Teologia

quarta-feira, 22 de março de 2023

A EQUIVOCADA CONCEPÇÃO FILOSÓFICA DE KARL MARX ACERCA DA RELIGIÃO


 Ricardo André

Karl Marx (1818-1883), foi um grande filósofo e sociólogo do século XIX, cujas ideias revolucionaram o pensamento filosófico, rompendo barreiras e desvelando as contradições do modo de produção capitalista, que é baseado na exploração do homem pelo homem. Em sua análise, mostrou que o sistema capitalista é perverso e injusto, pois perpetua a exclusão e a miséria entre milhões de pessoas no mundo enquanto alguns ricos burgueses esbanjam muito mais do que precisam para viver. E essa exploração da classe trabalhadora (classe dominada) por parte da burguesia (classe dominante) é o único meio desta lucrar.

Ainda segundo Marx, nesse tipo de sociedade os trabalhadores precisam se submeter à burguesia. Recebem um salário e, em troca, sua capacidade de trabalhar fica à disposição do patrão. O patrão procura explorar o máximo essa capacidade de trabalho. Desse modo, o valor do trabalho realizado pelo operário acaba sendo maior do que o salário que recebe. Tudo o que o proletário produz além do valor do seu salário é embolsado pelo patrão. O valor da produção excedente é a origem do seu lucro. Marx chama essa diferença de mais-valia. O fato dos trabalhadores não possuírem quase nada está relacionada justamente a essa exploração capitalista. O produto do trabalho de milhões de homens e mulheres vão de graça para a burguesia. O capital acumulado é o resultado do trabalho não-pago. Dessa maneira, trabalhadores e capitalistas estão em classes opostas: o ganho de um representa a perda para o outro. Essa é, para a teoria marxista, a essência da luta de classes (materialismo dialético): o capitalista ganha à medida que o trabalhador perde.

Ele defendia a ideia de que a emancipação dos proletários seria obra dos próprios proletários. Eram eles que deveriam conduzir a transformação na sociedade, em um movimento até o comunismo.

Acreditava ainda que isso seria inevitável. A vitória dos trabalhadores colocaria um fim ao capitalismo que estava sendo moldado e continua sobrevivendo até os dias de hoje. Se autodestruindo, o sistema seria substituído pelo socialismo, e, depois, finalmente, pelo comunismo.

Tenho total concordância com o conjunto de análise científica que Marx faz do modo de produção capitalista. Nós, trabalhadores e trabalhadoras compreendemos perfeitamente essa análise porque ele fala justamente, em termos científicos, da realidade cotidiana com a qual nós lidamos, que é a exploração capitalista de que somos objeto. Todavia, com profundo respeito a Marx e a todos os marxistas, quero discordar da sua concepção filosófica a respeito da religião.

A equivocada visão materialista ateísta de Marx

Como é sabido por todos, Karl Marx era materialista, ou seja, para ele, não há nada além da matéria e da energia; não há Deus (ou deuses) e não há ações sobrenaturais. Portanto era ateu. Acompanhando os pensamentos de Ludwig Andreas Feuerbach (1804-1872), acreditava que Deus e a religião não passavam de meras projeções humanas. Afirmou que a religião havia sido inventada como uma forma de reagir contra o sofrimento e a injustiça do mundo, os pobres e oprimidos tinham criado a religião para imaginar que teriam uma vida melhor após a morte. Servindo como uma forma de “ópio”, uma maneira de escapar da realidade. Portanto, para ele, o ateísmo é um postulado evidente. Tanto é assim que ele escreveu: “A miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da miséria real e o protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração, assim como o espírito de estados de coisas embrutecidos. Ela é o ópio do povo.” (“Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, ed. Boitempo, p. 145). Ele ainda vislumbrava a possibilidade do desaparecimento do sentimento religioso com a eliminação da alienação, numa sociedade despojada da exploração do homem pelo homem e livre do trabalho alienado, ou com a construção do socialismo. Em outras palavras, com o fim da desigualdade social e da exploração capitalista o homem não sentiria mais necessidade da religião no sentido de encontrar nela alento, pois a miséria deixaria de existir. Ela ia desaparecer naturalmente.

Nesse aspecto, marxistas e cristãos estão em campos opostos. Enquanto se percebe toda uma ontologia que se encontra à base do marxismo, de que não há um Deus que criou o mundo, acreditamos que há algo além da matéria, que há uma realidade transcendental. Nele, há um Deus amoroso que habita no Céu, e que criou o mundo e os vários seres vivos em seis dias por meio do poder de Sua palavra há alguns milhares de anos (Gn 1:1; Jo 1:1-4). Essa fé está baseada em uma confiança na Bíblia Sagrada, revelação desse Deus maravilhoso, que se relaciona com seus filhos.

Antes de avançarmos na análise da visão materialista ateísta desse renomado pensador, é importante ressaltar que, embora Marx tenha negado a existência de Deus e a religião como forma de ligação com esse Deus, reconhecemos a contribuição do marxismo, como método de análise, na produção de conhecimento filosófico, histórico e sociológico na atualidade. Indubitavelmente, Marx foi um pensador de máxima envergadura, brilhante em suas análises e que revolucionou o pensamento filosófico, rompendo barreiras e desvelando a forma de organização de nossa sociedade. O conjunto de suas análises do modo de produção capitalista continuam válidas. Afinal, o sistema capitalista permanece, e como consequência, permanece também ainda hoje a exploração das camadas mais pobres pelas camadas mais ricas da sociedade. Suas ideias continuam inspirando aqueles que acreditam que é possível construir um mundo melhor, livre da exploração capitalista.

Todavia, como cristãos, não podemos endossar todas as formas de pensar e escrever de Marx, ainda que a essência de suas ideias seja boa e bem fundamentada cientificamente. A Bíblia Sagrada não sugere censura. Ela recomenda o discernimento espiritual. É o que recomenda o apóstolo Paulo: “Examinem tudo, fiquem com o que é bom” (1Ts 5:21, NTLH). Ao encorajar o livre exame das coisas, Paulo acrescenta um conselho: o de ficar com o que é bom. É exatamente o que os cristãos progressistas fazem em relação ao marxismo, examinam seus postulados e suas ideias. Aquilo que não é bom, por conflitar com sua cosmovisão, que é baseada na Bíblia Sagrada, lançam-no fora. Porém, aquilo que é bom no marxismo abraçam, sem, contudo, abandonar um ponto sequer da fé.

