Teologia

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

AS DÁDIVAS DO NATAL


Ricardo André

Estamos na semana do Natal. No próximo dia 25 será Natal! Em toda parte haverá certamente festas, presentes, ceias, música, muita alegria e grande disposição para dar e receber. O Natal realmente semeia alegria e felicidade em volta do mundo. Mas é muito importante lembrar o que essa data realmente comemora. Quero nesta reflexão bíblica pensar nas raízes históricas do Natal. Esse é um tempo que devemos dar graças a Deus pelo infalível dom de Seu Filho. Foi o maior presente já dado em todo o Universo. O amor de Deus é incomensurável, não tem igual. Foi este amor que levou o compassivo Deus a permitir que Jesus viesse à Terra. Ele era Deus, que “Se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade” (Jo 1:1, 14). Foi esse amor que impeliu a Cristo a oferecer-Se como dom gratuito aos homens. É este o presente de Natal para todos nós. Cristo proclamou a todos que Ele é o presente do Céu a este mundo. Essa dádiva não veio em volta em papel prateado ou dourado, mas em “faixas e deitada numa manjedoura” (Lc 2:12).

Jesus nasceu na pequena cidade de Belém, da virgem Maria. Nosso para sempre, Ele veio como “um menino nos nasceu, um filho nos foi dado, e o governo está sobre os seus ombros. E ele será chamado Maravilhoso Conselheiro, Deus Poderoso, Pai Eterno, Príncipe da Paz” (Is 9:6). Naquela noite tão linda, vozes celestiais falaram acerca do bebê Jesus aos ouvidos daqueles humildes pastores que apascentavam suas ovelhas: “Não tenham medo. Estou lhes trazendo boas novas de grande alegria, que são para todo o povo: Hoje, na cidade de Davi, lhes nasceu o Salvador que é Cristo, o Senhor”. (Lc 2:10,11, NVI). Eles foram receptivos o suficiente para crer e para receber a bênção. Sim, isso aconteceu mesmo. Deus veio a este mundo e morou entre nós. E se Ele não tivesse vindo? Como seria diferente o nosso mundo! No dia de Natal, não nos esqueçamos jamais de que Cristo nasceu na família humana, tornando possível que conheçamos a plenitude do amor divino mediante a vida e a morte de Jesus. Quão diferente seria a minha vida e a sua se Jesus não tivesse nascido! Não teríamos esperança de vida eterna.

Quando os sábios do Oriente visitaram a Cristo, levaram-Lhe presentes. Segundo Ellen G. White, “foi mediante as dádivas dos magos de um país gentílico, supriu o Senhor os meios para a viagem ao Egito, e a estadia em terra estranha” (O Desejado de Todas as Nações, p. 65). Portanto, não fosse o ouro, incenso e mirra com que O presentearam, e teriam faltado recursos para a jornada ao Egito. E a estada lá. Maria, José e Jesus viveram ali até a morte do cruel rei Herodes. Diz mais Ellen G. White: “Os magos estiveram entre os primeiros a saudar o Redentor. Foi a sua a primeira dádiva a Lhe ser posta aos pés. E por meio daquela dádiva, que privilégio em servir tiveram eles! Deus Se deleita em honrar a oferta de um coração que ama, dando-lhe a mais alta eficiência em Seu serviço. Se dermos o coração a Jesus, trar-Lhe-emos também as nossas dádivas. Nosso ouro e prata, nossas mais preciosas posses terrestres, nossos mais elevados dotes mentais e espirituais ser-Lhe-ão inteiramente consagrados, a Ele que nos amou e Se entregou a Si mesmo por nós” (Ibdem).

Caro amigo leitor, nosso coração deveria agitar-se de tremores por esta ocasião do ano, ao de novo pensarmos no que Cristo fez por nós. Deixou Seu lar no mais alto Céu para descer à solidão e miséria deste mundo. Como seria se Ele se manifestasse de novo por ocasião deste Natal?

O espírito do verdadeiro natal é o espirito de dar, de ofertar. Deus ofertou Seu filho para nos revelar isso. Os presentes dos magos confirmam essa realidade. Eles levaram o melhor para Jesus. Não Lhe deveremos dar o melhor presente possível – o presente de nossa própria vida? Devemos dar a ele um acolhimento real em nosso coração, e peçamos-Lhe que seja nossa vida! Somente assim estaremos vivendo o verdadeiro Natal.

 

Feliz Natal para todos e todas!!!

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

O QUE HÁ DE ELIAS EM CADA UM DE NÓS

 

Vinícius Mendes de Oliveira*

“Eis que Eu vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível Dia do Senhor; Ele converterá o coração dos pais aos filhos e o coração dos filhos a seus pais, para que Eu não venha e fira a Terra com maldição” (Ml 4:5-6).

“Elias era homem semelhante a nós, sujeito aos mesmos sentimentos, e orou, com instância, para que não chovesse sobre a terra, e, por três anos e seis meses, não choveu” (Tg 5:17).

Os textos acima reúnem duas informações importantíssimas para o povo de Deus em nossos dias. Malaquias termina seu livro profetizando a respeito da vinda de Elias, antes do aparecimento do Messias. Naturalmente, o profeta estava prevenindo sua nação para o fato de que o Senhor visitaria Seu povo e que este deveria estar preparado. Deus abençoou Seus filhos, utilizando um homem com o poder e a virtude de Elias.

No que diz respeito ao primeiro aparecimento de Jesus, essa profecia se cumpriu em João Batista. No entanto, Jesus em breve voltará! Essa é a nossa mais solene esperança. Antes disso, o mundo precisa ser preparado. Assim como essa profecia foi aplicada a João Batista, ela também se refere àqueles que devem proclamar as três mensagens angélicas.

O problema é que, quando se examina a vida de Elias, tem-se a impressão de que ele é um tipo quase não humano. Imitá-lo parece algo impossível. Temos mais facilidade em nos identificar com personagens como Davi (que pecou vergonhosamente e foi perdoado); com Pedro (que traiu o Senhor mas se tornou um poderoso apóstolo); e com tantos outros pecadores como nós. Mas Elias parece aos nossos olhos como alguém impossível de ser imitado. Tiago 5:17 aumenta essa nossa perplexidade diante de Elias quando o apresenta como “semelhante a nós, sujeito aos mesmos sentimentos”. Como pode ser semelhante a nós um homem que orou para que não chovesse por três anos e meio e depois orou para que caísse fogo do céu? Que características de Elias fazem parte de nossa vida? Como o profeta se portou diante de todas as dificuldades que enfrentou como anunciador da justiça? Como podemos nos identificar com um homem assim?

Inconformado com a idolatria – Elias estava inconformado com a apostasia predominante em seu tempo. Os últimos versículos de 1 Reis 16 pintam um lamentável quadro do Israel governado por Acabe. O verso 31 diz que Acabe andou nos pecados de Jeroboão, ou seja, adorava a Jeová utilizando imagens de escultura para representá-Lo. Além disso, os versos 31-33 mencionam o casamento de Acabe, em jugo desigual com Jezabel, a qual introduziu o culto a Baal em Israel, com toda a licenciosidade que isso implicava. “Ao Elias ver Israel aprofundar-se mais e mais na idolatria, seu coração ficou angustiado e sua indignação foi nele despertada” (Ellen G. White, Profetas e Reis, p. 119). Hoje, a situação não é diferente!

“O presente século é tão verdadeiramente de idolatria como aquele em que Elias viveu. Pode não haver nenhum altar externamente visível; pode não haver nenhuma imagem sobre a qual os olhos repousem, contudo, milhares estão seguindo após os deuses deste mundo – riquezas, fama, prazeres e as agradáveis fábulas que permitem ao homem seguir as inclinações do coração não regenerado” (Ibid., p. 177).

Assim como a do tempo de Elias, a geração da qual fazemos parte é extremamente corrupta. É inegável que esse é um ponto de identificação entre nós e ele. Para mantermos nossa proximidade com o profeta, resta-nos, então, não nos conformarmos com “este século” (Rm 12:2).

Postura diferente – Precisamos de uma postura totalmente avessa às práticas pecaminosas prevalecentes em nossa época. Elias fazia questão de ser diferente. O detalhe é que ele não fazia isso por uma questão de capricho. Ele foi transformado pela contemplação da Palavra de Deus. À medida que nos achegarmos a Deus, nós nos distanciaremos do padrão imoral do mundo. Trata-se de uma consequência natural. Se isso for uma realidade em nossa vida, algo de Elias haverá em nós.

