Teologia

domingo, 30 de junho de 2019

ENSINAM OS ADVENTISTAS QUE O SACRIFÍCIO EXPIATÓRIO DE CRISTO NA CRUZ FOI INCOMPLETO?


Os adventistas do sétimo com frequência são acusados de subestimar o sacrifício expiatório completado na cruz, transformando-o numa expiação inacabada ou parcial que precisa ser secundada pelo ministério sacerdotal de Cristo; talvez se possa chamar isso de expiação dupla. É verdadeira essa acusação? Não afirma a Sra. White que Cristo está agora fazendo expiação por nós no santuário celestial? Por favor, expliquem a sua posição e declarem em que vocês diferem dos outros no tocante à expiação.

De início, desejamos afirmar da maneira mais veemente e explicita que os adventista do sétimo dia não creem que Cristo fez apenas um sacrifício expiatório parcial ou incompleto na cruz. A palavra “expiação” tem amplo significado nas Escrituras. Embora abranja fundamentalmente o sacrifício expiatório de nosso Senhor Jesus Cristo na cruz, inclui também outros aspectos importantes da obra da graça salvadora.

A palavra “expiação” é semelhante a outras palavras usadas na Bíblia, como “salvação” e “redenção”. A salvação abrange algo no passado, de modo que o indivíduo poderá dizer: “Fui salvo”. Refere-se também a uma experiência que está em andamento, de modo que se possa afirmar: “Estou sendo salvo” (ver At 2:47), Edição Revista e Atualizada no Brasil). Refere-se igualmente ao futuro, pois em certo sentido se poder dizer: “Serei salvo”.

O mesmo é verdade no tocante à palavra “redenção”. Embora o preço de aquisição – o resgaste – tenha sido pago no Calvário, e por isso possamos dizer: “Fui remido”, existem também certos aspectos da redenção da redenção que ainda se acham no futuro. Lemos nas Escrituras a respeito da “redenção do nosso corpo” (Rm 8:23), e, referindo-Se a Seu segundo advento, nosso bendito Senhor e Salvador recomendou a Seus seguidores: “Erguei a vossa cabeça; porque a vossa redenção se aproxima” (Lc 21:28).

O mesmo princípio se aplica à palavra “expiação”. Da maneira mais decisiva, o todo-suficiente sacrifício Expiatório de nosso Senhor Jesus foi oferecido e completado na cruz do Calvário. Isso foi efetuado em favor de toda a humanidade, pois “Ele é a propiciação” pelos pecados “do mundo inteiro” (1Jo 2:2).

Mas essa obra sacrifical, em realidade, é proveitosa para o coração humano quando ele rende a vida a Deus e experimenta o milagre do novo nascimento. Nessa experiência, Jesus, nosso Sumo Sacerdote, aplica a nós os benefícios de Seu sacrifício expiatório. Nossos pecados são perdoados, tornamo-nos filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus e a paz de Deus passa a habitar em nosso coração.

No tempo do tabernáculo antigo, em que os mistérios da redenção eram prefigurados por muitos sacrifícios e ordenanças, o sacerdote, depois da morte da vítima sacrifical, punha o sangue nas pontas do altar. E o relato afirma que, por meio desse ato, “o sacerdote fará expiação por ele [pelo pecador] no tocante ao seu pecado, e este lhe será perdoado” (Lv 4:26). Assim, o sacrifício expiatório provido era acompanhado pelos benefícios da aplicação do mesmo sacrifício expiatório. No tempo do Antigo Testamento, ambos eram considerados aspectos da grande obra total de expiação. O primeiro deles provia o sacrifício expiatório; o outro, a aplicação de seus benefícios.

Portanto, o plano divino de redenção abrange mais do que a morte vicária e expiatória de Cristo, embora ela seja o próprio âmago dessa expiação; abrange também o ministério de nosso Senhor como nosso Sumo Sacerdote celestial. Havendo completado o Seu sacrifício, Ele ressuscitou dos mortos “por causa da nossa justificação” (Rm 4:25) e penetrou no santuário do alto, para realizar ali Sua obra sacerdotal em favor do homem necessitado. “Tendo obtido eterna redenção” (Hb 9:12) por nós na cruz. Ele ministra agora os benefícios dessa expiação em favor dos que aceitam Sua abundante provisão de graça. Assim, tendo sido completado no Calvário, o sacrifício expiatório precisa, agora, ser aplicado aos herdeiros da salvação, para que se apoderem dele. O mistério de nosso Senhor está, portanto, incluído na grande obra de expiação. Considerando, pois, o vasto alcance da expiação, em suas provisões e eficácia, percebe-se que ela é muitíssimo mais abrangente do que muitos imaginam.

Devemos lembrar que os homens não são salvos em massa, de modo automático, involuntário, impessoal ou universal. Precisam aceitar individualmente a graça divina, e cremos que, embora Cristo tenha morrido de maneira provisional e potencial em favor de todos os homens, e nada mais possa ser acrescentado a isso, Sua morte em realidade e no final só será eficaz para os que aceitam e aproveitam individualmente seus benefícios.

Para salvar-se, é preciso haver arrependimento individual, e volta para Deus. O pecador deve lançar mão das provisões do sacrifício expiatório que foi inteiramente realizado por Cristo no Calvário. E a aplicação da provisão expiatória da cruz a pecadores arrependidos e a santos suplicantes só se torna eficaz por meio do ministério sacerdotal de Cristo – quer a pessoa compreenda isso teologicamente na íntegra, quer não.

É essa última provisão do ministério sacerdotal que efetua a autêntica, tangível e contínua purificação do coração da pessoa, não só da culpa mas também da poluição e do poder do pecado. É isso que a torna eficaz para os homens. O ministério celestial de Cristo em nosso favor traz a paz e a alegria da redenção mediante o dom do Espírito Santo, que o nosso ministrante Sumo Sacerdote envia ao nosso coração. A expiação abrange, portanto, não só o ato transcendente da cruz, mas também os benefícios do sacrifício de Cristo que constantemente estão sendo aplicados aos que deles necessitam. E isso continuará assim até o fim do tempo da graça.

I – O Vasto Alcance da Redenção

Junto com outros cristãos conservadores, os adventistas ensinam uma expiação que requeria a encarnação do Verbo eterno – o Filho de Deus – a fim de que Ele pudesse tornar-Se o Filho do homem; e, vivendo entre os homens como nosso parente na carne, pudesse morrer em nosso lugar para nos remir. Cremos que a expiação provê um sacrifício todo suficiente, perfeito e substituinte para o pecado, que satisfaz completamente a justiça de Deus e cumpre todos os requisitos, de modo que a misericórdia, a graça e o perdão possam ser estendidos livremente ao pecador arrependido, sem comprometer a santidade de Deus nem pôr em risco a equidade de Seu governo. “Tendo em vista a manifestação da Sua graça no tempo presente, para Ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rm 3:26).

Desse modo, Deus justifica plenamente o pecador arrependido, por mais perverso que tenha sido, e lhe imputa a perfeita justiça de Cristo para cobrir sua iniquidade; comunica então ao pecador, por intermédio da santificação, Sua própria justiça, para que seja ele transformado à própria semelhança de Cristo.

E o maravilhosos resultado de tudo isso ocorrerá por meio da glorificação de nosso corpo no segundo advento do Senhor, que trará para todo o sempre pleno e decisivo livramento até mesmo da presença do pecado. Cristo é, portanto, a oferta sacrifical, o Sacerdote ministrante e o Rei vindouro. Isso abrange o passado, o presente e o futuro, e cremos que culminará na final e eterna erradicação no Universo de todo pecado e seus efeitos, bem como de seu perverso originador. Segundo entendemos, é esse o decisivo efeito da expiação realizada no Calvário.