Continuemos. Para o cristão não há, é claro, nenhum argumento final e racional que possa provar, por si mesmo, a existência de qualquer coisa no âmbito espiritual. Daí em diante, é a fé! Ele deposita a sua confiança nas Sagradas Escrituras – não na mera observação humana – como a expressão máxima da verdade. “Pela fé entendemos que o universo foi formado pela palavra de Deus, de modo que o que se vê não foi feito do que é visível” (Hebreus 11:3).

Quando a disciplina da ciência se abre para algo mais do que aquilo que é meramente materialista, então as respostas invisíveis para as principais questões começam realmente a entrar no foco. Foi nestas palavras que o apóstolo Paulo escreveu: “Assim, fixamos os olhos, não naquilo que se vê, mas no que não se vê, pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno” (2 Coríntios 4:18).

Podemos, então, provar a existência de Deus? Não, somos incapazes de prová-la. Mas, também a ciência não pode refutá-la. A questão de capital importância é: Para onde apontam as evidências? Temos evidências suficientes para crer em Deus. O rei Davi declarou: “Os céus declaram a glória de Deus; o firmamento proclama a obra das suas mãos” (Sl 19:1, NVI). E o próprio Deus nos desafia: “Ergam os olhos e olhem para as alturas. Quem criou tudo isso?” (Is 40:26, NVI). Se “os céus declaram a glória de Deus e o firmamento proclama a obra das Suas mãos”, como canta o salmista, então o estudo do Céu [no sentido espiritual], dos céus e da natureza, iluminará a nossa compreensão do próprio Deus, de Seu caráter, bondade e poder.

Por exemplo, nos últimos 20 anos, cada vez mais evidências da astronomia, da astrofísica e de diferentes campos da biologia sugerem fortemente que muitas estruturas complexas no universo físico e biológico devem ter sido projetadas. A complexidade do Universo e da vida, bem como a exata adequação do nosso Universo para a vida ganhou admiração de cientistas e levou muitos deles a comentar que ele parece ter sido projetado por um ser inteligente. O mundo também deve ter sido planejado sabiamente para que a vida existisse. A variação de temperaturas deve ser compatível com a vida. Por isso, a distância do Sol, a velocidade de rotação e a composição da atmosfera devem estar em equilíbrio. Muitos outros detalhes do mundo devem ter sido cuidadosamente projetados. Na verdade, a sabedoria de Deus é revelada no que Ele criou.

A convicção de que Deus é o Autor da criação e a crença na racionalidade de Deus levaram muitos cientistas em séculos passados – e ainda levam muitos no presente – à cuidadosa observação e experimentação, a fim de compreenderem a estrutura e o funcionamento do mundo criado. A revista Diálogo Universitário v. 7, Nº 3, de 1995, traz uma interessante matéria sobre diversos cientistas do passado e do presente que foram e são cristãos, a exemplo de Werner von Braun. Ele era “alemão, o engenheiro de foguetes, foi diretor do Centro Marshall de Voo Espacial na década de 60. No prefácio de um livro ele diz: “Acho tão difícil compreender um cientista que não reconhece a presença de uma razão superior atrás da existência do Universo como compreender um teólogo que nega os avanços da ciência. E certamente não há razão científica pela qual Deus não pode reter a mesma relevância em nosso mundo moderno que Ele tinha antes de começarmos a perscrutar sua criação com telescópio, ciclotron e veículos espaciais”. [...] Num livro recente, 60 cientistas de renome, incluindo 24 que receberam o prêmio Nobel, responderam a perguntas sobre ciência e Deus. Um deles é Arthur Schawlow, professor de física na Universidade de Stanford, e detentor do prêmio Nobel em 1981. Ele diz: ‘Parece-me que quando confrontado com as maravilhas da vida e do Universo, a gente precisa perguntar por que e não apenas como. As únicas respostas possíveis são religiosas.... Acho necessidade de Deus no Universo e em minha própria vida’” (p. 8-10).

As descobertas na natureza levam os ateus a concluírem que o acaso, os longos períodos de tempo e a seleção natural são capazes de produzir qualquer coisa, ao passo que os cristãos podem concluir que a causa final de tudo é o Deus Criador.

Em relação a fala de Marx acerca da religião, para não se incorrer em erros de descontextualização das afirmações, se faz mister conhecer o contexto político em que estava inserido o jovem Marx para entender essa afirmação tão incisiva contra a religião. À época, a religião na Alemanha estava a serviço do Estado. E a elite dominante instrumentalizava a religião para conformar as pessoas (os dominados) a diferentes formas de opressão política e/ou econômica. Os líderes religiosos ensinavam os fiéis a se conformarem com a pobreza e a miséria, com aquela ordem vigente, marcada pela exploração capitalista, impedindo desse modo que o povo se organizasse para reivindicar melhores condições de vida, melhores salários. Esse alinhamento político das igrejas cristãs com as classes socialmente dominante levou Karl Marx e outros socialistas a considerarem a religião como adversárias ideológicas dos trabalhadores. Por conta da sua condição de instrumento de conformação (e por consequência, de sujeição), a religião foi, então, metaforicamente caracterizada por Marx como um ópio, um mecanismo de alienação dos dominados. Portanto, quando Marx disse que “a religião era o ópio do povo”, ele se referia a essa religião criada pela elite social, alienante, que levava (e leva) o povo à aceitação das desigualdades e à passividade diante das injustiças. Penso que se as igrejas da Alemanha daquele período não estivessem a serviço da burguesia e estivesse do lado dos oprimidos, talvez Marx não teria formulado essa declaração.

