma é imortal. Isso significa que os demônios e os ímpios arderão nas chamas do lago de fogo por toda a eternidade. Enquanto sofrerem, continuarão a pecar ao amaldiçoar a Deus. Dessa maneira, o pecado, o mal e o sofrimento nunca terão fim, e o Universo nunca será restaurado à sua perfeição original.

Nesse sentido, a visão dos adventistas do sétimo dia é bem diferente. O tema do grande conflito aponta para o fim do pecado e do mal em todas as suas formas. Satanás, seus anjos e todos aqueles que recusaram a salvação que lhes foi oferecida serão destruídos e deixarão de existir. O problema do pecado será solucionado, e todos os seres inteligentes do Universo terão a plena convicção de que transgredir a lei divina não compensa. Os salvos

saberão disso por experiência própria, e anjos e habitantes de outros mundos porque observaram por muito tempo o que aconteceu com os habitantes da Terra. O apóstolo Paulo afirmou que somos o palco do Universo (1Co 4:9). A história da redenção garantirá que o pecado nunca mais se levante novamente.

As revelações sobre o grande conflito escritas por Ellen White e que se relacionam com os eventos finais são claras e, por vezes, precisas. Embora não saibamos as datas desses eventos, podemos relacionar uns com os outros e descobrir a sequência em que ocorrerão. Um modo de se fazer isso é usar o fechamento da porta da graça como eixo. Sendo assim, antes desse acontecimento virá a chuva serôdia sobre o povo de Deus (Ellen G. White, O Grande Conflito [CPB, 2021], p. 508); o evangelho será pregado a todo o mundo (ibid.); as três mensagens angélicas serão anunciadas (p. 510); haverá a união das igrejas com base em pontos comuns, o que incluirá católicos, protestantes e espíritas (p. 490); ocorrerá o decreto dominical (p. 503); será formada a imagem da besta, ou seja, as igrejas pressionarão os governos para obrigar os dissidentes a se adequarem à maioria quanto às práticas religiosas (p. 372-378; 503, 504); e ocorrerá o processo em que os salvos serão selados por Deus e os ímpios receberão a marca da besta (p. 504).

Quando a porta da graça se fechar, o juízo investigativo terá fim (p. 410, 411), Cristo deixará de interceder e sairá do santuário celestial (p. 510). Como consequência, o Espírito Santo será retirado definitivamente dos ímpios (p. 505, 506, 510). Então, todos os casos estarão decididos para a vida eterna ou para a destruição definitiva (p. 510).

Após esse evento, haverá uma grande angústia final, resultado da soltura dos quatro ventos, que simboliza a liberdade das forças satânicas para ter completo domínio sobre os ímpios, uma vez que Deus retirará Sua proteção e deixará que sigam o caminho que escolheram (p. 491, 510, 511). Um decreto de morte será assinado contra os observadores do sábado (p. 511, 512, 523, 527); virá um tempo de angústia para o povo de Deus (p. 512-518); Satanás personificará a Cristo (p. 518, 519); as sete pragas serão derramadas (p. 520-522); e Jesus voltará (p. 531-540)!

CONCLUSÃO

Ellen White afirmou em seu livro que o propósito da obra era “ressaltar fatos e princípios que têm relação com os acontecimentos futuros. […] Encarados como uma parte do conflito entre as forças da luz e das trevas, todos esses relatos do passado se revestem de um novo significado; e por meio deles, projeta-se uma luz no futuro, iluminando o caminho daqueles que, assim como os reformadores dos séculos passados, serão chamados a testificar da Palavra de Deus” (p. 11).

“Esta obra tem como propósito: desdobrar as cenas do grande conflito entre a verdade e o erro; revelar as ciladas de Satanás e os meios pelos quais podemos resistir a ele de forma eficaz; apresentar uma solução satisfatória para o grande problema do mal […] e mostrar a natureza santa e imutável de Sua lei” (p. 11, 12).

