Teologia

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

POR QUE JESUS MORREU?


George Reid*

Uma explicação da maneira pela qual Deus nos salva.

Com o fim do primeiro século da Era Cristã e a morte de João — a última testemunha ocular do ministério de Cristo — vieram à tona algumas questões anteriormente não cogitadas: Quem era Jesus? Por que veio? Por que morreu?

As respostas a tais inquirições são-nos dadas por meio de um grande número de metáforas encontradas nas Escrituras: o Cordeiro sacrifical de Deus que tira o pecado do mundo; o vitorioso Rei dos reis; a Luz do mundo. Jesus era encarado como sendo o Filho de Deus — um libertador cósmico, um emissário do Céu. Mas era encarado, também, como o Filho do homem, identificando-Se conosco.

Uma das figuras que explica com maior clareza a missão de Cristo, baseia-se na ideia do resgate. Jesus disse: "E quem quiser ser o primeiro entre vós, ser á vosso servo; tal como o Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a Sua vida em resgate por muitos" (Mat. 20:28). E repetindo Suas palavras, Pedro diz: "Sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo" (I Ped. 1:18 e 19).

A ideia de resgate era comum na antiguidade. A palavra indicava um objeto de valor com o qual se reclamava algo da casa de penhores. Refere-se, também, à compra da liberdade feita por um escravo. É claro que os antigos também conheciam perfeitamente tudo sobre a prática do pagamento de um resgate a favor de um refém ou prisioneiro de guerra. Daí o comentário de Paulo: "Por preço fostes comprados; não vos torneis escravos de homens" (I Cor. 7:23).

O preço do resgate

Pessoas de imaginação turbulenta, no entanto, levantaram a questão: Se fomos resgatados, quem ficou com o preço do resgate?

É interessante, mas a Bíblia não diz. Com o passar dos séculos fez-se notar uma sequência dramática de cenas — em parte reais, em parte fictícias. De acordo com a lenda, o Pai e Satanás fizeram um trato. Adão vendeu seus direitos — na verdade sua alma — ao demônio. Conhecendo o sincero desejo do Pai de trazê-lo de volta, Satanás, com um perverso sorriso nos lábios, exigiu o preço máximo: a vida do Filho de Deus, o objeto final do ódio de Lúcifer.

E assim, Jesus veio — conta a lenda — e viveu sob o tacão do tormento de Satanás, e, finalmente, perdeu a vida. Mas, de acordo com a história, Lúcifer acabou sendo enganado, pois o Pai ressuscitou Seu Filho, privando Satanás de seu preço, como possuidor de nada além de uma sepultura vazia. Ele perdeu o preço que havia extorquido do Pai.

Importante verdade

Apesar de toda a fantasia, descobrimos aqui uma ponta de verdade. Cristo deu, realmente, Sua vida para nosso resgate, já que éramos pecadores. Mas a pergunta que vale a pena ser mencionada, nada tem a ver com quem recebeu o pagamento. Existe uma verdade muito mais importante — a saber, que na expiação de Cristo foi pago um preço monumental, não em grosseiros termos comerciais, mas a fim de realizar a reconciliação entre nós, pecadores caídos, e nosso justo Deus, para nos colocar na devida relação com o Senhor. "Porque se nós, quando inimigos, fomos reconciliados com Deus mediante a morte do Seu Filho, muito mais, estando j á reconciliados, seremos salvos pela Sua vida " (Rom. 5:10).

Diante de um Universo de espectadores, Deus demonstrou de uma vez por todas até onde iria a fim de tornar possível a redenção dos pecadores perdidos. Nessa ampliação do Seu amor, é revelada a maneira pela qual Seu sacrifício tem que ver com as qualidades de resgate.

Jamais nos esqueçamos de que foi Deus quem iniciou nosso resgate, que saiu em busca do pecador. "Tudo isso é feito por Deus, que, por meio de Cristo, nos transforma de inimigos em amigos dEle" (II Cor. 5:18 — BLH). E Ele continua nos buscando hoje. Quando aceitamos Seu misericordioso convite, andamos na certeza da salvação a nós garantida por meio de Sua morte e ressurreição.

Numa sentença resumida, Paulo investiga a profundidade do que significa o amor de Deus por nós. "Mas Deus prova o Seu próprio amor para conosco, pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores" (Rom. 5:8). Três verdades ficam aí patentes: Primeira: Deus demonstra o tipo de amor que possui; segunda: compreendemos nossa desamparada e sempre ignorante condição como pecadores; e terceira: observamo-Lo iniciando todo o plano.

No plano de Deus, Cristo cumpre o eterno concerto, saldando um compromisso feito antes da criação do mundo. Ele entregou voluntariamente a vida por nós. Estava cumprindo, em concordância, um propósito de proporções cósmicas.

E o que dizer de Seu amor?