II – O Sacrifício Expiatório e o Sacerdote Ministrante

Achamos ser de suma importância que os cristãos percebam a diferença entre o ato expiatório de Cristo na cruz, como sacrifício que foi completado para sempre, e a Sua obra no santuário como Sumo Sacerdote oficiante, ministrando os benefícios desse sacrifício. O que Ele fez na cruz foi feito em favor de todos os homens (1 Jo 2:2). O que Ele faz no santuário só é realizado em favor dos que aceitam Sua grandiosa salvação.

Ambos os aspectos são partes integrantes e inseparáveis da infinita obra divina de redenção. Um deles provê a oferta sacrifical; o outro provês a aplicação do sacrifício à pessoa arrependida. O primeiro foi efetuado por Cristo como vítima; o segundo, por Cristo como sacerdote. Ambos são aspectos do grande plano de redenção que Deus elaborou em favor do ser humano.

Que os adventistas do sétimo dia não são os únicos a adotar este conceito evidencia-se pelos seguintes trechos de um livro publicado há pouco tempo:

Expiação é a obra de Deus em Cristo para salvação e restauração do homem (Vicente Taylor, The Cross of Christ [Macmillam, 1956], p. 87).

Em sua natureza e escopo, a expiação tanto é libertação como consecução. Tem que ver com o pecado do homem e com a sua bem-aventurança; e não pode ser uma coisa sem ser ao mesmo tempo a outra (ibid., p. 87, 88).

De início, é importante distinguir dois aspectos da doutrina que podem ser separados em teoria, mas não sem grave perda na prática. Eles são [...] (a) o ato salvador de Cristo e (b) a apropriação de Sua obra pela fé, tanto individual como coletivamente. Os dois juntos constituem a expiação (ibid., p. 88).

Portanto, a expiação tanto é efetuada em nosso favor como efetuada em nós (ibid., p. 89).

Talvez nossa maior necessidade hoje em dia, se quisermos erguernos acima da pobreza da maior parte de nosso culto, seja experimentar mais uma vez admiração e confiança diante do incessante ministério salvador de Cristo, que é o verdadeiro centro da devoção cristã e a permanente fonte do viver cristão (ibid., p. 104).

Quando, portanto, se ouve um adventista dizer, ou se lê na literatura adventista, mesmo nos escritos de Ellen G. White, que Cristo está fazendo expiação agora, deve-se compreender que queremos dizer que Cristo está agora fazendo aplicação dos benefícios da expiação sacrifical na cruz; que a está tornando eficaz para nós, individualmente, conforme nossas necessidades e petições. Já em 1857, a própria Sra. White explicou claramente o que queria dizer quando escreveu que Cristo está fazendo expiação por nós em Seu ministério:

O grande sacrifício havia sido oferecido e aceito, e o Espírito Santo, que desceu no dia do Pentecostes, levou a mente dos discípulos do santuário terrestre para o celestial, onde Jesus havia entrado com o Seu próprio sangue, a fim de derramar sobre os discípulos os benefícios de Sua expiação (Primeiros Escritos, p. 260, itálico acrescentado).

FONTE: Texto extraído do livro Questões Sobre Doutrina, p. 255-260. O título no livro é “Expiação Sacrifical Provida e Aplicada”. Foi aqui modificada para tornar-se mais atrativo para os leitores do Blog.

sexta-feira, 28 de junho de 2019

JESUS E O ESPÍRITO SANTO: SÃO ELES UMA ÚNICA PESSOA, ATUANDO DE FORMAS DIFERENTES?


Milton L. Torres*

Em nossa época de pluralidade de crenças e completa liberdade de expressão, têm se tornado cada vez mais comuns os ataques às doutrinas cristãs, conforme explicitadas nas Escrituras e tradicionalmente compreendidas pelos teólogos e fiéis. Essa situação adquire contornos de crise uma vez que a postura pós-moderna parece exigir certa passividade diante das diferenças, ao mesmo tempo em que o bombardeio dos meios de comunicação contra as Escrituras se torna mais e mais inclemente. Se levantamos a voz para denunciar os equívocos de tais posturas excessivamente permissivas, somos chamados de intolerantes. Por outro lado, se nos calamos, somos rotulados como pessoas incultas, destituídas de argumentação e credibilidade, indignas de atenção, escravas da fé cega.

Diante dessa situação até certo ponto melindrosa, nos propomos a desenvolver uma reflexão sobre a possibilidade de que Jesus e o Espírito Santo sejam uma única Pessoa. Esse argumento tem sido recentemente proposto por movimentos dissidentes que tentam negar a pessoalidade e a personalidade do Espírito Santo, bem como minar a crença na doutrina das três Pessoas que compõem a Divindade. Ao defender essa posição, seus propositores procuram mostrar que, quando se referem ao “outro Consolador”, à intercessão em favor dos crentes e à distribuição de dons à igreja, as Escrituras estão, de fato, descrevendo a obra de Jesus, codificada sob a forma de enigmáticas referências ao Espírito Santo.

“Outro Consolador”

Jesus Cristo disse: “Eu pedirei ao Pai, e Ele lhes dará outro Conselheiro para estar com vocês para sempre, o Espírito da verdade. O mundo não pode recebê-Lo, porque não O vê nem O conhece. Mas vocês O conhecem, pois Ele vive com vocês e estará em vocês. Não os deixarei órfãos; voltarei para vocês. Dentro de pouco tempo o mundo não Me verá mais; vocês, porém, Me verão. Porque Eu vivo, vocês também viverão” (Jo 14:16-19, NVI).

Infelizmente, uma compreensão inadequada dessa passagem tem levado alguns a concluir que a promessa nela contida, de que Jesus não deixaria órfãos os discípulos, e de que Ele voltaria para eles, aponta para a vinda de Jesus à Terra para realizar a obra do Espírito Santo.

A maioria dos teólogos crê que Jesus aqui Se referiu à Sua vinda por ocasião da ressurreição. Obviamente, a vinda do Conselheiro é condicionada pela morte e ressurreição de Jesus. Devemos nos lembrar de que, nesse contexto, a promessa de Jesus foi motivada por uma declaração de Tomé: “Senhor, não sabemos para onde vais” (Jo 14:5). Diante disso, o Mestre explicou que rogaria ao Pai por outro Consolador e que este ficaria para sempre com os discípulos. Até aqui, a afirmativa de Jesus respondia somente em parte à inquietação dos discípulos, seu temor de ser abandonados. Contudo, Tomé havia feito referência específica à curiosidade dos discípulos quanto ao que aconteceria com o Mestre e, por essa razão, Jesus acrescentou que voltaria para eles, mas o mundo não mais O veria. De fato, imediatamente após a ressurreição, Jesus não mais Se manifestou para as pessoas do mundo (a não ser para aqueles que, por Sua autorrevelação, vêm a se converter).

Para defender o ponto de vista de que Jesus estava falando de Si mesmo, ao Se referir a outro Consolador, os que pensam assim primeiramente argumentam que nem o mundo nem os discípulos conheciam o Espírito Santo e que, já que os discípulos conheciam Jesus muito bem, o Espírito e Jesus tinham que ser a mesma pessoa. Segundo esse modo de pensar, a declaração de Jesus, de que os discípulos não O veriam ainda, seria cumprida por ocasião de Sua vinda como o “outro Consolador”. Essa posição não considera, porém, que o Espírito Santo já havia sido derramado sobre os discípulos, segundo a promessa de João Batista (Mc 1:8; 6:13), ainda que não de forma plena (Lc 24:49; Jo 20:21, 22; At 1:5). Ninguém vai a Cristo senão pela atuação do Espírito Santo. A própria condição de discípulos lhes garantia um conhecimento (ainda que parcial) do Espírito Santo.

