Teologia

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

LUTERO E A GRANDE REFORMA


Ellen G. White*

Preeminente entre os que foram chamados para dirigir a igreja das trevas do papado à luz de uma fé mais pura, acha-se Martinho Lutero. Zeloso, ardente e dedicado, não conhecendo outro temor senão o de Deus, e não reconhecendo outro fundamento para a fé religiosa além das Escrituras Sagradas, Lutero foi o homem para o seu tempo; por meio dele, Deus efetuou uma grande obra para a reforma da igreja e esclarecimento do mundo.

Enquanto, um dia, examinava os livros da biblioteca da universidade, Lutero descobriu uma Bíblia latina. Tinha ouvido porções dos evangelhos e epístolas, que se liam ao povo no culto público, e supunha que isso fosse a Escritura toda. Agora, pela primeira vez, olhava para o todo da Palavra de Deus. Com um misto de reverência e admiração, folheava as páginas sagradas; com o pulso acelerado e o coração palpitante, lia por si mesmo as palavras de vida, detendo-se aqui e acolá para exclamar: "Oh! quem dera Deus me desse tal livro!" Anjos celestiais estavam a seu lado, e raios de luz procedentes do trono de Deus traziam-lhe à compreensão os tesouros da verdade. Sempre temera ofender a Deus, mas agora a profunda convicção de seu estado pecaminoso apoderou-se dele como nunca antes. Um desejo ardente de se achar livre do pecado e encontrar paz com Deus, levou-o afinal a entrar para um mosteiro e dedicar-se à vida monástica.

Todo momento que podia poupar de seus deveres diários empregava-o no estudo, furtando-se ao sono e cedendo mesmo a contragosto o tempo empregado em suas escassas refeições. Acima de tudo se deleitava no estudo da Palavra de Deus. Achara uma Bíblia acorrentada à parede do convento, e a ela muitas vezes recorria.

Lutero foi ordenado sacerdote, sendo chamado do claustro para o cargo de professor da Universidade de Wittemberg. Ali se aplicou ao estudo das Escrituras nas línguas originais. Começou a fazer conferências sobre a Bíblia; e o livro dos Salmos, os Evangelhos e as Epístolas abriram-se à compreensão de multidões que se deleitavam em ouvi-lo. Era já poderoso nas Escrituras, e sobre ele repousava a graça de Deus. Sua eloquência cativava os ouvintes; a clareza e poder com que apresentava a verdade levavam-nos à convicção, e seu profundo fervor tocava os corações.

Um Líder em Reforma

Na providência de Deus, ele decidiu visitar Roma. Uma indulgência fora prometida pelo papa a todos quantos subissem de joelhos a conhecida escada de Pilatos. Lutero estava, certo dia, realizando esse ato, quando, subitamente, uma voz semelhante a trovão pareceu dizer-lhe: "O justo viverá da fé." Rom. 1:17. Ergueu-se sobre seus pés e, envergonhado e horrorizado, deixou rapidamente o cenário de sua loucura. Esse texto nunca perdeu a força sobre sua alma. Desde aquele tempo, viu mais claramente do que nunca antes a falácia de se confiar nas obras humanas para a salvação, e a necessidade de fé constante nos méritos de Cristo. Tinham-se-lhe aberto os olhos, e nunca mais se deveriam fechar aos enganos satânicos do papado. Quando ele deu as costas a Roma, também dela volveu o coração, e desde aquele tempo o afastamento se tornou cada vez maior, até romper todo contato com a igreja papal.

Depois de voltar de Roma, Lutero recebeu na Universidade de Wittenberg o grau de doutor em Teologia. Estava agora na liberdade de se dedicar, como nunca antes, às Escrituras que amava. Fizera solene voto de estudar cuidadosamente a Palavra de Deus e, todos os dias de sua vida, pregá-la com fidelidade, e não os dizeres e doutrinas dos papas. Não mais era o simples monge ou professor, mas o autorizado arauto da Bíblia. Fora chamado para pastor, a fim de alimentar o rebanho de Deus, que tinha fome e sede da verdade. Declarava firmemente que os cristãos não deveriam receber outras doutrinas senão as que se apoiam na autoridade das Sagradas Escrituras. Essas palavras feriam o próprio fundamento da supremacia papal. Continham o princípio vital da Reforma.

Entra Lutero, ousadamente, em sua obra como campeão da verdade. Sua voz era ouvida do púlpito, em advertência ardorosa e solene. Expôs ao povo o caráter ofensivo do pecado, ensinando-lhes ser impossível ao homem, por suas próprias obras, diminuir as culpas ou fugir ao castigo. Nada, a não ser o arrependimento para com Deus e a fé em Cristo, pode salvar o pecador. A graça de Cristo não pode ser comprada; é dom gratuito. Aconselhava o povo a não comprar indulgências, mas a olhar com fé para um Redentor crucificado. Relatou sua própria e penosa experiência ao procurar, sem êxito, pela humilhação e penitência conseguir salvação, e afirmou a seus ouvintes que foi olhando fora de si mesmo e crendo em Cristo que encontrara paz e alegria.

Os ensinos de Lutero atraíram a atenção dos espíritos pensantes de toda a Alemanha. De seus sermões e escritos procediam raios de luz que despertavam e iluminavam a milhares. Uma fé viva estava tomando o lugar do morto formalismo em que a igreja se mantivera durante tanto tempo. O povo estava diariamente perdendo a confiança nas superstições do catolicismo. As barreiras do preconceito iam cedendo. A Palavra de Deus, pela qual Lutero provava toda doutrina e qualquer reclamo, era semelhante a uma espada de dois gumes, abrindo caminho ao coração do povo. Por toda parte se despertava o desejo de progresso espiritual. Fazia séculos que não se via, tão generalizada, a fome e sede de justiça. Os olhos do povo, havia tanto voltados para ritos humanos e mediadores terrestres, volviam-se agora em arrependimento e fé para Cristo, e Este crucificado.

Os escritos e doutrinas do reformador estendiam-se a todas as nações da cristandade. A obra espalhou-se à Suíça e Holanda. Exemplares de seus escritos tiveram ingresso na França e Espanha. Na Inglaterra, seus ensinos eram recebidos como palavras de vida. À Bélgica e Itália também se estendeu a verdade. Milhares estavam a despertar do torpor mortal para a alegria e esperança de uma vida de fé.

Lutero Rompe com Roma

Roma estava empenhada na destruição de Lutero, mas Deus era a sua defesa. Suas doutrinas eram ouvidas em toda parte - nas cabanas e nos conventos, nos castelos de nobres, nas universidades e nos palácios dos reis; e homens nobres surgiam por toda parte para amparar-lhe os esforços.

Num apelo ao imperador e à nobreza da Alemanha, em favor da Reforma do cristianismo, Lutero escreveu relativamente ao papa: "É horrível contemplar o homem que se intitula vigário de Cristo, a ostentar uma magnificência que nenhum imperador pode igualar. É isso ser semelhante ao pobre Jesus, ou o humilde Pedro? Ele é, dizem, o senhor do mundo! Mas Cristo, cujo vigário ele se jacta de ser, disse: "Meu reino não é deste mundo." Podem os domínios de um vigário estender-se além dos de seu superior?"

Assim escreveu ele acerca das universidades: "Receio muito que as universidades se revelem grandes portas do inferno, a menos que diligentemente trabalhem para explicar as Santas Escrituras, e gravá-las no coração dos jovens. Não aconselho ninguém a pôr seu filho onde as Escrituras não reinem supremas. Toda instituição em que os homens não se achem incessantemente ocupados com a Palavra de Deus, tem de tornar-se corrupta."

Este apelo circulou rapidamente por toda a Alemanha e exerceu poderosa influência sobre o povo. A nação toda foi convocada a reunir-se ao redor do estandarte da Reforma. Os oponentes de Lutero, ardentes no desejo de vingança, insistiam em que o papa tomasse medidas decisivas contra ele. Decretou-se que suas doutrinas fossem imediatamente condenadas. Sessenta dias foram concedidos ao reformador e a seus adeptos, findos os quais, se não renunciassem, deveriam todos ser excomungados.

