Teologia

domingo, 22 de agosto de 2021

A PROFECIA CONECTANDO PESSOAS A JESUS


 Merlin D. Burt

“Deus prometeu dar visões nos ‘últimos dias’, não para uma nova regra de fé, mas para conforto do Seu povo e para corrigir os que se desviam da verdade bíblica.” — Ellen G. White.

Há muito tempo Deus falou muitas vezes e de várias maneiras aos nossos antepassados por meio dos profetas…” (Hebrews 1:1)1

A profecia, ou a comunicação profética, é um dos principais meios através do qual Deus revela a Si mesmo e os Seus propósitos ao Seu povo e prediz os Seus planos para o futuro. Através da palavra profética, Deus Se conecta conosco em um nível profundo e pessoal. Embora esteja acima de nós e além da nossa compreensão, Ele ainda Se aproxima de nós pela obra do Espírito Santo que pode chamar a nossa atenção e tocar o nosso coração de muitas maneiras, mas, a maneira mais clara e mais confiável é através da revelação especial que chega até nós por meio da Bíblia Sagrada e da revelação profética. “As profecias que o grande EU SOU nos deu em Sua Palavra, unindo elo com elo na cadeia dos acontecimentos, da eternidade no passado à eternidade no futuro, dizem-nos onde estamos hoje na sucessão dos séculos e o que se pode esperar no tempo por vir. Tudo o que a profecia tem predito que haveria de acontecer, até o presente, tem tomado lugar nas páginas da História, e podemos estar certos de que tudo quanto ainda está por suceder será cumprido no seu devido tempo.”2

Duas etapas estão envolvidas na revelação profética. Na primeira, Deus envia a mensagem através do dom profético e, na segunda, o Espírito Santo ilumina o nosso coração com essa mensagem e nos conecta a Jesus. Pedro assim explica esse processo de duas etapas: “Antes de mais nada, saibam que nenhuma profecia da Escritura provém de interpretação pessoal, pois jamais a profecia teve origem na vontade humana, mas homens falaram da parte de Deus, impelidos pelo Espírito Santo” (2 Pedro 1:19-21).

Pouco antes dessa afirmação ousada sobre o papel da palavra profética, Pedro se refere à sua experiência pessoal de realmente ter ouvido a voz de Deus: “Nós mesmos ouvimos essa voz vinda dos céus, quando estávamos com Ele no monte santo” (2 Pedro 1:18). O próprio Deus, no Monte da Transfiguração, apontou Jesus aos discípulos: “Este é o Meu Filho amado, em Quem Me comprazo” (verso 17 - ARA). Para Pedro, Jesus foi o ponto focal da revelação divina, de forma especial.

Pedro experimentou por si mesmo a palavra profética, através da qual ele pôde entender que Jesus é o Filho amado de Deus. O apóstolo escreveu que a palavra profética entra em nosso coração como “uma candeia que brilha em lugar escuro”. Em outras palavras, não podemos ver ou compreender os atos de Deus se não tivermos a iluminação divina. Um milagre acontece quando o Espírito Santo dá poder à palavra profética. A palavra profética continua brilhando “até que “o dia clareie e a Estrela da Alva nasça em vosso coração” (2 Pedro 1:19 – ARA). A que se refere o termo “Estrela da Alva”? A Jesus, nosso Salvador, que chama a Si mesmo de “Brilhante Estrela da Manhã” (Apocalipse 22:16). Jesus toca a nossa mente e os nossos sentimentos através do Seu Santo Espírito, ao lermos as palavras proféticas inspiradas pelo Espírito. Somente quando sentimos a operação do Espírito Santo no mais íntimo do nosso ser e aceitamos o perdão do pecado que vem até nós por meio de Jesus é que podemos entender e experimentar o milagre da transformação que Ele nos oferece.