O segundo argumento empregado para provar uma suposta identificação de Jesus como o “outro Consolador” é o da comparação das expressões “outro Consolador” e “outro discípulo”: “Pedro e o outro discípulo saíram e foram para o sepulcro. Os dois corriam, mas o outro discípulo foi mais rápido que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro” (Jo 20:3, 4). Argumentam que, se João podia se chamar de “outro discípulo”, o Salvador podia Se referir a Si mesmo como “outro Consolador”. É verdade que, ocasionalmente, Jesus Se referia a Si mesmo na terceira pessoa (Mt 12:40; 17:9; Lc 24:15, 16, 26, 27). No entanto, nunca o fez por meio da palavra “outro”. De fato, todas as vezes em que Ele empregou essa palavra, estava falando de outra pessoa. Por exemplo: “Eu vim em nome de Meu Pai, e vocês não Me aceitaram; mas, se outro vier em seu próprio nome, vocês o aceitarão” (Jo 5:43). Ele também usou essa palavra referindo-Se a João Batista (Jo 5:32).

João podia se referir a si mesmo como “o outro discípulo” porque havia mais discípulos; mas, se Jesus é o Consolador único, como querem os dissidentes, seria ilógico que Ele Se referisse a Si mesmo como sendo outro Consolador. Aliás, para que tenha sentido o argumento de que Jesus poderia usar a palavra “outro” em relação a Si mesmo porque João a usava, seria necessário que, no texto empregado para defender essa ideia (Jo 20:3, 4), João e Pedro fossem uma única pessoa. Ao contrário disso, ele afirmou que eram duas pessoas diferentes. Semelhantemente, quando Jesus chamou o Espírito Santo de “outro Consolador”, estava afirmando que Ele e o Espírito Santo são duas pessoas diferentes.

Ellen G. White esclarece a exposição de Jesus: “Limitado pela humanidade, Cristo não poderia estar em toda parte em Pessoa. Era, portanto, do interesse deles [os discípulos] que Ele fosse para o Pai e enviasse o Espírito como Seu sucessor na Terra.” 1 Evidentemente, não podemos conceber que ela estivesse falando de um sucessor de Jesus, se o Espírito Santo fosse apenas um nome diferente para o Senhor Jesus Cristo.

Espírito Santo: impessoal?

O texto de Atos 2:33 tem sido usado, em tempos recentes, como suposta prova de que o Espírito Santo não é uma Pessoa. Os argumentos correm em duas linhas principais: (1) o verso especificamente se refere ao Espírito Santo por meio do pronome demonstrativo “isto”, de valor neutro, e que (2) o verbo “derramar” deixa claro que Ele não é uma pessoa, mas uma espécie de força, coisa ou objeto. Diz o texto: “Exaltado, pois à destra de Deus, tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vedes e ouvis.” O primeiro argumento que considera desrespeitoso o emprego da palavra “isto” (touto, em grego) em relação a uma Pessoa divina, esbarra em uma ificuldade intransponível. O uso de “isto” se deve ao fato de que a expressão “Espírito Santo” (pneuma hagion) é neutra em grego.

Diferentemente do português, idioma que conta com apenas dois gêneros, o grego (assim como o latim) possui três. No idioma português, definimos como masculinos ou femininos mesmo os objetos assexuados. Assim, “mar” é masculino e “mensagem” é feminino. Mas em grego, é comum o emprego do gênero neutro quando não queremos fazer referência explícita ao sexo. Dessa forma, a palavra “bebê” (brephos) ou a expressão “filhinhos” (teknia), muito empregada pelo apóstolo João em suas epístolas, são expressões neutras, sem nenhuma referência ao sexo das pessoas envolvidas. A mesma coisa acontece em inglês, quando se refere ao Espírito Santo, a um bebê ou a uma criança como it (isso).

A tradução de Atos 2:33 para o português deixa claro que a língua grega trata a expressão “Espírito Santo” como neutra. Se os que defendem a impessoalidade do Espírito Santo pesquisassem cuidadosamente o grego, descobririam que esse não é o único caso. A mesma coisa ocorre em João 14:16, 17, embora, ali, a tradução não o deixe explícito. Em outras passagens (Jo 14:26; 16:7, 8, 13, 14), João emprega o pronome masculino ekeinos (“este” ou “ele”) para se referir ao Espírito Santo, mostrando que os gêneros masculino e neutro não são atribuídos, de forma consistente, à terceira Pessoa da Divindade. De fato, Deus não é homem nem mulher, pois “é espírito, e importa que os que O adoram O adorem em espírito e em verdade” (Jo 4:24). Em todo caso, percebe-se que tanto bíblica quanto linguisticamente, o gênero de uma palavra não determina a pessoalidade do ser que ela representa.

Em relação ao segundo argumento, acaso pode-se dizer que o verbo “derramar” nunca possa ter seres pessoais como seu objeto? Não! Por exemplo, em Portugal, um jornal esportivo noticiou o seguinte: “O jogo foi desfigurado como espetáculo, mas ainda atraente. O Liverpool derramou homens em frente… estilo italiano defendendo.”2 Nesse caso, percebe-se que o time inglês adotou estilo defensivo das equipes italianas, “derramando” jogadores à frente da defesa. Pode-se derramar uma pessoa? Aparentemente, sim, desde que estejamos falando em linguagem figurada. Um poema de Gustavo Bicalho mostra isso:

“Segunda-feira. Perde-se a hora. O relógio evaporou. ‘Moço, me vê um copo d’água?’ ‘Acabou.’ A avenida derrama gente. Sublimo.”

O poeta descreve como seu eu lírico despertou atrasado na segunda-feira, entrou em um estabelecimento em busca de água, não a encontrou, voltou à avenida repleta de pessoas e, finalmente, relevou as dificuldades.

Quando a Bíblia fala que o Espírito é derramado sobre toda a carne (Jl 2:28), está usando linguagem figurada, assim como quando o faz ao dizer que a cólera de Deus se derrama como fogo (Na 1:6; Ap 16:1), ou que o amor divino é derramado em nosso coração (Rm 5:5). De acordo com Ellen G. White, “nenhum princípio intangível, nenhuma essência impessoal ou simples abstração poderia satisfazer às necessidades e anelos dos seres humanos nesta vida de lutas com o pecado, tristeza e dor. Não basta crermos na lei e na força, em coisas que não têm piedade ou nunca ouvem o brado por auxílio. Precisamos saber acerca de um braço Todo-poderoso que nos manterá, e de um Amigo infinito que tem piedade de nós”.3

Espírito, mente, vida

Usando o mesmo raciocínio, perguntamos: Pode-se defender a ideia de que a expressão “Espírito Santo” seja empregada na Bíblia simplesmente com o significado de “mente” e “vida”? Não! Em todas as ocasiões em que a palavra “espírito” tem esse sentido figurado (1Rs 21:4, 5;
Dn 2:1-3; 1Co 14:14; 2Co 7:13), ela nunca vem seguida do adjetivo “santo”. Além disso, é-nos dito que “Cristo labutou por Sua vide. Príncipe do Céu, Ele era ainda o intercessor pelo homem, e tinha poder com Deus, e prevalecia em favor de Si mesmo e de Seu povo. Manhã após manhã, Ele comungava com o Pai celestial, recebendo dEle um batismo diário do Espírito Santo”.4 Na Terra, Jesus recebia o batismo diário do Espírito Santo. Portanto, Ele não podia ser batizado com Sua própria mente!

