Teologia

segunda-feira, 30 de julho de 2018

A NATUREZA PROFÉTICA DO ADVENTISMO


Alberto R. Timm*

Reflexões histórico-teológica acerca da identidade da Igreja Adventista do Sétimo Dia

A Igreja Adventista do Sétimo Dia é um movimento profético que Deus trouxe à existência em meados do século 19 para pregar o “evangelho eterno [...] a cada nação, e tribo, e língua, e povo”, advertindo-os a temer a Deus e dar-Lhe glória no contexto de Seu juízo escatológico (Ap 14:6, 7). Muito mais do que uma denominação cristã, o adventismo encontra sua natureza profética em (1) ter surgido em um tempo profético, (2) ser assistido pela manifestação moderna do dom de profecia e (3) portar uma mensagem profética especial de abrangência mundial.1 Este artigo reflete sobre essas três dimensões da autocompreensão adventista.

Tempo Profético

A primeira dimensão da natureza profética do movimento adventista está relacionada ao começo do “tempo do fim” escatológico (Dn 8:19; 11:35, 40; 12:4, 9), marcado por um grande terremoto e por sinais cósmicos no Sol, na Lua e nas estrelas (Mt24:29-31; Lc 21:25-28; Ap 6:12, 13). Os adventistas entendem que esses sinais se cumpriram no terremoto de Lisboa (1/11/1755); no Dia Escuro, seguido da noite em que a Lua se tornou semelhante a sangue na Nova Inglaterra (29/5/1780); e na espetacular chuva de meteoros ocorrida na América do Norte (13/11/1833).

Alguns eruditos questionaram a validade desses sinais por estarem muito distantes da segunda vinda. Contudo, Jon Paulien argumentou que, “visto que os sinais celestes de 1780 e 1833 tiveram grande impacto no interesse pelo estudo da profecia, o terremoto de Lisboa de 1755 é o melhor candidato para o terremoto” de Apocalipse 6:12.2 William H. Shea destacou que, no livro de Apocalipse, alguns sinais cósmicos ocorrerão durante as sete últimas pragas (16:8-11, 17-21), mas a sequência do grande terremoto, o escurecimento do Sol e a queda das estrelas está relacionada com a abertura do sexto selo (6:12-14) e não será cumprida somente no momento da segunda vinda de Jesus.3

A hegemonia medieval católico-romana foi abalada em parte pelo grande terremoto de Lisboa, corrido no sábado, 1º de novembro de 1755. Segundo Otto Friedrich, várias pessoas estavam reivindicando revelações sobrenaturais de que a capital portuguesa logo seria punida por sua maldade. Na noite anterior ao terremoto, o Padre Manuel Portal “sonhou que Lisboa estava sendo devastada por dois terremotos sucessivos”4 Embora o terremoto tenha acontecido no Dia de Todos os Santos, morreram muitos fiéis reunidos nas igrejas para a missa.

Entretanto, um abalo ainda maior foi causado pela prisão do Papa Pio VI, em 15 de fevereiro de 1798, por soldados franceses liderados pelo general Louis Berthier. Esse evento marcou o fim dos 1.260 anos de supremacia papal (Ap 11:3; 12:6; cf Dn 7:25; Ap 11:2; 12:14; 13:5) e o início do tempo do fim, quando livro de Daniel seria desvendado (Dn 12:9), gerando um grande reavivamento no estudo das profecias bíblicas. Enquanto isso, a população da Costa Leste dos Estados Unidos, onde o movimento adventista milerita surgiria, o primeiro foi perturbada pelo misterioso Dia Escuro de 1780 e, depois, pela chuva de meteoros Leônidas de 1833. Nesse contexto, muitos acreditavam que o tempo era solene, e que algo especial ocorreria em breve.

Em 1818, Guilherme Miller, pai do movimento milerita, adotando a perspectiva historicista e o “princípio dia-ano” para interpretar tempos proféticos, identificou esses eventos com as profecias de Daniel e Apocalipse. Ao estudar Daniel 8:14 – “Ele me disse: Até duas mil e trezentas tardes e manhãs; e o santuário será purificado” – Miller entendeu que essa profecia relacionada ao tempo do fim começava em 457 a. C. e findava em 1843/1844.

Diversos estudos confirmam a validade de 457 a. C. e, consequentemente, de 1844, como o início e o fim das 2.300 tardes e manhãs de Daniel 8:14 (cf Dn 9:24-27).5 Outros estudos confirmaram as datas de 508, 538 e 1798 em relação aos 1.260 dias de Apocalipse11:3 e os 1.335 dias de Daniel 12:126

Portanto, há um completo sincronismo profético que sustenta nossa compreensão de que a restauração final da verdade deveria ocorrer no final das 2.300 tardes e manhãs em 1844. Os detalhes dessa restauração serão mais explorados mais adiante neste artigo.

Dom Profético

A segunda dimensão da natureza profética do movimento adventista é a assistência   fornecida pelo ministério profético de Ellen White. Ao longo dos anos, os adventistas do sétimo dia expressaram sua confiança no dom de profecia não somente em livros e artigos, mas também em várias declarações e exposições de suas crenças.7 Os delegados de muitas assembleias da Associação Geral aprovaram resoluções específicas expressando sua confiança nesse dom e seu compromisso com ele. Entretanto, qual é a base bíblica para a aceitação da manifestação profética nos tempos modernos?

Ao longo do tempo, os adventistas têm usado vários argumentos bíblicos em defesa de uma manifestação profética moderna dentro de seu próprio movimento. Um deles tem por base Amós 3:7, que afirma: “Certamente o Senhor, o Soberano, não faz coisa alguma sem revelar o Seu plano aos Seus servos, os profetas” (NVI). Essas palavras expõem um padrão interessante do relacionamento de Deus com os seres humanos. Em alguns dos momentos mais cruciais da história, quando a verdade e o erro estavam em conflito, e a verdade precisava ser restaurada, essa restauração ocorreu sob uma assistência profética especial.

As Escrituras dizem, por exemplo, que (1) antes de o mundo ser destruído pelo Dilúvio, Deus chamou Noé como Seu mensageiro especial (Gn 6-8; 2Pe 2:5); (2) quando o Senhor libertou os israelitas do Egito, Ele escolheu Moisés como líder e profeta para Seu povo (Êx 3-4; Os 12:13); (3) quando Judá se afastou Dele, envolvendo-se em idolatria, Ele enviou vários profetas para alertar a nação (2Cr 36:15, 16); (4) quando Deus estava tentando manter Seu povo distante da influência paganizadora de babilônia, Ele enviou outros profetas (Jr 25:1-14; 29:1-30:24; Ez 11; Dn 9); e (5)  quando chegou o momento de Jesus iniciar Seu ministério terreno, Deus enviou João Batista para preparar o caminho para a vinda de Cristo (Mt 3).

Os adventistas ainda usam três argumentos adicionais das Escrituras para defender suas crença no dom profético. O primeiro é que o dom de profecia é mencionado em todas as listas importantes de dons espirituais do Novo Testamento (Rm 12:6; 1Co 12:10, 28; Ef 4:11). Esses dons foram distribuídos pelo Espírito Santo “para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ed 4:12, 13). Isso significa que, enquanto a igreja não atingir o ideal de deus, a possibilidade de que esses dons (incluindo o dom profético) sejam dados à comunidade cristã ainda permanece.

Outro argumento é a advertência bíblica de que os crentes não devem rejeitar alguma manifestação específica do dom profético sem uma razão convincente para isso (1Ts 5:19-21). Se o genuíno dom de profecia não fosse dado depois da era, por que tal recomendação seria necessária? Além disso, o apóstolo João adverte seus leitores dizendo: “Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora” (1Jo 4:1). Por que deveríamos “testar” os profetas se nenhum profeta verdadeiro aparecesse depois da era apostólica?