Quando a bula papal chegou a Lutero, disse ele: "Desprezo-a e ataco-a como ímpia, falsa. ... É o próprio Cristo que nela é condenado. ... Regozijo-me por ter de suportar tais males pela melhor das causas. Sinto já maior liberdade em meu coração; pois finalmente sei que o papa é o anticristo, e que o seu trono é o do próprio Satanás."

Todavia, a palavra do pontífice ainda tinha poder. Prisão, tortura e espada eram armas potentes para forçar à obediência. Tudo parecia indicar que a obra do reformador estava a ponto de terminar. Os fracos e supersticiosos tremiam perante o decreto do papa; e, conquanto houvesse simpatia geral por Lutero, muitos sentiam que a vida era por demais preciosa para que fosse arriscada na causa da Reforma.

*Ellen G. White (1827-1915), escritora norte americana, exerceu o ministério profético por 70 anos.

FONTE: História da Redenção, p. 340-345.

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

O BODE EMISSÁRIO


Alberto R. Timm*

A história de uma declaração polêmica feita por Ellen G. White

A identificação e o significado escatológico do bode expiatório de Levítico 16 têm gerado muita discussão nos círculos acadêmicos. Dentro da antiga tradição judaica, o bode expiatório sempre foi visto como um ser demoníaco.1 Porém, desde o período pós-apostólico, muitos expositores cristãos têm tentado identificá-lo com Cristo e Sua morte sacrificial. Os adventistas do sétimo dia têm salientado uma clara distinção entre os bodes de Levítico 16:8, considerando aquele que era “para o Senhor” como sendo um tipo de Cristo, e o “bode emissário [hebraico Azazel]” como representante de Satanás. Essa mesma visão é também expressada por Ellen G. White.

Este artigo apresenta um exame cronológico das afirmações de Ellen G. White a respeito do bode expiatório antitípico. A discussão começa com a contribuição de O. R. L. Crosier, que lançou o fundamento da compreensão adventista do sétimo dia sobre o assunto, continua com as primeiras e últimas declarações de Ellen G. White relacionadas ao tópico, e termina com algumas observações sobre um raro manuscrito completamente diferente de todos os outros escritos dela e do pensamento adventista em geral.

Contribuição de Crosier

A compreensão adventista a respeito da purificação do santuário celestial (Dn 8:14; Hb 9:23) e do último papel de Satanás como bode emissário escatológico (Lv 16; Ap 20) foi, em grande parte, formada pelas interpretações bíblicas apresentadas no artigo “The law of Moses”, publicado numa edição especial do jornal Day-Star, em 7 de fevereiro de 1846.2 Em sua abordagem desse tema, Crosier apresentou oito principais razões pelas quais o bode emissário devia ser identificado como Satanás e argumentou que “a ignorância da lei e seu significado é a única origem possível para a opinião de que o bode emissário era um tipo de Cristo”.3

A visão de Crosier a respeito de Satanás como o bode emissário antitípico foi plenamente aceita pelos primeiros adventistas sabatistas. Os argumentos apresentados por ele ecoaram consistentemente na literatura adventista do sétimo dia sobre o assunto, incluindo os escritos de Ellen G. White. Digno de nota é o fato de que já em 1847, A Word to the “Little Flock” saiu do prelo com o seguinte parágrafo de sua própria pena: “O Senhor me mostrou em visão, mais de um ano atrás, que o irmão Crosier tinha a verdadeira luz sobre a purificação do santuário; e que era Sua vontade que o irmão Crosier publicasse o ponto de vista que nos deu na edição extra do Day-Star, de fevereiro de 1846. Sinto-me plenamente autorizada pelo Senhor a recomendar aquela edição a cada santo.”4

Pesquisando seus escritos publicados e não publicados, é possível verificar que Ellen G. White continuou a falar de Satanás como o antitípico bode emissário.

Primeiras afirmações

No verão de 1849, Ellen G. White afirmou que os pecados confessados antes do tempo de prova “serão colocados sobre o bode emissário e levados para longe”.5 Em 4 de agosto de 1850, ela escreveu uma carta encorajando a família Hastings “a orar muito para que seus pecados pudessem ser confessados sobre a cabeça do bode emissário e levados para longe à terra do esquecimento”.6 Nenhuma das duas declarações provê qualquer indício significativo para a identificação do bode emissário. Porém, meses depois, em 23 de outubro de 1850, ela teve uma visão segundo a qual, antes de Cristo terminar Seu ministério no santuário celestial, acontecerá o seguinte:

“Ele virá à porta do tabernáculo, ou porta do primeiro compartimento e confessará os pecados de Israel sobre a cabeça do bode emissário. Então, colocará as vestes de vingança. Então as pragas cairão sobre os ímpios, e elas não caem até Jesus colocar esses trajes de vingança e Se sentar sobre a grande nuvem branca. Então, enquanto as pragas estão caindo, o bode emissário é levado para longe. Ele luta vigorosamente para escapar, mas é firmemente seguro pelas mãos que o levam para longe... “Enquanto Jesus passou pelo lugar santo ou primeiro compartimento, à porta para confessar os pecados de Israel sobre o bode emissário, um anjo disse: ‘Este compartimento é chamado santuário.’”7 Essa declaração provê lampejos de discernimento em direção à identificação do bode emissário. Assim como Levítico 16:8 distingue o bode “para o Senhor” do “bode emissário”, Ellen G. White distingue Jesus do bode emissário escatológico. A distinção se torna ainda mais evidente quando ela diz que o próprio Jesus, como nosso verdadeiro Sumo Sacerdote, confessará os pecados do povo de Deus “sobre a cabeça do bode emissário”, e que “enquanto as pragas estão caindo, o bode emissário é levado para longe”. Somado a isso, o fato de que esse bode “luta vigorosamente para escapar” de seu trágico exílio mortal descarta qualquer identificação dele com Cristo. Mesmo sem mencionar nominalmente Satanás, é mais que evidente que Ellen G. White o tinha em mente como o verdadeiro bode emissário.

Declarações posteriores

Nos anos 1880 e 1890, Ellen G. White escreveu seus mais fortes argumentos sobre Satanás como o bode emissário escatológico. Na edição de 1884 de The Great Controversy Between Christ and Satan [O Grande Conflito, capítulo “O Santuário Celestial, Centro de nossa Esperança”], leem-se as seguintes palavras:

“Verificou-se também que, ao passo que a oferta pelo pecado apontava para Cristo como um sacrifício, e o sumo sacerdote representava a Cristo como mediador, o bode emissário tipificava Satanás, autor do pecado, sobre quem os pecados dos verdadeiros penitentes serão finalmente colocados. Quando o sumo sacerdote, por virtude do sangue da oferta pela transgressão, removia do santuário os pecados, colocava-os sobre o bode emissário. Quando Cristo, pelo mérito de Seu próprio sangue, remover do santuário celestial os pecados de Seu povo, ao encerrar-se o Seu ministério, Ele os colocará sobre Satanás, que, na execução do juízo, deverá encarar a pena final. O bode emissário era enviado para uma terra não habitada, para nunca mais voltar à congregação de Israel. Assim será Satanás para sempre banido da presença de Deus e de Seu povo, e eliminado da existência na destruição final do pecado e dos pecadores.”8

Em 1888, a edição revisada e ampliada de O Grande Conflito não apenas preservou o parágrafo citado, mas também adicionou mais duas afirmações sobre o mesmo assunto.9 No capítulo “O Grande Juízo Investigativo”, ela diz:

“Como o sacerdote, ao remover do santuário os pecados, confessava-os sobre a cabeça do bode emissário, semelhantemente Cristo porá todos esses pecados sobre Satanás, o originador e instigador do pecado. O bode emissário, levando os pecados de Israel, era enviado ‘à terra solitária’ (Lv 16:22); de igual modo, Satanás, levando a culpa de todos os pecados que induziu o povo de Deus a cometer, estará durante mil anos circunscrito à Terra, que então se achará desolada, sem moradores, e ele sofrerá finalmente a pena completa do pecado nos fogos que destruirão todos os ímpios. Assim, o grande plano da redenção atingirá seu cumprimento na extirpação final do pecado e no livramento de todos os que estiverem dispostos a renunciar ao mal.”10

Novamente, no capítulo 41 do livro citado, ela reforça o mesmo conceito de que “assim como o bode emissário era enviado para uma terra não habitada, Satanás será banido para a Terra desolada, que se encontrará como um deserto despovoado e horrendo”.11

Essas três afirmações foram preservadas com seu palavreado original na edição revisada de 1911 de O Grande Conflito, excetuando-se o fato de que o termo inglês para bode emissário usado com hífen na edição anterior (scape-goat) foi escrito nessa edição sem o hífen (scapegoat).12 Conceitos similares também foram expressos em 1890 e 1895.13 No livro Patriarcas e Profetas, ela argumentou que “visto que Satanás é o originador do pecado, o instigador direto de todos os pecados que ocasionaram a morte do Filho de Deus, exige a justiça que Satanás sofra a punição final”.14

De todas essas declarações, concluímos claramente que Ellen G. White identificou Satanás como o bode emissário escatológico. Porém, há uma intricada afirmação, de 1897, que merece considerações especiais.