Pela mesma razão, não devemos entender a seguinte declaração de Paulo como significando que somente Deus entende as coisas de Deus: “Quem conhece os pensamentos do homem, a não ser o espírito do homem que nele está? Da mesma forma, ninguém conhece os pensamentos de Deus, a não ser o Espírito de Deus” (1Co 2:11). Ellen G. White explica muito bem esse texto: “O Espírito Santo tem personalidade, do contrário não poderia testificar ao nosso espírito e com nosso espírito que somos filhos de Deus. Deve ser também uma Pessoa divina, do contrário não poderia perscrutar os segredos que jazem ocultos na mente de Deus.”5
Também não devemos interpretar de modo figurado Romanos 8:26, como se o apóstolo sugerisse que é a “mente” de Cristo que realiza intercessão em favor do homens: “Da mesma forma o Espírito nos ajuda em nossa fraqueza, pois não sabemos como orar, mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis.”

Os defensores da ideia de que as referências à intercessão do Espírito Santo representam figuradamente a intercessão de Jesus o fazem motivados por uma compreensão inadequada de 1 Timóteo 2:5, que diz haver apenas “um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens: o homem Cristo Jesus”. Tais pessoas passam por alto a compreensão teológica que se convencionou chamar de “a economia da Divindade”. Ou seja, embora Jesus tenha participado da criação de modo tão efetivo quanto o Pai, apenas este geralmente recebe o epíteto de Criador. Assim, embora o Pai tenha participado de modo tão efetivo quanto Jesus, é a este que geralmente designamos Redentor. As Pessoas divinas têm unidade de propósito e ação, mas cada uma delas, em certo sentido, Se destaca em relação a algum aspecto específico de atuação. Por isso, afirmar que Jesus é o único Mediador não contradiz o ensinamento bíblico de que o Espírito intercede pelo homem.

Em vez de contraditórias, as atuações de Jesus e do Espírito Santo como intercessores são, de fato, complementares. “Quando Cristo cessar Sua obra como mediador em favor do homem, então começará esse tempo de angústia. Então, estará decidido o caso de toda pessoa, e não haverá sangue expiatório para purificar do pecado. Ao deixar Jesus Sua posição como Intercessor do homem junto a Deus, faz-se o solene anúncio: ‘Quem é injusto, faça injustiça ainda… e quem é justo, faça justiça ainda; e quem é santo, seja santificado ainda.’”6 “Enquanto Jesus permanecer como Intercessor pelo homem no santuário celestial, a influência restritiva do Espírito Santo é sentida pelos governantes e pelo povo.”7 “Enquanto Jesus, nosso Intercessor, suplica por nós no Céu, o Espírito Santo atua em nós, para que queiramos e efetuemos a Sua vontade. O Céu todo se interessa pela salvação da pessoa.”8

Como se percebe, após Sua morte, Jesus passou a ser Intercessor no Céu, no santuário celestial. O Espírito Santo intercede a partir da Terra, convencendo-nos “do pecado, da justiça e do juízo” (Jo 16:8). De acordo com a economia da Divindade, nada impede que tanto Jesus como o Espírito Santo sejam identificados como intercessores. O Espírito intercede e Cristo também intercede. De fato, segundo Romanos 8:34, “quem os condenará? Foi Cristo Jesus que morreu; e mais, que ressuscitou e está à direita de Deus, e também intercede por nós”.

Na distribuição dos dons

No capítulo 2 do livro de Atos, Lucas descreve a maneira pela qual o Espírito Santo concedeu o dom de línguas à igreja primitiva. No entanto, em Efésios 4:8, temos a declaração paulina de que foi Jesus quem distribuiu os dons espirituais à igreja: “Quando Ele subiu em triunfo às alturas, levou cativos muitos prisioneiros, e deu dons aos homens.” Provam essas declarações que Jesus e o Espírito Santo são a mesma pessoa? De modo nenhum! Outras passagens das Escrituras revelam que Jesus e o Espírito Santo participaram, conjuntamente, da distribuição de dons. Ao sugerir temas de pregação aos pastores evangelistas, Ellen G. White afirmou o seguinte: “São estes os nossos temas: Cristo crucificado pelos nossos pecados, Cristo ressuscitado dentre os mortos, Cristo nosso Intercessor perante Deus; e intimamente relacionada com estes assuntos acha-se a obra do Espírito Santo, Representante de Cristo, enviado com poder divino e com dons para os homens.”9 O Espírito Santo distribui os dons como representante de Cristo.

Jesus é a fonte dos dons, o Espírito Santo os entrega a nós. No entanto, a terceira Pessoa da Divindade conta com o consentimento dos demais membros da Divindade para fazê-lo segundo Seu próprio beneplácito: “Todas essas coisas, porém, são realizadas pelo mesmo e único Espírito, e Ele as distribui individualmente, a cada um, como quer.”

Além disso, a seguinte afirmação de Ellen White esclarece que Jesus está com o Espírito Santo quando este realiza Sua obra: “Quando as provações obscurecem a alma, lembre-se das palavras de Cristo, lembre-se de que Ele é uma presença invisível na pessoa do Espírito Santo, e Ele será a paz e o conforto que lhe são dados, manifestando-lhe que Ele está com você, o Sol da Justiça, expulsando suas trevas.”10 


*Milton L. Torres – Professor na Faculdade Adventista de Teologia do Unasp, Engenheiro Coelho, SP.


Referências:

1 Ellen G. White, Fé Pela Qual Eu Vivo (MM, 1959), p. 56.

2 Desporto Notícias, 20/02/2008.

3 Ellen G. White, Ibid., p. 54.

4 ___________, Signs of the Times, 21/11/1895.

5 ___________, Evangelismo, p. 617.

6 ___________, Patriarcas e Profetas, p. 201.

7 ___________, Spirit of Prophecy, v. 4, p. 429.

8 ___________, Signs of the Times, 03/10/1892.

9 ___________, Evangelismo, p. 187.


FONTE: Publicado na Revista Ministério Mar/Abr 2012.



quinta-feira, 27 de junho de 2019

O SER HUMANO É MAIS PRECIOSO DO QUE O OURO DE OFIR


Ricardo André

“Tornarei o homem mais escasso do que o ouro puro, mais raro do que o ouro de Ofir” (Isaías 13:12, NVI)

Em 2013, o cantor gospel Anderson Freire gravou a música “Raridade”, que fala a respeito da nossa raridade diante de Deus, que somos mais preciosos que o ouro de Ofir. A música tornou-se uma das mais tocadas e ouvidas nos últimos tempos na internet, rádios e igrejas, popularizando, desse modo, a expressão “ouro de Ofir” Mas, o que é o ouro de Ofir citado na Bíblia e agora na música “Raridade”? O ouro de Ofir era um tipo de ouro da mais alta qualidade, que podia ser encontrada em uma região chamada Ofir. Esse ouro era muito puro e muito raro. Por isso, o ouro de Ofir se tornou símbolo de raridade e preciosidade.