Um terceiro argumento favorável à orientação profética moderna se fundamenta naquelas passagens escatológicas que falam de uma genuína manifestação do dom de profecia antes da segunda vinda de Cristo. Por exemplo, Joel 2:28 a 31 diz que “antes que venha o grande e terrível Dia do Senhor”, muitas pessoas realmente “profetizarão”, “sonharão” e “terão visões”. Embora essa profecia tenha se cumprido parcialmente no Pentecostes (At 2:16-21), seu cumprimento também está relacionado aos sinais escatológicos do Sol e da Lua descritos em Mateus 24:29 a 31 e Lucas 21:25-28. Além disso, Apocalipse 12:17 se refere ao “testemunho de Jesus” como uma das principais características da igreja remanescente do tempo do fim. Esse “testemunho”, definido em Apocalipse 19:10 como “o espírito de profecia”, foi entendido pelos adventistas do sétimo dia como tendo um cumprimento claro no ministério profético de Ellen G. White.8

Mas que papel o ministério profético de Ellen G. White desempenhou no processo de restauração da verdade? George R. Knight afirma corretamente que “podemos considerar o papel da senhora White na formação doutrinária [da IASD] mais como um papel confirmatório do que iniciatório”9 De acordo com T. H. Jemison, seu ministério atende a “três propósitos básicos: (1) direcionar a atenção à Bíblia, (2) ajudar na compreensão da Bíblia e (3) auxiliar na aplicação dos princípios bíblicos em nossa vida”.10

Mensagem profética

A terceira dimensão da natureza profética do movimento adventista é a mensagem que deve ser pregada ao mundo inteiro em preparação para a segunda vinda de Cristo. Daniel 8:9 a 13 fala de um chifre pequeno que “cresceu” em duas dimensões: horizontalmente, “para o sul”, para o oriente e para a terra gloriosa”, e verticalmente, “até atingir o exército dos céus”. Esse chifre poderoso atingiu (1) o Príncipe do exército, (2) o lugar de Seu santuário, (3) Seu ministério sacerdotal e (4) a verdade relacionada ao santuário. Mas como isso se cumpriu exatamente?

Muitos estudiosos seguiram a interpretação de Flávio Josefo (Ant. X. 275) e de outras fontes judaicas e cristãs antigas que sugerem ter sido Antíoco IV Epifânio o cumprimento dessa profecia, ao profanar o templo de Jerusalém e dedica-lo a Zeus (2Mac 6:1-11).11 Contudo, essa explicação não se sustenta, se levarmos em conta o fato de que Antíoco não teve a influência cósmica descrita em Daniel 8:9 a 13 (cf Dn 7:8, 10-12, 21, 22, 23-25), e que Cristo Se referiu explicitamente ao “abominável da desolação de que falou o profeta Daniel” como sendo ainda um evento futuro em relação aos apóstolos (Mt 24:15; Mc 13:14; cf. Dn 8:12, 13; 9:27).

De fato, enquanto Daniel 8:9 a 13 descreve os ataques destrutivos do chifre pequeno contra o santuário de Deus e seu sistema de verdades, Daniel 8:14 revela que, no fim dos 2.300 dias proféticos, o santuário deveria ser “purificado” (ARA) e “restaurado” (NRSV). O termo original nisdaq implica “a ‘restauração’ do ministério no santuário, sua ‘purificação’ do pecado e a ‘exaltação’ ou ‘vindicação’ dos santos e do santuário que foram pisoteados”.12 Em outras palavras, o versículo 14 fala da reversão da obra profanadora do chifre pequeno que havia crescido tão extraordinariamente.

Falando da restauração das verdades bíblicas dentro dos círculos adventistas sabatistas, Ellen White declarou: “A passagem que, mais que todas as outras, havia sido tanto a base como a coluna central da fé do advento foi: ‘Até duas mil e trezentas tardes e manhãs, e o santuário será purificado’ (Dn 8:14)”13 Ela ainda acrescentou: “O assunto do santuário foi a chave que desvendou o mistério do desapontamento de 1844. Revelou um conjunto completo de verdades, ligadas harmoniosamente entre si, e mostrou que a mão de Deus havia conduzido o grande movimento do advento e indicado novos deveres ao trazer a lume a posição e a obra de Seu povo”.14

De acordo com as Escrituras, o santuário desempenha um papel fundamental no plano da salvação. Ele é o lugar da habitação de Deus (Êx 25:8; Is 6:1-4; Ap 7:15), o guardião da lei divina (Êx 31:18; 40:20; Hb 9:4; Ap 11:19) e o lugar em que a salvação está sendo oferecida (Hb 4:14-16).

Os adventistas viram as três mensagens angélicas de Apocalipse 14:6-12 como uma proclamação escatológica no tempo do fim que restaura o sistema doutrinário integrado pelo tema do santuário.15

Uma análise do desenvolvimento doutrinário adventista indica que os assuntos principais referentes ao santuário de Daniel 8:14 e à tríplice mensagem angélica de Apocalipse 14:6-12 integraram o núcleo inicial de doutrinas distintivas da denominação. São elas (1) a perpetuidade da lei de Deus e do sábado do sétimo dia, (2) o ministério celestial de Cristo, (3) Sua segunda vinda, (4) a imortalidade condicional da alma e (5) o dom de profecia.16

Em relação ao santuário como o lugar em que Cristo ministra em nosso favor, Ellen White afirmou que “a compreensão correta de ministério do santuário celestial constitui o alicerce de nossa fé”17 “Cristo, Seu caráter e obra, é o centro e a circunferência de toda a verdade. Ele é a cadeia que liga as joias de doutrina. Nele se encontra o inteiro sistema da verdade”18

Se decidirmos estudar a teologia adventista de uma perspectiva mais “sinfônica”, multitemática, então talvez pudéssemos considerar Deus como o centro, o grande conflito como moldura, a aliança eterna como base, o santuário como o tema organizador, as três mensagens angélicas como proclamação escatológica e o remanescente como seu resultado missiológico.19

Ellen G. White exortou os pregadores adventistas a abordar os elementos fundamentais da mensagem em seus sermões. Ela declarou: “Há muitas verdades preciosas contidas na Palavra de deus, mas é a ‘verdade presente’ que o rebanho necessita agora. Tenho visto o perigo de os mensageiros se afastarem dos importantes pontos da verdade presente, para se demorarem em assuntos que não são de molde a unir o rebanho e santificar a alma. Satanás tirará disso toda vantagem possível para prejudicar a Causa. Mas assunto como o santuário, em conexão com os 2.300 dias, os mandamentos de Deus e a fé de Jesus, são perfeitamente apropriados para esclarecer o passado movimento adventista e mostrar qual é nossa presente posição, estabelecer a fé do vacilante e dar a certeza do glorioso futuro. Esses, tenho frequentemente visto, são os principais assuntos sobre que os mensageiros se devem demorar”20

Conclusão

Atualmente as pessoas querem aceitar Cristo como Salvador, mas não como Senhor. Elas querem reavivamento, mas não reforma. Sem dúvida, “de todos os professos cristãos, os adventistas do sétimo dia devem ser os primeiros a exaltar Cristo perante o mundo”.21 Entretanto ao fazê-lo, nunca devem se esquecer dos componentes   distintivos de sua mensagem. George R. Knight sugere que é a mensagem profética que torna o adventismo significativo hoje e o fortalecerá no futuro.22 Afinal, a identidade adventista está ancorada em Cristo e em todos os seus ensinamentos (Mt 4:4; 28:20; Jo 16:13), incluindo os proféticos, especialmente conforme está demonstrado na correta compreensão do santuário.

*Alberto R. Timm, doutor em Teologia, é diretor associado do Ellen G. White Estate.

Referências

1) Ver P. Gerard Damsteegt, Foundations of the Seventh-day Adventist Message and Mission (Grand Rapids, Ml: Eerdmans, 1977).

2) Jon Paulien, “The Seven Seals”, em Symposium on Revelation: Book 1, ed. Frank B. Holbrook, Daniel and Revelation Committee, v. 6 (Silver Spring, MD: Biblical Research Institute, 1992), p. 237.

3) William H. Shea, “Cosmic Signs Through History”, Ministry, fev. 1999, p. 10, 11.

4) Otto Friedrich, The End of the World: A History (Nova York: Coward, McCann & Geoghegan, 1982), p. 179.

5) Ver Gerhard F. Hasel, “Interpretations of the Chronology of the Seventh Weeks”, em The Seventy Weeks, Leviticus, and the Nature of Profhecy, ed. Frank B. Holbrook, Daniel and Revelation Committee, v. 3 (Washington, DC: Biblical Research Institute, 1986), p. 3-63.

6) Ver Alberto R. Timm, “A Short Historical Background to A.D. 508 & 538 as Related to the Establishment of Papal Supremacy”, em Prophetic Principles Crucial Exegetical, Theological, Historical & Practical Insights, ed. Ron du Preez, Scripture Symposium, nº 1 (Lasing, Ml: Michigan Conferece of Seventh-day Adventists, 2007), p. 207-231).