Uma declaração incomum

O Manuscript 112, de 1897, sob o título “Diante de Pilatos e Herodes”, é um documento datilografado, com típicas correções editoriais feitas pelas secretárias de Ellen G. White, a maioria das quais feitas por Maggie Hare. Esse documento foi carimbado com o nome “E. G. White” no fim do conteúdo de 19 páginas. Esse era um procedimento comum em seu escritório, quando eram feitas múltiplas cópias em carbono de algum manuscrito de Ellen G. White. Existem apenas três cópias originais datilografadas desse manuscrito. Uma delas contém todas as 19 páginas, e outras duas, incluindo a cópia de arquivo, terminam na página 17, sendo omitidas as páginas 18 e 19.

O conteúdo das páginas omitidas não é incomum, exceto pelo primeiro parágrafo da página 18, que trata especificamente do “bode emissário”. Esse parágrafo diz o seguinte:

“Alguns aplicam o solene tipo, o bode emissário, a Satanás. Isso não está correto. Ele não pode levar seus próprios pecados. Diante da escolha de Barrabás, Pilatos lavou suas mãos. Ele não pode ser representado como o bode emissário. O terrível clamor, proferido com terrível ousadia pela multidão inspirada por Satanás, aumentou cada vez mais e alcançou o trono de Deus: ‘Que o sangue dele caia sobre nós e sobre nossos filhos!’ Cristo era o bode emissário, o qual é representado no símbolo. Somente Ele pode ser representado pelo bode enviado ao deserto. Somente Ele sobre quem a morte não tinha poder, estava habilitado a levar nossos pecados.”

Essa declaração de 1897 diverge completamente de tudo o que Ellen
G. White escreveu sobre o assunto anteriormente (conforme foi visto nas outras citações mencionadas neste artigo), ou depois (de acordo com a edição de 1911 de O Grande Conflito). Na edição de 1911, preparada sob sua supervisão,16 ela falou da era pós-1844 como o “Dia de Expiação antitípico”,17 que culminará com a destruição final de Satanás, no fim dos mil anos de Apocalipse 20, como o antitípico “bode emissário”.18 Assim, não há nenhuma razão convincente para se crer que ela tivesse mudado sua opinião sobre o assunto.

Como explicar?

Os adventistas aceitam os argumentos bíblicos de O. R. L. Crosier, no sentido de que Satanás é o antitípico bode emissário que entra em ação no tempo do segundo advento de Cristo. Ellen G. White não apenas partilhou da mesma visão, mas também a ensinou consistentemente através de seus escritos. O fato de existir um único parágrafo datilografado de origem questionável, falando de Cristo, em vez de Satanás, como o antitípico bode emissário não deve ser usado como evidência de que ela tivesse mudado de opinião sobre esse tema. Se fosse o caso, deveríamos esperar encontrar tal mudança refletida em seus escritos depois de 1897. Isso teria mudado toda a estrutura escatológica, mudando o bode emissário de Satanás para Cristo e o antitípico Dia de Expiação da era pós-1844 de volta à cruz. Porém, nenhum dos seus escritos reflete tal mudança.

Independentemente de como essa questionável declaração se tornou parte do Manuscript 112, em 1897, ela deve ser vista como excepcional. Ela não oferece razão para ninguém cair na perigosa falácia da “generalização”, pela qual uma ou poucas exceções são generalizadas como toda a regra.19 Os escritos de Ellen G. White nos dão suficientes evidências de que, no fim de sua vida, ela continuou identificando Satanás como o bode emissário escatológico.

Porém, ainda somos deixados com algumas questões óbvias: Acaso escreveu Ellen G. White aquele surpreendente parágrafo? Como ele se tornou parte de um dos seus manuscritos? Quando ele foi tirado do restante do documento? Sabemos apenas que a cópia reduzida é o que estava no arquivo quando a coleção de seus escritos não publicados foi microfilmada, por questões de custódia, em 1951. Contudo, nenhuma informação adicional tem sido encontrada para ajudar a responder àquelas questões. Portanto, qualquer tentativa de respondê-las está no domínio especulativo.

O que sabemos é que em todos os outros comentários de Ellen G. White, ela identifica o bode emissário como Satanás. Outro fato conhecido é que ela jamais incluiu esse parágrafo em seus escritos, embora outras linhas do manuscrito fossem usadas.20 Assim, embora não tenhamos respostas claras sobre a real origem desse único parágrafo, não há incerteza quanto à compreensão que Ellen G. White manteve, durante toda a vida, a respeito da identidade do bode emissário antitípico.

Referências:

1. Ver Robert Helm, Andrews University Seminary Studies 32, nº 3 (Outono de 1994), p. 217- 226; William H. Shea, Journal of the Adventist Theological Society 13, nº 1 (Primavera de 2002), p. 1-9.

2. O. R. L. Crosier, Day-Star Extra, 07/02/1846, p. 37-44.

3. Ibid., p. 43.

4. Ellen G. White, A Word to the “Litte Flock” (Brunswick, ME: James White, 1847), p. 12.

5. ___________, Manuscript 6, 2849, Ellen G. White Estate.

6. ___________, Carta 8, 04/08/1850, in Manuscript Releases, (Silver Spring, MG: White Estate, 1993), v. 19, p. 131, 132.

7. Ellen G. White, Manuscript 15, 1850, E. G. White Estate.

8. ___________, O Grande Conflito, p. 266, 267. 9

9. Ibid., p. 422.

10. Ibid., p. 485, 486.

11. Ibid., p. 658.

12. Ibid., p. 422, 485, 486, 658.

13. Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, p. 358; Signs of the Times 28/04/890, p. 258; 16/05/1895, p. 4, Mensagens Escolhidas, v. 3, p. 355, 356.

14. Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, p. 358.

15. ___________, Manuscript 112, 1897.

16 Ver Arthur White, The Later Elmshaven Years, 1905-1915: Ellen G. White (Washington, DC: Review and Herald, 1982), v. 6, p. 302-337.

17. Ellen G. White, O Grande Conflito, p. 431.

18. Ibid., p. 422, 485, 486, 658.

19. Ver David H. Fischer, Historians’ Fallacies: Toward a Logical of Historical Thought (Nova York: Harper & Row, 1970), p. 103-130.

20. Algumas frases e expressões do Manuscript 112, 1897, aparecem no livro O Desejado de Todas as Nações, p. 733. Na página 18 do manuscrito, no parágrafo seguinte à declaração problemática, está a seguinte afirmação: “Aquela súplica foi ouvida. O sangue do Filho de Deus caiu sobre seus filhos e filhas em uma viva maldição perpétua. Os filhos de Israel que escolheram Barrabás no lugar de Cristo sentiram a crueldade de Barrabás enquanto o tempo durar.” Com algumas poucas alterações, essa declaração aparece em O Desejado de Todas as Nações, p. 739.

*Alberto R. Timm, é Diretor associado do White Estate, na Associação Geral dos Adventistas, Estados Unidos

FONTE: Revista Ministério, Mar-Abr 2014, p. 21-23

domingo, 27 de outubro de 2019

A FÉ É CIENTÍFICA?


Por Peter A. McGowan*

Como argumentos do criacionismo, consolidados na Bíblia, são plausíveis de acordo com experimentos e confirmações científicas.