Elias foi um homem de perseverante oração. Tiago 5:17 menciona que Elias orou “com instância”. Na verdade, essa oração teve como parâmetro uma exortação divina apresentada em Deuteronômio 11:16, 17. Nesta passagem, Moisés adverte o povo para o fato de que a idolatria resultaria em terrível estiagem. Nos dias do rei Acabe, apesar de toda a sua impiedade, havia prosperidade, por causa da regularidade das chuvas. Então, Elias orou insistentemente para que Deus interrompesse a chuva, fazendo o povo se lembrar de Sua Palavra.

“Em angústia de alma ele suplicou a Deus que detivesse em seu ímpio curso o povo outrora favorecido, visitando-o com juízos, se necessário fosse, a fim de que pudesse ser levado a ver em sua verdadeira luz seu afastamento do Céu. […] A oração de Elias foi respondida. […] Havia chegado o tempo em que Deus devia falar-lhes por meio de juízos” (Ellen G. White, Profetas e Reis, p. 120).

Isso indica que a coragem que Elias manifestou em comparecer diante de Acabe não era inerente a ele mesmo – vinha de Deus. O profeta falava com base em uma resposta à oração. Assim como a palavra de Deus, por meio de Josué, se havia cumprido com a morte dos dois filhos de Hiel (1Re 16:34), ela também se cumpriria por meio de Elias no tocante à estiagem.

É importante mencionar ainda o fato de que Baal era considerado um deus provedor de chuva, uma vez que, na mente de seus adoradores, ele era responsável pelos fenômenos naturais. O profeta orou insistentemente para que fosse desfeita a mentirosa impressão de que Baal estava “abençoando” Israel por meio da chuva. Só havia um meio de conseguir isso: Deus “fechar” o céu. Foi com esse propósito que Elias orou.

Oração incessante – A atitude de oração de Elias nos ensina uma importante lição: devemos orar para que Deus contenha a onda de impiedade predominante em nossos dias, mediante o cumprimento de Suas promessas, como o derramamento da chuva serôdia sobre nós. A perseverante oração de Elias também nos ensina a não desanimar em nossos esforços missionários, mesmo quando a conjuntura da sociedade parece indicar que não há mais solução para as pessoas. Deus sabe como salvá-las de seus ímpios caminhos. Nossa parte consiste em orar e agir conforme o mandado do Senhor.

Elias aprendeu a depender de Deus. Após a severa mensagem que ele pronunciou perante o ímpio rei, dizendo que não choveria sobre a terra, “veio-lhe a palavra do Senhor, dizendo: Retira-te daqui, vai para o lado oriental e esconde-te junto à torrente de Querite, fronteira ao Jordão. Beberás da torrente; e ordenei aos corvos que ali mesmo te sustentem. Foi, pois, e fez segundo a palavra do Senhor; retirou-se e habitou junto à torrente de Querite, fronteira ao Jordão” (1Rs 17:2-5). Por que Deus o mandou àquele lugar? Por que ficar perto de um riozinho num lugar totalmente desconhecido? O que Deus pretendia com isso?

A verdade era que ali o Senhor tinha importantes lições a ensinar a Seu servo. O local era solitário e ermo. Ali, Elias deveria aprender a confiar plenamente em Deus e em Sua providência. Elias era apenas o instrumento de Deus. É verdade que a mensagem que ele tinha era poderosa, mas ela vinha de Deus. Talvez a pequena Querite fosse um meio de Deus lembrar Elias a respeito disso. Os corvos “garçons” também eram instrumentos de Deus para lembrá-lo de que o Senhor sempre provê para Seus servos fiéis tudo de que necessitam. Elias só estava naquela situação porque tinha resolvido fazer o que Deus esperava dele.

Quando assim fazemos, podemos confiar na providência e no cuidado de Deus. Não devemos permitir que o comodismo e o amor às coisas da Terra nos impeçam de fazer a obra que Deus espera de nós. Naturalmente, uma posição ao lado da verdade causará perseguição por parte daqueles que não se submetem a Deus. Mas, aonde quer que formos, se estivermos cumprindo a comissão divina, seremos cuidados por Ele. Embora fosse um poderoso profeta, Elias não podia se manter por si mesmo. Era totalmente dependente de Deus. Está aí outro ponto que nos liga a esse grande homem. Mesmo que não saibamos, todos dependemos de Deus para tudo. Como diz o apóstolo Paulo: “nEle vivemos, e nos movemos, e existimos” (At 17:28). Elias entendeu isso. Alguns fecham os olhos para essa realidade, mas o fato é que, assim como nós, “sujeito aos mesmos sentimentos”, Elias aprendeu a depender de Deus.

Mensagem perturbadora – A mensagem que Elias pregava era de arrependimento. Após três anos sem chuva sobre a terra, Deus enviou Elias ao encontro de Acabe. Esse encontro explosivo teve, no início, o seguinte diálogo. “És tu, ó perturbador de Israel? Respondeu Elias: Eu não tenho perturbado a Israel, mas tu e a casa de teu pai, porque deixastes os mandamentos do Senhor e seguistes os baalins. Agora, pois, manda ajuntar a mim todo o Israel no monte Carmelo, como também os quatrocentos e cinquenta profetas de Baal e os quatrocentos profetas do poste-ídolo que comem na mesa de Jezabel. Então, enviou Acabe mensageiros a todos os filhos de Israel e ajuntou os profetas no monte Carmelo. Então, Elias se chegou a todo o povo e disse: Até quando coxeareis entre dois pensamentos? Se o Senhor é Deus, segui-O; se é Baal, segui-o. […] Então, Elias disse a todo o povo: Chegai-vos a mim. E todo o povo se chegou a ele; Elias restaurou o altar do Senhor, que estava em ruínas” (1Rs 18:17-21, 30).

A expressão com a qual Acabe chamou Elias – “perturbador de Israel” – é usada outra vez na Bíblia em 1 Crônicas 2:7, em referência ao pecado de Acã, que perturbou Israel quando se apropriou “das coisas condenadas”. Essa expressão é referência aos objetos dos quais ele se havia apropriado indevidamente em Jericó (Js 7:1). Obviamente, essa expressão não era apropriada para Elias, mas caía como uma luva no caso de Acabe. E Elias não sonegou essa informação ao rei. O fato de o rei ter-se unido à ímpia Jezabel, fazendo o povo seguir seu caminho, produziu a terrível “perturbação” que veio sobre Israel. Na verdade, Jezabel era a “coisa condenada” de Acabe.

Elias não titubeou em deixar claro para Acabe que o pecado dele era responsável por aquela terrível calamidade. Nesse momento, o profeta chamou o pecado pelo seu nome exato. O senhor espera exatamente isso de nós.

“Há necessidade hoje da voz de severa repreensão, pois graves pecados têm separado de Deus o povo. A infidelidade está depressa tornando-se moda. ‘Não queremos que Este reine sobre nós’ (Lc 19:14), é a linguagem de milhares. Os sermões macios tão frequentemente pregados não deixam impressão duradoura; a trombeta não dá um sonido certo. Os homens não são atingidos no coração pelas claras, cortantes verdades da Palavra de Deus” (Ellen G. White, Profetas e Reis, p. 140).

Não é tempo de dissimularmos a verdade. Devemos pregá-la claramente. As pessoas devem ser levadas a entender a terrível situação em que se encontram. Nossa vida deve adverti-las, não só nossas palavras. Que nossas palavras sejam coerentes com nossa vida!

Vale da decisão – O profeta expandiu a influência de sua advertência para o povo reunido no Carmelo. Ele exortou os israelitas para que eles deixassem de oscilar entre Deus e Baal. Era hora de decisão. O mundo espera isso de nós. As pessoas estão no vale da decisão e precisamos levá-las ao conhecimento da verdade e à decisão ao lado do que é certo. Essa mensagem também é para o povo de Deus. Elias não coxeava entre Deus e Baal. Ele estava do lado do Senhor. Por isso, podia pregar com tal autoridade. Se quisermos ser como Elias, precisamos nos definir ao lado de Deus e de Sua Palavra.

Naturalmente, isso envolverá sérias renúncias, mas Deus poderá nos usar como usou Elias. O verso 30 acrescenta que “Elias restaurou o altar do Senhor que estava em ruínas”. O secularismo tem tentado arruinar a verdade. A onda de relativismos morais tem militado contra as imutáveis verdades da revelação bíblica. Precisamos restaurar isso.

Somos reparadores de brechas. Devemos exaltar a verdade.

Ellen G. White apresenta o seguinte pensamento: “A maior necessidade do mundo é a de homens – homens que se não comprem nem se vendam; homens que, no íntimo da alma sejam verdadeiros e honestos; homens que não temam chamar o pecado pelo seu nome exato; homens, cuja consciência seja tão fiel ao dever como a bússola o é ao polo; homens que permaneçam firmes pelo que é reto, ainda que caiam os céus” (Educação, p. 57).