7) Por exemplo, A Declaration of the Fundamental Principles Taught and Practiced by Seventh-day Adventists (Battle Creek, Ml:Steam Press of the Seventh-day Adventist Publishing, Association, 1872), p. 11; Seventh-day Adventist Church Manual (Washington, DC: General Conferece of Seventh-day Adventist, 1981), p. 39, 40.

8) Gerhard Pfandl, “The Remnant Chuech and the Spirit of Prophecy”, em Symposium on Revelation: Book 2, ed. Frank B. Holbrook, Daniel and Revelation Committee, v. 7 (Silver Spring, MD: Biblical Research Institute, 1992), p. 295-333.

9) George R. Knight, Uma Igreja Mundial: Breve História dos Adventistas do Sétimo Dia (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2000), p. 35.

10) T. Housel Jemison, A Prophet Among You (Mountain View, CA: Pacific Press, 1955), p. 371.

11) William H. Shea, “Early Development of the Antiochus Epiphanes Interpretation”, em Symposium on Daniel, eds. Frank B. Holbrook, Daniel and Revelation Committee, v. 2 (Washington, DC: Biblical Research Institute, 1986), p. 256-328.

12) Niels-Erik Andreasen, “Translation of Nisdaq/Katharisthesetai in Daniel 8:14”, em Syposium in Daniel, p. 495.

13) Ellen G. White, O Grande Conflito, (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 409.

14) Ibid, p. 423.

15) Ellen G. White, Primeiros Escritos, (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 232-261.

16)  Alberto R. Timm, The Sanctuary and the Three Angels’Mensages: Integrating Factors in the Development of Seventh-day Adventist doctrines, Adventist Theological Society Dissertation Series, v. 5 (Berrien Springs, Ml: Adventist Theological Society Publications, 1995).

17) Ellen G. White, Evangelismo, (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2016), p. 221.

18) Ellen G. White, “Contemplate Christ’s perfection, Not Man’s Imperfections”, Review and Herald, 15/08/1893, p. 513.

19) Alberto R. Timm, The Sanctuary and the Three Angels’Mensages, p. 230-242, 273.

20) Ellen G. White, Primeiros Escritos, (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 63.

21) Ellen G. White, Obreiros Evangélicos, (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 156.

22) George R. Knight, A Visão Apocalíptica e a Neutralização do Adventismo (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2010), p. 20.

FONTE: Artigo publicado na Revista Ministério, Julho-Agosto 2018, p. 10-14.



domingo, 29 de julho de 2018

DO ÉDEN PERDIDO AO ÉDEN RESTAURADO


Ricardo André

Introdução:

Por causa dos anos passados de pecado e rebelião da parte dos hebreus, Deus permitiu o cativeiro assírio, em 722 a. C. e o cativeiro babilônico, em 586 a. C. A destruição de Judá foi cruel. Deus fizera tudo que era possível para corrigir a nação faltosa. Mas Judá prosseguiu obstinadamente na sua conduta idólatra, zombando dos mensageiros de Deus até que “não houve maior remédio” (2 Cr 36:16). De modo que Deus permitiu o exílio babilônico como castigo e disciplina.

Deus prometeu ao Seu povo, através do profeta Isaías, que Ele iria ter “piedade de Sião e de todos os lugares assolados dela, e fará o seu deserto como o Éden, e a sua solidão como o jardim do Senhor; regozijo e alegria se acharão nela, ações de graça e som de música”. Sião é uma referência a Jerusalém (Is 1:8; 8:18). Quando os judeus voltaram para a Palestina, após o cativeiro babilônico, esta profecia se cumpriu parcialmente. Todavia, o cumprimento final desta maravilhosa promessa dar-se-á ainda no futuro.

Entre o Éden, no princípio, e o Éden restaurado, jaz todo o lapso da história deste mundo – a história da transgressão e sofrimento humano, do sacrifício divino e da vitória sobre a morte e o pecado.

Jardim do Éden – Lar original do primeiro casal humano (Gn 2:15)

Gênesis 2:15 declara que “o Senhor Deus tomou o homem, e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar”. Deus escolheu uma região da Terra, chamada Éden, e plantou ali um lindo jardim, na parte oriental dele (Gn 2:8, o que indica aparentemente que o jardim ocupava apenas uma parte da região chamada Éden. Este jardim do Éden, também chamado de jardim do Senhor (Is 51:3; Ez 28:13) era o lar do primeiro casal humano. O lar edênico – mais precioso do que qualquer palácio dos dias atuais – foi concedido a Adão e Eva.

Deus sabia que alimento agradaria ao paladar do homem e o que seria bom para ele. Por isso plantou no jardim muitas espécies de flores bem como muitas árvores belas e majestosas (Gn 2:9). As flores multicolores agradariam tanto aos olhos como ao nariz do homem. Encheriam o ar do jardim com aroma delicioso. Assim, o homem teria prazer não somente naquilo que via, mas até no ar que respirava.

Os muitos pássaros coloridos voando entre as árvores seriam também algo que traria alegria ao homem. Seus cantos bonitos seriam agradáveis aos ouvidos dele, e suas cores e formas diferentes agradariam aos olhos dele.

Uma vez que os animais em toda a Terra viviam de vegetação (Gn 1:30), havia paz no jardim recém-criado. Isto incluía animais tais como os leões e os leopardos, que agora são carnívoros. De modo que estes animais pacíficos, com suas formas variadas e malhas bonitas, não só fariam o jardim do Éden interessante para o homem, mas a sua amizade seria razão de felicidade para ele.

Em vista da nudez do homem, pode-se presumir que o clima era muito ameno e agradável (Gn 2:25). Deus fez de todos os modos que o jardim em que o homem viveria fosse um lugar de paz, felicidade e prazer. Foi por esta razão que se chamava de jardim do Éden, nome que significa “jardim de prazer, de deleite”.

Era uma pequena representação daquilo que a Terra inteira seria para as criaturas humanas perfeitas viverem nela eternamente em perfeita saúde, alegria e contentamento, adorando e servindo seu Criador, o Senhor Deus.

A escritora cristã Ellen G. White, diz-nos: “O jardim do Éden era uma representação do que Deus desejava se tornasse a Terra toda; e era seu intuito que a medida que a família humana se tornasse mais numerosa, estabelecesse outros lares (...) semelhantes à que Ele havia dado” (Ellen G. White, Educação, p. 22).

Isto é demonstrado nas instruções que Deus deu a Adão e Eva: “Frutificai e multiplicai-vos; enchei a Terra, e sujeitai-a” (Gn 1:28). Sim, o propósito original de Deus era que a Terra inteira, com o passar do tempo, fosse o paraíso, na qual todos vivessem eternamente juntos em paz e felicidade.

O Éden perdido

Embora tivessem sido criados perfeitos e a imagem de Deus, e ainda tivessem sido colocados num ambiente perfeito, Adão e Eva, usando mau sua liberdade de escolha, tornaram-se transgressores da ordem que lhes proibia comer da árvores da ciência do bem e do mal. Como consequência o homem tornou-se mortal, separado de Deus, ficou sujeito ao sofrimento e dor. Perdeu tudo isso por desobedecer a Deus. Foi-lhe negado acesso à árvore da vida. O pecado não devia ser perpetuado. O caminho foi barrado pelos querubins com a espada flamejante. Feridos na alma e vergados ao peso de seu pecado, nossos primeiros pais deixaram o jardim de Deus (Gn 3:22).

O Jardim do Éden foi, por séculos, o único lugar da Terra em que o pecado não deixou marcas. Era um oásis sem pecado, em meio a um planeta contaminado pelos resultados da desobediência dos nossos primeiros pais. “O Jardim do Éden permaneceu na Terra por muito tempo depois que o homem fora expulso de seus agradáveis caminhos. Quando a onda de iniquidade se propagou pelo mundo, e a impiedade dos homens determinou a sua destruição por meio de um dilúvio de água, a mão que plantara o Éden o retirou da Terra. Mas, na restauração final de todas as coisas, quando houver ‘novo céu e nova Terra’, será restabelecido, mais gloriosamente adornado do que no princípio.