Desafortunadamente, amor tornou-se uma palavra quase desfigurada. Com muita frequência é ligada a sentimento, e até mesmo confundida com sentimento religioso. Mas, na Bíblia, amor é uma palavra de poder, não tendo nada de vago ou indistinto. O amor é dinâmico: Deus em ação seguindo nossas pegadas a fim de nos ajudar. Amor é um princípio, diz Ellen White. Como pode ser isso? A resposta é que o amor de Deus traduz um compromisso inamovível, inviolável, uma predisposição em nosso favor que não pode ser desencorajada. Amor divino — não há como abalá-lo ou detê-lo. É uma busca implacável da parte de um Deus ansioso por ajudar, que jamais desiste. Neste sentido, Deus é amor.

Mais que exemplo

Em meados da Idade Média, um monge francês, de nome Pedro Abelardo, ideou o que cria ser o verdadeiro sentido do amor. Essa ideia se tornou conhecida com o nome de Teoria da Influência Moral. Reagindo contra a ideia grosseira de resgate que predominava em sua época, argumentou que Jesus não era, de maneira alguma, um resgate, mas sim, alguém elevado. Se ao menos pudéssemos captar a nobreza do caráter de Deus, raciocinava, nosso coração egoísta derreteria, e seríamos levados ao arrependimento e o pecado seria abandonado.

Para Abelardo, a morte de Cristo era a suprema demonstração do amor de Deus; daí a descrição de Seu caráter. Assim, Jesus sofreu conosco para deixar o exemplo. Ele Se identificou plenamente e experimentou tudo o que a vida proporciona. Sofre como pecador, e não apenas pelo pecador. Esta teoria reinterpretou o sentido dos textos que falam que Cristo morreu por nós.

Apesar do cerne de verdade, a doutrina de Abelardo afastou-se grandemente da figura bíblica completa. Ela apresenta Cristo como sendo sujeito à lei do amor em vez de ser Criador. A maneira branda como encara o pecado sugere que a dificuldade surge não tanto devido à violação do perfeito caráter de Deus por parte do pecador, como de sua falha em compreender a afeição que Deus tem por ele. Deixa de lado o ensino bíblico de que Cristo veio não apenas para demonstrar o amor de Deus, mas também para manifestar Sua justiça. Com a expiação descrita principalmente em termos de esclarecer Seu propósito, a obra de Cristo como sacrifício morto pelo pecador culpado é silenciada. Focaliza-se especialmente a iluminação moral interior, e nem tanto a morte física plena e aberta que resolveu o principal conflito que o pecado introduziu no Universo de Deus. Assim, Abelardo nos trouxe uma verdade parcial — Jesus como a demonstração inquestionável do infalível interesse de Deus por nós.

Mas salvação significa mais que uma revelação de bons sentimentos entre nós e Deus. Significa um confronto mortal entre justiça e revolta humana que nos envolve a todos. Significa um amor que levou Jesus ao supremo sacrifício a fim de obter para nós a reconciliação com nosso Criador. A espantosa cena do Gólgota mostrou apenas vagamente um tipo de amor que, na realidade, significa assumir a culpa de cada pecado e sofrer suas consequências — total alienação de Deus. É unicamente aqui que vem à tona a profundeza do amor de um Deus persistente e cheio de renúncia própria. Paulo afirma: "Temos paz com Deus, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo" (Rom. 5:1). Ao aceitar a Cristo, temos a alegria da certeza da salvação, sabendo que somos perfeitamente aceito em Seu amor. Deus é amor, e a magnitude deste amor continuar à se desdobrando ante nossos olhos ao buscarmos entrar pelas portas da eternidade.

Existe uma verdade deixada de lado pelos tradutores num texto muito familiar do Novo Testamento. "Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras" (I Cor. 15:3). Literalmente o texto afirma que Cristo se tornou o sacrifício em nosso lugar (grego, hilasteriorí), uma clara referência ao antigo sistema sacrificai hebreu. Tanto superficialmente, quanto na sua base, o princípio é substituição.

Típico das religiões pagãs, os antigos gregos usava as obras para apaziguar seus deuses, acalmando-lhes a ir a e buscando sua aprovação com dádivas e um determinado sistema de ofertas. Infelizmente, este conceito persiste entre alguns cristãos, hoje, surgindo algumas vezes em forma de argumentos sobre fé e obras. Mas apaziguamento, em qualquer premissa, é uma ideia pagã, digna de rejeição.

A favor do Pai

Na morte de Cristo, não existe nenhuma insinuação de que o Salvador estivesse Se esforçando por alcançar o favor de Deus. Com este favor já garantido, Sua confiança O levou ao Calvário, apesar do estremecimento provocado por sua constituição humana. Unicamente na cruz, confrontado pela separação da presença de Seu Pai em reação contra o pecado, é que o completo rompimento se tornou claro. Quando o véu da nossa culpa caiu sobre Ele, Seus lábios expressaram um grito de agonia: "Por que Me desamparaste?" (Mat. 27:46).