Exatamente como na época de Elias, o mundo de hoje precisa de homens como os que estão descritos nessa célebre passagem do Espírito de Profecia. Elias era assim. O mundo em que ele viveu também necessitou de um homem com essa envergadura. Esse é, sem dúvida, outro aspecto que nos liga a Elias. Nosso profeta não sonegou a mensagem que tinha. Resta-nos imitá-lo também neste ponto.

O episódio do Carmelo foi memorável. O Senhor respondeu com fogo e consumiu a oferta de Elias. Houve conversão em massa, mas algo estranho aconteceria no coração do profeta.

Um profeta deprimido – Elias se escondeu em uma “caverna”, devido à ira de Jezabel. O homem cujo nome significava “Jeová é Deus” temeu a mulher cujo nome significava “Baal é deus”. Elias havia sido usado por Deus para lembrar ao povo o significado de seu próprio nome e havia sido bem-sucedido, mas estranhamente se esqueceu disso e acreditou, por algum tempo, que Baal era deus. Ele empreendeu uma fuga que o levou a um dos mais importantes lugares da história de Israel: Horebe, o monte de Deus. Embora aquele lugar fosse importante, Deus não queria que Elias estivesse ali naquele momento. O profeta tinha uma missão e estava fugindo dela, primeiro pedindo a morte no caminho, depois se escondendo em uma caverna. Sem dúvida, esse foi um momento de terrível incredulidade do profeta. Ele duvidou que o Deus que havia mandado fogo do céu poderia livrá-lo das mãos da ímpia Jezabel.

“Na experiência de todos surgem ocasiões de profundo desapontamento e extremo desencorajamento – dias em que só predomina a tristeza, e é difícil crer que Deus é ainda o bondoso benfeitor de Seus filhos na Terra; dias em que o dissabor mortifica o coração, de maneira que a morte pareça preferível à vida. É então que muitos perdem sua confiança em Deus, e são levados à escravidão da dúvida, ao cativeiro da incredulidade. Pudéssemos em tais ocasiões discernir com intuição espiritual o significado das providências de Deus, veríamos anjos procurando salvar-nos de nós mesmos, esforçando-se por firmar nossos pés num fundamento mais firme que os montes eternos; e nova fé, nova vida jorrariam para dentro do ser” (Ellen G. White, Profetas e Reis, p. 162).

Esse episódio da vida de Elias parece mais adequado a uma comparação com nossa vida. Nessa fase da vida do profeta, vemos confluências mais expressivas com nosso jeito de ser. Acho que, se a Bíblia não houvesse registrado esse fato e Tiago não nos tivesse informado que Elias “era semelhante a nós”, tenderíamos a achar que Elias não teria sido humano. É que muitas vezes nos sentimos assim. Temos medo dos desafios que estão à nossa frente, fugimos e nos escondemos em cavernas. Mas Deus não nos abandona lá. Existem muitas “cavernas” nas quais nos escondemos. Existe a caverna do medo, da indiferença, da preguiça, do orgulho espiritual, da falta de amor.

Não é na caverna que Deus nos quer, mesmo que seja uma caverna do Monte Horebe. Muitos de nós queremos desculpar nossa omissão, fugindo para o “Horebe” de nosso ufanismo religioso, por exemplo. Deitamo-nos em nosso berço esplêndido de um adventismo interno e esquecemos que as pessoas lá fora precisam de nós. Horebe foi o lugar em que Deus outorgou a Lei a Seu povo. Quando isso ocorreu, era essencial que Moisés estivesse lá. Mas não era esse o caso de Elias. A Lei já havia sido dada. A missão dele era levá-la àqueles que a estavam desprezando. Somos tentados a cometer o mesmo erro. Em vez de pregarmos, ficamos ensimesmados como se essa fosse a religião que Deus espera de nós. O fato é que posturas assim maquiam nossa lamentável situação espiritual. Esse é o pecado de Laodiceia. No entanto, o Senhor não desamparou Seu servo.

“Abandonou Deus a Elias em sua hora de provas? Oh, não! Ele não amava menos Seu servo quando este se sentiu abandonado de Deus e dos homens, do que quando, em resposta à sua oração, flamejou fogo do céu e iluminou o topo do monte” (Ellen G. White, Profetas e Reis, p. 166).

1 Reis 19:9 apresenta um lindo detalhe que às vezes nos passa despercebido. Deus disse a Elias, quando o profeta estava no interior da caverna: “Que fazes aqui, Elias?” Observe o advérbio de lugar que Deus usou: “aqui”. Esse termo indica que o Senhor estava dentro da caverna com Elias. Se Ele não estivesse lá, poderia ter dito: “Que fazes aí, Elias?” Deus resolveu ir à caverna onde Seu servo estava para tirá-lo de lá, curando-o de sua depressão.

Deus deseja usar conosco o mesmo método. No verso 15, Deus diz a Elias: “Vai”. É assim que Deus cura nossas crises espirituais. Ele nos dá a oportunidade de continuar a obra que Ele espera de nós. É como se Ele nos dissesse: “Eu ainda continuo contando com você. Seu erro não muda nada em nossa relação. Eu amo você.” Isso é lindo demais! Deus nunca desiste de nós. Esse tipo de postura de Deus, à qual comumente chamamos de graça, é que nos mantém vivos. Se não fosse isso, não haveria esperança para nós.

Elias subiu para o Céu. O fato é que Elias foi e cumpriu aquilo que Deus esperava dele. Ungiu Hazael rei sobre a Síria, Jeú, rei sobre Israel e Eliseu como profeta em Israel. Todas essas atitudes eram politicamente necessárias naquele momento para que a reforma iniciada pelo profeta continuasse. Elias continuou servindo ao Senhor e Deus o tomou para Si, fazendo-o “um tipo dos santos que estarão vivendo na Terra por ocasião do segundo advento de Cristo, e que serão ‘transformados num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta (1Co 15:51, 52) sem provar a morte’” (Ibid., p. 227).

Essa é a recompensa para todos aqueles que, em nossos dias, vivem “no espírito e poder de Elias” (Lc 1:17).

 

Vinícius Mendes de Oliveira*, professor de Língua Portuguesa, mestrando em Ciências Sociais na UFRB e aluno do 6º período do SALT – IAENE, Cachoeira, Ba. Publicado na RA de Maio/2011.


sexta-feira, 19 de novembro de 2021

CRISTO MORREU POR NÓS


 Ellen G. White*

Pois também Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-vos a Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado no espírito. 1 Pedro 3:18.

A cruz do Calvário apela para nós com poder, proporcionando uma razão por que devemos amar a nosso Salvador e por que devemos torná-Lo o primeiro, o último e o melhor em tudo. Devemos tomar o lugar que nos compete em humilde penitência aos pés da cruz. Aí, ao vermos nosso Salvador em agonia, o Filho de Deus morrendo, o justo pelos injustos, podemos aprender lições de mansidão e humildade de espírito. Contemplai Aquele que com uma palavra podia chamar legiões de anjos em Seu auxílio, sendo objeto de zombaria e hilaridade, de insulto e ódio. Ele Se entrega como sacrifício pelo pecado. Ao ser insultado, não ameaça; ao ser acusado falsamente, não abre a boca. Ele ora na cruz por Seus assassinos. Está morrendo por eles; está pagando um preço infinito por cada um deles. Suporta a pena dos pecados do homem sem qualquer murmuração. E essa vítima que não se queixa é o Filho de Deus. Seu trono é desde a eternidade, e Seu reino não terá fim.

Vinde, vós que procurais satisfazer-vos em prazeres proibidos e condescendências pecaminosas; os que estais vos afastando de Cristo, considerai a cruz do Calvário; contemplai a vítima real sofrendo por vossa causa; e, enquanto tendes oportunidade, sede sábios e buscai a fonte de vida e de verdadeira felicidade. Vinde, vós que vos queixais e murmurais diante dos pequenos aborrecimentos e das poucas aflições que tendes de enfrentar nesta vida, olhai para Jesus, o Autor e Consumador de vossa fé. Ele afastou-Se de Seu trono real, de Sua posição elevada, e, pondo de lado Sua divindade, revestiu-Se da humanidade. Foi rejeitado e desprezado por nossa causa; tornou-Se pobre para que, pela Sua pobreza, nos tornássemos ricos. Podeis vós, contemplando os sofrimentos de Cristo com os olhos da fé, contar vossas aflições, vossas desditas? Podeis nutrir vingança no coração enquanto vos lembrais da oração que procedeu dos pálidos e trementes lábios de Cristo, em prol de Seus insultadores e assassinos: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”? Lucas 23:34.