Em seu artigo “A religião é o ópio do povo”, publicado no Blog Ativismo Protestante, o filósofo e poeta Felipe Catão torna mais clara essa frase de Marx e seus desdobramentos, à luz de seus contextos histórico, social e político:

"O ópio, naquele século, era um narcótico que a Companhia Britânica das Índias Orientais contrabandeava às toneladas da Índia para a China, com a intenção de contrabalancear o comércio entre o Reino Unido e a China. O interesse pelos produtos chineses (chá, seda, porcelana) era enorme, ao passo que os chineses pareciam se interessar por único produto – o ópio. A menção ao ópio é como uma metáfora, pois o cerne da questão é a exploração dos mais pobres pelos mais ricos – nesse caso, os chineses (mais pobres), o Reino Unido (mais ricos). Para Marx, a religião servia para aliviar a vida dos explorados, que se apegavam a ela como uma compensação (o sofrimento religioso compensa o sofrimento real). Havendo um sociedade sem exploradores e explorados, a religião deixaria de existir, segundo Marx. A proposta de Marx era para que a classe operária saísse do seu entorpecimento e rompesse com o círculo de exploração do seu trabalho, e que reivindicasse o que era seu de direito: o controle do seu trabalho e a posse de seus frutos como propriedades legítimas; que abandonassem a felicidade ilusória, proporcionada pela religião, e tomassem posse da felicidade real. E isso somente poderia ser conquistado com a luta de classe e com a revolução. De outro modo, os ricos e poderosos jamais iriam renunciar ao seu papel de explorador. Colocando a frase (“a religião é o ópio do povo”) dentro do seu contexto histórico-sócio-político, a crítica de Marx visava atingir as religiões dominantes de então, que não só comungavam, mas colaboravam diretamente com as classes dominantes e com os exploradores da classe trabalhadora. Religiosos exaltavam e enalteciam a experiência religiosa como a realização fundamental terrena do ser humano, negando a eles o direito à luta de classes e a prática revolucionária, como que condenando a classe operária às privações sem o direito de aspirar à vida digna.”

A religião como criação divina

Diferentemente do que pensava Marx a respeito da religião, as Sagradas Escrituras revelam que a religião tem sua origem em Deus, o Criador. Em Eclesiastes 3:11, Salomão fala de forma enfática que “Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo; também pôs a eternidade no coração do homem, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o princípio até ao fim”. Segundo o texto bíblico, na criação, Deus colocou no coração do homem a eternidade, algo eterno, algo maior do que tudo que pensamos ou fazemos ou planejamos. O que significa isso? Isso quer dizer que, como Deus pôs no coração do homem o anseio pelo infinito, logo as coisas finitas não podem em toda a sua plenitude preencher o coração do homem. Isto é notório na sociedade como um todo. De acordo com as Sagradas Escrituras, fomos feitos à imagem de Deus (Gn 1:26, 27). Logo, fomos dotados por Deus de uma faculdade espiritual. Nascemos com o desejo nato de adorar alguém ou a algo. Por isso, que em todas as civilizações antigas que temos conhecimento possuem um traço em comum: a religião. Desde as comunidades mais primitivas até as sociedades mais desenvolvidas, todas tinham religião, (e até hoje as nações e regiões se fundam em princípios religiosos, mesmo que minimamente) sejam elas cultos e divinizações dos elementos da natureza ou religiões organizadas com deuses complexos. Nessa mesma linha de raciocínio, a Nova Enciclopédia Britânica diz que “até onde os peritos conseguiram descobrir, jamais existiu um povo, em qualquer parte, em qualquer tempo, que não fosse de algum modo religioso”.

No nosso entendimento, isso representa uma clara evidência de que o homem é um ser essencialmente espiritual. Temos uma necessidade interna de nos relacionarmos com Deus, implantada nele pelo próprio Deus. Uma vez que o desejo de cultuar a um deus está arraigado no homem, independentemente de sua condição social ou de sistema socioeconômico em que se viva, o homem sempre sentirá no recôndito de seu coração o desejo de se relacionar com Deus. Faz parte da sua natureza, da sua essência humana relacionar-se com Deus. Por isso, não acredito na previsão do Marx de que, com o fim das desigualdades sociais e da miséria o homem não sentiria mais necessidade da religião. Ledo engano!

Arriscaria dizer que, numa sociedade comunista, livre da exploração capitalista, como idealizada por Marx, as religiões ainda estariam entre nós, o homem continuaria sentido a necessidade de comunicar-se com Deus. Tanto é assim, que a inglória tentativa de suprimir a religião pelos governos socialistas da ex-URSS e dos países do Leste Europeu fracassou. Não obstante as perseguições ao cristianismo e a outras formas de crenças religiosas, milhares de pessoas nesses estados continuaram praticando a religião de forma privada. Na realidade, nenhum sistema socioeconômico tampouco a ciência irá destruir a religião. E isso tem a ver com a natureza essencialmente espiritual do homem. Mesmo hoje, vivendo numa sociedade onde o nível de vida é elevado, com menor exploração capitalista, as pessoas continuam com alguma prática religiosa, e, se o homem consciente e persistentemente, não cultivar esta profunda espiritualidade resultará num vazio do coração humano. Esse vazio é sentido por pessoas que vivem tanto em países ricos como em países pobres. Assim, não há relação consistente entre o elevado padrão de vida, a ausência da miséria, o grau de progresso científico e um nível menor de influência, crença e prática religiosa.

Se há homens e mulheres, como os marxistas, que adotam uma postura de indiferença ou até de contraposição à religião é por causa da cultura materialista em que estão inseridos, à qual lhes leva a ter uma ideia deformada de Deus e da realidade. Porém, as causas últimas disso seria a falta de esforço intelectual e de retidão da vontade, potencialidades humanas que devem estar abertas à verdade e a beleza de Deus, claramente reveladas na criação (Rm 1:20).