Com isto Ele caiu no poço da segunda morte, levando consigo o fardo da rejeição pela rebelião contra Deus. Neste ponto Ele está em nosso lugar. A Ele pertence o desespero dos pecadores perdidos olhando para a escuridão do esquecimento, destituído de esperança. Estando em nosso lugar, "o Salvador não podia enxergar para além dos portais do sepulcro". — O Desejado de Todas as Nações, pág. 753. A morte se apossou dEle, como de um pecador abandonado, solitário, no lugar que, na verdade, pertencia a cada um de nós.

Existem os que sugerem que Cristo veio principalmente para demonstrar Sua preocupação por nós em nosso destino comum, a fim de partilhar de nossas tristezas e nos assegurar que Deus nos compreende e vela por nós. Enquanto tudo isso tem seu mérito, leva em seu bojo a sutil sugestão de que, afinal de contas, o pecado não é realmente tão sério e que devemos nos sentir confortados com o conhecimento de que Deus nunca deixa de Se preocupar conosco. Somos encorajados a olhar o lado positivo. Mas qual é o lampejo que clareia o precipício da condenação? Fora de qualquer questão, Jesus demonstrou como é que Deus ama, mas existe muito mais em jogo. Ele veio para levar sobre Si o inevitável castigo pela revolta contra o justo caráter de Deus.

Jesus não veio para apaziguar mas para cancelar a culpa e purificar o pecador. Em nenhum sentido houve suborno de Deus ou uma driblagem com a intenção de resolver uma exigência pessoal. Em vez disto, Ele idealizou um plano do qual Paulo afirmou: "Para manifestar a Sua justiça, por ter Deus, na Sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a manifestação da Sua justiça no tempo presente, para Ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus" (Rom. 3:25 e 26). Em outras palavras, ao invés de responder a uma exigência de Deus, isto foi feito pela iniciativa de Deus.

Jesus pagou nosso resgate e nos libertou, a nós, os cativos do pecado. Simultaneamente Ele mostrou a maneira como Deus nos ama. Mas ainda tem muito mais. Chegamos a uma compreensão mais real quando nos defrontamos com a natureza desesperada de nosso problema com o pecado e como Deus precisa lidar com a rebelião que corre solta em Seu Universo.

A justiça de Deus está em jogo. É aqui que nos deparamos com uma dramática separação das ideias pagãs acerca do apaziguamento. Deus assume o comando criando uma ponte sobre o abismo. Ele Se substitui a Si mesmo a fim de demonstrar a natureza imutável de Sua lei, e realiza tudo o que é necessário. Cristo Se torna o sacrifício divino e Sua cruz, um altar (veja I Cor. 5:7). Assistimos estupefatos a Seu sacrifício feito em nosso favor. Ele "Se entregou a Si mesmo por nós" (Efés. 5:2) e ofereceu "para sempre, um único sacrifício pelos pecados" (Heb. 10:12). Deus "enviou o Seu Filho como propiciação pelos nossos pecados" (I João 4:10).

Em Cristo nosso pecado foi julgado e condenado. A natureza justa de Deus permanece inalterada e Sua violação, resolvida. Enquanto permanecíamos como crianças espantadas, Ele nos reconciliou para, agora, poder derramar os benefícios sobre nós, os que O aceitamos em fé. Tendo o Universo como testemunha de todas estas coisas, o que mais poderia Ele ter feito?

*George Reid foi Diretor do Instituto de Pesquisa Bíblica da Associação Geral

FONTE: Revista Adventista, Fevereiro 1993, p. 10-12.


quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

O CRISTÃO E O PORTE DE ARMAS – O QUE DIZEM AS SAGRADAS ESCRITURAS?


Ricardo André

O decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), no dia 15 de janeiro, tornando mais flexível a posse de armas de fogo em casa - primeiro passo para a revogação do Estatuto do Desarmamento (legislação que limita tanto o uso quanto o porte de armas pela população brasileira) para que os cidadãos possam voltar a ter porte de arma, foi, inclusive, uma das propostas de campanha do então candidato Jair Bolsonaro - tem provocado intenso debate na sociedade brasileira, dividindo-a. Há os que são contra e há os que são a favor do porte de arma. O assunto nunca foi tão debatido no Brasil como nestes últimos dias e promete se intensificar nos meses seguintes quando essa medida for questionada no STF pelos partidos que fazem oposição ao presidente, bem como quando a chamada “Bancada da Bala”, na Câmara Federal forçar o presidente da Casa a pautar esse tema.

Cristãos divididos

Esse debate ocorre também entre os cristãos. Diversos religiosos ultraconservadores simpatizantes da extrema direita política, tanto católicos como evangélicos, têm feito nas redes sociais defesa ardorosa do porte de armas pelos cristãos, inclusive, usando de forma equivocada textos bíblicos para apoiar suas teses.