“Então, [...] através de infindáveis séculos, os habitantes dos mundos que não pecaram contemplarão no jardim de delícias um modelo da obra perfeita da criação de Deus, sem qualquer sinal da maldição do pecado – modelo do que teria sido a Terra inteira se tão-somente houvesse o homem cumprido o plano glorioso do Criador” (Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, p. 62).

Com que esmero Deus está cuidando desse jardim que foi levado para o Céu, transplantado com Suas próprias mãos! 


O plano de Deus para Restaurar o Éden (Gn 3:15)

Embora o primeiro casal humano desobedecesse a Deus, mostrando-se assim indigno de viver para sempre, o propósito original de Deus não mudou. Tem de se cumprir! (Is 55:11). Por isso, Jesus disse: “Bem-aventurado os mansos, porque eles herdarão a Terra” (Mt 5:5). Em harmonia com isso, o apóstolo Paulo, na sua carta aos efésios (1:1-11) afirma que o propósito de Deus é de “convergir em Cristo todas as coisa, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que estão nos céus como as que estão na Terra”.

Quando Adão e Eva pecaram, Deus tomou a iniciativa de ir procurá-los. O culpado casal, ouvindo a voz do seu Criador, não se sentiu feliz com a perspectiva de encontrá-Lo. Conforme havia ocorrido antes. Pelo contrário, eles se esconderam. Ainda assim, porém, Deus não os abandonou. Em meio à situação de completa desesperança em que eles se achavam naquele momento, Deus lhes expôs um maravilhoso plano, que lhes garantiria a vitória final sobre o pecado e a morte (Gn 3:15). O plano de Deus consistia em enviar um Libertador, a semente da mulher, para morrer no lugar do homem. Sua morte visava “remir-nos de toda iniquidade, e purificar para Si mesmo um povo exclusivamente Seu, zeloso de boas obras” (Tito 2:14). Pedro diz que os crentes foram redimidos do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram (1 Pd 1:18). Paulo escreveu que aqueles que foram libertados da escravidão do pecado com seus frutos mortais, agora se encontram no serviço de Deus com seus frutos “para a santificação, e por fim a vida eterna” (Rm 6:22).

A rebelião de Adão e Eva resultou em pecado, condenação e morte para todos (Rm 5:12). Cristo inverteu a tendência descendente. Em seu grande amor, submeteu-se a Si próprio ao julgamento divino do pecado e tornou-Se o representante da humanidade – “o último Adão” ou “segundo Homem” (1 Co 15:45 e 47). Sua morte substitutiva providenciou a libertação da penalidade do pecado e do dom da vida no Éden recuperado para os pecadores arrependidos (2 Co 5:21; Rm 6:23; 1 Pd 3:18).

O Éden Restaurado

No texto de Isaías 51:3 que lemos no início, Deus prometeu restaurar o Éden perdido pelos nossos primeiros pais. Tudo que se perdeu será restaurado. O vidente de Patmos, o idoso João, nos capítulos 21 e 22 de Apocalipse fez deleitosas descrições das condições que existirão na “Nova Terra”, que fazem o salvo lembrar o Paraiso original no Éden com sua árvore da vida (Gn 2:9).

Porém, João explica que, antes de entregar um novo planeta para os salvos, Deus vai pôr um ponto final na história do mal. Como será isso?

Depois da volta de Jesus a desolação será total na Terra: prédios destruídos, ferros retorcidos, corpos destroçados daqueles que rejeitaram a Jesus serão espalhados pelo mundo inteiro, registra o profeta Jeremias (25:33). Somente um grupo permanecerá: Satanás e seus anjos rebeldes. Eles ficarão “presos” por mil anos no planeta Terra, sozinhos, enquanto os salvos estarão no Céu julgando os perdidos. Pois bem, no fim dos mil anos, Jesus desce à Terra, acompanhado dos salvos e da Cidade Santa. É quando acontecerá a última fase punitiva do juízo final, eliminando para sempre o pecado.

Primeiro, quando a comitiva celestial estiver chegando, Jesus ressuscitará os ímpios mortos. Isso significa que Satanás estará “solto” outra vez, ou seja, ele irá mobilizar seus seguidores humanos pelo engano, quando cai fogo do céu para exterminar Satanás, seus anjos e os ímpios para sempre (Ap 20:1-14).

Este planeta manchado de sangue, onde a tristeza, a dor e as lágrimas dominaram, será transformado num lugar de gozo e paz. Pecado e pecadores não mais existirão. O Universo inteiro estará purificado.

A escritora cristã Ellen G. White, no O Grande Conflito, narra o emocionante momento no qual Cristo levará Adão de volta ao paraíso no qual ele vivia. Então Adão “compreende que isso é na verdade o Éden restaurado, mais lindo agora do que quando fora dele banido. O Salvador o leva à árvore da vida, apanha o fruto glorioso e manda-o comer. Olha em redor se si e contempla uma multidão de sua família resgatada, no Paraíso de Deus. Lança então sua brilhante coroa aos pés de Jesus e, caindo a Seu peito, abraça o Redentor. Dedilha a harpa de ouro, e pelas abóbadas do céu ecoa o cântico triunfante: Digno, digno, ‘digno é o Cordeiro’ (Apoc. 5:12) ‘que foi morto e reviveu!’  Apoc. 2:8” (p. 648).

O mesmo fogo que destrói os ímpios, purifica a Terra da poluição do pecado. Das ruínas da Terra, Deus fará surgir “Novo Céu e Nova Terra, pois o primeiro Céu e a primeira Terra passaram” (Ap 21:1). Da Terra purificada, recriada – o lar eterno dos remidos – Deus banirá para sempre a tristeza, a dor e a morte (Ap 21:4).

Naquele dia “o deserto e os lugares secos se alegrarão; e o ermo exultará e florescerá como a rosa”. Então os olhos dos cegos se abrirão, e os ouvidos dos surdos se desempedirão. Então os coxos saltarão como o cervo, e a língua dos mudos cantará (Is 35:1, 5 e 6). Este é o lar longamente esperado pelo homem; perdido pelo pecado, mas recuperado e devolvido à família humana quando Deus fizer novas todas as coisa. Ele prometeu que haverá uma “restauração de tudo” (At 3:21). A Nova Jerusalém será a capital do Éden restaurado.

João conhecia as medidas da cidade: 12 mil estádios, os seja, 2. 200 km. A cidade é imensa e construída em quadrado perfeito. Em sua maior parte, Deus fez a cidade – seus edifícios e ruas – de ouro (Ap 21:18, 21). Esse ouro é mais puro do que aquele que conhecemos. A cidade de ouro terá 12 portões de pérolas, três de cada lado. Do trono de Deus, localizado no centro da cidade, flui o “rio da água da vida” (Ap 22:1). Em cada lado do rio está a árvores da vida, que dá 12 frutos por ano, um por mês. Esses frutos contém os elementos vitais dos quais a humanidade ficou privada desde que Adão e Eva abandonaram o jardim do Éden – eles são o antídoto para o envelhecimento, desgaste ou simples fadiga (Ap 22:2; Gn 3:22).

Na cidade, não haverá mais noite. A glória de Deus a iluminará, tornando supérflua a luz do sol e da lua (Ap 21:23, 24). Dentro da grande cidade, Cristo está preparando “mansões” (Jo 14:2), casa de verdade. Contudo, os redimidos não estarão confinados dentro dos muros da Nova Jerusalém. Eles herdarão a Terra. Poderão deixar seus lares na cidade e dirigir-se ao campo – onde projetarão e construirão os lares de seus sonhos - suas casas de campo – plantarão vinhedos, colherão seus frutos e deles comerão (Is 65:21).

Na Nova Terra, diz Isaías, “não haverá lembrança das coisas passadas, jamais haverá memória delas” (65:17). Lendo-se o contexto, entretanto, parece claro que são as tribulações que os remidos esquecerão para sempre (v. 16). Eles não poderão esquecer as boas coisas feitas por Deus, a abundante graça pela qual Ele os salvou, do contrário toda esta imensa batalha contra o pecado teria sido em vão.

Adicionalmente, a história do pecado forma um importante elemento da garantia de que “não se levantará por duas vezes a angústia (Naum 1:9).
  