Este ouro era uma mercadoria valiosa nos tempos da Bíblia e tinha mais valor que o ouro normal. Ofir é um lugar do Oriente que, segundo o Dicionário Bíblico Adventista, “estudos tornaram plausível a localização de Ofir no sul da Arábia ou na Somália [costa nordeste da África], que provavelmente, corresponda a Punt, ou possa até abranger essas duas terras” (p. 976, 977). Alguns estudiosos já sugeriram que Ofir poderia estar localizado na Índia, no leste da África e na África do Sul. A verdade é que ninguém sabe ao certo sua localização. Mas o fato é que, nesse lugar, mercadores do mundo todo, inclusive o rei Salomão, compravam ouro, marfim, prata e madeira de sândalo (1Rs 9:26-28; 10:11). Essas viagens eram feitas em parceria com Hirão, seu aliado rei de Tiro (2Cr 8:18).

O ouro de Ofir era o mais precioso metal da época. Sua raridade foi comparada à escassez e à preciosidade do ser humano. Esse texto de Isaías nos remete a uma reflexão a respeito do valor do ser humano. Embora o capítulo de Isaías trate dos juízo de Deus sobre o ímpio império babilônico, que traria assolação (13:9), escapando alguns poucos justos, os quais por serem poucos seriam tão raros como o ouro de Ofir, e não afirme diretamente que as pessoas são especiais como o ouro de Ofir, podemos homileticamente afirmar que a raridade daqueles remanescentes justos que escaparam da destruição representa a preciosidade do ser humano como é o ouro de Ofir. 

Qual é o valor do ser humano?

Quanto vale um homem? Quanto vale uma mulher? Em 2011, a Revista Superinteressante digital publicou uma matéria com o título “Quanto custa o corpo humano?”. A mesma traz um cálculo dos “ingredientes essenciais” existentes num corpo de um homem de 70 Kg, realizado pelo bioquímico Etelvino Bechara, da USP.  Foi justamente a constituição química do nosso corpo que ele usou como base para calcular o “preço” de um ser humano. O resultado do seu cálculo foi o seguinte: “DNA (0,02% do corpo): 13,2 g de DNA placentário = 9,7 milhões de reais; GORDURA (20%): 14 kg de ácido esteárico = 400 reais; PROTEÍNA (15,2%): 11 kg de albumina de soro bovino = 38 mil reais; MINERAIS (5,6%): 3,9 kg de fosfatos de cálcio, magnésio e zinco, e cloretos de sódio e potássio = 1 050 reais; AÇÚCARES (1,6%); 1,1 kg de amido = 410 reais; ÁGUA (57,6%): 40 litros de água mineral = 15 reais
TOTAL = 9 MILHÕES E 740 MIL REAIS”

Mas, será que valemos realmente esses míseros 9,7 milhões de reais? Não! Absolutamente! O pecado destrói nossa autoestima, nos rebaixa e nos estimula a rebaixar os outros. Nós valemos infinitamente mais do que esse valor. Valemos muito mais que as caríssimas substâncias de nosso corpo e mais que o ouro de Ofir. A verdade é que nosso valor é incalculável. Cristo mostrou isso ao morrer na cruz no lugar de todos os seres humanos pecadores.

É na Cruz que o valor do ser humano e significado são determinados

A cruz estabelece para sempre o valor incrível do ser humano. Só existe um lugar na Terra onde o valor e significado humano é definido para sempre. E esse lugar foi em uma colina chamada Calvário (Gólgota). Aqui, de forma que não podemos ver e nem imaginar (a não ser dentro da Divindade), o valor dos seres humanos diante de Deus foi revelado para sempre diante dos anjos e do Universo expectante. Aqui, mais do que em qualquer outro lugar no Universo, revela-se a verdadeira natureza e o caráter amoroso e misericordioso de nosso Criador.

Por termos sido sequestrados pelo inimigo de Deus, Satanás, Cristo nos resgatou, nos comprou. O apóstolo Pedro lembra-nos que o resgate espiritual pago por nossa redenção está fora do valor monetário. Ele afirmou: “Pois vocês sabem que não foi por meio de coisas perecíveis como prata ou ouro que vocês foram redimidos da sua maneira vazia de viver que lhes foi transmitida por seus antepassados, mas pelo precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro sem mancha e sem defeito, conhecido antes da criação do mundo, revelado nestes últimos tempos em favor de vocês” (1 Pedro 1:18-20, NVI).

Portanto, nosso resgate do poder do pecado não se deu por meio “de coisas perecíveis como prata ou ouro”, mas por meio do sangue de Jesus derramado na cruz. Nada pode ser comparado com o valor do sangue de Jesus. Somente o sangue de Jesus poderia nos salvar. Este fato deixa claro que para Deus nosso valor é inestimável, pois custou a morte de Seu único Filho. Ele nos ama com cada vibra de Seu Ser a despeito de O amarmos ou não. Ele ama de tal forma cada ser humano que Jesus teria morrido até por um só (Jo 3:16).

A escritora cristã Ellen G. White falou belamente a respeito do valor do ser humano a partir da cruz. Há quatro citações maravilhosas em seus escritos que tratam dessa verdade cristalina, e que me impressionam bastante, as quais transcreveremos abaixo:

“Um ser humano é de valor infinito; seu preço é revelado pelo Calvário” (Obreiros Evangélicos, p. 184).

“O ser humano é de infinito valor. Esse valor só pode ser estimado pelo preço pago a fim de redimi-lo. O Calvário! O Calvário! O Calvário exprimirá o real valor de um ser humano! (Testemunhos Para a Igreja, v. 3, p. 188).

“Jamais poderemos entender o valor do ser humano, até que compreendamos o grande sacrifício feito pela redenção humana no Calvário. O pecado de Adão no Éden mergulhou a humanidade em desesperançada desgraça. Entretanto, no plano da salvação, providenciou-se uma via para que todos escapem, se cumprirem os requisitos. Foi concedida uma segunda oportunidade pelo sacrifício do Filho de Deus. Temos uma batalha a travar, mas podemos sair vitoriosos pelos méritos do sangue de Cristo” (A Caminho do Lar [MD 2017], p. 134).

“É só pela cruz que podemos avaliar o valor do ser humano. O valor dos homens por quem Cristo morreu é tal que o Pai ficou satisfeito com o preço infinito que pagou pela salvação do homem ao entregar o próprio Filho para morrer por sua redenção. Que sabedoria, misericórdia e amor em sua plenitude são aí manifestados! O valor do homem só é conhecido indo ao Calvário. No mistério da cruz de Cristo podemos fazer uma estimativa do homem” (Testemunhos Para a Igreja, v. 2, p. 634, 635).

Caro amigo leitor, alguém já te disse que você não presta, não serve para nada, que não tem valor nenhum? Você se sente desprezado, humilhado? Você se sente sem valor por causa de erros cometidos no passado? Deus fica triste com o pecado mas Ele não mede seu valor de acordo com o que você faz, seus sucessos, sua inteligência, sua aparência. Você é mais precioso do que o ouro puro e mais raro do que o ouro fino de Ofir. Deus lhe ama por aquilo que você é. E as Sagradas Escrituras dizem que fomos criados “a imagem e semelhança de Deus” (Gn 1:26). Em meio a suas imperfeições, Deus vê beleza e grande potencial. Deus lhe ama tanto que ele deu seu maior tesouro para estar com você seu único filho. Jesus morreu e ressuscitou para você poder conhecer o amor de Deus, que restaura, corrige e transforma sua vida e salva. Não permita que alguém lhe diminua. Você é muito importante para Deus!