Há uma obra diante de nós: dominar o orgulho e a vaidade que procuram um lugar em nosso coração, e, por meio de arrependimento e fé, colocar-nos em familiar e santa conversação com Cristo. ... Precisamos negar o próprio eu, e lutar continuamente contra o orgulho. Precisamos esconder o próprio eu em Jesus, e deixar que Ele apareça em nosso caráter e conversação. Enquanto olharmos constantemente para Aquele que foi traspassado pelos nossos pecados e oprimido pelas nossas dores, obteremos forças para ser semelhantes a Ele. Nossa vida, nosso procedimento testificará o quanto apreciamos nosso Redentor e a salvação que Ele efetuou para nós a tal preço para Si. E nossa paz será como um rio enquanto nos ligarmos a Jesus em voluntário e feliz cativeiro. — The Signs of the Times, 17 de Março de 1887.

 

*Ellen G. White (1827-1915) é considerada a autora norte-americana mais amplamente traduzida. Suas obras foram publicadas em aproximadamente 150 línguas. Guiada pelo Espírito Santo, ela exaltou a Jesus e apontou para as Escrituras como a base de sua fé.

 

FONTE: Exaltai-O [MM 1992], p. 234.

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

POR QUE ALGUMAS PESSOAS NÃO ESTARÃO NO CÉU


G. Ralph Thompson*

Há na parábola das dez virgens muitas lições espirituais. As dez professam fé pura; não há diferenças externas entre as cinco prudentes e as cinco loucas; todas parecem cristãs; têm o mesmo comportamento; agem do mesmo modo; todas têm o nome nos livros da igreja, e desfrutam todas de bom conceito na congregação.

A lição que aprendemos aqui é que não basta alguém apresentar-se do melhor modo no sábado e ir à igreja para ser considerado necessariamente um cristão. O que é de mais significativo nesta parábola é que, no que diz respeito ao comportamento das dez virgens, estavam perfeitamente conformes com todas as normas da igreja. Nada havia no comportamento e estilo de vida das cinco virgens loucas que permitisse a censura da Comissão da igreja.

Há uma lição também nas lâmpadas e no óleo. As lâmpadas representam a Palavra de Deus. O óleo representa o Espírito Santo. Quanto tempo os membros da igreja despendem com a Palavra de Deus? Têm o Espírito Santo para iluminar-lhes o entendimento? Possuir a Palavra de Deus não é o bastante. É preciso ter também o Espírito Santo.

"Sem o Espírito de Deus, de nada vale o conhecimento da Palavra. A teoria da verdade não acompanhada do Espírito Santo, não pode vivificar a alma, nem santificar o coração. Pode estar-se familiarizado com os mandamentos e promessas da Bíblia, mas se o Espírito de Deus não introduzir a verdade no íntimo, o caráter não será transformado. Sem a iluminação do Espírito, os homens não estarão aptos para distinguir a verdade do erro, e serão presa das tentações sutis de Satanás” (Parábolas de Jesus, p. 408, 411).

Assim, precisamos do Espírito Santo para nos iluminar a mente, para nos ajudar a transformar em ação aquilo que temos estudado. O conhecimento apenas intelectual da verdade não basta. Precisamos dar uma correspondente resposta do coração. Este conhecimento da Palavra de Deus precisa tomar-se experimental. Precisa afetar nosso estilo de vida. O conhecimento da vontade de Deus tem de tomar-se evidente mediante a transformação do caráter. Precisamos render-nos à vontade de Deus expressa em Sua Palavra.

Virgens Loucas, Não Hipócritas

Eram loucas as cinco virgens, ou hipócritas? Notai o que Ellen G. White diz sobre este grupo: “A classe representada pelas virgens loucas não é hipócrita. Têm consideração pela verdade, advogaram-na, são atraídos aos que creem na verdade, mas não se entregaram à operação do Espírito Santo. Não caíram sobre a rocha, que é Cristo Jesus, e não permitiram que sua velha natureza fosse quebrantada. Essa classe é representada, também, pelos ouvintes comparados ao pedregal. Recebem a Palavra prontamente; porém, deixam de assimilar os seus princípios. Sua influência não permanece neles. O Espírito trabalha no coração do homem de acordo com seu desejo e consentimento, nele implantando natureza nova; mas a classe representada pelas virgens loucas contentou-se com uma obra superficial. Não conhecem a Deus. Não estudaram Seu caráter; não tiveram comunhão com Ele; por isso não sabem como confiar, como ver e viver. Seu serviço para Deus degenera em formalidade” (Idem, p. 411).

Certamente não queremos meramente professar o cristianismo e então chegar ao fim e encontrar a porta fechada. Isto seria a pior das coisas.

Notai que quando as cinco virgens loucas se voltaram para as cinco prudentes e solicitaram o óleo destas, a resposta foi que elas mesmas o fossem comprar. Isto dá eloquente expressão ao importante fato espiritual de que não pode haver claridade, iluminação, com óleo emprestado. A religião de nossos pais, de nossos amigos, de outros membros da igreja, não pode ser creditada a nós. Nossos pais podem ser santos, mas isto não nos garante a entrada no reino. Temos de conhecer o Senhor por nós mesmos. O óleo do Espírito Santo tem de ser derramado em nossa própria vida. Precisamos conhecer a Palavra de Deus por nós mesmos. Não podemos pedir de empréstimo a experiência de outros em nossa posição diante de Deus. Jesus Cristo tem de Se tomar nosso Salvador pessoal. Precisamos conhecê-Lo por nós mesmos. Servimos a Deus em base individual, e é como indivíduos que seremos julgados por Ele. Temos de ir e comprar, nós mesmos.

Há os que se sentem felizes por haverem nascido já como adventistas do sétimo dia, isto é, de pais adventistas, em lares adventistas. Na verdade não existe isto. Todos temos de "nascer de novo", como adventistas do sétimo dia. Precisamos fazer uma decisão individual por Cristo. Este conhecimento não pode ser apenas superficial. Há muitos cristãos que conhecem não a Cristo, mas a respeito de Cristo. O real conhecimento de Cristo tem de ser obtido mediante íntimo relacionamento com Ele como Salvador e Senhor.

Deixando que Nossas Lâmpadas Brilhem

Nossas lâmpadas devem ser espevitadas e postas a arder, de modo que iluminem com intenso brilho. Somos admoestados a deixar que nossas lâmpadas brilhem. Nesse brilho refletiremos a luz do Sol da Justiça. Pessoas em trevas serão atraídas pela beleza de nossa vida ao refletirmos a luz que Deus faz resplandecer em nosso coração. Certamente que como cristãos devemos orar para que Deus prepare o nosso coração, para que reflita o brilho de Seu caráter, e estejamos prontos a resplandecer sempre, mesmo na escuridão da meia noite.

Enquanto esperamos que o Esposo surja, estejamos certos de que temos dado nossa vida completamente a Jesus Cristo, que Ele é nosso, que devemos refletir Seu caráter. Asseguremo-nos de que por Sua habilitadora graça temos vencido hábitos que nos roubariam as bênçãos espirituais. Quando o Noivo vier, não haveremos de querer ouvir as terríveis palavras: "Não vos conheço".

Na parábola, tanto as virgens loucas como as prudentes são apanhadas em descuido. Subitamente, ouve-se o clamor: "Aí vem o Esposo". Um grupo havia feito preparativos para esta hora de crise. O outro não havia. Um grupo ergue-se depressa e prepara suas lâmpadas, saindo ao encontro do Esposo. O outro procurou desesperadamente ativar lâmpadas que se apagavam. Não basta procurar estar prontos. E preciso estar prontos.

Como diz a serva do Senhor, no dia final "muitos reclamarão admissão no reino de Cristo", dizendo: "Temos comido e bebido em Tua presença, e Tu nos ensinaste nas ruas". E "Senhor, Senhor, não profetizamos nós em Teu nome? E em Teu nome não expulsamos demônios? E em Teu nome não fizemos obras maravilhosas?" Mas a resposta é: "Em verdade vos digo, que não sei de onde vós sois; apartai-vos de Mim. " S. Lucas 13:26, 27; S. Mat. 7:22. Nesta vida eles não haviam entrado em associação com Cristo; por isto mesmo não conheciam a linguagem do Céu, sendo estranhos a seu gozo. "Quem conhece as coisas do homem, senão o espírito do homem que nele está? Assim também as coisas de Deus ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus." I Cor. 2:11.

"As palavras mais tristes que caíram em ouvidos mortais são aquelas da sentença: 'Não vos conheço'. Unicamente a comunhão do Espírito que desprezastes poderia unir-vos à hoste jubilosa que estará no banquete das bodas. Não podereis participar dessa cena. Sua luz incidiria sobre olhos cegos, e sua melodia em ouvidos moucos. Seu amor e alegria não fariam soar de júbilo corda alguma do coração entorpecido pelo mundo. Sois excluídos do Céu por vossa própria inaptidão para a sua companhia.