No campo católico podemos citar como exemplo o Padre Paulo Ricardo, da Arquidiocese de Cuiabá, que tem 1,4 milhões de seguidores nas redes sociais e publicou recentemente no Twitter que "os cristãos buscam a paz, mas isso não significa que sejam pacifistas". A reportagem também destaca a declaração do padre Paulo Ricardo dizendo que "a legítima defesa é cristã, moral e perfeita". Já no âmbito protestante, citamos o reverendo Augustus Nicodemus, que em vídeo, no seu canal do YouTube “Perguntar não Ofende”, se manifestou favorável ao porte de armas pelos cristãos quando a lei do país permite (https://www.youtube.com/watch?v=2qV9bGfgdjI). Mencionamos também o jornalista e pastor Leandro Quadros, apresentador do Programa “Na Mira da Verdade”, da TV Novo Tempo, que para defender a ideia de que cristãos civis podem andar armados, no seu Blog afirmou, entre outras coisas, que “a Bíblia não é contra o porte de armas em algumas situações específicas, e além disso, ela estabelece limites”.

Com base no texto bíblico de Êxodo 22:2, 3, assevera que “a Bíblia não é contra o filho de Deus portar armas, porém tem limites. Não pode sair por aí matando qualquer um; não pode sair por aí fazendo besteiras. Aqui nós vemos que nesse texto está num contexto de proteção da propriedade. Baseado no texto de Romanos 13:1-4, argumenta que “o cristão deve submeter-se às leis e a proteção do Estado. Isso significa, de acordo com Romanos 13:1-4, que se o estado permite o porte legal de armas, um cristão pode ter um porte de armas. Agora, se o estado não permite, o cristão não pode ter, ir de encontro as normas do Estado. Romanos 13:1-4 é muito claro em dizer, que quem tem a autoridade mesmo para usar a espadada e, inclusive, decepar o criminoso é o Estado, o cristão, não, a não ser naquele contexto que falei de Êx 22:2, 3, de proteção da propriedade. Mesmo assim, não é uma coisa frouxa e aberta. Deus coloca ali limites” (http://leandroquadros.com.br/os-adventistas-e-a-posse-e-porte-de-armas/).

As questões de capital importância são: Seria a Bíblia favorável ao armamento da população? E o que diria Jesus acerca disso? Dar ao cidadão comum o direito de possuir ou portar uma arma coibirá ou estimulará ainda mais a violência?

Análise dos textos bíblicos

À semelhança dos pastores Augustus Nicodemus e Leandro Quadros, diversos religiosos armamentistas costumam usar o texto de Êxodo 22:2, 3 para defender o armamento da população. A passagem diz o seguinte: "Se o ladrão que for pego arrombando for ferido e morrer, quem o feriu não será culpado de homicídio, mas se isso acontecer depois do nascer do sol, será culpado de homicídio. Um ladrão terá que restituir o que roubou, mas se não tiver nada, será vendido para pagar o roubo” (NVI).

Ao analisar o texto em lide, é preciso considerar três pontos:

1) A passagem em questão não diz que a vítima pode matar em legítima defesa, mas FERIR ou GOLPEAR. Contudo, se ao ferir, o ladrão for morto acidentalmente dento da casa da vítima e durante a noite, a vítima não seria culpada de homicídio, pois só estava se defendendo e não teria tencionado tirar a vida do ladrão. É o que defende, por exemplo, o Dr. Alan Cole, teólogo batista norte-americano. Em seu comentário de Êxodo, ele afirma que a morte à noite é justificada, pois “pode até mesmo ser acidental, resultado de uma luta cega no meio da noite” (Êxodo, Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova & Mundo Cristão, 1981. p. 165). Portanto, o texto de Êx 22:2, 3 sugere a ideia de que a pessoa vítima de roubo dentro de casa não teve a intenção de tirar a vida do próximo, mas que ele veio a falecer por causa das pancadas. É assim que a Bíblia define a morte por legítima defesa: quando a vítima não mata intencionalmente o meliante.