Cabe aqui dizer que, ao advogarmos a ideia da necessidade natural que o homem possui de relacionar-se com Deus e se contrapor a ideia de Marx de que a religião é uma projeção da mente humana e que esse ser humano gera a religião conforme suas demandas, não significa jamais que defendemos que os cristãos ou os praticantes de outras confissões religiosas sejam alienados e propaguem pensamentos do tipo: “a injustiça, as desigualdades sociais e a fome existem pela vontade de Deus” ou “Deus quis que isso acontecesse”, fazendo com que a pessoa se distancie do contexto histórico, político, social e econômico em que vive e legitime a injusta ordem social. Os cristãos, por exemplo, precisam romper com o processo de alienação. Como luz e sal da Terra (Mt 5:13-16), eles podem e devem dá sua contribuição na construção de um mundo com mais justiça social e mais fraterno, através das várias expressões do agir político – seja no sentido amplo, seja na militância partidária ou num movimento social. Isso não compete com a autoridade da Palavra de Deus, como querem alguns. Ao contrário, está em harmonia com a Bíblia. No passado, movido pelo chamado de Deus e pela compreensão de que Ele deseja a justiça, os profetas ousaram ser a voz dos oprimidos (Is 1:17, 23 e 24; Mq 6:8; Ez 16:49).

Ao estudarmos o Antigo Testamento descobrimos que uma vida em comum-unidade com os outros, sem a propriedade privada, a exploração e a desigualdade social era o ideal de Deus para Israel. Após libertar os hebreus da escravidão egípcia, depois de 400 anos de opressão, Deus queria estabelecer um novo tipo de sociedade com eles, que fosse uma sociedade justa e sem opressão (Êx 22:21-23; 23:9). Para a realização desse projeto Deus estabeleceu diversas leis e mandamentos. “Entre essas leis, destacava-se a preocupação com os concidadãos nessa nova sociedade, bem como o cuidado com os estrangeiros e os mais vulneráveis. Essas pessoas não deveriam ser exploradas” (Lição da Escola Sabatina, 3º Trim. 2019, CPB, ed. do Professor, p. 22). Mas, infelizmente, cedo a nação israelita afastara-se do ideal de Deus para ela. As estruturas econômicas e políticas foram transformadas, tornando-se menos participativas levando à exclusão. Formaram-se grupos sociais que enriqueceram a partir da exploração dos outros, provocando o surgimento de pobres explorados e oprimidos.

No capítulo 1 do profeta Isaías, podemos ver evidências do estado apóstata, rebelde e corrupto de Israel, com somente uns poucos permanecendo fiéis. Os líderes do professo povo de Deus, estavam tirando vantagem dessas classes desafortunadas e se enriquecendo às suas custas. Era dever daqueles que amavam a Deus, corrigir isso. Os opressores deveriam ser refreados, e os pobres, desafortunados e oprimidos precisavam ser libertados. O Senhor chama Israel ao arrependimento e a praticar obras dignas. Entre outras coisas Ele pede: “Aprendam a fazer o bem! Busquem a justiça, acabem com a opressão. Lutem pelos direitos do órfão, defendam a causa da viúva” (Isaías 1:17). Se fizerem, o Senhor promete remissão dos pecados e perdão.

Nesse contexto, ao longo dos reinados de Israel e Judá, além do profeta Isaías, Deus enviou diversos outros profetas para denunciar e advertir o pecado da injustiça contra os oprimidos, bem como para lembrar aos líderes e ao povo suas responsabilidades para com os excluídos. “Embora pareça que os israelitas não conseguiram viver o projeto de uma sociedade justa e generosa, a comunidade da igreja primitiva levou a sério a ordem de que não deveria haver pobres entre eles (Dt 15:4). Uma das expressões práticas de sua fé foi compartilhar seus recursos materiais, até mesmo vendendo terras doando o valor recebido (veja At 4:34-5:2) a fim de atender aos que não faziam parte daquela nova comunidade [...]” (Lição da Escola Sabatina, 3º Trim. 2019, CPB, ed. do Professor, p. 111).

Sobre isso, a escritora cristã norte-americana Ellen G. White escreveu: “Contra a indisfarçada opressão, a flagrante injustiça, o luxo inusitado e extravagante, despudorados banquetes e bebedeiras, a grosseira licenciosidade e deboche de seu tempo, os profetas ergueram a voz; mas seus protestos foram vãos, em vão foi a denúncia do pecado”. (WHITE, Ellen G. Profetas e Reis. Tatuí, SP: CPB, 2007.  p. 282).

Como se vê, o ideal de sociedade projetado pelo próprio Deus, é uma sociedade justa, igual e sem opressão. Portanto, não vemos nenhuma contradição em um cristão pretender uma sociedade que não se funda na exploração de uma classe por outra, prática pecaminosa, inclusive denunciada pelos antigos profetas hebreus. Ao contrário do que dizem muitos cristãos direitistas de que um cristão não pode ser de esquerda, que isso significa negar a fé, ao defender uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária não o afasta da “fé que uma vez por todas foi entregue aos santos” (Judas 3), uma vez que toda a Bíblia revelam que essa era a experiência que Deus queria que Seu povo vivenciasse. Acreditamos profundamente que Deus ainda hoje pede que busquemos a justiça social e lutemos contra a opressão e pelos direitos dos pobres e excluídos. Como cristãos, antes que Cristo Jesus volte em glória e majestade para estabelecer seu reino de justiça, devemos promover as mudanças sociais que refletem os valores e ensinamentos de Jesus.

Indubitavelmente, uma “insatisfação divina” permeia a experiência humana, o que nos leva a indagar se existe alguma coisa capaz de satisfazer a busca do homem pela satisfação dos desejos do seu coração. O ser humano está numa constante busca pela realização. Há em nós uma sensação de incompletude. Isso é inegável. Esse fenômeno é um fato conhecido e discutido desde o início da história da filosofia. Platão, um dos grandes filósofos gregos da antiguidade, em um de seus diálogos (Górgias, 492b-d) compara os seres humanos a jarros que estão vazando. De algum modo, estamos sempre incompletos. Podemos despejar coisas nos recipientes de nossa vida, mas há algo que impede que o jarro fique cheio. Estamos sempre parcialmente vazios e, por esse motivo, temos uma consciência profunda de falta de completude e de felicidade.