A maior das alegrias dos cristãos que viveram para Cristo nesta vida será ver face a face Aquele por quem trabalharam e viveram. O apocalipse diz que os remidos “contemplarão a Sua face, e na sua fronte está o nome dEle” (22:4) Paulo diz: “Porque, agora, vemos como espelho, obscuramente, então, veremos face a face (...)” (1 Co 13:12).

Que dia glorioso será quando nos encontrarmos com o nosso pai celestial, quando contemplarmos a Nova Cidade e passearmos pelos outros planetas! Há tanta gente para conhecer! Há tantos novos irmãos... Cada sábado teremos oportunidade de louvar e adorar o nosso Deus e agradecer mais uma vez por Sua infinda misericórdia, amorável paciência e por ter enviado Seu Filho para morrer na cruz do Calvário, por nós.

Ellen G. White afirmou: “Todo remido compreenderá o serviço dos anjos em sua própria vida. Que maravilha será entreter conversa com o anjo que foi a sua guarda desde os seus primeiros momentos, que lhe vigiou os passos e cobriu a cabeça no dia de perigo, que assinalou o seu lugar de repouso, que foi o primeiro a saudá-lo na manhã da ressurreição, e dele aprender a história da interposição divina na vida individual, e da cooperação celeste em toda a obra em prol da humanidade” (Ellen G. White, Educação, p. 304, 305).

“Haverá ali música e cânticos. Música e cânticos que ouvidos mortais jamais ouviram nem espírito humano concebeu, com exceção do que em visões de Deus se tem revelado” (Ellen G. White, Educação, p. 306).

Tal é o quadro profético da perfeita provisão de Deus – perfeita associação, paz, alegrias, felicidades e vida eterna. Redimidos por Sua graça, seremos Seus companheiros por toda eternidade.

Quantas coisas maravilhosas e fantásticas nos aguardam no perfeito e encantador mundo de amanhã, no Éden restaurado.

Conclusão:

Quão maravilhoso estar na sociedade do Céu! Abraão, Isaque, Jacó e José; Moisés, Isaías, Daniel e Jó; Ester, Elias, Davi e Rute; Maria, Pedro, Estevão e Paulo – os grandes e piedosos de todos as eras estarão ali: incomparavelmente belas as flores de variedade infinita, frutos que jamais se deterioram, campos de verdura exuberante, música como jamais o ouvido humano conheceu igual – tudo combinará para tornar mais glorioso esse lar, seu e meu, caros irmãos e amigos, se pela graça abandonarmos o pecado e aceitarmos a Jesus como Senhor e Salvador de nossas vida. Logo deporemos a cruz e receberemos a coroa. Logo nosso dia de pesares passará, e deixaremos este vale de lágrimas para estar com Aquele cuja glória enche a criação no vale do Éden formoso. As últimas palavras de Jesus, como se encontram registradas, são: “Eis que cedo venho”. E com o santo vidente, nós dizemos: “Amém. Vem, Senhor Jesus (Ap 22:20).

Queridos amigos, já é tempo de voltarmos ao lar! Preparemos nossa vida e nossa família para aquele grande encontro com o Senhor. Preparemos um povo para estar com Jesus! Levemos esta mensagem a todo o mundo nesta geração: vamos para o Lar edênico!                       




sexta-feira, 27 de julho de 2018

DINOSSAUROS, A BÍBLIA FALA SOBRE ELES?


Raúl Esperante*

Oferecem a Bíblia e os escritos de Ellen G. White alguma base para a crença na existência desses estranhos animais?

Anos atrás, depois de terminar uma palestra para universitários e profissionais liberais, fui abordado por um pastor. Ele me pediu que tentasse convencer a esposa dele sobre a existência dos dinossauros. Ela era professora e se recusava a ensinar os alunos sobre esse tema. Compreendi que atrás daquela negativa havia uma luta para compreender o mistério que deixa perplexas algumas pessoas e fascina outras: Como explicar a passada existência (e extinção) dos dinossauros, num contexto bíblico?

A negação da existência dos dinossauros tem se tornado mais difundida do que gostaríamos de admitir, mesmo considerando nossa sociedade científica com pesquisas altamente avançadas em todas as áreas, incluindo geologia e paleontologia. Essas ciências parecem fora de lugar em nossas instituições educacionais e raramente são consideradas por nossos jovens na escolha de sua carreira profissional. Como cristão e paleontólogo, tenho que enfrentar diariamente a noção de uma evolução biológica envolvendo milhões de anos e posso compreender que algumas pessoas temem ser envolvidas por uma filosofia contraditória às Escrituras.

Entretanto, é possível estudar fósseis, rochas e evolução, sem renunciar à fé. Nossa apreciação da beleza e do mistério da criação da Terra e sua história subsequente depende em grande parte de como e o que professores e pastores estão ensinando nas igrejas e escolas.

No museu e na TV

Se você já visitou um museu de história natural, provavelmente viu grandes esqueletos de dinossauros. Também pode ter visto reproduções animadas em que, no caso de documentários da televisão, eles parecem vivos e reais. Ao assistir a tais animações, o espectador deve considerar alguns detalhes. Primeiramente, devemos aceitar que os dinossauros existiram por um período de tempo na Terra e que, em certos lugares, eles pareciam numerosos. Paleontólogos têm encontrado evidências de sua existência em todos os continentes, incluindo Antártica. Essas evidências incluem ossos, ovos, tocas e pegadas. Rastros e pegadas são abundantes e não podem ser associados a nenhuma outra criatura fora do que conhecemos como dinossauros.

Em segundo lugar, devemos saber que os esqueletos encontrados em museus não são tipicamente reais, mas réplicas. Os ossos originais são muito valiosos e delicados para ser expostos ao público; portanto, são armazenados em lugares mais seguros. Além disso, os esqueletos dos museus são ajuntamentos de réplicas de ossos de várias espécies oriundas de lugares distantes. Os paleontólogos são capazes de compor a arquitetura do corpo dos dinossauros, embora não possam ter todos os elementos da mesma criatura. Assim, as réplicas encontradas nos museus são razoavelmente confiáveis. Entretanto, animações vistas na TV são mais especulativas, especialmente no que tange à cor, fisiologia, comportamento e assim por diante.

Desaparecimento

Na coluna geológica, vestígios de dinossauros aparecem em camadas de rochas que os paleontólogos chamam de Triássico, Jurássico e Cretáceo. Essas camadas sedimentadas, amontoadas uma sobre a outra, mostram características específicas, incluindo as de certas espécies fósseis como moluscos, répteis, peixes, dinossauros e organismos microscópicos (diatomácea, algas) que habitaram os oceanos. Alguns paleontólogos creem que os dinossauros, bem como outros grupos de animais e plantas, desapareceram subitamente em consequência do impacto de um meteorito gigante 65 milhões de anos atrás. Outros duvidam disso, por várias razões.

Muitos cientistas criacionistas acreditam que os dinossauros desapareceram junto com outras espécies, durante o dilúvio universal descrito em Gênesis. Esse cenário poderia incluir atividade de um meteorito resultando em tsunamis, atividade vulcânica e emissão de dióxido de carbono, sulfeto e outros elementos químicos prejudiciais a plantas e animais. Portanto, a ideia de um meteorito impactando a Terra não é necessariamente incompatível com o modelo bíblico do dilúvio.

Apesar da falta de consenso entre os cientistas sobre a causa do desaparecimento dos dinossauros, a mídia e a imprensa pseudocientífica decidiram que a teoria do impacto do meteoro é a única explicação válida. Isso está longe da realidade. Os dinossauros desapareceram, mas não sabemos exatamente quando nem por quê. Entretanto, a possibilidade de sua extinção durante o dilúvio do Gênesis (com ou sem impacto) pode ser vista como hipótese científica plausível e merece consideração.

Convivência com Humanos

Muito tem sido escrito e falado sobre certas evidências que supostamente mostram dinossauros e seres humanos juntos. Elas incluem o que é interpretado como pegadas de humanos e dinossauros, quadros pré-históricos em cavernas e cerâmicas, em que figuras humanas aparecem junto a criaturas excepcionais muito semelhantes às atuais reconstruções desses répteis gigantes. Mas, estudos científicos têm mostrado que esses traços têm sido mal interpretados.