Dentro da gaveta ao lado da minha cama tenho colecionado diversos quebra-cabeças geométricos, do tipo formado por várias peças complexas que devem ser montados com muito cuidado a fim de criar o formato final. Tais quebra-cabeças chineses, em geral, devem ser montados em uma ordem específica para que todas as peças se encaixem.

Agora, suponha que eu coloque todas essas peças em uma superfície plana em uma pequena van de entrega e dirija por estradas irregulares por algumas horas. Pergunta: Será que a vibração e o movimento eventualmente montarão o quebra-cabeça?

Um evolucionista pode responder: “Sim, se você continuar dirigindo o suficiente e aleatoriamente sacudir as peças”. Contudo, há algumas objeções para essa resposta simplista.

Esses quebra-cabeças são intencionalmente criados para que, em diferentes fases, várias peças sejam encaixadas enquanto outras deslizam entre e ao redor delas. Essas ações requerem uma habilidosa destreza e o uso de duas mãos. Isso faz com que a montagem por meio de balanços aleatórios das peças seja impossível de acreditar.

Enquanto as peças chacoalham dentro da van, elas acabavam danificadas. Um longo período de sacudidas vai eventualmente estragar as peças, tornando-as impossíveis de serem montadas até mesmo por um habilidoso par de mãos.

Ninguém nunca montou um quebra-cabeça por meio de movimentos aleatórios, nem poderia imaginar como seria feito. Mesmo assim, o evolucionista acredita que isso pode ser feito! Ou seja, o evolucionista ateu deve aceitar isso por meio de uma fé cega, sem o mínimo de elementos de prova.

Acho isso fascinante. Assim como o teísta (quem crê em Deus) aceita pela fé que Deus existe e que Ele criou todas as coisas, o ateu (quem não crê em Deus) aceita por meio de uma fé cega, apesar das leis da ciência em contrário, que de alguma forma o universo e a vida simplesmente aconteceram. Deixe-me ser mais específico. A teoria moderna da evolução está apoiada em pelo menos cinco pilares que examinaremos um de cada vez.

O que é científico?

O chamado método científico essencialmente consiste em duas fases. Em uma delas, um especialista observa alguns eventos e, então, percebe um padrão e formula uma regra sobre esse comportamento (exemplo: as faíscas sempre voam para cima). Esse processo é chamado de indução. Esse observador se torna um cientista quando ele/ela procura deliberadamente por evidência para refutar a regra (ou “lei”, ou teoria), a fim de testar seriamente a nova lei científica. Se encontrarem exceções, a regra/lei exigirá modificação.

Mas aqui está o ponto: a ciência é claramente baseada em evidências observáveis; isso é, a ciência não se baseia no que não pode ser visto.

Um exemplo de uma regra/lei que não é científica: “A manteiga fica azul no escuro”. Essa lei é precisamente não-científica, pois ela não pode ser observada e nem testada.

Vamos voltar para os cinco pilares da evolução.

Big Bang e seus questionamentos

A atual teoria mais popular da origem do cosmos afirma que nosso universo inteiro começou com uma “singularidade” de densidade infinita. E que se expandiu até o tamanho atual do universo. Além disso, enquanto o universo se expandia, começou a arrefecer e se aglomerar para formar estrelas, planetas e outros corpos que de alguma forma perfeitamente começaram a orbitar entre si. Essa expansão (e sua respectiva “inflação”) aconteceu no ritmo certo, para permitir que as estrelas começassem a brilhar. As flutuações quânticas estavam na medida certa para criar as galáxias que agora observamos delicadamente equilibradas e uniformemente distribuídas.

Existem numerosas dificuldades com essa ideia. Isso inclui o que acendeu os fogos termonucleares que acenderam as estrelas? A gravidade própria de uma estrela não é suficiente. O que separou a matéria, de forma tão conveniente, em estrelas gasosas e planetas rochosos com água? O que forneceu energia e material para começar essa singularidade original?

Isso exige bastante fé, pois se trata de acreditar que um evento sem uma causa teria um resultado tão espetacular. Ele desobedece a todas as leis da física, como a primeira lei da termodinâmica sobre a conservação de matéria e energia. As coisas simplesmente não aparecem, a menos em uma escala atômica e por pouco tempo. Desobedece, também, a todos os atuais entendimentos da segunda lei da termodinâmica sobre a deterioração da ordem e da informação. A de que nenhum mecanismo foi ainda proposto para um arranjo engenhoso de um cosmo ordenado – a ordem é sempre observada por vir de alguma fonte externa.

Desta maneira, o Big Bang não é reproduzível, não pode ser visto, é inconsistente com fatos e leis conhecidas, e não pode ser testado em laboratório. Portanto, ele é não científico.

E ainda há mais dificuldade aqui. Qual é a origem das leis da física? O que fez os valores das constantes fundamentais tão certos para permitir o universo e a vida possível de alguma forma? Essas constantes incluem a de Planck, a gravitacional, a velocidade da luz, a constante eletromagnética, o ritmo da expansão do universo, a relação da abundância de vários elementos, entre outros aspectos. Todos são escolhidos tão precisamente de modo a ser capaz de tornar o nosso universo possível, sem falar da vida! Acreditar em um acidente tão fortuito requer muita fé!

Por outro lado, as Escrituras simplesmente afirmam (sem prova): “Eu fiz a terra e criei nela o homem; as minhas mãos estenderam os céus, e a todos os seus exércitos dei as minhas ordens” (Isaías 45:12).

Geogênesis (origem da Terra)

Existem saltos similares de fé necessários para acreditar que o universo evoluiu da maneira certa (totalmente por acaso) para conseguir produzir nosso planeta e seu ambiente ideal para a vida.

Suponha que temos um grande pote de jujubas. Talvez umas 10 mil balinhas tenham sido colocadas em um pote. Suponhamos ainda que temos uma mistura de cores, vermelho, verde, azul e preto. Agora, imagine que as jujubas pretas são bastante raras, mas estão distribuídas de forma uniforme (bem mexidas) entre as outras jujubas. O que você pensaria de uma pessoa que chegasse até o pote com os olhos vendados para pegar uma mão cheia de jujubas e retirasse apenas as pretas? Impossível, você diria? Bem, é isso que os evolucionistas sugerem sobre a origem da Terra.

A composição do nosso planeta é bem diferente dos outros corpos do sistema solar. Tem grande parte de ferro, silício e níquel, o que forma um planeta com a densidade bem alta. E bem mais alta do que todos os outros corpos no sistema solar. Esse material terrestre é bem escasso em nossa galáxia. A maior parte da matéria, mais de 99% no universo, é hidrogênio e hélio, com uma pequena porção dos outros elementos. Desses outros elementos, uma pequena parte é ferro, níquel e silício. Mesmo assim, nos pedem para acreditar que por meio de uma nuvem de gás que formou nosso sistema solar, processos aleatórios fizeram que um dos materiais mais raro nesta nuvem rodopiante se juntasse em um corpo para formar a nossa Terra!

Como nossas terras, mares e atmosfera se desenvolveram? Eles deveriam ter sido evaporados durante a evolução inicial do planeta enquanto este esfriava. Como a proporção do oxigênio em relação ao carbono se desenvolveram exatamente na medida correta na superfície do planeta e nos lugares corretos? Nenhuma teoria já foi proposta para explicar isso!

No que diz respeito à vida, os elementos de vida, oxigênio e a química orgânica (carbono e nitrogênio) não deveriam ser capazes de coexistir, em especial nos estágios de formação e principalmente na presença de grande quantidade de radiação perigosa do Sol e do espaço sideral.

Novamente, essas origens não podem ser vistas, são inconsistentes com o conhecimento atual, e não são reproduzíveis e não podem ser testadas. Portanto, elas não são científicas. Isso não é para sugerir que esses eventos são impossíveis, mas apenas que são não científicos – um problema sério para os ateus que dependem apenas do método científico.

Novamente, a Bíblia diz, sem prova: “O Senhor fez a terra pelo seu poder; estabeleceu o mundo por sua sabedoria e com a sua inteligência estendeu os céus” (Jeremias 10:12).