"Não podemos estar prontos para encontrar o Senhor, acordando ao ouvir o brado: 'Aí vem o Esposo!' e então tomar nossas lâmpadas vazias para enchê-las. Não podemos viver apartados de Cristo aqui, e ainda assim estar aptos para a Sua companhia no Céu” (Idem, p. 413, 414).

O dia do juízo será um dia muito triste para os cristãos que apenas atenderam ao Seu chamado com o coração dividido. Por outro lado, que alegria maravilhosa será para aqueles que são caracterizados como sábios! Estes estarão em constante estado de preparação. Estarão confiando não em sua própria justiça, mas na completa justiça de Jesus Cristo. Estarão se regozijando nEle como Salvador e Senhor de suas vidas. Terão experimentado o gozo de pecados perdoados, e terão plena confiança nos méritos de seu Senhor.

Ao aproximar-Se o Esposo, ao estar perto o tempo de Sua vinda, os que são sábios estarão nas pontas dos pés, aguardando ansiosos Sua volta. Partilharão suas alegrias com outros. Serão otimistas, não pessimistas, pois sabem que o Rei, o Esposo, está a caminho.

Logo os céus se abrirão, e do azul do firmamento Cristo surgirá. Os céus se abrirão desmesuradamente, e grande cortejo de anjos acompanhará o Rei, ao descer Ele para receber Sua expectante esposa. Se esperamos ser contados entre esse grupo, temos de estar sem mácula nem ruga ou qualquer coisa semelhante nesse tempo.

Graças a Deus que as imaculadas vestes da própria justiça de Cristo podem ser nossas, e estaremos firmes naquele dia, quando teremos a alegria de olhar para cima e dizer: "Eis que este é o nosso Deus a quem aguardávamos, e Ele nos salvará. Este é o Senhor... e em Sua salvação gozaremos e nos alegraremos”.

 

G. Ralph Thompson, era Vice-Presidente da Associação

Geral na década de 1980.

 

FONTE: Revista Adventista, abril de 1980, p. 9-11.

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

DECRETO DOMINICAL


 Flávio Pereira da Silva Filho*

O que levou o imperador romano Constantino a estabelecer oficialmente o domingo como dia de repouso há 1.700 anos   

Uma das perguntas da área de História que apareceram na prova da segunda fase do vestibular da Fuvest deste ano teve que ver com a transformação do cristianismo de religião perseguida em religião do Estado. O ponto em questão era o que levou o Império Romano a adotar o cristianismo como religião oficial.

Uma das possíveis respostas para essa pergunta está na busca do Império Romano por um ponto de apoio que contribuísse para a sua estabilização. E o cristianismo, que estava em franca expansão, apesar das perseguições, possuía características para potencializar essas aspirações. Com base nessa hipótese, O Livro da História (Editora Globo, 2017, p. 67) diz que o cristianismo se tornou uma ferramenta para a unidade e uma validação da autoridade imperial. Nesse sentido, em 313 d.C., o imperador Constantino concedeu liberdade religiosa em todo o Império Romano, por meio do Edito de Milão (Gilberto Cotrim, História Global [Saraiva, 2005], p. 93).

Por outro lado, em março de 321 ele promulgou um decreto estabelecendo o domingo como dia de repouso. Esse edito exigia que a população das cidades por ele dominadas suspendesse as atividades “no venerável dia do Sol” (venerabili die Solis), embora fosse mais flexível em relação aos camponeses.

O documento estabelecia o seguinte: “Que os magistrados e as pessoas que residem nas cidades, bem como os comerciantes, repousem no venerável dia do Sol. Aos moradores do campo, porém, conceda-se atender livre e desembaraçadamente aos cuidados de sua lavoura, visto suceder frequentemente não haver dia mais adequado à semeadura e ao plantio das vinhas, pelo que não convém deixar passar a ocasião oportuna e privar-se a gente das provisões oferecidas pelo Céu” (Codex Justinianus).

Na realidade, tratava-se de um estatuto pagão, mas que foi nominalmente aceito pelo cristianismo (Philip Schaff; David S. Schaff, History of the Christian Church, v. 3 [C. Scribner’s, 1889], p. 380; Paul Krueger, Codex Justinianus [Weidmann, 1877], p. 248; Ellen G. White, O Grande Conflito, p. 53, 574). Ao que se sabe, o chamado Edito de Constantino foi o primeiro registro de lei, de natureza eclesiástica ou civil, em que a observância sabática (no sentido de cessar o trabalho) do domingo foi ordenada (Joseph Harvey Waggoner, The Origin and Growth of Sunday Observance in the Christian Church [Pacific Press, 1889], p. 21).

Esse decreto foi uma lei dominical matricial. Ou seja, dele surgiu uma série de editos sobre a observância do domingo que influenciaram profundamente os europeus e a sociedade americana. Se no período de domínio do Império Romano a observância do domingo foi reforçada por estatutos civis, mais tarde, a igreja, sob a autoridade papal, impôs esse decreto por meio de editos eclesiásticos e civis (ver Walter W. Hyde, Paganism to Christianity in the Roman Empire [Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1946], p. 261).

O decreto de Constantino fazia parte de uma pauta de trabalho imperial que tinha como fundamento a promoção de um amálgama entre o paganismo e o cristianismo. Nesse sentido, o “dia do Sol”, que corresponde ao domingo do calendário atual, deveria ser um dia de descanso geral para cristãos e pagãos (Christian Edwardson, Facts of Faith [Southern Publishing Association, 1943], p. 109). Dentro dessa perspectiva, a etimologia da palavra inglesa sunday, que corresponde ao termo domingo em alguns idiomas latinos, tem exatamente o sentido de “dia do Sol”, reforçando a influência que essa pauta mantém dezessete séculos depois sobre a sociedade ocidental.

Em uma via de mão dupla, para dar uma sanção teológica à legislação imperial que exigia a cessação de trabalho no domingo, as hierarquias eclesiásticas apelaram frequentemente ao preceito criacionista do quarto mandamento, mas adaptando-o à observância do domingo (Samuele Bacchiocchi, Divine Rest for Human Restlessness [The Pontifical Gregorian University Press, 1980], p. 35).

E o que esse fato histórico tem que ver com o nosso futuro? Sob a perspectiva bíblico-profética adventista, a aproximação entre Igreja e Estado, dentro do contexto do capítulo 13 do livro de Apocalipse, demonstra que uma lei universal, à semelhança do Edito de Constantino, terá interferência direta sobre o arbítrio de todos os seres humanos da face da Terra (v. 16). E que, sob a boa intencionalidade de um objetivo comum, haverá uma crise que dividirá todos os cristãos do planeta.

 

*FLÁVIO PEREIRA DA SILVA FILHO, mestre em Teologia Bíblica, é pastor jornalista

 

FONTE: Revista Adventista

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

DESFECHO INESPERADO


 Bruno de Azevedo Lourenço

O que fez do adventismo o maior movimento protestante doutrinariamente unificado ao redor do mundo

“Nossas expectativas foram elevadas e esperamos pela vinda de nosso Senhor até que o relógio apontou meia-noite. O dia se passou, e nosso desapontamento se tornou uma certeza. Nossas maiores esperanças e expectativas foram destroçadas e um espírito deprimente tomou conta de nós como nunca antes. Parecia que a perda de todos os amigos terrenos não poderia se comparar com essa dor. Nós choramos e choramos até o dia amanhecer” (Review and Herald, 23/6/1921, p. 4-5). Foi assim que Hiram Edson definiu a tristeza daquele grupo. Sermões e mais sermões sobre a segunda vinda de Cristo haviam sido proferidos. O 22 de outubro de 1844 havia chegado, mas o dia terminou e Ele não veio.

Um grupo que passou por um desapontamento tão grande como esse simplesmente poderia enfraquecer até a completa extinção. No entanto, a menor porção daquele pesaroso movimento perseverou e tornou-se uma igreja com mais de 20 milhões de membros. Qual foi o segredo para um desfecho tão inesperado? Embora pareça não fazer sentido à primeira vista, a mensagem do sábado estudada por José Bates, a doutrina do santuário e as três mensagens angélicas tiveram um papel primordial nesse processo.

Reerguendo-se

Logo após o grande desapontamento, a grande maioria dos mais de 200 mil mileritas abandonou a fé ou continuou estudando para marcar novas datas para o retorno de Cristo. Porém, um pequeno grupo enxugou as lágrimas e retornou para as Escrituras a fim de entender o que de fato aconteceu e para buscar mais revelações divinas. A descoberta da centralidade da doutrina do santuário em correlação às três mensagens angélicas de Apocalipse 14 foi uma das principais chaves para o próximo passo. Inicialmente, eles criam que o cumprimento da mensagem do primeiro anjo teve início em 1798 com a pregação da volta de Jesus (Ap 14:6-7). Por sua vez, relacionavam a segunda mensagem a 1844, com a proclamação do Clamor da Meia-Noite e o chamado para sair de Babilônia (14:8). E acreditavam que a terceira mensagem enfatizava a santidade e validade dos mandamentos de Deus (14:9-12).