A PROFECIA NOS CONECTA A JESUS

Pedro explicou ainda que o principal propósito da revelação profética é conectar-nos a Jesus de maneira viva e transformadora, em nível pessoal. Ao longo de suas páginas, a Bíblia fala frequentemente sobre essa experiência de iluminação e transformação. Quando a Terra havia saído recentemente das mãos do Criador e Adão e Eva caíram vítima do pecado, a palavra profética de Deus assegurou-lhes que um Salvador viria para redimi-los do pecado (uma promessa registrada em Gênesis 3:15). Foi a palavra profética, através de Isaías, que trouxe esperança a todos os pecadores de que um Salvador haveria de vir para salvá-los (Isaías 9:6). Ezequiel, o profeta, viu o profundo desejo de Deus por Seus filhos faltosos em Israel: “Livrem-se de todos os males que vocês cometeram, e busquem um coração novo e um espírito novo. Por que deveriam morrer, ó nação de Israel?” (Ezequiel 18:31). João Batista, na força e no poder do Espírito, surgiu “batizando no deserto e pregando um batismo de arrependimento para o perdão dos pecados” (Marcos 1:4). O próprio Senhor Jesus orou para que Seus discípulos pudessem ter uma experiência de santificação que vem de conhecer e viver a verdade (João 17:17), e prometeu que Ele viria novamente para levar Seus filhos para o Lar, para que onde Ele está eles também possam estar (João 14:1-3). E Paulo profetizou: “[...] o próprio Senhor descerá dos céus, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós, os que estivermos vivos, seremos arrebatados com eles nas nuvens, para o encontro com o Senhor nos ares. E assim estaremos com o Senhor para sempre” (1 Tessalonissenses 4:16, 17).

João, o Revelador, escreveu em vários lugares, no livro do Apocalipse (1:2, 9; 12:17; 19:10; 20:4), que ele estava partilhando o “testemunho de Jesus”, que é “o espírito de profecia” (Apocalipse 19:10). O próprio Senhor Jesus comunicou ao mundo, através de João, o que iria acontecer no futuro, culminando com o estabelecimento dos Novos Céus e da Nova Terra (Apocalipse 21:1 em diante). A comunicação dessa grande verdade é o grande propósito do livro profético do Apocalipse. Assim a profecia percorre as Escrituras, desde o Gênesis até o Apocalipse, como um método infalível de comunicação entre Deus e o Seu povo, assegurando a base da sua esperança. A intuição e a compreensão se combinam com a conexão pessoal com Deus, através do Espírito Santo e de Jesus, a Estrela da Manhã, que nasce em nosso coração.

Mas não é apenas através do cânon das Escrituras que Deus nos tem dado a revelação profética. Por várias vezes, ao longo da História, Deus concedeu revelações proféticas especiais que não se tornaram parte do cânon bíblico. A própria Bíblia menciona alguns autores que foram claramente inspirados e que escreveram livros ou documentos que nunca fizeram parte do cânon sagrado: Jaser, Samuel, Natã, Gade, Semaías, Oded, Aías, Jeú e Ido (para detalhes, ver Josué 10:13; 2 Samuel 1:18; 1 Crônicas 29:29; 2 Crônicas 9:29; 12:15; 15:8; 20:34).3 Esse apelo e ministério de profetas inspirados não canônicos está previsto para continuar até ao fim dos tempos (Joel 2:28, 29). Deus decide em vários momentos, muitas vezes durante períodos de grande crise, fornecer orientação profética adicional.

O MINISTÉRIO DE ELLEN WHITE

Um desses ministérios proféticos não canônicos, no qual os adventistas do sétimo dia acreditam, veio através do ministério de Ellen G. White. Ela recebeu muitas visões e sonhos proféticos durante um período de mais de 70 anos, até a sua morte em 1915. O que ela recebeu, ela escreveu em inúmeras cartas, manuscritos, artigos, folhetos e livros. Ela os produziu sob a inspiração do Espírito Santo. No entanto, ela se considerava uma profetisa não canônica. Sobre isso, ela mesma escreveu na introdução de um de seus livros mais significativos, O Grande Conflito entre Cristo e Satanás:

“Durante os séculos em que as Escrituras do Antigo Testamento bem como as do Novo estavam sendo dadas, o Espírito Santo não cessou de comunicar luz a mentes individuais, independentemente das revelações a serem incorpora- das no cânon sagrado. A Bíblia mesma relata como, mediante o Espírito Santo, os homens receberam advertências, reprovações, conselhos e instruções, em assuntos de nenhum modo relativos à outorga das Escrituras. E faz-se menção de profetas de épocas várias, de cujos discursos nada há registrado. Semelhantemente, após a conclusão do cânon das Escrituras, o Espírito Santo deveria ainda continuar a Sua obra, esclarecendo, advertindo e confortando os filhos de Deus.”4

Ellen White foi muito clara quanto ao propósito de que sua obra profética era, antes de tudo, conduzir à Bíblia. Na conclusão de seu primeiro folheto, publicado em 1851, ela escreveu: “Recomendo-vos, caro leitor, a Palavra de Deus como regra de vossa fé e prática. Por essa Palavra seremos julgados. Nela Deus prometeu dar visões nos ‘últimos dias’; não para uma nova regra de fé, mas para conforto do Seu povo e para corrigir os que se desviam da verdade bíblica.”5

Talvez a afirmação mais clara em que ela falou do seu papel profético em relação à Bíblia seja a seguinte:

“Eu tenho uma obra de grande responsabilidade para fazer − comunicar pela pena e de viva voz as instruções a mim concedidas, não somente para os adventistas do sétimo dia, mas para o mundo. Publiquei muitos livros, grandes e pequenos, e alguns deles foram traduzidos para várias línguas. Esta é a minha obra − revelar para outras pessoas as Escrituras, assim como Deus a mim as revelou.”6 Essa obra de Ellen White em conduzir-nos à Bíblia tinha por objetivo conectar as pessoas com Jesus, conforme Pedro disse que aconteceria através do dom profético. O livro mais apreciado entre os vários que ela escreveu é o Caminho a Cristo, que foi traduzido em mais de 160 línguas. Tem levado milhões de pessoas à salvação e concretizado o objetivo profético de Pedro de que a Estrela da Manhã nascerá nos corações feridos e tristes. Em Caminho a Cristo, o leitor descobrirá que ela apresenta o caminho da salvação através de palavras convincentes e persuasivas, cheias do Espírito e das mensagens encontradas nas Escrituras.

Outro livro de Ellen White também grandemente apreciado é O Desejado de Todas as Nações*, uma obra inspiradora sobre a vida de Jesus. Eu cito aqui um texto um pouco mais longo desse livro para ilustrar como suas mensagens e seus escritos são centralizados em Cristo, e de grande beleza literária:

“O imaculado Filho de Deus pendia da cruz, a carne lacerada pelos açoites; aquelas mãos tantas vezes estendidas para abençoar, pregadas ao lenho; aqueles pés tão incansáveis em serviço de amor, cravados no madeiro; a régia cabeça ferida pela coroa de espinhos; aqueles trêmulos lábios entreabertos para deixar escapar um grito de dor. E tudo quanto sofreu − as gotas de sangue a Lhe correr da fronte, das mãos e dos pés, a agonia que Lhe atormentou o corpo, e a indizível angústia que Lhe encheu a alma ao ocultar-se dEle a face do Pai − tudo fala a cada filho da família humana, declarando: É por ti que o Filho de Deus consente em carregar esse fardo de culpa; por ti Ele destrói o domínio da morte, e abre as portas do Paraíso. Aquele que impôs calma às ondas revoltas, e caminhou por sobre as espumejantes vagas, que fez tremerem os demônios e fugir a doença, que abriu os olhos cegos e chamou os mortos à vida − ofereceu-Se a Si mesmo na cruz em sacrifício, e tudo isso por amor de ti. Ele, o que leva sobre Si os pecados, sofre a ira da justiça divina, e torna-Se mesmo pecado por amor de ti.”7