Abiogênese (origem da vida sem vida)

Provavelmente o maior problema ou “milagre” na história teórica da evolução é a origem da própria vida. Como as primeiras células vivas surgiram? Antes disso, como o primeiro DNA e aminoácidos se formaram em conjunto entre si? DNA é a sigla em inglês que significa ácido desoxirribonucleico e está contido no núcleo de toda célula viva. Esse DNA guarda a fórmula de cada proteína viva na célula. Cada proteína é composta de centenas de milhares de aminoácidos, todos dispostos em uma ordem rigorosa.

Aqui há um problema. Os ácidos nucleicos e os aminoácidos normalmente são incompatíveis e se decompõe um ao outro. Então, como os primeiros se juntaram (por acaso) para formar a primeira célula? Além disso, de onde vieram as elaboradas máquinas químicas e celulares para ler o DNA e criar as proteínas?

Uma lei fundamental da biologia, de acordo com qualquer livro de biologia, é que todas as células devem ter sua origem em outro organismo vivo – uma lei invariante conhecida como biogênese. No entanto, a evolução quer afirmar que apesar da lei da biogênese, de alguma forma a primeira célula chegou e quebrou a lei da ciência. Com base nisso, a evolução é não científica.

Mas tem mais. Mesmo que alguns mecanismos tenham sido propostos para a coexistência das substâncias químicas certas, de onde veio a grande informação para a construção da célula e das suas elaboradas proteínas? Qual foi a origem do material da reprodução celular? De onde veio a reparação de danos e mecanismos de crescimento etc., todos tão engenhosamente codificados no DNA? Essa questão não é apenas difícil, mas impossível. Além de nenhum mecanismo jamais ter sido apresentado por essa abiogênese, nenhum bioquímico seria capaz de produzir os resultados exigidos em condições laboratoriais controladas e artificiais!

Depois há o problema da própria quiralidade unilateral (lateralidade) de muitos produtos químicos orgânicos. Muitas substâncias químicas que ocorrem na matéria viva podem existir em duas formas que são imagens espelhadas uma da outra. Por exemplo, a simples molécula de glicose é umas dessas – ela existe tanto na forma canhota quanto na destra. Se uma quantidade de toda (digamos) glicose destra é dissolvida em água, em um curto espaço de tempo, metade da glicose vai se converter para a forma canhota. Só que as proteínas são compostas apenas por aminoácidos canhotos e o DNA e RNA têm apenas açúcares destros.

Desta forma, se produtos químicos que acontecem naturalmente existem em proporções iguais de forma canhota e destra na “sopa primordial”, e células vivas surgem naturalmente (e acidentalmente), isso deveria ser refletido na química celular. No entanto, em todas as células vivas, esses produtos químicos existem exclusivamente como entidades canhotas ou destras, como ilustrado acima. Esse fato sozinho (chamado de homoquiralidade dos bioquímicos) demonstra a extrema dificuldade da abiogênese.

Novamente, a abiogênese nunca foi vista, não pode ser reproduzida em laboratório e não pode ser testada. É, portanto, não científica e deve ser aceita como um milagre de fé pelos ateus.

Consciente deste problema, a Bíblia nos relembra, “Pois tu formaste o meu interior, tu me teceste no seio de minha mãe” (Salmos 139:13).

Complexidade irredutível

Mesmo que admitamos todos os milagres anteriores, incluindo o da mutação genética que levou à especiação, ainda resta outro problema insuperável da complexidade irredutível.

É uma parte integral da “fé” evolucionária que toda e qualquer mutação que se torne uma característica permanente do código genético deve ser uma vantagem para o organismo, à medida que ele se desenvolve gradualmente. Mas esse é um problema sério com alguns órgãos complexos. Vamos usar um exemplo comum como o olho.

O olho tem vários componentes, incluindo a pupila (com o músculo esfíncter ótico), para controlar a intensidade da luz, músculos dos olhos para apontá-los com precisão na direção correta, as lentes e os mecanismos de foco, humores aquosos e vítreos, a retina para converter luz em sinais elétricos, o nervo óptico para transmitir as informações ao cérebro, partes apropriadas e muito complexas do cérebro para interpretar o enorme fluxo de informações, etc. Sem nenhum desses componentes (e esta não é uma exaustiva lista), o olho não funcionaria e os outros componentes não seriam vantajosos aos humanos ou a outras criaturas.

Agora pergunto uma simples questão. Como poderia qualquer um dos componentes do olho ter evoluído, por que nenhum deles confere qualquer vantagem sobre a criatura antes que todos os outros se desenvolvam? Novamente, nenhuma explicação pode ser oferecida e o milagre da complexidade irredutível deve ser aceita pela fé.

Se o olho foi o único exemplo, daí, essa seria apenas a menor irritação para os evolucionistas. Infelizmente, tais exemplos são abundantes e incluem coisas como o sangue e o sistema circulatório, o sistema esquelético, etc. Na verdade, quase todo órgão do corpo humano poderia ser citado como um exemplo de complexidade irredutível impossível de ser produzido por processos evolutivos cegos.

Como mostrado acima, provavelmente o maior exemplo de complexidade irredutível é a própria célula, a origem que não pode ser explicada, e nem pode se quer ser prevista a origem. Novamente, esse é um elemento importante da fé ateística.

A Bíblia constata o mesmo fato ao observar: “Graças te dou, visto que por modo assombrosamente maravilhoso me formaste; as tuas obras são admiráveis, e a minha alma o sabe muito bem” (Salmos 139:14).

A escolha

Desta forma, temos uma categórica escolha a fazer entre um Deus criador e onipotente de um lado e uma série de milagres do outro. Isso inclui o Big Bang, a ordem do cosmos, o ambiente ideal da Terra, abiogênese, especiação, complexidade irredutível, sexualidade, entre outros fatores. Cada um desses milagres é inconsistente com a observação atual e com a lei natural, o que faz do ateísmo uma filosofia inconsistente.

Ou seja, os ateus frequentemente alegam que o teísmo é inaceitável porque requer fé no invisível, não visto e inexplicável. Mas o ateísmo requer exatamente a mesma fé em miraculosos eventos que não podem ser vistos! E é exatamente porque o ateu rejeita o milagroso em sua base “científica” que o torna tão inconsistente.

Por que escolher?

Devemos escolher! Para ser um ser humano é essencial escolher entre acreditar no milagre do Deus criador ou nos numerosos milagres exigidos pelo ateísmo evolucionário. Mas devemos escolher – a questão não pode ser evitada por humanos inteligentes.

A ideia do ateísmo é, historicamente falando, relativamente nova. Ela surgiu durante o século 17 e gerou a forma moderna de evolução. Por milênios antes disso, ninguém tinha sido seriamente atraído pelo pensamento ateísta. Então, por que é tão atrativo? A resposta é simples quando nos perguntamos sobre as consequências dessas duas alternativas.

Ateísmo: Não há deus e o universo é sem sentido. O Homo Sapiens é apenas outra espécie de animal; a moral e a ética não têm significado. Não somos responsáveis perante nenhuma autoridade superior.

Teísmo: Há um Deus Criador que fez os seres humanos e tudo mais. Ele determina o certo e o errado, o que nos faz responsáveis perante Ele. Por isso o ateísmo é visto como uma maneira conveniente de evitar nossa responsabilidade para com Deus. Muitos rejeitam o teísmo com base apenas nisso, porque eles não querem assumir um compromisso de serviço que o teísmo exige. Pelo menos um ateu foi corajoso suficiente para dizê-lo:

“Nós escolhemos o lado da ciência apesar da absurda patente de algumas de suas construções, apesar de sua falha em cumprir muitas de suas promessas extravagantes de saúde e vida, apesar da tolerância da comunidade científica com histórias não fundamentadas, porque temos um compromisso prévio, um compromisso com o materialismo. Não é que os métodos e instituições da ciência nos obriguem de alguma forma a aceitar uma explicação material do mundo fenomenal, mas, pelo contrário, somos obrigados pela nossa adesão anterior a causas materiais para criar um aparato de investigação e um conjunto de conceitos que produzem explicações materiais, não importa quão contra intuitivo, não importa quão mistificador para os não iniciados. Além disso, este materialismo é um imperativo, pois não podemos permitir um Pé Divino na porta!” (Richard Lewontin, Billions and Billions of Demons, The New York Review, 9 de janeiro de 1997, p. 31).