A autora expressou seu desejo em relação à leitura de O Grande Conflito dizendo: “Que por meio de sua influência muitos possam se libertar do poder das trevas e se tornar participantes ‘da herança dos santos na luz’ (Cl 1:12)” (p. 11). É por acreditar nessas palavras que a Igreja Adventista está investindo na publicação e distribuição desse livro aos milhões, e todos somos convidados a participar dessa missão.

Estamos em meio ao grande conflito. Conhecemos os principais eventos que estão para ocorrer. Sabemos qual será o resultado. Em que exército você se alistou? Escolha lutar ao lado de Cristo e convide outros para que eles também sejam vitoriosos!

*EMILSON DOS REIS é professor emérito da Faculdade de Teologia do Unasp, campus Engenheiro Coelho (SP)

 

FONTE: Revista Adventista setembro 2023

sexta-feira, 1 de setembro de 2023

COMO SOMOS JUSTIFICADOS?


 Kim Papaioannou*

O significado de obras da lei em Gálatas 2:16

A expressão “obras da lei” aparece nas cartas de Gálatas e Romanos escritas por Paulo e descreve um sistema por meio do qual alguns cristãos tentavam obter a justificação.1 Mas o que são as obras da lei? Paulo não explica. Hoje, há um consenso quase universal de que essa expressão se refere à obediência à Lei de Deus e/ou um compromisso para com outras boas obras que visem obter a salvação. Na Nova Versão Internacional, de 1984, isso é descrito como “prática da lei” (Gl 2:16).

Mas, como surgiu essa compreensão?

A Reforma

A Reforma Protestante começou no ano de 1517 com Martinho Lutero. Nos doze anos que se antecederam, ele foi um monge agostiniano que se devotava ao jejum, a muitas horas em oração, a peregrinações e a confissões frequentes.2 A sua ordem tinha indicações de como se devia andar, de qual deveria ser a postura correta do corpo e de como se devia viajar. Além disso, a ordem impunha que os monges não olhassem para pessoas do sexo oposto e também tinha imposições sobre o que deviam vestir e como deviam cuidar das roupas. Ademais, decretava o cuidado com os doentes e exigia a obediência aos superiores.3

Lutero se esforçava para fazer tudo isso, a fim de obter o favor de Deus e a salvação, mas, em vez disso, sentia-se espiritualmente miserável e longe de Cristo.4

Quando ele entendeu que a salvação era um dom gratuito de Deus oferecido por intermédio de Jesus, ele justapôs seu novo entendimento com sua vida anterior de obediência rígida e regrada. Portanto, por haver compreendido a doutrina da justificação pela fé como fé versus obediência, ele projetou esse modelo em Paulo, em que as “obras da lei” faziam um paralelo com a obediência rigorosa da lei, enquanto a justificação pela fé refletia a salvação como uma dádiva. Ao fazer isso, ele deixou um legado para as futuras gerações de protestantes.

Há uma certa legitimidade no que Lutero compreendeu. Não é possível obter a salvação pela obediência, não importa quão rigorosa ela seja. Contudo, será que era isso que Paulo tinha em mente quando contrastou as obras da lei com a graça de Cristo? Acredito que não.

Neste breve estudo, iremos nos focar em dois tipos de obras: “as obras do Senhor” e “as obras da lei.” As duas expressões soam similarmente e há um paralelo conceitual, semântico e também teológico entre elas. No entanto, as duas são bem diferentes e essa diferença precisa ser compreendida.

A obra do Senhor

Era cerca de 1445 a.C. O povo de Israel havia saído do Egito e estava acampado aos pés do monte Sinai. Deus o convidou a entrar em uma relação de aliança com Ele (Êx 19:1-6).

A aliança tinha dois elementos. Primeiro, Israel tinha sido chamado a obedecer o que o Senhor dissesse, obedecer os Dez Mandamentos (Êx 20:1-7) e aplicar os princípios dos mandamentos na vida cotidiana (Êx 21–23). O povo prometeu três vezes que faria isso (Êx 19:8; 24:3, 7).