Quando obtemos um senso de nosso valor na cruz, podemos evitar os altos e baixos que atravessamos quando nossa autoimagem se baseia na apresentação ou nas opiniões inconstantes de outros. Quando nos virmos sob a luz da cruz, desenvolveremos a força para superar o pecado, a confiança para derrotar Satanás e alegria que vem de saber quem somos. Não admira que Paulo tenha dito: “Quanto a mim, que eu jamais me glorie, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, por meio da qual o mundo foi crucificado para mim, e eu para o mundo” (Gl 6:14).













domingo, 23 de junho de 2019

A CENTRALIDADE DE CRISTO E A INTERPRETAÇÃO DE APOCALIPSE 17



Por Clacir Virmes Júnior e João Renato Alves da Silva

O que simbolizam os montes e reis de Apocalipse 17? E qual a importância de se entender o capítulo em seu contexto e em uma visão mais ampla?

Um dos maiores desafios na interpretação das profecias bíblicas está relacionado a Apocalipse 17:9 a 11:

“Aqui está o sentido, que tem sabedoria: as sete cabeças são sete montes, nos quais a mulher está sentada. São também sete reis, dos quais caíram cinco, um existe, e o outro ainda não chegou; e, quando chegar, tem de durar pouco. E a besta, que era e não é, também é ele, o oitavo rei, e procede dos sete, e caminha para a destruição”.

Devido à complexidade dos símbolos aqui descritos, têm surgido interpretações polêmicas sobre essa passagem. Algumas controvérsias têm confundido os interessados em encontrar uma explicação do texto fundamentada nas Escrituras.

Atualmente, não há uma interpretação definitiva sobre o texto. Contudo, por meio de um exame cuidadoso da Bíblia, sabemos o que os símbolos dessa profecia não podem significar e, assim, temos condições de descartar as interpretações alarmistas e equivocadas aplicando uma hermenêutica correta à profecia.

Neste artigo temos três objetivos. Em primeiro lugar, mostrar a inconsistência e descartar uma interpretação de Apocalipse 17 que insiste em se perpetuar em alguns setores do adventismo. Depois, mostrar as opções interpretativas para o capítulo na compreensão de teólogos adventistas estudiosos do tema. Por fim, apresentar qual deve ser o foco principal no estudo dessa profecia, em particular, e do livro do Apocalipse, independente- mente das discussões relacionadas à interpretação de suas partes mais enigmáticas.



Tabela com interpretações proféticas de Apocalipse 17. Parte 1. Adaptação da Revista Ministério Jul-Set/2019



Tabela com interpretações proféticas de Apocalipse 17. Parte 1. Adaptação da Revista Ministério Jul-Set/2019


A teoria dos sete papas

Tem circulado no meio adventista uma interpretação de Apocalipse 17 conhecida como “teoria dos sete papas”. Ela propõe que as sete cabeças da besta escarlate sejam as sete colinas de Roma, pelas quais a cidade é famosa. Essa suposição também propõe que, a partir do estabeleci- mento do Estado do Vaticano, mediante o Tratado de Latrão, assegurou-se à Igreja Católica independência, autoridade civil e política, dando início, assim, ao tempo do fim, à cura da ferida mortal e ao retorno do papado como poder político.

A teoria sugere que, a partir de 1929, surgiriam sete pontífices que governariam sucessivamente até a segunda vinda de Cristo. Logo, Bento XVI seria o sétimo papa eleito, que deveria durar pouco tempo, e seu sucessor, Francisco, o oitavo, que governaria até o fim.

Avaliando essa explicação à luz do historicismo se verifica que a teoria faz uma espécie de fusão entre os métodos de interpretação historicista e futurista, inclinando-se mais em direção a uma exposição sensacionalista e dispensacionalista do que propriamente bíblica. O que encontramos na “teoria dos sete papas” é um problema hermenêutico sério. As Escrituras apontam para o historicismo como o método bíblico para a interpretação das profecias. Esse método foi utilizado pelo próprio Cristo e pelos profetas bíblicos, que viam o cumprimento das profecias ao longo da história e não somente com foco em um tempo futuro (Daniel 2:31-45; 9:2; Mateus 17:12,  13;  24:15;  Marcos  1:2-4;  13:14; Lucas 21:20; 24:27).

A profecia de Apocalipse 17 descreve uma meretriz montada em uma besta escarlate com sete cabeças e dez chifres (Apocalipse 17:7), sendo essas sete cabeças também sete montes e sete reis (Apocalipse 17:9). Os setes montes, onde a mulher está assentada, não podem ser vistos como as sete colinas de Roma, pois a palavra  grega para “monte” é óros que significa “monte ou montanha”, e não colina.

Biblicamente, “monte” é símbolo de reinos e impérios (Salmo 48:2; Isaías 2:2,3; Jeremias 17:3; 31:23; Ezequiel 17:22,23; 36:1-5; Daniel 2:34,35; Zacarias 4:7).  Kenneth Strand explica que, quando “procuramos pelo uso escriturístico do vocábulo ‘montanha’ nos casos em que a palavra é empregada como um símbolo […] nunca encontramos ‘montanha’ usada para simbolizar um monarca ou governante individual. Em vez disso, a encontramos sendo usada como símbolo para uma nação ou império.”

Portanto, “sete cabeças”, “sete montes” e “sete reis” são termos intercambiáveis que simbolizam as mesmas entidades, isto é, impérios/reinos. Tomando como base o método historicista e a perspectiva temporal do profeta João, no primeiro século d.C., cinco desses impérios/reinos já haviam caído, um existia, e o outro ainda estava por vir (Apocalipse 17:10).

A “teoria dos sete papas” aponta para Bento XVI como o sétimo pelo fato de ele ter renunciado e seu pontificado ter durado pouco (quase 8 anos). Contudo, essa interpretação ignora o tempo de pontificado ainda menor de João Paulo I, que durou apenas 34 dias, em 1978. A ideia de que o sétimo rei (Roma papal) deveria durar “pouco tempo” (Apocalipse 17:10) vem do termo grego olígon que, segundo Vanderlei Dorneles, “pode ser entendido da perspectiva da garantia da vitória dos fiéis de Deus alcançada na cruz e não do ponto de vista do tempo cronológico”.8  Assim, a expressão “pouco tempo” teria uma conotação mais qualitativa do que quantitativa. Por exemplo, ela é usada em Apocalipse 12:12, texto onde é declarado que, após a cruz, o diabo sabia que “pouco tempo” (olígon kairón) lhe restava. Entretanto, para se referir ao período após os mil anos, quando Satanás será solto por “pouco tempo”, o profeta usou a expressão mikrón krónon (Apocalipse 20:3), indicando um período de tempo quantitativamente curto.

Interpretações historicistas

Uma vez que a “teoria dos sete papas” é exegética e historicamente incompatível com o texto bíblico, quais outras alternativas temos para explicar Apocalipse 17? O quadro acima apresenta as principais interpretações adventistas. Podemos verificar algumas diferenças de opinião entre os autores com respeito à identificação dos oito reis/montes/cabeças. Contudo, todos eles estão de acordo com o método historicista de interpretação profética.

É possível visualizar três grandes divisões no quadro. Temos uma interpretação pioneira postulada por Uriah Smith e, depois, o surgimento de uma interpretação fortemente ligada à compreensão de que a visão de Apocalipse 17 tem como foco o tempo do fim e, portanto, descreve a cura da ferida mortal da besta do mar de Apocalipse 13.

Assim, C. Mervyn Maxwell, Hans K. LaRondelle e Jacques Doukhan iniciam a identificação das cabeças/montes/reis com o Império Babilônico e, consequentemente, excluem Egito e Assíria de sua interpretação. A última divisão são os intérpretes contemporâneos que entendem que a explicação deve ter como referência o tempo do profeta João. No entanto, o que une todos esses intérpretes é que as cabeças/ montes/reis são reinos consecutivos, seja iniciando por Babilônia ou pelo Egito.