Ela selou essa poderosa apresentação do livro mostrando como Jesus venceu o pecado por nós na cruz: “Em meio da horrível escuridão, aparentemente abandonado por Deus, sorvera Cristo as derradeiras fezes da taça da miséria humana. Durante aquelas horas pavorosas, apoiara-Se às provas que anteriormente Lhe haviam sido dadas quanto à aceitação de Seu Pai. Estava familiarizado com o caráter de Deus; compreendia-Lhe a justiça, a misericórdia e o grande amor. Descansava, pela fé nAquele a quem Se deleitara em sempre em obedecer. E à medida que em submissão Se confiava a Deus, o sentimento da perda do favor do Pai se desvanecia. Pela fé saiu Cristo vitorioso.”8

O AMOR DE DEUS REVELADO NA CRUZ

O tema central do amor de Deus revelado na morte de Jesus na cruz é representado em uma litografia de 1883, que Ellen White publicou. Com o título de “Cristo, o Caminho da Vida”, essa obra retrata a sua visão do grande conflito entre o bem e o mal, iniciando no Jardim do Éden e continuando até a segunda vinda de Jesus e a Nova Jerusalém. Como se pode ver representado aqui, Jesus é colocado no centro de todo o plano da salvação.

“Todo o amor paternal que veio de geração em geração através do coração humano, toda fonte de ternura que se abriu na alma do homem, não passam de tênue riacho em comparação com o ilimitado oceano, quando postos ao lado do infinito, inesgotável amor de Deus. A língua não o pode exprimir, nem a pena é capaz de o descrever. Podeis meditar nele todos os dias de vossa vida; podeis esquadrinhar diligentemente as Escrituras a fim de compreendê-lo; podeis reunir toda faculdade e poder a vós concedidos por Deus, no esforço de compreender o amor e a compaixão do Pai celeste; e todavia existe ainda um infinito para além. Podeis estudar por séculos esse amor; não obstante jamais podereis compreender plenamente a extensão e a largura, a profundidade e a altura do amor de Deus em dar Seu Filho para morrer pelo mundo. A própria eternidade nunca o poderá bem revelar. No entanto, ao estudarmos a Bíblia e meditarmos sobre a vida de Cristo e o plano da redenção, esses grandes temas se desdobrarão mais e mais ao nosso entendimento.”9

Possa essa revelação profética especial ser eficaz e transformadora para nós, ao Deus nos revelar a Sua mensagem inspirada. Que o Espírito Santo ilumine e transforme essas palavras em uma experiência viva, ao Jesus, a Estrela da Manhã, surgir em nosso coração.

* Os escritos de Ellen G. White estão disponíveis em: http://ellenwhite.cpb.com.br/.

Merlin D. Burt PhD pela Universidade Andrews, Berrien Springs, Michigan, EUA, é o Diretor do Ellen G. White Estate, Inc., e é também professor de Pesquisa de História da Igreja no Seminário Teológico Adventista do Sétimo Dia, na Universidade Andrews. Seus e-mails: burt@whiteestate.org;burt@andrews.edu.

 

NOTAS E REFERÊNCIAS

1. A menos que de outra forma indicado, todas as referências bíblicas deste artigo foram citadas da Nova Versão Internacional da Bíblia Sagrada.

2. Ellen G. White, Profetas e Reis, (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1992), p. 536.

3. Jirí Moskala, “A Prophetic Voice in the Old Testament: An Overview”: Review and Herald, 2015), p. 16.

4. Ellen G. White, O Grande Conflito (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1988), p. viii.

5. ____________, A Sketch of the Christian Experience and Views of Ellen G. White (Saratoga Springs, N.Y.: James White, 1851), p. 64.

6. ____________, Testemunhos Para a Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2006), Vol. 8, p. 236.

7. ____________, O Desejado de todas as Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1990), p. 755.

8. Ibid., 756.

9. ____________, Testemunhos Para a Igreja, Vol. 5, 2004, p. 740.

 

FONTE: Revista Diálogo Universitário

quinta-feira, 19 de agosto de 2021

BATER PALMAS NA IGREJA


Ángel Manuel Rodríguez*

Reprovada durante muito tempo e mais comum hoje em algumas congregações, essa prática tem apoio bíblico?