A expressão “depois do nascer do sol” indica um julgamento diferente daquele permitido à noite. O texto não deixa nítido porque há culpa em matar um ladrão durante o dia, mas não durante a noite. Possivelmente, a diferença do dia para a noite reside na identificação das intenções do ladrão e na estimativa do perigo representado por ele. À noite, por conta da escuridão, é mais difícil distinguir ou identificar se a pessoa que está arrombando a casa é um ladrão ou um assassino, se ele estava armado e se ele tinha intenções homicidas. Além disso, a noite torna mais difícil a tarefa de se defender e, ao mesmo tempo, evitar matar o ladrão. Durante o dia, seria melhor se esconder ou fugir e pedir ajuda (Provérbios 22:3; 27:12). Nas palavras do Dr Alan Cole, “matar um ladrão que tenta perfurar uma parede de tijolos para entrar na casa (Ezequiel 12:5) é homicídio justificável, se acontecer depois de escurecer. O arrombador pode ser um assassino armado, no entender do dono da casa [...] À luz do dia, entretanto, o dono da casa não tem desculpa se matar o arrombador: além do mais, ele é capaz de identificar o indivíduo.” (Ibid.) A Bíblia de Estudo de Genebra também considera essa possibilidade, ao afirmar: “A morte de um assaltante noturno desconhecido não incorria em culpa de sangue, visto que confrontar o assaltante poderia pôr em perigo a vida do dono da casa. Mas um ladrão que atacasse durante o dia poderia ser prontamente identificado, e matá-lo não era justificado” (p. 105). Portanto tirar a vida de um assaltante durante o dia, quando ele pode ser identificado, a defesa se torna vingança; logo, configuraria crime de assassinato, pois o ato seria premeditado.

2) Ao defender a posse de arma pelos cristãos, os pastores e padres armamentistas parecem desconsiderar que a concessão em Êx 22:2, 3 fora feita a um povo nômade em vias de se estabelecer numa terra sem lei, onde não havia qualquer tipo de policiamento, nem código penal, nem mesmo um governo organizado. Em outras palavras, era cada um por si. Hoje, os povos possuem o aparato estatal que possuem o dever de oferecer proteção aos cidadãos. Ademais, se é para cumprir o mandamento ao pé da letra, os religiosos que defendem o armamento civil deveriam também defender que as pessoas não usem a arma para matar, apenas para ferir, e que o façam à noite, jamais à luz do dia, e que, por fim, vendam o ladrão como escravo para pagar eventuais prejuízos.

3) Nenhum texto no Antigo Testamento autoriza o civil a carregar armas; afinal, para se defender, qualquer objeto ou até mesmo a própria força física poderia servir como meio de defesa. Qualquer objeto pode virar uma “arma” de defesa pessoal, desde que não seja usado com o objetivo de tirar a vida do bandido. Afinal, como já dissemos acima, legítima defesa é quando a morte do bandido resulta de um acidente. Quem carrega um revolver e puxa o gatilho contra o próximo, por exemplo, sabe que isso poderá resultar na sua morte (principalmente se for disparado contra alguma região vital do corpo). Logo, neste caso, de acordo com a Bíblia, não se trata de legítima defesa, mas sim de assassinato, pois é um ato consciente e premeditado. Logo, é crime de assassinato (Êxodo 20:13).

Outra passagem evocada pelos pastores supracitados para sustentar a tese do armamento civil é Romanos 13:1-4. De acordo com eles, como o texto de Romanos ordena que obedeçamos as autoridades constituídas, se as leis do Estado permitirem o porte de armas legal, então, o cristão pode portar armas. Entretanto, esqueceram-se que não há absolutamente nada na Santa Bíblia que embase tal pensamento. Não discordamos que devemos nos submeter às autoridades governamentais do país onde vivemos (Romanos 13:1-5), porém, essa submissão não é cega. Ela se dá somente se elas estiverem de acordo com a Palavra de Deus. Como frisaram Pedro e os outros apóstolos: “É preciso obedecer antes a Deus do que aos homens!” (Atos 5:29). Portanto, ainda que o Estado permita, o cristão não deve se submeter; antes, deve obedecer a Deus.

Até porque não é o fato de o Estado permitir algo que aquilo seja realmente o certo. Aqui no Brasil, por exemplo, em 2011, os ministros do STF reconheceram a união estável para casais do mesmo sexo. Deveríamos concluir que é permitido e certo para um cristão se casar com alguém do mesmo sexo? É óbvio que não! (Romanos 1:24-28; 1 Coríntios 6:9-10; 1 Timóteo 1:8-10; Apocalipse 21:8; 22:15). E se algum dia o Congresso aprovar o aborto em qualquer situação, será que uma mulher cristã poderá abortar? É claro que não! Antes é preciso obedecer a Deus do que aos homens!

Ademais, o texto de Romanos 13:1-4 deixa claro que é a autoridade que pode usar armas. Nas palavras de Paulo, “ela não porta a espada sem motivo. É serva de Deus, agente da justiça para punir quem pratica o mal” (Romanos 13:4, NVI). O apóstolo Pedro também orienta nesse mesmo sentido: “Por causa do Senhor, sujeitem-se a toda autoridade constituída entre os homens; seja ao rei, como autoridade suprema, seja aos governantes, como por ele enviados para punir os que praticam o mal e honrar os que praticam o bem. Pois é da vontade de Deus que, praticando o bem, vocês silenciem a ignorância dos insensatos” (1 Pedro 2:13-15, NVI). Logo, somente a autoridade pode usar armas, e com o fim exclusivo de defender a sociedade contra os bandidos. Nada é dito sobre civis portarem armas. Dizer que Êx 22:2, 3 permite o civil usar armas no sentido de proteger a propriedade, como quer o jornalista Leandro Quadros, é forçar o texto a dizer o que não quer dizer.