Aristóteles, discípulo de Platão, afirmou que “Todos os homens aspiram à vida feliz e à felicidade, esta é uma coisa manifesta”. O fato a ser observado é que a felicidade e satisfação pessoal é a grande aspiração do ser humano. Porém esse desejo não é o problema, mas o fato dos homens buscarem nos lugares errados.

A igualdade social, o avanço científico e tecnológico não resolveu, nem resolverá jamais, o problema existencial do ser humano – essa sensação de que sempre há algo faltando, mesmo depois de termos concretizado nossos sonhos. Sempre queremos mais e queremos coisas diferentes. Parece-nos então que nada que seja finito é capaz de satisfazer o profundo anseio que sentimos dentro de nós. Muitos se matam, e muitos outros estão sofrendo de depressão, stress, insônia, alcoolismo. Hoje há fobias de todos os tipos. A ansiedade é um mal generalizado. Isso tudo claramente aponta para um sentimento de vazio no ser humano.

“Nas profundezas da alma humana se acha implantada a inquietação pelo futuro. Essa percepção do infinito no tempo e no espaço produz insatisfação com a natureza transitória das coisas desta vida. É o plano de Deus que o homem perceba que o atual mundo material não constitui o centro de sua existência. Ele se acha ligado a dois mundos: fisicamente a este mundo, mas mental, emocional e psicologicamente ao mundo eterno” (Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, v. 3, 1075).

Certa vez, Santo Agostinho escreveu que cada um de nós tem dentro de si um espaço vazio deixado por Deus. Você pode tentar preencher esse vazio com qualquer coisa que existe no mundo, mas nunca vai conseguir, pois é imenso, infinito como Deus, e só Ele pode preencher. Ele escreveu: “Criaste-nos para Ti, e nosso coração permanece intranquilo até que encontre paz em Ti”.

Os seres humanos têm tentado de tudo, na ânsia de preencher esse vazio cavado por Deus. Diz C. S. Lewis: “O que Satanás pôs na cabeça de nossos primeiros pais foi a ideia de que eles poderiam ser como Deus, como se fossem independentes e tivessem vida em si próprios; que eles poderiam inventar algum tipo de felicidade sem Deus. E dessa tentativa infrutífera surgiu quase tudo na história humana – riqueza, pobreza, ambição, guerras, prostituição, classes, impérios, escravidão – a longa e terrível história do homem tentando achar outra coisa, menos Deus, para fazê-lo feliz. E por que isso nunca deu certo? É porque Deus nos criou, nos inventou, um como um fabricante inventa uma máquina. Se um veículo é fabricado para ser movido a óleo diesel, ele não vai funcionar direito com outro combustível. E Deus criou a máquina humana para se mover nEle. Ele é o combustível que nos faz agir, o alimento do qual precisamos para nos nutrir. Não há outro”.

A resposta para o vazio não é encontrada em nós mesmos tampouco no ateísmo, porque como disse o personagem do escritor russo de pequenas estórias, Fyodor Mikhaylovich Dostoyevsky, Príncipe Mishkin, na obra O Idiota: “O ateísmo não proclama nada”. O preenchimento do vazio existencial não é encontrada no dinheiro. Podemos conquistar fortunas incalculáveis, e ainda que fosse possível conquistar o mundo todo, restaria sempre a ânsia de novas e maiores aquisições, nessa sede insaciável de preencher o vazio infinito do coração. O magnata Rockfeller disse: "Juntei milhões, mas eles não me trouxeram felicidade". Não é encontrada no poder. Alexandre, o Grande chorava após derrubar seus inimigos e dizia desconsolado: "Não há mais mundos para conquistar". Não é encontrada nos prazeres terrenos. O escritor pornográfico Lord Byron disse antes de morrer: "Tudo que me restou agora foram vermes, câncer e ressentimento". Por outro lado, Deus tem preenchido milhões de pessoas no correr da História, entre as quais eu me incluo.

Muitos povos achavam que eram espertos demais para precisar de Deus. Pensavam que poderiam preencher esse vazio infinito com poder, diversão, sexo ou malas cheias de dinheiro. Mas nunca conseguiram.

Amigo, talvez você esteja lutando com dúvidas a respeito da existência de Deus. Suas dúvidas são a fonte de um continuo desejo de conhecer a Deus e estar em harmonia com Ele. Como o homem na narrativa do evangelho clame: "Eu creio; ajuda-me a vencer minha incredulidade!" (Marcos 9:24). Talvez você também sinta dentro de si esse vazio. Não perca tempo e esforço tentando preenchê-lo com trabalho, estudo, consumismo, filosofias, sexo, divertimentos, relacionamentos pessoais, viagens. Você poderá conseguir distrair-se por algum tempo, mas quando a sua máquina começar a engasgar e a tossir, por ter usado combustível errado, você vai ter de parar e pensar que a única solução é nEle viver, se mover e existir (At 17:28).

Para além do “ópio” de Marx, nossa religação com Deus é a chave para o mistério dos mistérios, o significado da vida. Ao longo dos séculos as pessoas se perguntaram: Por que estamos aqui? Para viver só pouco tempo, tirar da vida o máximo proveito que pudermos e depois morrer? Para onde vamos realmente? Podemos esperar mais do que apenas o breve ciclo de nascimento, vida e morte? O livro Religiões do Mundo – Da História Antiga ao Presente afirma: “O estudo da religião revela que um de seus importantes aspectos é o anseio de encontrar valor na vida, uma crença que a vida não é acidental e sem significado. A busca de significado leva à fé num poder superior ao humano, e, por fim, a uma mente universal ou super-humana que tem a intenção e a vontade de preservar os mais elevados valores para a vida humana”.

Portanto, a vida somente fará sentido se aceitarmos a realidade da existência de Deus. Ele é o Criador da vida, por isso é Ele que dá sentido à vida. Deus nos criou para Seu louvor (Isaías 43:20-21). Ele nos formou de maneira especial, para mostrar Sua glória e Seu amor através de nós. Esse é o grande sentido da vida. A satisfação plena é produto da segurança absoluta e da paz interior que só Deus pode dar. Só um Deus infinito pode preencher, com o Seu amor, o espaço infinito do coração humano. E esta conquista espiritual está ao alcance de todos os que, reconhecendo a sua insuficiência, aceitam o presente que o Céu oferece – a vida eterna, através de Jesus Cristo: “Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 6:23).