Segundo, porque Israel era composto de seres humanos pecadores e Deus era santo e sem pecado, eram oferecidos sacrifícios de animais e Moisés aspergia o sangue sobre o povo (Êx 24:4-7). Esse sangue era chamado de “sangue da aliança” (v. 8). Os sacrifícios faziam parte da maioria das alianças do Antigo Oriente e indicavam a penalidade que seria aplicada a quem violasse a aliança.

A promessa de obediência e o sangue da aliança colocavam o povo de Israel em uma relação de aliança com Deus. Contudo, mal havia passado 40 dias e o povo já tinha quebrado a aliança ao fabricar e adorar um bezerro de ouro, engajando-se até em imoralidade sexual (Êx 32).

Então Deus declarou que a aliança estava quebrada e que Israel não mais era o Seu povo (Êx 32:7, 10; 33:1). Merecia a pena de morte, em consonância com a pena prevista no sacrifício de bois (Êx 32:10, 27, 33, 34, 35; 33:5). Em vez disso, Ele disse que faria uma nação a partir de Moisés, que, do mesmo modo, quebrou as tábuas da lei, indicando que a aliança já não estava em vigor (Êx 32:19). Seria esse o fim de Israel como povo de Deus?

Porém Moisés interveio em favor do povo de Israel, suplicando que Deus o perdoasse. Deus concordou. Era como se Ele estivesse esperando que Moisés suplicasse pelo povo. Deus declarou que Ele é “compassivo e bondoso, tardio em irar-Se e grande em misericórdia e fidelidade, que guarda a misericórdia em mil gerações, que perdoa a maldade, a transgressão e o pecado” (Êx 34:6, 7).

Depois, fez uma promessa maravilhosa: “Eis que Eu faço uma aliança. Diante de todo o seu povo farei maravilhas que nunca foram feitas em toda a terra, nem entre nação alguma, de maneira que todo este povo, em cujo meio você está, veja a obra do Senhor; porque coisa terrível é o que faço com você” (v. 10). Aqui, Deus prometeu fazer uma grande “obra,” algo que todo o povo veria.

A que obra Deus estava Se referindo? Ao sacrifício de Jesus na cruz – a maior manifestação do Seu caráter misericordioso e a resposta para as constantes falhas de Israel e da humanidade.

Paulo compreendeu a “obra do Senhor” da seguinte maneira. Quando pregou em uma sinagoga na Galácia, ele disse que o perdão dos pecados era oferecido por meio de Jesus (At 13:38, 39) e advertiu o povo a não negligenciar essa obra: “Vejam, ó desprezadores! Fiquem maravilhados e desapareçam, porque, no tempo de vocês, eu realizo obra tal que vocês não acreditarão se alguém lhes contar” (v. 41).

Sim, a grande obra do Senhor é o sacrifício de Cristo na cruz, a maior obra que o mundo já presenciou.

As obras da lei

Mas o que são as “obras da lei” que Paulo menciona?

São obras. Vamos começar pela palavra obras. Ela implica algo que se faz. Os rigorosos requisitos da ordem agostiniana podem ter parecido a Lutero se encaixar na descrição de “obras da lei,” mas os Dez Mandamentos não. Por quê? Bem, oito dos dez mandamentos são proibitivos, ou seja, não lhe dizem o que fazer, mas sim o que não se deve fazer. Isso significava que as obras da lei não podiam estar se referindo à obediência aos Dez Mandamentos. Isso seria um equívoco.

São algo no Pentateuco. Quando o leitor moderno ouve a palavra lei, ele é remetido a um código judicial. Da perspectiva cristã, a escolha lógica seria os Dez Mandamentos, que são o maior código legal descrito na Bíblia. No entanto, essa compreensão está errada, pois estamos usando uma interpretação atual de uma palavra para entender um texto antigo. Para os judeus e cristãos do primeiro século, a lei era a Torá, o Pentateuco, isto é, os primeiros cinco livros da Bíblia, de Gênesis a Deuteronômio. Isso é senso comum nos círculos teológicos.