É visível que a interpretação de Uriah Smith destoa das demais, uma vez que ele identificou os símbolos como as formas de governo romano ao longo da história. Essa sugestão parece ser compatível com o método historicista, uma vez que ela é caracterizada pelo cumprimento dos símbolos proféticos ao longo do tempo. Entretanto, ela não é a melhor maneira de interpretar essa profecia.

A interpretação historicista que identifica as cabeças da besta como “reinos” é mais biblicamente consistente do que a interpretação que apela para as formas de governo romano. Isso porque a Bíblia sistematicamente identifica reinos específicos, e não formas de governo, em suas profecias.

Na época de João, os cinco primeiros reinos/poderes já haviam passado. O profeta viveu no tempo do sexto rei (Roma imperial). Portanto, o sétimo e o oitavo se encontravam ainda no futuro, a partir de sua perspectiva histórica. Praticamente todos os estudiosos citados no quadro compreendem o sétimo rei como sendo Roma papal, exceto Uriah Smith. Para ele, o sétimo rei não deveria ser Roma papal, pois esse continuou por muito mais tempo que os anteriores juntos. Depois de Roma imperial, para Smith, houve um governo que durou 60 anos em Roma, sob o título de Exarca de Ravena.

Analisando os quadros acima, parece claro que os autores divergem entre si mais acentuadamente quanto à interpretação do oitavo rei. Essas diferenças na interpretação profética podem ser explicadas considerando que o aparecimento do oitavo rei é um evento escatológico que ainda não se cumpriu. No momento em que as profecias descritas em

Apocalipse 15:1 a 18:24 começarem a se cumprir, compreenderemos de maneira plena o significado de Apocalipse 17.

O centro da profecia

Embora muito estudo tenha sido dedicado à identificação da besta escarlate de Apocalipse 17, corremos perigo de perder o foco se a análise desse capítulo se encerrar simplesmente com a informação de quem são os poderes representados pela profecia.

O Apocalipse começa com a declaração: “Revelação de Jesus Cristo” (Apocalipse 1:1). Ele é tanto o conteúdo quanto a fonte das revelações de todo o livro. Assim, apesar de seu conteúdo relevante quanto aos eventos futuros, Apocalipse 17 foi dado para que tivéssemos segurança em Jesus em meio aos acontecimentos finais. Apocalipse 17:12 a 14 descreve de maneira concisa o desfecho da batalha do Armagedom (Apocalipse 16:12-16), tema ampliado na descrição da vinda de Jesus em Apocalipse 19:11 a 21.

Conforme proposto por Ranko Stefanovic, Apocalipse 16:19 é uma passagem-trampolim que encerra a série das sete pragas e introduz o juízo sobre a Babilônia mística dos últimos dias. Portanto, Apocalipse 17 e 18 apresentam uma explicação de como acontecerá a punição de Babilônia.

As descrições da meretriz e da besta de Apocalipse 17 não foram dadas para deslumbrar o estudante da profecia, mas para mostrar o verdadeiro caráter e a impotência dessas entidades diante do Salvador. Primeiro, o anjo informou a João que a meretriz será julgada (Apocalipse 17:1). Ela é retratada como um poder perseguidor (Apocalipse 17:6). Além disso, a besta é um poder que se opõe a Deus. João a descreveu como uma paródia/contrafação (comparar Apocaipse 1:4, 8 com 17:8). Mas essa descrição é irônica: a besta parece ser, mas não é. Por fim, os reis da Terra se unem à besta e à meretriz para guerrear contra o Cordeiro, mas Ele as vence, porque é verdadeiramente “o Senhor dos senhores e Rei dos reis” (Apocalipse 17:14).

Assim, o foco central de Apocalipse 15 a 18:24 não está no dragão, na besta de sete cabeças e dez chifres, na meretriz embriagada, no falso profeta nem nos três espíritos imundos semelhantes a rãs (Apocalipse 16:13; 17:6, 7), mas em Jesus Cristo.

Ele é o grande Vencedor. Por causa de Seu sacrifício, Ele vencerá os poderes contra os quais Seus súditos não têm a mínima chance de vitória. Apocalipse 17:14 deixa claro que é do Cordeiro a vitória sobre o sistema político-religioso opressor e rebelde dos últimos dias. Os “chamados, escolhidos e fiéis” vencem unicamente porque estão “com Ele” (em grego, met’ autou). A chave para a vitória do povo de Deus nos dias em que uma coalizão político- religiosa tentará enganar o mundo é estar com o Cordeiro. Nas palavras de Hans K. LaRondelle, “Apocalipse 17 deve ser considerado uma das mais importantes visões de encorajamento para o povo de Deus no tempo do fim”.

Conclusão

Conforme a instrução do anjo, a interpretação dos símbolos de Apocalipse 17 requer “mente sábia” (Apocalipse 17:1, versão NVI). A “teoria dos sete papas” tira o foco de Cristo e o coloca sobre os poderes terrenos, criando agitação e alarmismo incompatíveis com a fé bíblica. Apesar de haver divergências entre os intérpretes adventistas sobre a identificação do sétimo e oitavo rei/monte/cabeça da profecia, permanece o fato de que eles se valem do método historicista de interpretação profética para compreender a mensagem de Deus.

Qualquer interpretação de Apocalipse 17 que não se centralize em Jesus nem em Sua Palavra erra o alvo. Uma compreensão equivocada da profecia pode levar as pessoas a se concentrarem nos tempos difíceis que se aproximam e não no Cordeiro que já nos assegurou a vitória final. Precisamos colocar Cristo de volta ao centro da interpretação profética, para que a profecia cumpra seu papel de consolar e animar os santos nos últimos momentos da história terrestre.

 Referências:

 1. José Carlos Ramos, A Mensagem de Deus: Como entender as profecias bíblicas (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2012), p. 18-36.

2. Jon Paulien, Parousia 4 (Engenheiro Coelho, SP: Unaspress, 2016), p. 11 79; Reimar Vetne, ibid., p. 81-120.

3.  Johannes P. Louw e Eugene A. Nida, Greek-English Lexicon of the New Testament: Based on semantic domains (Nova York: United Bible Societies, 1996).

4. Kenneth A. Strand, “The seven heads: Do they represent Roman emperors?”, Symposium on Revelation: Exegetical and general studies, DARCOM, (Silver Spring, MD: Biblical Research Institute, 1992), v. 7 , p. 186.

5. Francis Nichol (ed.), Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2011-2014), v. 7, p. 796.

6. Vanderlei Dorneles, “O oitavo império”, Ministério, mai/jun 2013, p. 29; Ranko Stefanovic, “A besta de sete cabeças”, Ministério, mar/abr 2014, p. 24.

7. John-Peter Pham, Heirs of the Fisherman: Behind the scenes of papal death and succession (Nova York, Oxford University Press, 2004), p. 188.

8. Dorneles, “O oitavo império”, p. 29.

9. Usamos aqui o mesmo método comparativo utilizado por Ángel Manuel Rodriguez, “As sete trombetas do Apocalipse”, Ministério, mai/jun 2012, p. 17-20.

10. Uriah Smith, Thoughts, Critical and Practical, on the Book of Daniel and the Revelation: Being and exposition, text by text, of these importante portions of the Holy Scriptures (Battle Creek, MI: Review and Herald, 1882), p. 747-753.

11. C. Mervyn Maxwell, Uma Nova Era Segundo as Profecias do Apocalipse, 3ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2002), p. 490-498.