Ocorre que o Senhor não invade nosso coração, Ele espera um convite para entrar e fazer moradas. Em Apocalipse 3:20 diz: “Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo”.

Quando detectamos o vazio de nossa alma, tentamos preenchê-lo de todas as formas, mas somente somos saciados quando Jesus entra em nosso coração. É Ele que quer saciar a sede de nossa alma. Quando Ele entra em nosso coração nos sentimos supridos, saciados, felizes, prontos para qualquer boa obra.

Quer as pessoas aceitem ou não; todos precisam de Jesus. Jesus está batendo à porta do nosso coração; se abrirmos, Ele entrará e equilibrará nossa alma e a paz que excede todo entendimento invadirá nossa vida para sermos plenos nEle.

Caro amigo leitor, que tal começar a buscar a Deus hoje? Que tal largarmos dessa vida miserável que o mundo oferece, vida vazia e eu sei que uma vida longe de Deus é vazia, uma vida de aparência e buscarmos aquilo que é eterno. Que adianta preservar uma vida nessa terra, umas amizades, uns prazeres terrenos e perder a vida eterna? Perder a herança que Deus nos deixou?

Não existe vida sem Deus, não tem, não é viver com Deus ou viver sem Deus, é viver. Com Deus você vive, sem Deus você não vive, simples. Ele é tudo o que você tem e precisa, sem Ele você não tem nada.

Deus abençoe sua vida!

 

 

 

 

 

sexta-feira, 10 de março de 2023

ESPERANÇA ALÉM DESTA VIDA


 Ricardo André

A grande certeza da vida, desde que nascemos, é que um dia morreremos. Desde nosso primeiro instante de vida, entramos em uma contagem regressiva que marcará nossos dias de vida terrestre. A cada instante estamos mais próximos deste momento tão “misterioso” e temido por muitos. Neste exato momento, muitos estão dando seu último suspiro. Indubitavelmente, a morte é uma triste experiência pela qual a humanidade passa. As Sagradas Escrituras revelam que fomos criados para viver eternamente, mas ela entrou no mundo como consequência do pecado cometido pelo homem. Portanto ela é uma intrusa. A morte é o salário do pecado (Gn 2:17; Rm 6:23) e conflita com o desejo humano de permanência. Como afirmou S. Júlio Schwantes: “A transitoriedade das glórias terrestres e a vã esperança de permanência acalentada em todo coração, constituem melancólico contraste. A inevitabilidade da morte lança um véu sombrio sobre os sonhos mais dourados” (O Despontar de uma Nova Era, p. 269).

Quando perdemos um ente querido para a morte, esta produz um vazio e uma sensação de carência difíceis de serem igualados. Ela é a maior frustração humana que nos leva a perguntar: A morte é o fim de tudo? O que será de nós? Poderemos reencontrar nossos queridos que morreram? E, para essa realidade, é importante olhar para a Palavra de Deus e perceber o que ela ensina.

O pensamento materialista e a morte

Para os materialistas ateus, não existe nada além da matéria e da energia. Portanto, eles negam a realidade do sobrenatural e da existência de Deus. Eles não conseguem ver um sentido para a vida e para a morte. Eles encarem a vida de maneira trágica, como algo sem sentido. Martin Heidegger (1889-1976), filósofo existencialista alemão, dizia: “A morte é um modo de ser que a existência humana assume, desde que ela tem início”. Por isso os existencialistas definem o homem como um “ser-para-a-morte”, não só porque está destinado a morrer, mas porque é constantemente atingido pela realidade da morte.

Os existencialistas afirmam que a vida humana é limitada por dois nada: o homem teria surgido do nada, não como resultado de uma criação especial por um Deus amoroso, e se dirige lenta e inexoravelmente para outro nada. E o que dá uma nota trágica à existência – para os existencialistas ateus – é que a pessoa tem consciência de estar caminhando para a destruição; isto é terrível. Então, nasce dentro do homem a angústia de que Heidegger falava ou a náusea de Jean Paul Sartre. Nesta mesma linha outros filósofos fizeram muito mal à humanidade, especialmente aos jovens, pois deram à vida uma conotação sombria, sem a esperança da fé cristã.

O famoso filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), que estava determinado a ver Deus morto e sepultado, é uma outra figura típica desta atitude irreligiosa. Foi o filósofo mais satírico em relação a Deus e ao sistema de valores cristãos. Vários de seus textos critica duramente a religião. Ele é amplamente conhecido por sua filosofia niilista e por sua ideia de que “Deus está morto”. Ele despertou para a filosofia através de Schopenhauer. Ele disse que: “Schopenhauer foi, como filósofo, o primeiro ateísta confesso e inflexível que nós alemães tivemos”. Como quase todos os ateus depois de Feuerbach, Nietzsche também considera a religiosidade como uma inconsciente projeção.

Com base na perspectiva de Nietzsche, a vida não tem nenhum significado, propósito ou valor intrísico. Que quadro desolador!

Para o grande filósofo alemão Karl Marx (1818-1883), cujas ideias revolucionaram o pensamento filosófico, rompendo barreiras e desvelando a forma de organização de nossa sociedade, Deus e a religião não passavam de meras projeções humanas. Afirmou que a religião havia sido inventada como uma forma de reagir contra o sofrimento e a injustiça do mundo, os pobres e oprimidos tinham criado a religião para imaginar que teriam uma vida melhor após a morte. Servindo como uma forma de “ópio”, uma maneira de escapar da realidade. Portanto, para ele, o ateísmo é um postulado evidente. Tanto é assim que ele escreveu: “A miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da miséria real e o protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração, assim como o espírito de estados de coisas embrutecidos. Ela é o ópio do povo.” (“Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, ed. Boitempo, p. 145). Ele ainda vislumbrava a possibilidade do desaparecimento do sentimento religioso com a eliminação da alienação, numa sociedade despojada da exploração do homem pelo homem e livre do trabalho alienado.