Analisemos, por exemplo, os alegados sinais de “humanos” e dinossauros encontrados no leito do Rio Paluxy no Texas. Poucas décadas atrás, cientistas proclamaram que essa era uma segura evidência contra a teoria da evolução e prova da ocorrência de um dilúvio universal. Intrigados por essa afirmação, vários cientistas evolucionistas e criacionistas estudaram detalhadamente as marcas encontradas nas rochas. Nesse lugar específico, o leito e a margem têm muitas marcas por causa de erosão. Através das marcas deixadas sobre a rocha, causadas pela circulação da água, podemos distinguir se o traço do dinossauro é verdadeiro ou falso.

Há também estudos feitos em laboratório. Se uma marca é autêntica, deve mostrar as camadas achatadas de sedimento rochoso sob ela, por causa do peso do animal. Para testar essa deformação característica, cientistas cortaram transversalmente a marca e não observaram presença dela. Concluíram que o molde não se tratava de real pegada humana, mas resultava de erosão pela natureza ou forjada pelo homem. Estudos posteriores mostraram que tais “marcas” e desenhos foram deliberadamente colocados por fanáticos defensores da coexistência de humanos e dinossauros, acarretando, assim, zombaria e rejeição no mundo acadêmico.

Na Bíblia

O relato da criação em Gênesis 1 fala de um Deus que criou vida marinha bem como pássaros no quinto dia; e o restante dos animais, no sexto dia. Embora os répteis sejam citados, os dinossauros não são mencionados, o que não deve nos surpreender; afinal, nos dias de Moisés, a palavra “dinossauro” não existia, nem ele estava obrigado a mencioná-los. Ele também não mencionou outros grupos de animais como, por exemplo, besouros, tubarões, estrelas-do-mar.

O fato de a Bíblia não citar os dinossauros pelo nome não prova que Deus não os tivesse criado; muito menos a estranha aparência deles. Hoje existem muitos animais tão estranhos como os dinossauros – observe o ornitorrinco e o canguru – que não atraem muito a atenção. Algumas pessoas creem que os dinossauros surgiram como resultado da maldição depois do pecado de Adão e Eva, mas a Bíblia não emite luz sobre isso, nem identifica explicitamente os animais que mudaram como resultado do pecado nem qual foi o tipo de mudança.

Muitos cientistas criacionistas acreditam que os dinossauros desapareceram durante ou logo após o dilúvio. Mas, a Bíblia também não nos dá indícios sobre o destino deles. Por causa desse silêncio bíblico, o fato de que os dinossauros desapareceram durante uma catástrofe mundial conhecida como dilúvio é uma hipótese que deve ser considerada através de pesquisa científica. A comprovação de tal hipótese deve ser feita através de dados geológicos e paleontológicos, não por forçar a Bíblia a dizer o que ela não diz.

Finalmente, há quem pense que os dinossauros sobreviveram ao dilúvio, mas logo desapareceram por não se terem adaptado ao novo ambiente. Essa é outra possibilidade, pois havia dinossauros na arca e, talvez, tenham desaparecido durante a colonização pós-diluviana. A Bíblia menciona duas estranhas criaturas: beemote (Jó 40:15-18) e leviatã (Jó 41:1), que alguns interpretam como possíveis exemplos dos dinossauros pós-diluvianos. Entretanto, a maioria dos eruditos não aceita essa explicação, e esses termos são geralmente traduzidos respectivamente como hipopótamo e crocodilo. Não estão relacionados aos dinossauros.

Ellen White

O termo dinossauro foi usado pela primeira vez em 1842, pelo zoólogo inglês Richard Owen, para nomear um grupo de fósseis répteis então descobertos. O uso do termo se expandiu enquanto novas descobertas aconteciam na Europa e América do Norte. No tempo em que Ellen White escreveu suas primeiras declarações sobre criação, dilúvio, ciência e fé (1864), o termo dinossauro já era comum nos livros e revistas. Entretanto, ela nunca usou esse termo nem qualquer outra palavra similar para se referir a esses répteis extintos.

Numa breve declaração, em 1864, ela escreveu: “Todas as espécies de animais que Deus criou foram preservadas na arca. As espécies confusas que Ele não criou, e que foram resultado de amálgama, foram destruídas no dilúvio”.1 Essa é uma declaração favorita entre alguns adventistas para os quais ela explica os organismos extintos, incluindo dinossauros, bem como fósseis com características intermediárias, também conhecidos como fósseis em transição, ou seja, aqueles que, de acordo com a teoria da evolução, mostram mistura de características entre dois grupos de animais ou plantas considerados consecutivos no tempo. Exemplo disso são os répteis parecidos com mamíferos, considerados um degrau intermediário na evolução.

Muitas pessoas leem nessas palavras o que nós conhecemos como engenharia genética, indicando que, nos tempos antediluvianos as pessoas praticavam acasalamento híbrido, resultando em estranhas formas biológicas.

Entretanto, essa interpretação apresenta problemas. O primeiro é a dificuldade para definir o que Ellen White quis dizer com “amálgama”. Estudos mais profundos sobre a declaração não têm dado uma resposta definitiva, e concluímos que ainda não sabemos exatamente o significado desse termo.

Um segundo problema é a aplicação de “amálgama” a casos reais no registro fóssil. Se “amálgama” significa “híbrido”, como poderíamos reconhecer esse fenômeno entre os fósseis ou entre animais e plantas dos nossos dias? Como poderíamos determinar que espécies eram híbridas antes do dilúvio, se elas realmente já existiam? Alguns respondem a essa pergunta dizendo que as espécies híbridas não sobreviveram ao dilúvio, precisamente porque Deus não quis. Mas, esse raciocínio é um círculo vicioso falho porque o critério que usamos para diferenciar os híbridos (extinção) é o mesmo que usamos para definir o que gostaríamos de diferenciar (híbridos). Em outras palavras, amalgamação explica seu próprio desaparecimento, e seu desaparecimento define o que são eles.

Ellen White continua dizendo que “desde o dilúvio tem havido amalgamação de homens e bestas, como pode ser visto em variedades quase infindáveis de espécies de animais”.2 Em primeiro lugar, é importante enfatizar que ela diz “amalgamação de”; não diz “amalgamação entre” como alguns interpretam. Em segundo lugar, se amalgamação significa formas intermediárias, híbridas ou criaturas estranhamente formadas, qual é o critério para reconhecê-las? Se essas foram formadas depois do dilúvio, provavelmente se tornaram fósseis, e outras teriam sobrevivido até agora. Como podemos diferenciá-las entre si e de outros organismos vivos que não são híbridos? Ellen White não dá indícios sobre isso.

No mesmo texto, ela estabelece que lhe foi mostrado “que animais muito grandes e poderosos existiram antes do dilúvio, e não mais existem agora”.3 E também disse em outro texto que “houve uma classe de animais que pereceram no dilúvio. Deus sabia que a força do homem diminuiria e esses mamutes não poderiam ser controlados por homens fracos”.3

Entre outras, essa declaração a respeito da vida antes do dilúvio sugere que a profetiza estava se referindo à existência de uma ampla variedade de animais que não sobreviveram na arca. Entretanto, não estamos seguros quanto ao significado da declaração; não sabemos o que eram esses “animais muito grandes e poderosos”. Porém, suas palavras não estão longe da descrição científica dos dinossauros. Falando biologicamente, eles são um tanto confusos, não apenas porque alguns são gigantes, mas também partes do seu corpo (pernas, pescoço, cauda, cérebro) são, em alguns casos, desproporcionais.

A verdade é que muitas pessoas têm lutado para encontrar declarações de Ellen White apoiando a ideia de que os dinossauros não foram criados por Deus, mas resultaram de amálgama antes do dilúvio, sendo, portanto, condenados ao desaparecimento na catástrofe universal. Essa pode ser uma possibilidade, mas, depois de minucioso estudo de seus escritos, não encontramos apoio inequívoco para essa conclusão.

A Escritura não menciona a existência de dinossauros, pelo menos como nós os compreendemos, nem antes nem depois do dilúvio. Ellen White também não os menciona, e não estamos absolutamente seguros quanto ao significado de sua afirmação referente a “animais muito grandes”. Porém, isso não representa evidência de que eles não existiram. Ao contrário, as evidências disso são claras: ossos, dentes, ovos, pegadas e impressões. Mas, em algum ponto da história, eles desapareceram. Sua origem e seu desaparecimento estão envolvidos num mistério que requer cuidadoso e rigoroso estudo. E isso não compromete nossa fé nos ensinamentos bíblicos.