Em 1845, muitas pessoas começaram a guardar o sábado devido à influência dos batistas do sétimo dia. Pouco tempo depois, José Bates começou a pregar mais enfaticamente sobre a importância desse dia, afirmando que este mandamento precisaria ser restaurado para que então Jesus pudesse retornar (Gerard P. Damsteegt, Foundations of the Seventh-day Adventist Message and Mission [Grand Rapids: Eerdmans, 1977], p. 136-142). A princípio Ellen G. White não entendeu o motivo de enfatizar tanto o quarto mandamento em relação aos outros nove (Testemunhos Para a Igreja [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2021), v. 1, p. 72, 73). Mas, depois de ter acesso a um folheto escrito por Bates em 1846, Ellen e Tiago White aceitaram esta verdade. O trio, então, começou a pregar com maior ênfase sobre a santidade do sábado. Naquele momento, Deus usou José Bates para protagonizar uma das mais cruciais descobertas da história da Igreja Adventista do Sétimo Dia.

Bates teve um insight enquanto dedicava-se a um estudo mais profundo a respeito do significado da terceira mensagem angélica: o sábado estava inteiramente ligado à mensagem do terceiro anjo. “Abriu-se, então, o santuário de Deus, que se acha no céu, e foi vista a arca da Aliança no seu santuário, e sobrevieram relâmpagos, vozes, trovões, terremoto e grande saraivada” (Apocalipse 11:19). Ele percebeu que os Dez Mandamentos tinham um papel especial naquele período e, assim, conectou o sétimo dia com a mensagem do terceiro anjo. Alguns meses depois, Ellen White teve uma visão em que Deus a levou para um passeio no santuário celestial. Quando o véu que havia entre os dois compartimentos foi levantado, ela contemplou a Arca do Concerto. Dentro da arca ela reparou num detalhe interessante: “Vi os Dez Mandamentos nelas [nas tábuas] escritos com o dedo de Deus. […] Mas o quarto, o mandamento do sábado, brilhava mais que os outros; pois o sábado foi separado para ser guardado em honra do santo nome de Deus. O santo sábado tinha aparência gloriosa – um halo de glória o circundava. Vi que o mandamento do sábado não fora pregado na cruz. Se tivesse sido, os outros nove mandamentos também o teriam, e estaríamos na liberdade de transgredi-los a todos, bem como o quarto mandamento. Vi que Deus não havia mudado o sábado, pois Ele jamais muda” (Ellen G. White, Primeiros Escritos [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1991], p. 32-33).

A sugestão de Bates de conectar os três temas foi confirmada com a visão de Ellen White. Logo, a última mensagem de exortação e salvação deveria incluir a restauração do sábado como o dia genuíno de descanso, o único mandamento esquecido pela grande maioria dos cristãos.

A conexão entre o sábado, o santuário e as três mensagens angélicas deu a eles uma identidade profética. Logo após o grande desapontamento profetizado em Apocalipse 10:8-10, Jesus afirma que eles ainda precisariam profetizar “a respeito de muitos povos, nações, línguas e reis” (v. 11). As mesmas palavras são usadas para introduzir as três mensagens angélicas em Apocalipse 14:6-12, deixando claro o que Ele esperava deles. Ademais, as palavras usadas pelo primeiro anjo em sua mensagem para adorar “aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas” também não são novas nas Escrituras. “Essa linguagem faz uma alusão inequívoca ao mandamento do SÁBADO, com referência à CRIAÇÃO (Êx 20:8-11), indicando, portanto, que o sétimo dia tem relevância especial na proclamação do evangelho no tempo do fim. […] As admoestações a ‘temer’ e ‘adorar’ neste versículo se encaixam diretamente no contexto imediato mais amplo de guardar os mandamentos de Deus (ver Ap 12:17; 14:12), com referências óbvias ao decálogo” (Bíblia de Estudo Andrews, p. 1667; nota sobre Apocalipse 14:7).

Os pioneiros adventistas do sétimo dia não criam nestes preceitos apenas porque eles estavam embasados na Bíblia e, por isso, deveriam ser pregados. Ia muito além disso. Eles encontraram a si mesmos naquela profecia. Perceberam Deus delegando a eles a missão de espalhar uma mensagem específica à sua geração. Inicialmente, a crença de José Bates na santidade do sétimo dia apresentada em seu livro The Seventh-day Sabbath: A Perpetual Sign refletia essencialmente o que os batistas do sétimo dia criam: que o sábado era o dia correto a ser guardado e que o dia de guarda nunca deveria ter sido mudado. Porém, a crença nesse dia foi fortalecida pela mensagem profética de que Deus restauraria este selo entre Ele e Seu povo. Tiago White declarou: “Nossa experiência adventista passada, presente posição e trabalho futuro estão demarcados em Apocalipse 14 da forma mais clara que a pena profética poderia escrever” (James White to Brother Bowles, 8 de novembro de 1849 [Silver Spring, MD: Ellen G. White Estate]). A identidade profética resultou em urgência de pregar aquela mensagem ao mundo. Um espírito missionário envolveu seu coração, e daquele momento em diante nenhuma barreira seria grande demais para aquele valente grupo. O pequeno grupo passou por um grande desapontamento, mas agora estava revigorado para espalhar o evangelho a todo o mundo.

Missão urgente

A diferença que esta identidade profética e chamado à pregação provocou no movimento adventista do sétimo dia se torna mais clara quando comparada a outros grupos similares daquele período. Os batistas do sétimo dia tiveram um crescimento de aproximadamente 6 mil membros na década de 1840 para 50 mil na década de 2010, e estão representados em 22 países. Por outro lado, de acordo com o primeiro censo realizado pela Igreja Adventista do Sétimo Dia, o número de membros adventistas totalizava 3,5 mil em 1863. Em 2020, este número já se aproximava de 22 milhões de adventistas, espalhados por 213 dos 235 países e regiões do mundo reconhecidos pela ONU.

Como Clyde Hewitt afirmou: “O menor dos braços do grupo milerita [Adventistas do Sétimo Dia e Cristãos do Advento] foi o que se tornaria de longe o maior” (George R. Knight, If I Were The Devil [Hagerstown, MD: Review and Herald, 2010], p. 142). A diferença no crescimento entre essas denominações foi a compreensão profética desta mensagem como parte de um plano maior, com um chamado urgente a que fosse pregada por todo o mundo. O adventismo sabatista compreendeu que a guarda do sábado não era um meio para a salvação, mas era parte de uma identidade profética a ser compartilhada com “muitos povos, nações, línguas e reis” (Apocalipse 10:11; veja também Mateus 28:18-20; Apocalipse 5:9-10; 7:9).

O adventismo do sétimo dia é o maior movimento protestante doutrinariamente unificado ao redor do mundo. Por quê? Porque cremos que Deus tem uma mensagem profética a ser pregada e que ninguém está pregando. Esta mensagem deu ao Seu povo liberalidade ao doar seu dinheiro e sua própria vida em favor da pregação do evangelho. Como membros e herdeiros de tão grande legado, precisamos levar avante esta mensagem que nos conferiu uma identidade e uma missão. Devemos ir e pregar a “cada nação, e tribo, e língua, e povo” (Apocalipse 14:6). A missão está em nosso DNA, e esse foi claramente o segredo para o crescimento do adventismo no mundo. Agora a tocha da verdade está em nossas mãos e podemos ouvir uma voz do Céu apelando direta e claramente: Pregue! Pregue!

 

*BRUNO DE AZEVEDO LOURENÇO, mestre em Divindade pela Universidade Andrews, é pastor na Igreja Adventista Highland View, em Hagerstown, Maryland (EUA)

 

FONTE: Revista Adventista

domingo, 10 de outubro de 2021

AS ESCRITURAS E A EXPERIÊNCIA


Alberto R. Timm*

A Reforma Protestante do décimo sexto século foi originalmente baseada no princípio hermenêutico de sola Scriptura (a exclusividade das Escrituras). Muita ênfase foi colocada sobre o significado gramático histórico do texto bíblico. Outras fontes de conhecimento religioso, tais como tradição, razão, e experiência, eram consideradas como aceitáveis somente se estivessem em harmonia com aquilo que era entendido como os ensinos da Palavra de Deus. Mas este tipo de aproximação tem perdido seu poder sob a influência do existencialismo filosófico, teologia do encontro, Pentecostalismo, e pós modernismo. Hoje, muitos Cristãos confiam mais em sua própria experiência subjetiva do que nos ensinos objetivos das Escrituras.