Bater palmas durante o culto está se tornando mais popular em muitas igrejas adventistas ao redor do mundo. Porém, bater palmas vai ter significados distintos em variadas culturas. Na Bíblia, essa manifestação aparece associada a práticas sociais e religiosas e quatro verbos hebraicos são usados para expressar esse gesto (macha’, nakah, saphak, taqa’), todos eles usados em associação com o substantivo “mão” (do hebraico kaf). As referências bíblicas que encontrei sobre bater palmas estão associadas com os aspectos a seguir.

1. Alegria pela entronização de um rei. Essa é uma função social do gesto. Por exemplo, os que presenciaram a introdução de Joás como herdeiro legítimo ao trono de Judá bateram suas mãos e gritaram: “Viva o rei!” (2Rs 11:12). Nos Salmos, por sua vez, temos convites para que as pessoas batam palmas ao Rei da Terra (Sl 47:1) e para que os rios fizessem o mesmo para Aquele que reina e julga sobre nosso planeta (Sl 98:8). Nesse último caso, a natureza é chamada também a se regozijar diante do Senhor.

2. Gratidão por conta das ações salvíficas de Deus. O retorno do povo de Deus do cativeiro babilônico é descrito por Isaías como um ato de redenção. Aquilo que o Senhor faria por Seu povo exilado seria tão maravilhoso que até mesmo as árvores do campo bateriam palmas em alegria (Is 55:12).

3. Aversão e ira. O rei moabita Balaque bateu com uma mão na outra para expressar sua ira contra Balaão, o profeta que havia abençoado em vez de ter amaldiçoado o povo de Israel (Nm 24:10). Ezequiel também bateu suas mãos em sinal de aversão ao mal praticado em Israel (Ez 6:11). O mesmo gesto fez Deus como manifestação de Sua ira e juízo contra os impenitentes de Jerusalém (Ez 21:14, 17; 22:13).

O QUE REALMENTE IMPORTA NESSA DISCUSSÃO É O QUE NOS MOTIVA A BATER PALMAS NA IGREJA

4. Sarcasmo e escárnio. Esse significado é encontrado exclusivamente no contexto da derrota de inimigos. Na profecia contra Nínive, por exemplo, Deus anuncia que todas as vítimas da crueldade dessa cidade bateriam palmas quando soubessem do infortúnio dela (Na 3:19). Por sua vez, os amonitas também celebraram a destruição de Judá por Babilônia batendo palmas (Ez 25:6). O mesmo desprezo foi expresso por aqueles que passaram pelas ruínas de Jerusalém (Lm 2:15).

Por fim, não existe evidência bíblica clara de que o gesto de bater palmas fizesse parte do culto a Deus. Para dizer a verdade, não encontrei nenhuma referência a essa prática no Novo Testamento. Portanto, parece não existir qualquer paralelo bíblico para o que está acontecendo em nossas igrejas hoje. Deduzo que estamos incorporando esse hábito por influência da indústria do entretenimento e dos programas religiosos televisivos.

Mas, deixando de lado a questão da influência cultural, suponho que o que realmente importa sobre essa discussão é que cada um esteja consciente das razões por que bate palmas na igreja. Sua motivação é para expressar gratidão pelo poder salvífico de Deus? É para substituir um audível “amém”? Ou em reconhecimento ao bom sermão ou apresentação musical? Como você pode ver, tenho mais perguntas do que respostas.