O que disse Jesus

Penso que como cristãos devemos promover a cultura da paz. Defender o porte de arma é contribuir para que a violência aumente em nosso país. Um dos princípios ensinados por Jesus foi o da não violência, “pois a ira do homem não produz a justiça de Deus” (Tiago 1:20). Ele afirmou: “Bem-aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus.” (Mateus 5:9). A escritora cristã Ellen G. White, afirma “que o espírito de paz é um testemunho de sua ligação [dos seguidores de Cristo] com o Céu. Envolve-os a suave fragrância de Cristo. O aroma da vida, a beleza do caráter, revelam ao mundo que eles são filhos de Deus. Vendo-os, os homens reconhecem que eles tem estado com Jesus” (O Maior Discurso de Cristo, p. 28). O cristão deve, como filho de Deus, desenvolver “o espírito de paz”. Evidentemente que não é pacificador, não tem o espírito de paz nem a promove aquele que, não sendo uma autoridade, carrega ou possui uma arma, pois clara intenção é, no mínimo, revidar qualquer agressão ou ameaça.

Jesus ainda ensinou: “Vocês ouviram o que foi dito: ‘Olho por olho e dente por dente’. Mas eu lhes digo: Não resistam ao perverso. Se alguém o ferir na face direita, ofereça-lhe também a outra.” (Mateus 5:38-39). Segundo Jesus, os cristãos são mansos e pacificadores. Eles “não resistem ao mal”. Essa é uma função do exército, da polícia e dos tribunais de justiça de um país. E, de acordo com Romanos 13, Deus se utiliza dos governos para manter a ordem e resistir o mal. Mas esse não é o papel de cristãos individualmente. Não devemos impor a lei com as próprias mãos. Não devemos viver uma vida de retaliação. Devemos viver de acordo com as bem-aventuranças; devemos ser pacificadores e amar nossos inimigos (Mt 5:44).

No episódio da sua prisão no jardim do Getsêmani, Jesus ensinou aos seus discípulos que, não importava a situação, eles nunca deveriam recorrer à violência, mas serem sempre pacíficos. Quando os soldados romanos aproximaram-se de Jesus para o prender, Pedro tomou uma de suas espadas e decepou a orelha do soldado Malco. Imediatamente Jesus o repreendeu com essas palavras: “Guarde a espada! Pois todos os que empunham a espada, pela espada morrerão” (Mateus 26:52, NVI). Com essas palavras, Jesus nitidamente reprovou a violência de Pedro. Desse modo, Jesus pretendia ensinar a grande lição da não-violência ao Seu discípulo que tinha temperamento forte, pois ele enfrentaria situações injustas e desesperadoras também, em que seria vítima de calúnias, perseguições e agressões de toda sorte e deveria suportar o sofrimento com paciência. E Pedro realmente aprendeu a lição, pois em sua primeira carta aconselhou os irmãos a sofrerem com paciência, assim como Jesus sofreu: “Porque é louvável que, por motivo de sua consciência para com Deus, alguém suporte aflições sofrendo injustamente. Pois que vantagem há em suportar açoites recebidos por terem cometido o mal? Mas se vocês suportam o sofrimento por terem feito o bem, isso é louvável diante de Deus. Para isso vocês foram chamados, pois também Cristo sofreu no lugar de vocês, deixando-lhes exemplo, para que sigam os seus passos” (1 Pedro 2:19-21, NVI).

Além disso, o apóstolo Paulo claramente ensinou que a nossa luta não é contra seres humanos, mas contra o diabo, e que nossa arma de defesa e de ataque não é a arma humana, mas é a espada do Espírito – a Palavra de Deus; a oração como uma importantíssima arma na contra o mal. Ele firmou: “Pois, embora vivamos como homens, não lutamos segundo os padrões humanos. As armas com as quais lutamos não são humanas; pelo contrário, são poderosas em Deus para destruir fortalezas. Destruímos argumentos e toda pretensão que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levamos cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo.” (2 Coríntios 10:3-5)

“Vistam toda a armadura de Deus, para poderem ficar firmes contra as ciladas do diabo, pois a nossa luta não é contra pessoas, mas contra os poderes e autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais. Por isso, vistam toda a armadura de Deus, para que possam resistir no dia mau e permanecer inabaláveis, depois de terem feito tudo. Assim, mantenham-se firmes, cingindo-se com o cinto da verdade, vestindo a couraça da justiça e tendo os pés calçados com a prontidão do evangelho da paz. Além disso, usem o escudo da fé, com o qual vocês poderão apagar todas as setas inflamadas do Maligno. Usem o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus” (Efésios 6:11-17).

Toda essa armadura está à inteira disposição de cada cristão: a palavra de deus, verdade, justiça, fé e oração.