Por contraste, os Adventistas do Sétimo Dia vêm a si mesmos como um movimento profético especial do tempo do fim levantado por Deus para manter “a Bíblia, e a Bíblia só, como norma de todas as doutrinas base de todas as reformas.”1 Contudo, se a verdadeira religião Cristã consiste de uma experiência viva com Deus, que papéis específicos as Escrituras e a experiência desempenham na vida Cristã? Como podem elas ser integradas a fim de se evitar o risco de superestimar uma em detrimento da outra?

O presente artigo discute brevemente quatro tentativas distintivas para integrar Escrituras e experiência na vida Cristã. O propósito principal é avaliar criticamente cada uma dessas tentativas à luz da Palavra de Deus, tentando identificar o modelo que reflete melhor o ponto de vista bíblico do assunto.

1. As Escrituras Dominando a Experiência

As denominações Cristãs tendem com o tempo substituir os ensinos das Escrituras pelos componentes antibíblicos da cultura contemporânea.2 Tentando reverter esse processo, algumas pessoas terminam dominando a experiência pessoal com uma forte ênfase sobre os ensinos das Escrituras. Sob este modelo, a dimensão objetiva da religião fala muito mais alto do que a subjetiva, e a obediência a um dado corpo de regras ofusca um relacionamento vivo com Deus. O resultado natural deste tipo de aproximação pode ser formalismo e legalismo.

Indubitavelmente, o conteúdo cognitivo das Escrituras desempenha um papel fundamental dentro da vida Cristã. O apóstolo Paulo argumenta que, para alguém crer em Deus, ele ou ela precisa ter um conhecimento objetivo de Deus (Rom 10:13-15). De acordo com Alister McGrath, “nós não apenas cremos em Deus, cremos em certas coisas totalmente definidas a respeito de Ele. Em outras palavras, a fé possui um conteúdo bem como um objeto.”3

Cristo definiu Seus verdadeiros seguidores como aqueles que vivem “de toda palavra que procede da boca de Deus” (Mt 4:4),4 e que ouvem Suas “palavras” e as colocam “em prática” (Mt 7:24). No Apocalipse de João somos admoestados que “se alguém adicionar alguma coisa” às palavras da profecia desse livro, “Deus adicionará a ele as pragas descritas” nele; e “se alguém tirar as palavras desse” livro, “Deus tirará dele sua participação na árvore da vida e na cidade santa” (Ap 22:18, 19). E Pedro acrescenta, “temos ainda mais firme a palavra dos profetas, e vocês farão bem se a elas prestarem atenção, como uma candeia que brilha em lugar escuro, até que o dia clareie e a estrela da alva nasça no coração de vocês” (2 Pe 1:19). Desse modo, não nos é permitido desconsiderar o teor das Escrituras, porque ela é verdadeiramente a Palavra de Deus na linguagem humana.

Entretanto, tão significativas quanto as doutrinas bíblicas possam ser, a verdadeira religião é muito mais do que apenas convicções intelectuais. Ela significa uma conversão espiritual que opera de dentro para fora da pessoa (veja Jo 3:1-21), de modo que ele ou ela se torna uma “nova criação” (2 Co 5:17). Nem o racionalismo nem o ativismo social podem gerar tal experiência salvífica.

2. A Experiência Dominando as Escrituras

Partindo do formalismo frio de uma religião meramente intelectual, muitos Cristãos têm dominado o componente cognitivo das Escrituras com alguma forma de religião existencial ou charismática.5 Influente neste processo foi o Eu Tu de Martin Buber, sugerindo que nosso relacionamento formal “Eu-Coisa” deveria ser substituído pelo mais pessoal “Eu-Tu”, isto é, tratando as pessoas (e Deus) como indivíduos com quem relacionamentos plenos podem ser formados em vez de como objetos para satisfazerem nossas necessidades.6 Este modo de aproximação ajudou a dar forma a assim chamada “teologia do encontro”7 através da qual conhecer a Deus pessoal e individualmente é o alvo em vez de saber a respeito de Ele.8

Muitos Cristãos modernos, que confiam na suposta “voz do Espírito” falando às suas próprias mentes mais do que o texto da Bíblia, tentam justificar tal atitude com a declaração de Paulo que “a letra [gramma] mata, mas o Espírito [pneuma] dá vida” (2 Co 3:6). Porém, o contexto da declaração revela que Paulo está simplesmente contrastando o velho e o novo concerto. O velho (referido como “a letra”) realmente era uma sombra limitada do novo (veja Hb 8). Contudo, se assumirmos que o velho era defeituoso em sua própria essência, então temos que assumir também que Deus estabeleceu um modo errôneo de salvação para Israel. O problema não estava apenas com o concerto em si mesmo, mas com a sua interpretação errada, primeiro, pelo antigo Israel, e, mais tarde, pela igreja em Corinto. Ralph Martin sugere que a “letra” aqui se refere a “uma certa interpretação da Torá que prevalecia em Corinto” ou, em outras palavras, “um uso errado da lei de Moisés como um fim em si mesma que falhava em apreciar seu verdadeiro propósito (Rm 10:4: telos) como conduzindo a Cristo, seu cumprimento.”9 Apesar das distorções propostas tanto pela teologia do encontro como pela teologia carismática, a experiência pessoal com Deus é básica para a religião Cristã. Em contraste com a ênfase Grega do conhecimento em si mesmo, a Bíblia coloca o relacionamento com Deus como a base do verdadeiro conhecimento. Isaías convida Israel, “Busque o Senhor enquanto ele pode ser encontrado; chame-o enquanto ele está próximo” (Isa 55:7). Oséias adiciona, “Conheçamos, esforcemo-nos para conhecer o Senhor” (Os 6:3, NASB). Jesus declarou que “a vida eterna” significa conhecer a Deus o Pai bem como ao Próprio Cristo (Jo 17:3). Tal conhecimento inclui um aspecto relacional profundo, bem expresso na própria analogia de Cristo da videira e os ramos (Jo 15:1-17), na expressão de Paulo “em Cristo” (Rm 8:1, 39; 16:3, 7, 9, 10; 1 Co 1:30; 2 Co 5:17; Gl 1:22; 5:6; Ef 1:13), e na menção de João “o Filho de Deus” (1 Jo 5:12).

Reconhecendo que as Escrituras bem como a experiência desempenham um papel fundamental dentro da religião Cristã, permanece ainda a necessidade de considerar mais detalhadamente como elas se relacionam dentro da vida Cristã.

3. A Experiência Igualada Com as Escrituras

Vendo a necessidade de manter unidas as Escrituras e a experiência, alguns Cristãos são tentados a igualar a experiência com as Escrituras. Um exemplo clássico disto é o assim chamado “quadrilátero Wesleyano,” no qual Escrituras, tradição, razão, e experiência são colocadas no mesmo nível de autoridade. Entretanto, Donald A. D. Thorsen afirma que a imagem de um quadrilátero pode não ser a melhor representação da teologia de John Wesley: Se alguém insiste em escolher uma figura geométrica como um paradigma para Wesley, um tetraedro – uma pirâmide tetraedral – seria mais apropriada. As Escrituras serviriam como a base da pirâmide, com os três lados rotulados tradição, razão, e experiência como complementárias mas não como fontes de autoridade religiosa.10

Qualquer tentativa para elevar a experiência ao mesmo nível das Escrituras cria uma certa espécie de lealdade dividida, na qual algumas vezes as Escrituras dominam a experiência e outras vezes a experiência toma o lugar das Escrituras. Muitas vezes a razão humana e o gosto pessoal decidem quais destes elementos deveriam ter primazia. Desse modo, estes ensinos da Bíblia com os quais alguém concorda e que estão ligados a alguém são normativos. Por um lado, essas porções escriturísticas que ele ou ela considera sem sentido ou insípidas são consideradas como condicionadas culturalmente e obsoletas. Mesmo embora a autoridade das Escrituras seja reconhecida, essa autoridade é frequentemente obscurecida pela experiência.

Em contraste com a teologia do encontro e a teologia carismática, que tendem a substituir as Escrituras pela experiência, o próprio texto bíblico parece ser considerado mais seriamente nas hermenêuticas pós modernistas. Mas, por empregar uma “leitura orientada pelo criticismo” em conexão com as Escrituras,11 o método de aproximação pós moderno está preocupado não tanto com o que o texto bíblico diz ou como ele foi entendido por seus leitores originais mas com como as pessoas de hoje entendem o texto e que significado ele realmente tem para elas. Movendo o foco da autoridade das Escrituras para seus leitores, os pós modernistas abrem o texto bíblico para uma variedade de interpretações subjetivas, considerando todas elas igualmente válidas. Consequentemente, não existe mais uma Palavra de Deus clara e consistente, mas sim muitas palavras conflitantes atribuídas supostamente a Deus.