 

*ÁNGEL MANUEL RODRÍGUEZ, pastor, professor e teólogo aposentado, foi diretor do Instituto de Pesquisa Bíblica

 

FONTE: Texto publicado na edição de agosto de 2021 da Revista Adventista

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

A POLÊMICA SOBRE A LEI DOMINICAL


 Marcos De Benedicto*

Razões para crer no impensável

Em uma democracia, será que a voz da maioria deve predominar sempre ou é preciso proteger o direito legítimo das minorias? Houve uma fase na história estadunidense em que a elite usava o argumento de que democracia é sinônimo de maioria. Porém, no século 19, as minorias reagiram contra a “tirania” da maioria e ajudaram a redefinir a democracia do país. Mais tarde, os adventistas, interessados na liberdade de consciência e no direito de adorar no sábado bíblico, fizeram parte dessa luta. Ao mesmo tempo, a partir dos anos 1820 e 1830, líderes protestantes começaram a defender a premissa de que a maioria moral deveria controlar a crescente democracia da nação. Kyle G. Volk documenta esses embates no livro Moral Minorities and the Making of American Democracy (Oxford University Press, 2014). Será que a história se repetirá? Poderia um “sábado” do interesse da maioria ser imposto ao mundo?

Desde os estágios iniciais do adventismo, a questão do sábado como fator de polarização no fim dos tempos fez parte da escatologia e do imaginário adventista. Porém, recentemente surgiram tentativas de releituras do nosso ensino sobre o fim, relegando a expectativa da promulgação de leis dominicais ao cenário do século 19. Por isso, pautamos o tema como matéria de capa. É fato que não conhecemos a configuração do futuro, nem devemos ­especular, tampouco criar sensacionalismo. Mas dizer que o mundo hoje não comporta leis obrigando a observância do domingo seria não ver o óbvio.

Tentativas de impor leis dominicais não são novas e surgiram em muitos lugares. Em 321, o imperador Constantino promulgou a primeira lei conhecida proibindo o trabalho no domingo, e o mesmo ocorrerá no fim dos tempos. Esse é o cenário claro de Apocalipse 13 e de outros capítulos que falam da marca da besta, em oposição ao selo de Deus. Afinal, o sábado é parte essencial da ordem da criação, um memorial no tempo sinalizando quem é o Criador. Não é por acaso que o inimigo tenta mudar o dia de adoração, violar a configuração do mundo e estabelecer um reino alternativo.

CONFIAR NO CENÁRIO PROFÉTICO, AINDA QUE PAREÇA IMPLAUSÍVEL, FAZ PARTE DA FÉ

Há precedentes em vários países para as chamadas blue laws (leis azuis), que objetivam regular certas atividades no domingo. Nos Estados Unidos, onde 28 estados têm blue laws, elas são debatidas há séculos, com destaque para o século 19. A primeira lei dominical no país foi promulgada na colônia de Virgínia em 1610. Mas o ano de 1961 foi um marco, pois em um só dia (29 de maio) quatro decisões sobre diferentes casos foram tomadas em favor de leis dominicais. A Suprema Corte do país decidiu que as leis sobre ­restrições de atividades no domingo não têm caráter religioso e não ferem a constituição. Um desses casos (Gallagher v. Crown Kosher Market) foi o de um judeu que havia sido preso por abrir seu estabelecimento no domingo, violando a legislação de Massachusetts.

Em todos os casos, o juiz William Douglas, apelidado pelos inimigos de “Wild Bill” por seu estilo independente, foi uma voz discordante. Defensor da Primeira Emenda, que proíbe o Congresso de fazer leis sobre religião e limitar a liberdade de expressão, ele citou em sua peça o quarto mandamento e concluiu que o fato de muita gente “guardar o primeiro dia da semana não autoriza a legislação a tornar essa observância compulsória”. Foi voto vencido.

Apesar dos revisionismos, mais do que nunca temos que preservar os fundamentos da nossa escatologia, pois são pilares da crença e formam a subestrutura do edifício teológico. Elimine a escatologia da teologia e você perderá metade do reino. Elimine o sábado da escatologia e perderá um sétimo de sua substância. Confiar no cenário profético, ainda que pareça implausível, faz parte da fé. Acima de tudo, Deus está no controle, e Seu poder protetor é maior do que qualquer ameaça.

 

*MARCOS DE BENEDICTO é editor da Revista Adventista

 

(Editorial da edição de agosto de 2021)

 

FONTE: Revista Adventista