Nenhum apóstolo andava armado e os mártires não se defendiam dos seus assassinos com “armas humanas”. Afinal, o Senhor havia dito: “Vocês ouviram o que foi dito: ‘Ame o seu próximo e odeie o seu inimigo’. Mas eu lhes digo: ‘Amem os seus inimigos e orem por aqueles que os perseguem, para que vocês venham a ser filhos de seu Pai que está nos céus. Porque ele faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos. Se vocês amarem aqueles que os amam, que recompensa receberão? Até os publicanos fazem isso! E se vocês saudarem apenas os seus irmãos, o que estarão fazendo demais? Até os pagãos fazem isso! Portanto, sejam perfeitos como perfeito é o Pai celestial de vocês.’” (Mateus 5:43-48)

Enquanto morria apedrejado, Estêvão não procurou se defender com armas humanas. Antes, orou por seus perseguidores (Atos 7:59-60). E ele só estava seguindo o exemplo do Mestre, que, na cruz, orou por seus assassinos, dizendo: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo” (Lucas 23:34).

Paulo e Silas foram duramente maltratados e agredidos em Filipos, e em momento algum a Escritura diz que eles tinham alguma arma e a usaram (Atos 16:16-24).

Muitos outros exemplos bíblicos como esses poderiam ser usados, mas esses são suficientes para mostrar a inconsistência da ideia de armar a população civil.

A Posição da Igreja Adventista Sobre o Porte de Armas

Qual é o posicionamento da Igreja Adventista do Sétimo Dia sobre a questão do porte de armas? Transcrevemos abaixo a Declaração oficial da Igreja sobre o tema. Tal Declaração foi liberada pelo então presidente da Associação Geral, Neal C. Wilson, após consulta com os 16 vice-presidentes da Igreja Adventista, em 5 de julho de 1990, durante a Assembleia da Associação Geral realizada em Indianápolis, Indiana. Nela, os líderes da igreja demonstram claramente a preocupação com a crescente violência resultante da facilidade da aquisição de armas pelos civis nos EUA e em outras partes do mundo, enfatizando que a “acessibilidade só pode abrir a possibilidade de mais tragédias”. Da Declaração abaixo conclui-se que a IASD se posiciona contrária ao porte de armas pelos cristãos. Vejamos:

As armas automáticas ou semiautomáticas de estilo militar estão se tornando cada vez mais disponíveis aos civis. Em algumas regiões do mundo é relativamente fácil a aquisição de tais armas.

Elas aparecem não apenas nas ruas, mas também nas mãos de jovens nas escolas. Muitos crimes são cometidos por meio do uso dessas armas. São feitas para matar e não têm nenhuma utilidade recreativa legítima.

Os ensinos e o exemplo de Cristo constituem a norma e o guia para o cristão de hoje. Cristo veio ao mundo para salvar vidas, não para destruí-las (Lucas 9:56). Quando Pedro sacou de sua arma, Jesus lhe disse: “Embainha a tua espada; pois todos os que lançam mão da espada, à espada perecerão” (Mateus 26:52). Jesus não Se envolvia em violência.

Alguns argumentam que a interdição das armas de fogo limita os direitos das pessoas e que as armas não cometem crimes, mas sim as pessoas. Embora seja verdade que a violência e as inclinações criminosas conduzem às armas, também é verdade que a disponibilidade das armas leva à violência.

A oportunidade de civis comprarem ou adquirirem de outro modo as armas automáticas ou semiautomáticas apenas aumenta o número de mortes resultantes dos crimes humanos. A posse de armas de fogo por civis nos Estados Unidos aumentou a uma estimativa de 300 por cento nos últimos quatro anos. Durante o mesmo período, houve um assombroso aumento de ataques armados e, consequentemente, mortes.

Na maior parte do mundo, as armas não podem ser adquiridas por nenhum meio legal. A igreja vê com alarme a relativa facilidade com que elas podem ser adquiridas em algumas regiões. Sua acessibilidade só pode abrir a possibilidade de mais tragédias.

A busca da paz e a preservação da vida devem ser os objetivos do cristão. O mal não pode ser combatido eficazmente com o mal, mas deve ser vencido com o bem. Os adventistas, como outras pessoas de boa vontade, desejam cooperar na utilização de todos os meios legítimos para reduzir e eliminar, onde possível, as causas fundamentais do crime.

Além disso, tendo-se em mente a segurança pública e o valor da vida humana, a venda de armas de fogo automáticas ou semiautomáticas deveria ser estritamente controlada. Isso reduziria o uso de armas por pessoas mentalmente perturbadas e por criminosos, principalmente aqueles envolvidos com drogas e atividades de quadrilhas.