Richard Dawkins, considerado ícone do ateísmo atual, autor de Deus: Um Delírio, pretende “esclarecer” que Deus não passa de invenção de pessoas desiludidas. Ele afirma categoricamente a intenção de seu livro: “Os leitores religiosos que o abrirem serão ateus quando o tiverem terminado”.

Portanto, Deus, para estes ateus não é senão uma ilusão criada pelo homem buscando uma compensação diante de sua miséria; o que o faz fugir do mundo e das grandes tarefas humanas. Se Deus não existe, então para esses filósofos a morte é o fim. Não existe nada mais. A escritora cristão Ellen G. White afirma que a humanidade fracassará em todas as suas tentativas de progresso se “negligenciar a única Fonte de esperança” (Caminho a Cristo, p. 20).

Para além do “ópio” de Marx, nossa religação com Deus é a chave para o mistério dos mistérios, o significado da vida. Deus é o Criador da vida, por isso é Ele que dá sentido à vida. Deus nos criou para Seu louvor (Isaías 43:20-21). Ele nos formou de maneira especial, para mostrar Sua glória e Seu amor através de nós. Esse é o grande sentido da vida. A satisfação plena é produto da segurança absoluta e da paz interior que só Deus pode dar. Só um Deus infinito pode preencher, com o Seu amor, o espaço infinito do coração humano. E esta conquista espiritual está ao alcance de todos os que, reconhecendo a sua insuficiência, aceitam o presente que o Céu oferece – a vida eterna, através de Jesus Cristo: “Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 6:23).

“Nas profundezas da alma humana se acha implantada a inquietação pelo futuro. Essa percepção do infinito no tempo e no espaço produz insatisfação com a natureza transitória das coisas desta vida. É o plano de Deus que o homem perceba que o atual mundo material não constitui o centro de sua existência. Ele se acha ligado a dois mundos: fisicamente a este mundo, mas mental, emocional e psicologicamente ao mundo eterno” (Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, v. 3, 1075).

Há esperança para os mortos

Com a realidade da morte, existem várias coisas importantes que podemos tomar para a meditação do nosso coração. O apóstolo cristão Paulo, em sua inspirada carta escrita aos tessalonicenses, traz uma palavra de encorajamento e de fé aos que creem em Jesus. Diz-nos o apóstolo: “Irmãos, não queremos que vocês sejam ignorantes quanto aos que dormem, para que não se entristeçam como os outros que não têm esperança. Se cremos que Jesus morreu e ressurgiu, cremos também que Deus trará, mediante Jesus e juntamente com ele, aqueles que nele dormiram. Dizemos a vocês, pela palavra do Senhor, que nós, os que estivermos vivos, os que ficarmos até a vinda do Senhor, certamente não precederemos os que dormem. Pois, dada a ordem, com a voz do arcanjo e o ressoar da trombeta de Deus, o próprio Senhor descerá do céu, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois disso, os que estivermos vivos seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, para o encontro com o Senhor nos ares. E assim estaremos com o Senhor para sempre. Consolem-se uns aos outros com estas palavras. (1 Ts 4:13-18, NVI).

Os Tessalonicenses haviam recebido o Evangelho há bem pouco tempo. Após esta experiência maravilhosa, alguns de seus parentes e amigos "dormiram no Senhor"...  Como esperavam permanecer vivos até o retorno do Senhor, e alguns "dormiram em Jesus", eles estavam extremamente perplexos. A fim de neutralizar esta tendência ao aborrecimento e tristeza imoderados, o apóstolo, os consola com a agradável esperança de uma reunião feliz e eterna com aqueles que morreram quando o Senhor Jesus aparecer em glória. Esse magnífico clímax da História é a última esperança do cristão. Diz o apóstolo Paulo: “Aguardamos a bendita esperança: a gloriosa manifestação de nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo. Ele Se entregou por nós a fim de nos remir de toda a maldade e purificar para Si mesmo um povo particularmente Seu, dedicado à prática de boas obras” (Tito 2:13, 14).

Na ocasião, ocorrerão dois dos acontecimentos mais esperados pelos cristãos de todas as eras: a ressurreição dos santos mortos e a transformação dos santos vivos. Como é bom ser cristão adventista e crer na volta de Jesus. O quadro pintado por Paulo será a concretização de todos os que creram e que creem em Jesus e que, vivos ou mortos, aguardam ansiosos por Sua segunda vinda à Terra. Para eles, a morte não é o fim de todas as coisas; é simplesmente um sono de espera pela ressurreição e a vida eterna.

Esse evento é o grande clímax da história! É o cumprimento de toda espera e esperança do povo de Deus desde Adão até a última geração que estará vivendo na Terra. Por isso, o nosso foco permanente está no retorno de Jesus, Aquele que suportou a cruz “para tirar os pecados de muitos”, e que aparecerá pela segunda vez “para aqueles que esperam ansiosamente por Ele” (Hebreus 9:28).

Sim, haverá uma feliz reunião.

Aqueles que "dormiram no Senhor", não pereceram... Esta separação que nos causa tanta dor não será eterna. Eles também contemplarão o Senhor retornando em glória. Nós, os vivos "não precederemos os que dormem" v.15. Ou como diz a Nova Tradução na Linguagem de Hoje: “não iremos antes daqueles que já morreram”. Tanto nós quanto eles "seremos arrebatados" nas nuvens (v. 17).

Portanto, o apóstolo Paulo “assegura aos leitores que os cristãos vivos não se unirão ao Senhor antes daqueles que dormiram. [...] Assim, os santos vivos não terão prioridade sobre os que morreram no Senhor. Este ensino deixa claro o verdadeiro estado daqueles que morreram “em Cristo”. Eles estão adormecidos, aguardando a vinda do Senhor. Ainda não foram unidos ao Senhor, mas, como os cristãos vivos, aguardam o segundo advento para a tão esperada união com o Mestre (Jo 11:23-25). Nenhuma classe tem precedência sobre a outra; ambas serão levadas juntas em glória ao Senhor na Sua vinda” (Comentário Bíblico Adventista, v. 7, p. 249).