12. Hans K. LaRondelle, How to Understand the End- Time Prophecies of the Bible: A Biblical-contextual approach (Bradenton: First Impressions, 2007), 274-288.
13. Jacques B. Doukhan, Secrets of Revelation: The Apocalypse through Hebrew eyes (Hagerstown, MD: Review and Herald, 2002), p. 160-165.

14. Ekkehardt Mueller, “A besta de Apocalipse 17: Uma sugestão”, Parousia 4 (2005), p. 31-41.

15. Jon Paulien, Armageddon at the Door: An insider’s guide to the book of Revelation (Hagerstown, MD: Review and Herald, 2008), p. 204-223.

16. Ranko Stefanovic, Revelation of Jesus Christ: A commentary on the book of Revelation, 2ª ed. (Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 2009), p. 511-531; O Apocalipse de João: Desvendando o último livro da Bíblia (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2018), p. 97-104.

17. Dorneles, “O oitavo império”, p. 27-30; “O oitavo império: Novas hipóteses para os símbolos de Apocalipse 17”, Kerygma 9 (2) (2013), p. 27-44.

18. Stefanovic, Revelation of Jesus Christ, p. 511.

19. LaRondelle, How to Understand the End-Time Prophecies of the Bible, p. 285.



Clacir Virmes Júnior, doutorando em Teologia, é professor da Faculdade Adventista da Bahia.

João Renato Alves da Silva, pós-graduando em Teologia Bíblica, é pastor em Cuiabá, Mato Grosso.

Este artigo foi originalmente publicado na edição da Revista Ministério (Julho-Setembro/2019).


A GLORIOSA E ETERNA RECOMPENSA DOS FIÉIS SEGUIDORES DE JESUS


Ellen G. White

"Se a obra que alguém edificou nessa parte permanecer, ...esse receberá galardão." I Cor. 3:14. Gloriosa será a recompensa conferida, quando os fiéis obreiros se reunirem em torno do trono de Deus e do Cordeiro. Quando João, em sua condição mortal, contemplou a glória de Deus, caiu como morto: não foi capaz de suportar o que via. Quando, porém, os filhos de Deus se houverem revestido de imortalidade, eles O verão assim como é. I João 3:2. Estarão em pé diante do trono, aceitos no Amado. Todos os seus pecados terão sido apagados, removidas todas as suas transgressões. Poderão contemplar a glória do trono de Deus, em todo o seu esplendor. Participaram dos sofrimentos de Cristo, foram Seus coobreiros no plano da redenção, e com Ele participam da alegria de verem almas salvas no reino de Deus, para ali louvarem a Deus por toda a eternidade.

A Alegria dos Remidos

Meu irmão e minha irmã, exorto-vos a que vos prepareis para a vinda de Cristo nas nuvens do céu. Diariamente desarraigai de vosso coração o amor do mundo. Aprendei por experiência o que significa ter comunhão com Cristo. Preparai-vos para o juízo, para que, quando Cristo vier para ser admirado por todos os que creem, possais achar-vos entre os que O encontrarão em paz. Naquele dia os remidos resplandecerão com a glória do Pai e do Filho. Os anjos, tangendo suas harpas de ouro, darão as boas-vindas ao Rei e a Seus troféus de vitória - os que foram lavados e branqueados no sangue do Cordeiro. Reboará um cântico de triunfo, que enche todo o Céu. Cristo venceu. Ele entra nas cortes celestiais, acompanhado de Seus resgatados, testemunhas de que Sua missão de sofrimento e sacrifício não foi em vão.

A ressurreição e ascensão de nosso Senhor é prova certa do triunfo que, sobre a morte e a sepultura, alcançarão os santos de Deus, e uma garantia de que o Céu está aberto para os que lavam suas vestes do caráter e as branqueiam no sangue do Cordeiro. Jesus ascendeu ao Pai como representante da raça humana, e Deus levará os que refletem a Sua imagem para que contemplem Sua glória e dela compartilhem.

Há ali moradas para os peregrinos da Terra. Há vestes para os justos, com coroas de glória e palmas de vitória. Tudo que nos tem tornado perplexos em relação às providências de Deus será esclarecido no mundo vindouro. As coisas difíceis de se compreenderem terão ali explicação. Os mistérios da graça nos serão explanados. Onde nossa mente finita apenas descobria confusão e promessas fragmentadas, veremos a mais perfeita e bela harmonia. Saberemos que o amor infinito determinou as experiências que pareciam as mais probantes. Ao compreendermos o terno cuidado dAquele que faz todas as coisas cooperarem para o nosso bem, regozijar-nos-emos com indizível alegria, cheios de glória.

Não poderá existir a dor na atmosfera do Céu. No lar dos remidos não haverá lágrimas, nem cortejos fúnebres, nem trajes de luto. "Morador nenhum dirá: enfermo estou; porque o povo que habitar nela será absolvido da sua iniquidade." Isa. 33:24. Abundante torrente de ventura fluirá e se avolumará com o decorrer da eternidade.

Ainda nos encontramos por entre as sombras e torvelinhos das atividades terrestres. Consideremos com maior empenho o bem-aventurado além. Que a nossa fé penetre através de toda nuvem de trevas, e contemple Aquele que morreu pelos pecados do mundo. Ele abriu as portas do Paraíso para todos quantos O recebam e nEle creiam. Dá-lhes o poder de se tornarem filhos e filhas de Deus. Que as aflições que tão profundamente nos penalizam, se tornem instrutivas lições, que nos ensinem a avançar para o prêmio celestial de nossa alta vocação em Cristo. Animemo-nos com o pensamento de que o Senhor em breve virá. Que esta esperança nos alegre o coração. "Ainda um poucochinho de tempo, e O que há de vir virá, e não tardará." Heb. 10:37. Bem-aventurados são os servos que, quando o Senhor vier, forem encontrados vigiando.

Rumo ao Lar

Estamos em caminho para o lar. Aquele que nos amou a ponto de morrer por nós, construiu-nos uma cidade. A Nova Jerusalém é o nosso lugar de descanso. Não haverá tristeza na cidade de Deus. Jamais se ouvirão nela gemidos de pesar, nem lamentos por esperanças malogradas ou amizades desfeitas. Logo as vestes de tristeza serão transformadas em trajes nupciais. Logo testemunharemos a coroação de nosso Rei. Aqueles cuja vida estiver escondida com Cristo, os que na Terra combateram o bom combate da fé, resplandecerão com a glória do Redentor no reino de Deus.

Não demorará muito para que vejamos Aquele em quem se centralizam as nossas esperanças de vida eterna. E, em Sua presença, todas as provações e sofrimentos desta vida serão como nada. "Não rejeiteis, pois a vossa confiança, que tem grande e avultado galardão. Porque necessitais de paciência, para que, depois de haverdes feito a vontade de Deus, possais alcançar a promessa. Porque ainda um poucochinho de tempo, e O que há de vir virá, e não tardará." Heb. 10:35-37. Olhai para cima, olhai para cima, e vossa fé aumente continuamente. Que esta fé vos guie pelo caminho estreito, às portas da cidade de Deus, ao grande além, ao vasto e ilimitado futuro de glória destinado aos remidos. "Sede, pois irmãos pacientes, até à vinda do Senhor. Eis que o lavrador espera o precioso fruto da terra, aguardando-o com paciência, até que receba a chuva temporã e serôdia. Sede vós também pacientes, fortalecei os vossos corações; porque já a vinda do Senhor está próxima." Tia. 5:7 e 8.

FONTE: Capítulo 40 do livro Vida e Ensinos, de Ellen G. White. Ao publicá-lo aqui modificamos o título, a fim de torna-lo mais atrativo. O título como se encontra nas edições recentes é “Recompensas do Esforço”.