Referências:

1 Ellen G. White, Spiritual Gifts (Battle Creek,
MI: SDA Publishing, 1864), v. 3, p. 75.

2 Ibid., p. 35.

3 Ibid., p. 92.

4 Ibid., v. 4, p. 121

*Raúl Esperante é cientista do Instituto de Pesquisa em Geociência, Loma Linda, Califórnia. Artigo publicado na Revista Ministério Jul/Ago-2010.

sexta-feira, 13 de julho de 2018

DEUS E A HISTÓRIA: UMA PERSPECTIVA BÍBLICA


A história é um processo cíclico, argumenta Sócrates. A história é linear e leva a um alvo desejado por Deus, proclamam os profetas bíblicos.

A história não é mais que “uma fábula contada por um idiota, cheia de barulho e fúria, significando nada”. Assim disse Shakespeare. A história é onde vemos “ao fundo, em cima, e em toda a marcha e contramarcha dos interesses, poderio e paixões humanas, a força de um Ser todo misericordioso, a executar, silenciosamente, pacientemente, os conselhos de Sua própria vontade”.1 Assim falou Ellen White, vendo um desígnio e propósito abarcantes na história.

Entre a filosofia grega e a profecia bíblica, entre humanismo e revelação, temos uma dicotomia quanto ao significado da história. Como cristãos, é imperativo que estejamos bem informados quanto à compreensão bíblica da história. A Palavra de Deus afirma que Deus governa as atividades de indivíduos e nações. Com efeito, a soberania divina na história é uma verdade bem arraigada na Bíblia. Moisés argumentou: “Quando o Altíssimo distribuía as heranças às nações, quando dividia os filhos de Adão uns dos outros, pôs os termos dos povos, conforme ao número dos filhos de Israel” (Deuteronômio 32:8). Isaías falou de Ciro como alguém escolhido por Deus para libertar Israel do cativeiro babilônico (Isaías 45:1). Daniel enfatizou que Deus “muda os tempos e as estações; ele remove os reis e estabelece os reis” (Daniel 2:21). O apóstolo Paulo cria que a vinda de Jesus estava dentro do tempo prescrito por Deus na história (Gálatas 4:4). Ademais argumentou que o fim principal da existência nacional e individual sobre esta terra é um fim religioso: “E de um só, fez toda a geração dos homens, para habitar sobre toda a face da terra, determinando os tempos já dantes ordenados, e os limites de sua habitação, para que buscassem ao Senhor, se, porventura, tateando, o pudessem achar” (Atos 17:26, 27).

Deus e as nações

Outorgou Deus a toda nação e civilização um “tempo de graça”, uma oportunidade para buscá-Lo e achá-Lo? O comentário de Ellen White sobre o discurso de Paulo em Atos 17 não deixa margem para dúvida: “A cada nação que tem subido ao cenário da atividade, tem sido permitido que ocupasse seu lugar na terra, para que pudesse ver se ela cumpriria o propósito do `Vigia e Santo’. A profecia delineou o levantamento e queda dos grandes impérios mundiais — Babilônia, Média-Pérsia, Grécia e Roma. Com cada um destes, assim como com nações de menor poder, tem-se repetido a história. Cada qual teve seu período de prova, e cada qual fracassou; esmaeceu sua glória, passou-se-lhe o poder e o lugar foi ocupado por outra nação”.2

Considere Babilônia. Suas especulações religiosas levaram-na um lodaçal cada vez mais profundo de superstição e obscurantismo. Babilônia poderia ter conhecido a Deus. Com efeito, o Senhor até mesmo a colocou em contato com Seu povo durante o cativeiro. Mas Babilônia deixou de ver Deus agindo na história.

O Egito não apresenta um espetáculo melhor. A despeito do tremeluzir promissor nos dias de Ikhnaton, quando sua busca da verdade o levou à ideia de uma divindade suprema, o politeísmo crasso reteve o Egito cativo. Os poderosos sacerdotes de Amon em Tebas esmagaram as aspirações religiosas que brotavam na Era de Amarna. Por ocasião da morte de Ikhnaton a corte voltou para Tebas, e as intuições religiosas do rei não produziram fruto.

Por outro lado, a história mostra que “os períodos determinados” por Deus não foram inteiramente infrutíferos. Na Pérsia, no sétimo século a.C., Zoroastro distinguiu-se por intuições notáveis da verdade religiosa. Substituiu as pretensões conflitantes do politeismo persa pela crença em Ahura Mazda, o deus da verdade e da luz. O zoroastrianismo reconhecia uma luta prolongada na qual as forças do bem haveriam finalmente de prevalecer, no juízo final.

Ellen White, em perfeita harmonia com os escritores bíblicos, endossa a interpretação providencial da história: “Nos anais da história humana o crescimento das nações, o levantamento e queda de impérios, aparecem como dependendo da vontade e façanhas do homem. O desenvolvimento dos acontecimentos em grande parte parece determinar-se por seu poder, ambição ou capricho. Na Palavra de Deus, porém, afasta-se a cortina e contemplamos ao fundo, em cima, e em toda marcha e contramarcha dos interesses, poderio e paixões humanas, a força de um ser todo misericordioso, a executar, silenciosamente, pacientemente, os conselhos de Sua própria vontade. A Bíblia revela a verdadeira filosofia da história”.3

A história como o desdobramento da obra de Deus

Eusébio (c. 260-c. 340), bispo de Cesaréia e primeiro historiador da Igreja Cristã, argumentava que os fios emaranhados do passado humano poderiam ser tecidos num todo racional, se a história fosse vista como uma preparação para o evangelho. Somente assim poderiam as incongruências da história, com toda sua dor e esperanças não realizadas, ser interpretadas como fazendo sentido dentro de um plano divino. Buscando sua inspiração principal em Paulo, Eusébio reconheceu na história um desígnio reconhecível. Para ele, a história avançava não à deriva, mas na direção de um alvo escolhido por Deus.

Isso não significa que a história prova o papel divino nos acontecimentos humanos. Mas a história em sua marcha inevitável em direção de um alvo divino revela Deus ao olhar da fé, do mesmo modo que a natureza em toda a sua beleza e dor revela Deus ao olhar da fé. Há suficientes evidências da providência soberana de Deus na história para sustentar a fé, mas nunca tão esmagadoras a ponto de compeli-la. Assim a história faz sentido para o crente, enquanto permanece um enigma obscuro para o descrente.

A verdade da providência divina guiando o curso dos acontecimentos para um alvo escatológico é mais bem percebida quando uma multiplicidade de fatores é vista contribuindo para o cumprimento do propósito divino. Assim o apóstolo Paulo escreve da “plenitude do tempo” como o momento crítico quando “Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para remir os que estavam debaixo da lei” (Gálatas 4:4 e 5). O clímax na história da redenção não podia vir antes de as condições preparatórias terem-se cumprido. O apóstolo poderia ter em mente o cumprimento de uma profecia como a de Daniel 9:24-27. Mas certamente algo mais estava incluído sob a “plenitude do tempo”. Uma série de eventos estava abrindo o caminho para a vinda do Messias: a unificação do mundo antigo que se seguiu às vitórias de Alexandre (336-323 a.C.); a difusão da língua e ideias gregas até às fronteiras da Índia; língua e cultura comuns criando uma “vila global”; e a crescente maldade da natureza humana clamando por libertação.4

Quando o império romano absorveu o mundo helênico, a perícia romana em matéria de jurisprudência e administração territorial impôs ordem e segurança dentro de suas fronteiras. O poderio romano também abriu as artérias de comércio e construiu uma rede de estradas internacionais. A navegação no Mediterrâneo tornou-se muito mais segura pela eliminação efetiva da pirataria.

Outro fator da “plenitude do tempo” que facilitou a disseminação do evangelho foi a ubiquidade da diáspora judaica. Comerciantes judeus e sinagogas se encontravam nas maiores cidades do império romano. As sinagogas atraíam muitos gentios, impressionados com a fé monoteísta dos judeus e suas normas morais elevadas, que contrastavam com as dos gentios. Estes prosélitos, já familiarizados com os ensinos do Velho Testamento, eram muito mais facilmente persuadidos a abraçar a mensagem cristã, como o Livro de Atos claramente indica.

Que um fator histórico pudesse favorecer o avanço do reino de Deus na terra não levaria muita força persuasiva per se. Mas quando vários fatores convergem na mesma direção, o ceticismo pareceria injustificado.