Leiamos novamente Gálatas 2:16 com essa percepção simples em mente: “Sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras do Pentateuco, e sim mediante a fé em Jesus Cristo, também temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados pela fé em Cristo e não por obras do Pentateuco, pois por obras do Pentateuco ninguém será justificado” (Gl 2:16; os itálicos indicam ajuste de tradução).

Soa bem diferente, não é? A minha tradução é um reflexo bem mais exato do que os leitores de Paulo devem ter entendido, diferentemente das traduções atuais.

Eram uma tentativa de justificação. Vamos ler Gálatas 2:16 novamente. Paulo usa a palavra “justificado” três vezes. Mas o que essa palavra significa? É melhor deixarmos o próprio Paulo responder: “Portanto, meus irmãos, saibam que é por meio de Jesus que a remissão dos pecados é anunciada a vocês; e, por meio Dele, todo o que crê é justificado de todas as coisas das quais vocês não puderam ser justificados pela lei de Moisés” (At 13:38, 39).

Perceba que nesse verso há uma conexão entre as palavras remissão (perdão) e justificado. Perdão é um termo teológico que implica que o pecado de alguém foi perdoado. Justificação é um termo jurídico e implica que alguém acusado judicialmente foi absolvido. Por quê? Porque a sentença foi cancelada. Assim, o perdão e a justificação descrevem a mesma coisa, mas de perspectivas diferentes: uma teológica e a outra jurídica.

Então como o perdão era ofertado no tempo do Pentateuco? Bem, não era por meio da obediência aos Dez Mandamentos ou a qualquer outro documento legislativo, mas sim por meio de um sacrifício.

Mishna, a expressão culpado, culpável (hayabh) ou livre (patur) é usada, sendo que o significado da primeira (culpado)é que o transgressor que agia sem intenção devia trazer a oferta pelo pecado que estava prescrita na lei [Pentateuco].”

E depois disse: “A penalidade para a primeira classe de infrações era simplesmente o sacrifício de uma oferta pelo pecado, que, no entanto, envolvia muitas dificuldades, pois o culpado tinha que levar pessoalmente a oferta pelo pecado ao templo em Jerusalém e era frequentemente obrigado a percorrer uma grande distância para isso, além de sofrer a perda do valor da oferta.”5

Os judeus do primeiro século sabiam que se alguém quisesse ser perdoado/justificado não tinha que tentar com mais afinco ou ser mais severo na obediência à lei, como fazia Martinho Lutero, em vez disso, um sacrifício era oferecido pelo pecado. Será então, que as “obras do Pentateuco”, que tinham por objetivo perdoar/justificar, eram os sacrifícios que o Pentateuco prescrevia? Parece que sim. Elas eram prescritas no Pentateuco e envolviam a realização de obras para perdão dos pecados.

Analisemos mais uma evidência.

A palavra obras no Pentateuco. Quando se tenta encontrar o significado de alguma coisa, o senso comum sugere que se comece pelo óbvio. Quando ouvimos a expressão “obras do Pentateuco”, o lugar mais óbvio para se procurar seu significado seria no próprio Pentateuco. Infelizmente, a maioria dos teólogos não se preocupa em buscar o significado nele. Caso o tivessem feito, o mal entendido que envolve essa questão provavelmente jamais teria surgido!

A palavra obra/obras, do grego ergon/erga, aparece 149 vezes na Torá. Cerca de metade delas faz referência a obras seculares de homens ou aos atos poderosos de Deus que não têm relação com perdão/justificação. Além do mais, a palavra nunca aparece relacionada à guarda dos Dez Mandamentos ou a qualquer outro código judicial.