Isso não é para sugerir que os ateus são imorais ou antiéticos – a maioria deles são bem morais e éticos, mas escolheram ser livres da responsabilidade externa imposta que o teísmo requer. Isso forma uma ironia fundamental no coração do ateísmo, que continua a ser um enigma para o ateísmo.

Teísmo

Ao contrário do ateísmo, o teísmo é bem mais consistente. Todos os teístas vão testemunhar de que eles têm um relacionamento pessoal com seu Deus Criador, que regularmente realiza milagres. Desta forma, Deus e Seus milagres são uma questão de observação pessoal, o que faz o teísmo inteiramente consistente com a observação.

Isso não sugere que o teísmo é científico, porque Deus raramente vai permitir-Se ser objeto para testes do tipo laboratorial. Entretanto, para aqueles que servem a Deus, Ele é uma fonte de força e inspiração. “Os céus por sua palavra se fizeram, e, pelo sopro de sua boca, o exército deles. […] Pois ele falou, e tudo se fez; ele ordenou, e tudo passou a existir” (Salmos 33:6, 9). Eu escolho servir a Ele que me criou.

*Peter A. McGowan é engenheiro de mecânica e materiais aposentado. Atualmente é pastor adventista em Melbourne, Austrália. Artigo originalmente publicado em https://creationsabbath.net/is-faith-scientific



terça-feira, 22 de outubro de 2019

175 ANOS DA CHEGADA DO JUÍZO


Ricardo André

Hoje é um dia histórico para a Igreja Adventista do Sétimo Dia em todo o mundo – o Dia do Desapontamento de 22 de outubro de 1844. Ao levantar nesta manhã fiquei refletindo sobre aquele dia tão marcante e triste para nossos irmãos mileritas. Guilherme Miller (1782-1849), um agricultor, converteu-se à Igreja Batista e começou a estudar intensamente a Bíblia. Utilizando uma Bíblia e um material de estudo de textos bíblicos conhecido como Concordância de Cruden, conclui que o Santuário descrito na profecia de Daniel 8:14 referia-se à Terra e a purificação do mesmo ao retorno de Jesus. Fazendo uso de um método de interpretação de profecias bíblicas conhecido como princípio dia-ano (Números 14:34; Ezequiel 4:6), concluiu, depois de 16 anos de estudo das profecias (1816-1832) que as "2300 tardes e manhãs" referidas, iniciavam-se em 457 a.C e se cumpriam entre março de 1843 e março de 1844. Como o fato não ocorreu (a volta de Jesus), o retorno aos estudos sobre o assunto gerou uma compreensão mais acurada. Samuel S. Snow, ministro protestante milerita, concluiu que a purificação do santuário descrita na profecia ocorreria de acordo com o calendário judaico dos caraítas em 22 de outubro de 1844.

Miller sentiu o desejo de exclamar: “Não posso expressar a alegria que encheu meu coração!” (Miller, Apology and Defence, p. 12. Citado em A Visão Apocalíptica e a Neutralização do Adventismo, p. 33). Durante 14 anos Guilherme Miller pregara sua mensagem. Aproximadamente 50 mil pessoas em todos os Estados Unidos, aceitaram-na. Eles aguardavam com sinceridade a volta de Jesus. Todos acreditavam que finalmente havia chegado a hora da vinda do Salvador a este mundo, para terminar a triste história do pecado. A esperança daqueles crentes era tão forte que a própria morte não tinha pode sobre eles. Ellen G. White afirmou: “As alegrias da salvação nos eram mais necessárias do que a comida e a bebida. Se as nuvens nos obscureciam o espírito, não ousávamos repousar ou dormir antes que fossem varridas pela certeza de que éramos aceitos pelo Senhor” (Vida e Ensinos, p. 53).

Haviam feitos todos os preparativos, acertados todas as contas. Reconciliaram-se com aqueles que haviam ferido ou prejudicado. Deixaram de lado toda a rotina diária, doaram os frutos de suas terras aos amigos e anunciaram com galhardia e coragem ao mundo de seus dias que a volta de Jesus seria naquela data. Que fé maravilhosa! Que desejo ardente de ver o Senhor Jesus! Entre eles, encontrava-se a adolescente Ellen G. Harmon. A respeito desse dia de espera, ela escreveu: "Este foi o ano mais feliz de minha vida. Meu coração transbordava de alegre expectativa" (Testemunhos Para a Igreja, v. 1, p. 54). O dia tão esperado chegara. Não havia dúvidas. As últimas horas haviam sido gastas em fervorosa oração e reestudo da Bíblia, para confirmação das datas anunciadas na profecia. O dia era este, sem dúvida. O dia tão esperado; o dia da segunda vinda de Jesus Cristo, mas na data nada ocorreu, gerando O Grande Desapontamento e muita tristeza.

C. M. Maxwell narra a intensa expectativa entre eles: “As sombras do acaso estendiam-se serena e friamente por toda a terra. As horas da noite passavam vagarosamente. Em desconsolados lares de mileritas, os relógios assinalaram doze horas da meia-noite – 22 de outubro havia terminado. Jesus não viera. Ele não voltara!” (História do Adventismo, p. 34).

Será que temos uma compreensão clara do que passaram aqueles primeiros “adventistas”? Compreendemos o significado da dor e da decepção que sofreram? Já pensamos o que significa caírem por terra todos os seus sonhos e a esperança da volta de Cristo desvanecer-se com o amanhecer do dia 23 de outubro, ao invés de raiar uma nova vida para os filhos de Deus? Foi um golpe terrível para os antepassados e pioneiros do Adventistimo. Aquela multidão de homens e mulheres pregava uma mensagem clara e inequívoca: Jesus voltará no dia 22 de outubro de 1844! É difícil compreender o grande drama experimentado pelos pioneiros naquela época.

Depois da experiência do desapontamento, enquanto a maioria dos Milleritas acabaram por desanimar, vários grupos continuaram estudando a Bíblia e constataram que a profecia de Daniel 8:14, sobre os 2.300 dias-anos, deveria realmente cumprir-se naquela data. Contudo, o acontecimento foi interpretado de forma equivocada. Eles compreenderam que a profecia não tratava da volta de Cristo e sim de eventos celestiais relatados no livro de Hebreus. Um desses grupos foi liderado pelo capitão aposentado José Bates e pelo casal Tiago White e Ellen G. White. Depois de reexaminarem as profecias, esse grupo compreendeu que havia um santuário real no Céu (Hb 8:1-5; Ap 11:19) e que a “purificação do santuário” de Daniel 8:14 não tinha nada ver com a Terra, mas com o Santuário Celestial, do qual o santuário terrestre era cópia ou tipo, e que, ao invés de Jesus voltar nessa data, Ele entrou como nosso Sumo Sacerdote no segundo compartimento do Santuário celestial, o Santo dos Santos, para iniciar o juízo investigativo predito na profecia de Apocalipse 14:6 e 7, e antes prefigurado no ritual do Dia da Expiação do santuário terrestre (Lv 16). Eles entenderam que essa era uma parte importante do plano de salvação. A partir disso, no devido tempo, surgiu um grande movimento religioso mundial: A Igreja Adventista do Sétimo Dia. Esta recebeu uma grande missão: Anunciar a última mensagem de salvação a todo mundo. Ultrapassar os limites territoriais, culturais e linguísticos para alcançar toda a população da Terra, apresentando a tríplice Mensagem Angélica descrita em Ap 14:6-12, e chamar a atenção do mundo para o juízo e Sua segunda vinda. Para isso fundaram-se instituições médicas e educacionais em muitas parte do Globo. Foram erigidas igrejas, escolas, hospitais e casas publicadoras para ajudar a levar o evangelho eterno a toda não, tribo, língua e povo. Essa Igreja encara com seriedade a ordem: “Importa que profetizes novamente” (Ap 10:11).