A Reforma na providência divina

Outro acontecimento importante com tremendas consequências para a história da religião foi a Reforma Protestante do século dezesseis. Ela também apresenta evidências da direção divina no processo da história. Tendências preparatórias convergiram para fazer daquela revolução um sucesso — sucesso difícil de imaginar nos séculos precedentes. Cinco destas tendências podem ser facilmente identificadas:

1. O feudalismo estava perdendo sua influência sobre a vida econômica da Europa Ocidental. À medida que as cidades floresciam e reivindicavam seus direitos na arena política, tornando-se a agricultura menos influente e o feudalismo declinando aos poucos, os indivíduos tornaram-se mais livres para determinar seu destino político e religioso.

2. Os monarcas reinantes da França, Inglaterra e Espanha estavam ganhando vantagem na luta contra os senhores feudais e a igreja. Havia um descontentamento crescente com a interferência da igreja nos negócios do Estado. As nações se ressentiam cada vez mais e resistiam à drenagem de recursos pela cúria papal.

3. Os assim-chamados concílios reformadores de Constança (1414-1418) e Basiléia (1431-1449) fracassaram em sua tentativa de reformar um papado recalcitrante, e o fato de haver vários papas rivais ao mesmo tempo — certa vez houve três papas simultaneamente — contribuíram para a perda do prestígio papal. A autoridade universal de um papa como Inocêncio III era coisa do passado.

4. A Renascença, primeiro na Itália, e mais tarde por toda a Europa Ocidental, com sua admiração pelas riquezas da civilização greco-romana e sua divisa “de volta às fontes”, encorajou ao mesmo tempo o estudo das fontes cristãs. A Bíblia e a literatura patrística foram estudadas como nunca dantes, e isso demonstrou a discrepância entre a religião bíblica e as distorções que ela sofreu durante a Idade Média. Escritores como Erasmo clamavam por uma reforma “da cabeça aos pés”.

5. A invenção da imprensa por Gutenberg (c. 1450) aumentou a compra de livros, especialmente da Bíblia, pelo povo comum. Entre 1450 e 1500, por exemplo, mais de 92 edições da Bíblia Vulgata já tinham saído do prelo. As 95 teses de Lutero foram difundidas pela Europa em tempo relâmpago.

A convergência destas tendências abriu o caminho para o sucesso da Reforma Protestante. Não sugere isso a direção divina nos negócios das nações? Uma filosofia tal, melhor do que qualquer outra, apela ao estudante imparcial da história. O desenrolar dos acontecimentos pode parecer lento ao estudante casual, “Mas como as estrelas no vasto circuito de sua indicada órbita, os desígnios de Deus não conhecem adiantamento nem tardança”.5

A história permanece trágica porque a alienação humana de Deus não pode ser vencida por um fiat divino. Algumas tragédias consternadoras, tais como tiranias monstruosas ou genocídios bárbaros, nunca serão explicados por seres humanos aquém do Juizo final. Embora trágica, a história — mesmo a história secular — é parte de um desígnio universal. Deus dá aos seres humanos a liberdade de escolher e de agir, mesmo contra Sua vontade.

História, igreja e liberdade

A história não é inconsequente ou sem significado. Embora a presença divina no processo histórico esteja envolta em mistério, vislumbres da intervenção divina nos são dados para tornar o ponto de vista bíblico crível. Destas indicações, nenhuma é mais significativa do que o plano redentor de Deus. Ancorado na história, o evento chamado Cristo faz com que toda a história revele um desígnio providencial.

As tragédias da história são o resultado da luta humana para afirmar-se, e não deviam cegar-nos à evidência de que Deus exerce sua soberania sobre a marcha dos acontecimentos. Como resultado, a missão da igreja como a proclamadora da redenção assume um significado especial. Sua missão seria frustrada se não houvesse um clima de liberdade permitindo que homens e mulheres façam sua decisão espiritual sem constrangimento externo.

Por conseguinte, todo progresso na direção de maior liberdade política e religiosa torna-se uma evidência do intento divino de proporcionar um clima melhor para decisões cristãs genuínas. No cenário das decisões morais, a história deve cercar-nos com uma medida de liberdade. Através de uma providência orientadora, Deus age no sentido de preservar e expandir as áreas de liberdade. Inverter esta tendência seria derrotar Seu propósito redentor.

Alguns estudiosos têm advogado uma filosofia determinista da história, como se os acontecimentos seguissem uns aos outros numa cadeia de conexões causais, idêntico à cadeia de causa e efeito que opera na natureza. Mas como Isaías Berlin escreve: “A evidência para um determinismo cerrado não existe”.6 Se houvesse, as leis de causação histórica teriam sido descobertas há muito tempo.

O ponto de vista bíblico da história rejeita o determinismo, por minar a responsabilidade pessoal, elemento básico da compreensão bíblica do ser humano como um agente moral livre. Também rejeita a opinião de que a história é completamente indeterminada — que ela não apresenta nenhum plano reconhecível. A opinião mais consentânea com a perspectiva bíblica é que a história reflete, embora obscuramente, o propósito eterno de Deus.

História e o propósito eterno de Deus

Uma ilustração simples pode esclarecer como a liberdade humana e a soberania divina podem coexistir. Imagine um navio cheio de passageiros pronto para partir, rumo a um destino conhecido só do capitão. A direção geral do navio, ao cruzar o oceano, está sob o controle do capitão. Ele sabe qual é o porto de destino e a melhor rota para alcançá-lo. Ao mesmo tempo, os passageiros a bordo estão livres para mover-se e agir à vontade. O controle que o capitão exerce sobre o navio não interfere na liberdade relativa dos passageiros. Assim, o navio da história avança sob a direção divina, com bastante liberdade para que cada um faça suas escolhas pessoais. A Providência faz uso de diferentes alternativas para dirigir a sequência de acontecimentos de acordo com Seu plano. Esta soberania divina é admissivelmente discreta, de modo a não frustrar a liberdade humana por um lado, e por outro não privar a necessidade de cada qual andar pela fé.

Há naturalmente historiadores que não se alinham nem com a posição determinista nem com a providencial da história. Quando confrontados com um desfecho inesperado num enredo complexo, eles não têm outro recurso a não ser apelar para a “concorrência fortuita de fatores aleatórios”. Mas introduzir um historiador a “sorte” ou um acidente como explicação é confessar ignorância da causa real.

As especulações sobre os “se” da história são estéreis, exceto para enfatizar o elemento de contingência na história. Às vezes, o que ocorre parece ser mera casualidade. Se não tivesse chovido na manhã da batalha de Waterloo, a artilharia de Napoleão poderia ter manobrado de modo mais vantajoso, e a derrota convertida numa vitória. O cristão substitui “sorte” ou “acidente” por “providência”, e argumenta que a providência divina reúne as alternativas apropriadas de modo a produzir o melhor resultado coerente com o plano divino.

Harris Harbinson, professor de História na Universidade de Princeton, resume de modo elegante o ponto de vista cristão: “Onde os materialistas só veem um processo cego, onde o racionalista vê progresso evidente, ele verá a providência — um prover divino tanto nas decisões conscientes como nos resultados inesperados da história, um propósito parcialmente revelado e parcialmente oculto, um destino que é religioso no sentido mais profundo da palavra, no qual a liberdade humana e a direção divina completam-se de modo misterioso”.7

Siegfried J. Schwantes (Ph.D., The Johns Hopkins University), nascido no Brasil, ensinou história da igreja em muitas instituições educacionais e escreveu The Biblical Meaning of History (Mountain View, Calif., Pacific Press Publ. Assn., 1970). Seu endereço: 10613 Meadowhill Rd.; Silver Spring, Maryland 20901-1527; E.U.A.

Notas e referências

Ellen G. White, Educação (Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1977), pág. 173.

Ibidem, pág. 176.

Ibidem, pág. 173.

Ver Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações (Santo André, SP: Casa publicadora Brasileira, 1977), págs. 32-34.

Ibidem, pág. 32.

Isaiah Berlin, Historical Inevitability, citado em S. J. Schwantes, The Biblical Meaning of History (Mountain View, Calif.: Pacific Press Publ. Assn., 1970), pág. 32.

E. Harris Harbison, “The Marks of a Christian Historian”, em C. T. McIntire, ed., God, History, and Historians (New York: Oxford University Press, 1977), pág. 354.