O mais interessante é que 70 vezes a palavra está relacionada com o tabernáculo e seus serviços, incluindo os sacrifícios. Na verdade, todo o serviço realizado no tabernáculo é chamado de “serviço [obra] do tabernáculo” (Nm 3:7; NVI). A expiação pelos pecados era realizada no tabernáculo. Portanto, as obras do Pentateuco, que tinham por objetivo o perdão/justificação e contra as quais Paulo adverte, referem-se aos sacrifícios e às outras obras realizadas no templo/tabernáculo e não à obediência aos Dez Mandamentos ou a qualquer outro código judiciário da Bíblia.

Conclusão

Com base nas afirmações acima, podemos retraduzir ou parafrasear Gálatas 2:16 da seguinte forma: “Sabendo, contudo, que o homem não pode ser justificado por obras prescritas no Pentateuco, nomeadamente os serviços do santuário, e sim mediante a fé [no sacrifício de] Jesus Cristo, também temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos perdoados/justificados pela fé em Cristo e não por obras prescritas no Pentateuco, pois por obras do Pentateuco ninguém será perdoado/justificado” (Gl 2:16; ajuste de tradução).6

Lutero tinha razão. A obediência humana não pode apagar os pecados do passado e não pode salvar. Ele estava certo quanto a isso. Contudo, ele estava errado ao usar as suas circunstâncias pessoais como um prisma para interpretar as palavras de Paulo. Ao fazer isso, ele deixou um legado hermenêutico que se transformou eventualmente em variações diferentes do antinomianismo cristão, que ensina graça versus obediência.

Paulo não estava dizendo aos gálatas cristãos que parassem de guardar os mandamentos, ou de se esforçar tanto para fazê-lo, ou ainda que parassem de fazer coisas boas. Afinal, a mensagem de Paulo não se refere aos mandamentos ou a fazer o bem. Ele estava dizendo que o templo e seus serviços – o sistema sacrifical –, já não tinham efeito no plano da salvação.

As ineficazes “obras da lei” que não podem purificar o pecado humano foram substituídas pela incrível e totalmente eficaz “obra do Senhor”. Aleluia!

*Kim Papaioannou é pastor no Chipre.

Referências

1. Romanos 3:20, 27, 28; Gálatas 2:16; 3:2, 5, 10.

2. Roland Bainton, Here I Stand: A Life of Martin Luther (Nova York: Editora Penguin, 1995), p. 40-42.

3. “Rule of St. Augustine,” Midwest Augustinians, disponível em <midwestaugustinians.org/roots-of-augustinian-spirituality>, acesso em 5/6/23.

4. James Kittelson, Luther the Reformer (Mineápolis: Augsburg Fortress, 1986), p. 79.

5. Michael L. Rodkinson, The Babylonian Talmud (Boston: Talmud Publications, 1903), p. xxii, xxvi.

6. Uma nota sobre Gálatas 3:10, que parece fazer uma conexão entre “obras da lei” com a obediência: “Pois todos os que são das obras da lei estão debaixo de maldição, porque está escrito: ‘Maldito todo aquele que não permanece em todas as coisas escritas no Livro da Lei, para praticá-las.’” Nesse texto, Paulo enfatiza a impossibilidade da salvação sem Cristo Jesus. Uma pessoa que não tem Cristo só pode ter um dos dois status seguintes. Primeiro, ela pode “permanecer em todas as coisas escritas no Livro da Lei”, ou seja, não pecar. Ou, se ela falhar em “permanecer em todas as coisas”, ela infringirá a lei. Então, ela é uma pecadora debaixo de uma maldição. Já que os sacrifícios das “obras da lei” não podem perdoar os pecados, a maldição permanece. Logo, os únicos dois status possíveis para uma pessoa sem Cristo são: não pecar ou ser amaldiçoada. E como nenhuma pessoa é sem pecado a não ser Jesus (Rm 3:23), a maldição do pecado continua sobre todos os que rejeitam a Cristo. A única coisa que pode retirar a maldição do pecado é o sacrifício de Jesus, a maravilhosa “obra do Senhor”.

 

FONTE: Revista Ministério Set-Out 2023