Ellen G. White, co-fundadora da Igreja Adventista, afirmou: “Em sentido especial foram os adventistas do sétimo dia postos no mundo como atalaias e portadores de luz. A eles foi confiada a última mensagem de advertência a um mundo a perecer. Sobre eles incide maravilhosa luz da Palavra de Deus. Confiou-se-lhes uma obra da mais solene importância. (...) Não devem eles permitir que nenhuma outra coisa lhes absorva a atenção” (Testemunhos Seletos, vol. 3, p. 288).

Seis semanas depois do desapontamento de 22 de outubro de 18444, Guilherme Miller escreveu muitas linhas que ainda guiam minha jornada como fiel adventista. Ele escreveu: "Tenho fixado minha mente em outro tempo, e pretendo permanecer aqui até que Deus me conceda mais luz - para hoje, hoje e hoje, até que Ele venha e eu possa ver Aquele por quem minha alma tanto anseia" (The Midnight Cry, 5 de dezembro de 1844, p. 180. Citado em Revista Adventista, Outubro 2019, p. 19).

Hoje completamos 175 anos desse dia do Desapontamento. Com base nos capítulos 7 a 9 de Daniel, temos anunciado que o juízo investigativo que precede a segunda vinda de Cristo começou em 1844 e será concluído pouco antes desse glorioso evento. Caro amigo leitor, continuemos a aguardar a volta de Jesus. Ele virá! Que possamos ouvir dos lábios do Mestre as boas-vindas para a eterna Pátria celestial.

Oremos para que o Senhor volte dentro em breve!


domingo, 20 de outubro de 2019

HISTÓRIA DE DUAS IMAGENS


Heyssen J. C. Maravi*

A estátua de ouro de Nabucodonosor projeta acontecimentos do tempo do fim

Desde o Gênesis até o Apocalipse, o tema da adoração é parte notável no desenvolvimento das Sagradas Escrituras. A primeira batalha travada neste mundo girou em torno do tema da adoração (Gn 4:4-8, cf. 1Jo 3:12). Será esse também o tema da última batalha (Ap 14:9-12). O livro de Daniel não é alheio a essa peculiaridade bíblica.

Os primeiros versos desse livro mostram claramente esse conflito: “No terceiro ano do reinado de Jeoaquim, rei de Judá, Nabucodonosor, rei da Babilônia, veio a Jerusalém e a sitiou. E o Senhor entregou Jeoaquim, rei de Judá, nas suas mãos, e também alguns dos utensílios do templo de Deus. Ele levou os utensílios para o templo do seu deus na terra de Sineara e os colocou na casa do tesouro do seu deus” (Dn 1:1, 2). Esse fato se constitui um símile do grande conflito através da História, no qual Babilônia ataca o povo de Deus, Jerusalém.1 O fato de que os jovens hebreus tivessem que se abster dos alimentos no palácio real (Dn 1:8) também envolvia adoração (cf. 1Co 6:19). Segundo José Luís Santa Cruz, o livro de Daniel é marcado pela adoração, no contexto do grande conflito,2 pois esse é dos seus principais temas.3

Apesar disso, especialmente Daniel 3 apresenta um quadro interessante que não deve ser passado por alto, pois registra o tema da adoração na atitude dos três jovens hebreus: Sadraque, Mesaque e Abedenego, diante do sonido ameaçador que assinalava o momento em que todos deveriam se curvar diante da imagem de ouro erguida por Nabuconosor.4 Esse incidente torna real o conflito entre a verdadeira adoração desafiada por Babilônia, quando o confrontamos com a escatológica “imagem da besta” mencionada em Apocalipse 13.

Indubitavelmente, o capítulo 3 do livro de Daniel está cheio de lições envolvendo coragem, fidelidade e destemor dos adoradores em contraposição à necessidade de um homem egoísta e à idolatria de seus seguidores.

A imagem de ouro

Uma possível data para esse evento seria o ano 594 a.C., quando Zedequias, como rei de Judá, foi chamado a se apresentar em Babilônia (Jr 51:59), muito provavelmente para a dedicação da estátua de ouro.5 Tendo como base o sonho que lhe foi dado por Deus e que foi interpretado por Daniel, Nabucodonosor havia compreendido que seu reino teria fim (Dn 2). Porém, por causa do orgulho humano natural, alimentado em razão da prosperidade do reino, ele resolveu mudar a História, motivo pelo qual Daniel escreveu sobre a imagem de ouro.6

A palavra hebraica para imagem (tselem), em Daniel 3, é a mesma palavra utilizada no capítulo 2, o que torna evidente a atitude rebelde do rei contra os desígnios de Deus, considerando que, no sonho do capítulo 2, o reino babilônico representado pelo ouro se limitava à cabeça da imagem. Porém, no capítulo 3, os desejos e planos que pretendia realizar na História, da cabeça aos pés, a estátua foi construída com ouro.

Jacques B. Doukhan menciona que a estátua, medindo 60 côvados de altura por seis de largura, era a própria imagem de Nabucodonosor. A extrema altura encontra eco na arrogância de um rei que buscava impressionar súditos e visitantes de seu reino. Embora no simbolismo babilônico o número 60 representasse a noção de unidade, o rei procurou cumprir sua vontade unindo o reino à religião.7

Podemos inferir que Nabucodonosor estivesse ansioso, obstinado mesmo, para que seu reino se tornasse eterno, o que seria possível caso fosse conseguida a unidade política e religiosa em Babilônia. Então, conseguiu reunir esses dois polos na estátua de ouro.
 A Bíblia assinala expressamente que o rei “convocou os sátrapas, os prefeitos, os governadores, os conselheiros, os tesoureiros, os juízes, os magistrados e todas as autoridades provinciais, para assistirem à dedicação da imagem que mandara erguer” e, na cerimônia de dedicação da estátua, o arauto anunciou: “Esta é a ordem que lhes é dada, ó homens de todas as nações, povos e línguas: Quando ouvirem o som da trombeta, do pífaro, da cítara, da harpa, do saltério, da flauta dupla e de toda espécie de música, prostrem-se em terra e adorem a imagem de ouro que o rei Nabucodonosor ergueu. Quem não se prostrar em terra e não adorá-la será imediatamente atirado numa fornalha em chamas” (Dn 3:4-6).

Há dois assuntos envolvidos nessa narrativa: (1) Uma convocação estatal para que todos os líderes políticos e militares tomassem parte ativa em assuntos religiosos, e (2) uma terrível ameaça a todo aquele que desconsiderasse o decreto. Apesar disso, é aqui no âmago do tema, que os verdadeiros adoradores tiveram a fé extremamente provada no fogo.

Egolatria

Dá-se o nome de egolatria à adoração de uma pessoa a si mesma. O primeiro ególatra foi Lúcifer, que se encantou com a própria beleza, perfeição e os privilégios que havia recebido no Céu. Por isso, nutriu desejo de ser Deus, querendo ser adorado como Deus e se sentar no trono divino (Ez 28:17; cf. Is 14:13, 14). Nabucodonosor havia reconhecido o Deus de Daniel como “Deus dos deuses e Senhor dos reis” (Dn 2:47). Porém, mostrou-se mais do que néscio ao fazer caso da revelação que lhe havia sido feita: “Depois de ti surgirá um outro reino” (Dn 2:39).8

Semelhantemente, foi o orgulho que levou o querubim cobridor a deflagrar um grande conflito. Deus, e mais ninguém, é o único ser merecedor de adoração. A egolatria é atitude contrária ao ensinamento bíblico.

Em nossos dias, com o apogeu do pós-modernismo, no esforço de criar autoestima saudável, há o perigo de cairmos em terreno movediço, ao superestimarmos a capacidade humana, com ensinamentos que transmitem a ideia de que há poder inerente no ser humano. A superação pessoal é boa e interessante, porém, à parte de Deus, ecoa a reivindicação satânica.

Servos idólatras

Ao longo de toda a Bíblia existem numerosas passagens em que homens adoram ídolos e imagens feitos de materiais diversos, embora, na sua maioria, eles não pertencessem ao escolhido povo de Deus. Desde muito cedo na História, a idolatria foi praticada. Os antepassados imediatos de Abraão “prestavam culto a outros deuses” (Js 24:2). Os patriarcas se dedicaram à adoração monoteísta de Jeová, porém, às vezes, familiares deles foram influenciados pela idolatria (Gn 31:30, 32-35; 35:1-4). O paganismo canaanita era popular, por causa de suas baixas normas éticas, em contraste com os elevados padrões da religião hebraica. Por isso, a religião mais exigente não raro era trocada pela adoração mais fácil a Baal.