Nesse momento a história humana dará um salto para alcançar a eternidade, cuja porta estará aberta quando Jesus, o Criador e Redentor estenderá a mão para dar as boas-vindas aos fiéis, com as mais doces palavras jamais ouvidas: “Venham, […]. Recebam como herança o Reino que lhes foi preparado” (Mateus 25:34). É a herança final que estamos aguardando com esperança!

Existe uma forte razão para esta maravilhosa esperança de uma reunião além da sepultura.

Esta esperança está baseada sobre um sólido e indestrutível fundamento... Sim, ela se baseia na realidade de um Cristo vivo (v.14). A ressurreição do Senhor é o fundamento de nossa esperança. O apóstolo Pedro escreveu: Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo! Conforme a sua grande misericórdia, ele nos regenerou para uma esperança viva, por meio da ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma herança que jamais poderá perecer, macular-se ou perder o seu valor. Herança guardada nos céus para vocês que, mediante a fé, são protegidos pelo poder de Deus até chegar a salvação prestes a ser revelada no último tempo” (1 Pd 1:3-5, NVI).

Assim como Deus, o Pai, trouxe Jesus, nosso Salvador, dentre os mortos na manhã de Sua ressurreição no jardim, fora dos muros de Jerusalém, assim com Ele também trará nossos queridos mortos à vida novamente, quando voltar a segunda vez. Ela também está fundamentada no prometido e esperado retorno do Senhor à Terra (I Tes. 1:10; Atos. 1:10, 11).

Nosso coração então pergunta: "quando esta esperança será concretizada?"

Ela se concretizará quando o Senhor Jesus descer do Céu "com poder e grande glória". (I Ts 4:16; Mt. 24:30, 31). Sim, aqueles que "dormem no Senhor" ressurgirão (v.16). Quando esta maravilhosa reunião acontecer, os que "morreram em Cristo", ressuscitarão com um corpo incorruptível, imortal e glorioso, conforme lemos em I Cor. 15:42-44. Paulo também diz que os que estiverem vivos, serão transformados. “Eis que eu lhes digo um mistério: nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados, num momento, num abrir e fechar de olhos, ao som da última trombeta. Pois a trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis e nós seremos transformados. Pois é necessário que aquilo que é corruptível se revista de incorruptibilidade, e aquilo que é mortal, se revista de imortalidade. Quando, porém, o que é corruptível se revestir de incorruptibilidade, e o que é mortal, de imortalidade, então se cumprirá a palavra que está escrita: "A morte foi destruída pela vitória". "Onde está, ó morte, a sua vitória? Onde está, ó morte, o seu aguilhão?” O aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei. Mas graças a Deus, que nos dá a vitória por meio de nosso Senhor Jesus Cristo” (I Co 15:51-57, NVI).

Como, gradualmente? Não. “Num momento. Num abrir e fechar dos olhos” (1 Co 15:51, 52). Então esta reunião final, feliz e eterna acontecerá. Os salvos estarão reunidos para nunca mais se separarem. Imagine a alegria que inundará o coração dos salvos ao poderem abraçar os queridos ressuscitados, que morreram crendo em Jesus. Não mais terão o rosto macilento e triste, marcado pela doença e a morte. Terão na face a alegria e a felicidade de uma nova vida ressurgida para a eternidade. Será maravilhoso aquela reunião quando, na presença de Cristo, junto ao belo portal da Cidade, uma mãe receber a recompensa de seus labores, tendo todos os seus filhos lá dentro.  Inegavelmente, será um momento muito glorioso. Será a vitória final de Jesus sobre as tristezas, dores, doenças, e a morte! Essa certeza nos conforta e nos anima na jornada, enquanto aguardamos o grande dia da volta de Jesus.

Que maravilhosa consolação esta esperança nos traz! Aguardo com muita expectativa o dia da volta de Jesus à Terra nas nuvens do Céu com poder e grande glória (Mt 24:30; Ap 1:7). Quando Ele ressuscitar os Seus filhos fiéis, quando o mesmo Senhor que disse à filha de Jairo “Talita cumi!  Menina, eu lhe ordeno, levante-se! "vai dizer à minha mãe: “Noêmia cumi! Eu te ordeno levanta-te”. Quão bom é sabermos que "a morte não é o ponto final, mas uma vírgula na história da vida", como alguém afirmou. Temos a esperança bíblica de um dia rever todos os nossos que já dormem no Senhor.

Essa minha reflexão bíblica é uma homenagem a Noêmia Cordeiro, minha mãe, amigos, familiares e a todos os que, descansando em paz, aguardam o retorno do Senhor. Em breve, as famílias do povo de Deus estarão reunidas outra vez, e para sempre! Por isso o apóstolo ordena: "Consolai-vos... uns aos outros com estas palavras" (v.18). Sim, o despojado pode ser consolado. Aquele que crê em Jesus não deveria, como fazem os pagãos, encher-se de angustiosa e desesperada tristeza na presença da morte.

Caro amigo leitor, você crê que Jesus morreu e ressuscitou dos mortos? Você crê que Ele vive para sempre? Você crê naquilo que Ele disse: "Porque Eu vivo, vocês também viverão?" (João 14:19, BLH). Permita que esta crença abrande sua tristeza. Você anseia pelo retorno do Senhor?  Se assim for, você não deveria preocupar-se por causa da condição presente e nem pelo estado futuro dos santos que "dormiram". Como a morte e a ressurreição do Senhor são a garantia e o penhor da ressurreição e glorificação de todos aqueles que "nEle dormem", você deveria regozijar-se na esperança de reunir-se com eles na cidade de Deus. Esta gloriosa e feliz reunião jamais terá fim. Um dia Jesus chamará Seus filhos fieis de todos os tempos, você e a mim, a cada um de nós, para uma vida que jamais acaba. Amém!