Tratando o assunto da “relevância e ambiguidade da experiência”, Anthony C. Thiselton admoesta que se a experiência “for separada das Escrituras, tradição, e razão, ela é notoriamente capaz de interpretação desestabilizadora ou diversa.”12 Por isto, a fim de evitar este perigo, temos de levar mais seriamente em consideração o que a Bíblia tem a dizer a respeito de si mesma e seu relacionamento com a experiência.

4. As Escrituras Mediando a Experiência

A Bíblia declara claramente que nossa experiência salvífica com Deus deve ser instruída e mediada pela palavra escrita de Deus. No livro dos Salmos a palavra de Deus é metaforicamente chamada de “uma lâmpada” para nossos pés e de “uma luz” para nosso caminho (Sl 119:105). Cristo declarou que Seus seguidores deveriam viver “de toda palavra que procede da boca de Deus” (Mt 4:4). Paulo explica, “Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem não ouviram falar? E como ouvirão, se não houver quem pregue? E como pregarão se não forem enviados?” (Rm 10:13-15). Esses e outros convites bíblicos para viver fielmente pela Palavra de Deus implicam que a Palavra precede a experiência. De acordo com Arthur Weiser, “a fé é sempre a reação do homem à ação primária de Deus.”13

Evidências escriturísticas indicam que a “palavra” pela qual os Cristãos deveriam viver não é impressões subjetivas do Espírito Santo sobre a consciência do Cristão. Essa “palavra” se refere às vozes proféticas objetivas registradas nas Escrituras. Isaías aconselha, “À lei e ao testemunho! Se eles não falarem segundo esta palavra, nunca verão a alva” (Is 8:20). O apóstolo Pedro explica, “Assim, temos ainda mais firme a palavra dos profetas, e vocês farão bem se a ela prestarem atenção, como a uma candeia que brilha em lugar escuro, até que o dia clareie e a estrela da alva nasça no coração de vocês. Antes de mais nada, saibam que nenhuma profecia da Escritura provém de interpretação pessoal, pois jamais a profecia teve origem na vontade humana, mas homens falaram da parte de Deus, impelidos pelo Espírito Santo” (2 Pe 1:19-21).

Mesmo aceitando a primazia das Escrituras sobre a experiência, muitos Cristãos hoje leem a Bíblia não mais para aprender a verdade, mas apenas para nutrir seu relacionamento místico com Cristo.14 A obediência aos valiosos componentes da ética bíblica é considerada como derivando espontaneamente de um relacionamento pessoal com Cristo. Aqueles componentes que não derivam dessa maneira são considerados sem sentido e irrelevantes. Tão atrativa como essa noção possa ser, temos que aprender que a aceitação de Cristo como Salvador pessoal não leva automaticamente à obediência concreta aos componentes de um estilo de vida tais como a observância do Sábado, a devolução do dízimo, e reforma de saúde. Quando alguém aceita a Cristo, o princípio e motivação para a obediência são implantados em sua vida (veja Fp 2:13), não deixando lugar para qualquer mérito humano na salvação; mas a obediência em termos concretos tem que ser aprendida das Escrituras.

Falando da própria obediência de Cristo, a Bíblia declara que “ele crescia em sabedoria” (Lc 2:52). Ellen G. White adiciona que dos “lábios” de Maria “e dos rolos dos profetas, Ele [Jesus] aprendeu as coisas celestiais. As próprias palavras por Ele ditas a Moisés para Israel, eram-Lhes agora ensinadas aos joelhos de Sua mãe.”15 E o apóstolo Paulo aconselhou Timóteo a permanecer “nas coisas que aprendeu e das quais tem convicção, pois você sabe de quem o aprendeu. Porque desde criança você conhece as Sagradas Letras, que são capazes de torna-lo sábio para a salvação mediante a fé em Cristo Jesus” (2 Tm 3:14, 15). Isto significa que o conhecimento salvífico de Deus deve ser aprendido das Escrituras e praticada na vida diária.

Observações Conclusivas

Visto que a religião Cristã é uma experiência pessoal com Deus e com os seres humanos (Mt 22:34-40), não podemos descartar seu elemento experiencial sem arruinar toda a nossa religião. Mas muitos Cristãos hoje estão aceitando um modo de aproximação centralizado na experiência que deixa as Escrituras abertas a uma vasta variedade de interpretações subjetivas. Aqueles que apoiam o princípio sola Scriptura nunca considerarão a experiência como possuindo o mesmo valor ou valor mais elevado do que as Escrituras. O mesmo Espírito Santo que inspirou os profetas canônicos guiará os crentes em plena conformidade com a palavra de Deus. De acordo com as próprias palavras de Cristo, “Mas quando o Espírito da verdade vier, ele os guiará a toda a verdade” (Jo 16:13). “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade” (Jo 17:17). Em outras palavras, nossa experiência deveria ser mediada e guiada pelas Escrituras. Isto significa que nossa experiência pessoal com Deus, em vez de nos afastar de Sua Palavra, deveria nos aproximar mais e mais de ela.

Pensar de modo independente é considerado como a característica básica de uma pessoa madura. Indubitavelmente, os Cristãos deveriam ser “pensantes e não meros refletores do pensamento de outrem.”16 Mas, ao mesmo tempo, maturidade Cristã também significa tornar-se cada vez mais dependente de Deus e de Sua Palavra. Na verdade, “Toda a humanidade é como a relva, e toda a sua glória como as flores do campo. A relva murcha e cai a sua flor, quando o vento do Senhor sopra sobre eles (sic); o povo não passa de relva. A relva murcha, e as flores caem, mas a palavra de nosso Deus permanece para sempre” (Is 40:6-8).

*Alberto R. Timm é o Reitor do Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia e Coordenador do Espírito de Profecia para a Divisão Sul Americana dos Adventistas do Sétimo Dia.

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1. Ellen G. White, O Grande Conflito (Tatuí, SP, Casa Publicadora Brasileira, 2008), 595.

2. Um excelente método de aproximação desse processo é fornecido por Jacques Ellul em seu livro The Subversion of Christianity (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1986). 3 Alister McGrath, Understanding Doctrine: Its Relevance and Purpose for Today (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1990), 39. 4. A menos que indicado de outro modo, todas as citações das Escrituras são da Nova Versão Internacional (NVI).

5. Uma avaliação útil deste fenômeno pode ser encontrada em Vanderlei Dorneles, Cristãos em Busca do Êxtase, 2ª ed. (Engenheiro Coelho, SP, Brasil: Unaspress, 2003).

6. Veja Martin Buber, I and Thou, traduzido por Walter Kaufmann (New York: Charles Scribner’s Sons, 1970).

7. Este modo de aproximação permeia todo o livro de Charles B. Ketcham, A Theology of Encounter: The Ontological Ground for a New Christology (University Park, PA: Pennsylvania State University Press, 1978).

8. Um exemplo negativo de tal teologia sobre a autoridade e função da Bíblia pode ser encontrado em Herold Weiss, “Revelation and the Bible: Beyond Verbal Inspiration,” Spectrum 7, nº 3 (1975): 53.

9. Ralph P. Martin, 2 Corinthians (Word Biblical Commentary; 52 vols.; Waco, TX: Word Books, 1986), 40:55.

10. Donald A. D. Thorsen, The Wesleyan Quadrilateral: Scripture, Tradition, Reason & Experience as a Model of Evangelical Theology (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1990), 71.

11. Para exposissões não-Adventistas da hermenêutica pós modernista, veja, e.g., Edgar V. McKnight, Postmodern Use of the Bible: The Emergence of Reader-oriented Criticism (Nashville, TN: Abingdon, 1988);

12. Anthony C. Thiselton, New Horizons in Hermeneutics (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1992); George Aichele et al.,The Postmodern Bible: The Bible and Culture Collective (New Haven, CT: Yale University Press, 1995). 12 Anthony C. Thiselton, The Hermeneutics of Doctrine (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2007), 451, 453. 5.

13 Artur Weiser, “pisteuō,” in Gerhard Friedrich, ed., Theological Dictionary of the New Testament, traduzido por Geoffrey W. Bromiley (10 vols.; Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1968), 6:182.

14. Veja Morris Venden, Love God and Do as You Please: A New Look at the Old Rules (Nampa, ID: Pacific Press, 1992).

15. Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2007), 70. 16 Ellen G. White, Educação (Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2007), 17.

FONTE: Centro de Pesquisas Ellen G. White