O problema da idolatria era tão grave na antiguidade que os primeiros dois mandamentos do Decálogo se ocupam dessa fase da vida religiosa (Êx 20:3-6). O segundo mandamento ordena: “Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa no céu, na Terra, ou nas águas debaixo da terra. Não te prostrarás diante deles nem lhes prestarás culto, porque Eu, o Senhor, o teu Deus, sou Deus zeloso, que castigo os filhos pelos pecados de seus pais até a terceira e quarta geração daqueles que Me desprezam, mas trato com bondade até mil gerações aos que Me amam e obedecem aos Meus mandamentos” (Êx 20:4-6).

Satanás sempre buscou desviar as pessoas da verdadeira adoração, que é “em espírito e em verdade” (Jo 4:24). Tudo o que não agrada a Deus agrada a Satanás. Portanto, adorar e venerar estátuas e imagens de preferências próprias significa desobediência à ordem de Deus em Sua Palavra e, por extensão, passa a ser obediência a Satanás.

Em Daniel 3 é evidenciado um marcante contraste entre os servos de Deus e os servos de um homem que acreditava ser deus. Os primeiros foram encontrados fiéis e aprovados na prova de fogo; os segundos, como adoradores de uma imagem, por temor ao fogo, ou provavelmente por escolha própria. Esses idólatras estão sempre à espreita dos fiéis adoradores, não para seguir o exemplo deles, mas para acusá-los e desejar que sejam julgados com a pena mais dura, ignorando que serão eles mesmos os que finalmente experimentarão o fogo voraz (Dn 3:8-12, 22; Ap 21:8).

Assim, está evidente, em Daniel 3, o contraste entre a adoração ao verdadeiro Deus e a idolatria.9 Há um marcante conflito entre a verdadeira e a falsa adoração; a adoração prestada por Sadraque, Mesaque e Abedenego contraposta à adoração idólatra de todos os que se prostraram diante da imagem de ouro. Com a resistência que ofereceram à ordem do rei, aqueles verdadeiros adoradores não se deixaram intimidar pelo risco de morrer. Porém, sua atitude não foi um ato de loucura, mas de fé em um Deus que podia livrá-los. Caso não o fizesse, ainda assim eles não retrocederiam. Mais que a preservação da própria vida, a eles importava a absoluta fidelidade a Deus.

Nabucodonosor e a besta

Para muitos intérpretes, a imagem de ouro de Daniel 3 pode ser relacionada à imagem da besta apresentada em Apocalipse 13. Na história dessa última imagem, há uma correspondência essencial com o relato dos três jovens em Babilônia. Assim como a edificação da imagem de ouro representativa de Nabucodonosor foi precedida por um decreto estatal para que ela fosse adorada, com ameaça de morte para os que se recusassem a fazê-lo, de acordo com o relato apocalíptico, isso se repetirá em âmbito universal no tempo do fim: “Foi-lhe dado poder para dar fôlego à imagem da primeira besta, de modo que ela podia falar e fazer que fossem mortos todos os que se recusassem a adorar a imagem” (Ap 13:15). É importante reconhecer a tipologia essencial entre Daniel 3 e Apocalipse 13.10

Nesse sentido, a imagem de ouro é similar à imagem da besta. As medidas marcadas pelo número seis nos fazem perceber a presença de um moderno anticristo babilônico, que obrigará o mundo a prestar adoração à besta e sua imagem (Ap 13:11-18).11

Com respeito à imagem erguida na planície de Dura, descreveu o profeta: “Então o arauto proclamou em alta voz: ‘Esta é a ordem que lhes é dada, ó homens de todas as nações, povos e línguas: Quando ouvirem o som da trombeta, do pífaro, da cítara, da harpa, do saltério, da flauta dupla e de toda espécie de música, prostrem-se em terra e adorem a imagem de ouro que o rei Nabucodonosor ergueu. Quem não se prostrar em terra e não adorá-la será imediatamente atirado numa fornalha em chamas’” (Dn 3:4-6).

Utilizando linguagem semelhante, João escreveu sobre o chamado para submissão à besta: “Foi-lhe dado poder para dar fôlego à imagem da primeira besta, de modo que ela podia falar e fazer que fossem mortos todos os que se recusassem a adorar a imagem. Também obrigou todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e escravos, a receberem certa marca na mão direita ou na testa, para que ninguém pudesse comprar nem vender, a não ser quem tivesse a marca, que é o nome da besta ou o número do seu nome” (Ap 13:15-17). O apóstolo continuou: “Um terceiro anjo os seguiu, dizendo em alta voz: ‘Se alguém adorar a besta e a sua imagem e receber a sua marca na testa ou na mão, também beberá do vinho do furor de Deus que foi derramado sem mistura no cálice da sua ira. Será ainda atormentado com enxofre ardente na presença dos santos anjos e do Cordeiro’” (Ap 14:9, 10).

Desse modo, a profecia bíblica assinala claramente que, nos últimos dias, no cenário da história terrestre, surgirá outro poder, representado pela imagem da besta que, à semelhança de Nabucodonosor tentará conseguir unidade religiosa no mundo. Nesse contexto, estarão arregimentados poderes religiosos, políticos e militares. A substituição do sábado pelo domingo será a marca visível dessa união. Os fiéis que se recusarem a adorar essa imagem serão ameaçados com penalidades e decreto de morte. “Quando as principais igrejas dos Estados Unidos, ligando-se em pontos de doutrinas que lhes são comuns, influenciarem o Estado para que imponha seus decretos e lhes apoie as instituições, a América do Norte protestante terá então formado uma imagem da hierarquia romana, e a aplicação de penas civis aos dissidentes será o resultado inevitável.”12

De tudo o que vimos até aqui, nunca é demais que tenhamos em mente alguns pontos para reflexão: A fidelidade dos três amigos de Daniel deve ser exemplo para todo cristão, em todo tempo, em demonstração de que é mais importante obedecer a Deus do que aos homens (At 5:29). A promessa de Deus, no sentido de estar conosco sempre (Js 1:9; Mt 28:20) jamais falhará. O Senhor não apenas estará conosco, mas também intervirá extraordinariamente para nosso livramento no momento mais grave. Morte eterna no fogo que arde com enxofre será a consequência da falsa adoração. Vida eterna no reino celestial será o galardão dos fiéis.

*Heyssen J. C. Maravi, Coordenador de pequenos grupos na escatologia Missão Oriente Peruana

Referências:

1. Merling Alomía, Daniel: o Varón Muy Amado de Dios (Lima: Theologika, 2004), v. 1, p. 190.

2. José Luís Santa Cruz, O conflito entre a falsa e a verdadeira adoração no livro de Daniel e sua relevância escatológica (Tese doutoral em Teologia: Universidad Peruana Unión, Lima, Peru, 2003), p. 42.

3. Desmond Ford, Daniel (Nashville, TN: Southern Publishing House, 1978), p. 76.

4. Daniel Oscar Plenc, El Culto que Agrada a Dios (Buenos Aires: ACES, 2007), p. 131.

5. Gerhard Pfandl, Lecciones Para la Escuela Sabática (Buenos Aires: ACES, 2004), p. 30.

6. Jacques B. Doukhan, Secretos de Daniel. Sabiduría y Sueños de um Príncipe Hebreo em el Exilio (Buenos Aires: ACES, 2007), p. 44.

7. Ibid., p. 46

8. Ángel Manuel Rodriguez, Fulgores de Gloria (Buenos Aires: ACES, 2001), p. 124.

9. Merling Alomía, Daniel el Profeta Mesiánico (Lima: Theologika, 2007), v. 2, p. 83.

10. Hans LaRondelle, Las Profecias del Fin (Buenos Aires: ACES, 2000), p. 313.

11. Merling Alomía, Daniel, el Profeta Mesiánico, v. 2, p. 85.

12. Ellen G. White, O Grande Conflito, p. 445.


FONTE: Revista Ministério, Março/Abril 2013, p. 21-23