Consequências de se armar a população civil

Acredito profundamente que armar a população não resolve o problema da violência tampouco dará mais segurança ao cidadão. Ao contrário, num mundo com violência crescente e pessoas estressadas, qualquer briga de trânsito, de bar e de vizinhos será motivos para, num momento de fúria, sacar a armar para tirar a vida do outro. A violência tendem a aumentar substancialmente. O pesquisador Daniel Cerqueira mostra que o aumento de 1% na quantidade de armas nas cidades se reflete em 2% a mais nas taxas de homicídio (acesse essa tese no link: https://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/empresa/download/Concurso0212_33_premiobndes_Doutorado.pdf). Se isso já acontece hoje sem a liberação das armas, imagine com a liberação da posse e depois a de porte de arma para a população. Muitas pessoas ditas do “bem” vão acabar usando a sua arma para resolver problemas pessoais (como som alto, problemas amorosos, problemas de estresse, entre outros.) que nada têm a ver com bandidos, ou seja, resolver atritos com outras pessoas do bem.

Como é sabido por todos, nos Estados Unidos é possível comprar armas com extrema facilidade e de modo legal. Mesmo estudos já mostrando que o número de mortes e violência por armas de fogo só aumentou. Tanto é assim, que em março deste ano, milhares de jovens se reuniram no dia 24 de março, em Washington para pedir um BASTA à facilidade para se comprar armas nos EUA, país que é recorrente em massacres em escolas. Mais detalhe vejam a matéria no link: http://ansabrasil.com.br/brasil/noticias/mundo/noticias/2018/03/24/em-marcha-historica-jovens-pedem-restricoes-a-armas-nos-eua_ec367f7e-7558-4b1c-847a-855c1dbbd1b0.html.


Para se ter uma ideia, só em 2016, foram quase 60.000 incidentes com armas de fogo, mais de 15.000 mortos e 383 tiroteios em massa nos Estados Unidos. E olha que estamos falando de um país bem mais seguro que o Brasil…


O problema de armar a população é que as pessoas ditas do “bem” acabam usando a sua arma para resolver problemas pessoais (como som alto, brigas de trânsito, problemas amorosos, problemas de estresse, etc.) que nada têm a ver com bandidos, ou seja, resolver atritos com outras pessoas do bem. Portanto, a maior presença de armas dá contornos sangrentos a brigas fúteis. Segundo o último anuário do Fórum Brasileiro de Segurança, menos de 3% dos homicídios decorrem de latrocínio – roubo seguido de morte - acesso os dados do relatório no link: http://www.forumseguranca.org.br/produtos/anuario-brasileiro-de-seguranca-publica/8o-anuario-brasileiro-de-seguranca-publica.
“Muita gente morre por motivos banais”, diz Cerqueira. “O assassino, geralmente, é um cidadão honesto que não tinha interesse em matar para se apropriar de um bem econômico. Costuma ser aquele sujeito que brigou no bar e, por estar sob a influência do álcool, usou a arma de fogo – altamente letal.” Na ânsia de se proteger de bandidos, o “cidadão de bem” compra uma arma. Perde a cabeça, comete um crime e acaba se tornando aquilo que ele queria combater.

Mas o argumento mais forte para se restringir o acesso a armas pode não ter nada a ver com assassinato: as grandes vítimas de armas nos Estados Unidos não foram mortas por outros. Cometeram suicídio. Segundo um relatório da Universidade de Harvard de 2008, o número de suicídios superou o de homicídios numa proporção quase de dois para um. O estudo diz que muitos dos 30 mil suicídios registrados todos os anos podem ser evitados. “A pesquisa mostra que a chance de um suicida viver ou morrer está em parte na disponibilidade de meios altamente letais, especialmente armas de fogo”.

Precisamos entender que mesmo que “o cidadão de bem” possa possuir e portar uma arma, ele não estará magicamente mais seguro só por isso. Por quê? Porque ele não vai andar por aí com a arma em punho – mas o bandido vai! De que adianta, então, “o cidadão de bem” ter uma arma, que provavelmente estará guardada na cintura ou na mochila ou no porta-luvas do carro se para pegá-la, apontá-la para o bandido e disparar o gatilho levará alguns segundos, segundos esses nos quais o bandido, que já vem para cima da vítima com a arma carregada e em punho, apontando para a vítima, vai atirar, e, depois disso, roubar o celular, a carteira e, ironicamente, até a arma dela? Assim, a única coisa que vamos conseguir é dar aos bandidos mais armas que eles usarão para cometer mais e mais crimes. Nós temos a falsa ilusão de que, ao sermos abordados por um bandido, conseguiremos reagir rapidamente, e é o bandido que levará a pior, e eu vou salvar a minha vida e a das pessoas que estão comigo. Chamo isso de SÍNDROME DO SUPER-HERÓI.

Por incrível que pareça alguns cristãos argumentam que enquanto a população for mantida desarmada, os bandidos farão a festa. Então, perguntamos: Em vez de desarmar a bandidagem, a saída é armar o restante do povo? Vamos apagar fogo com fogo? Como garantir que os bandidos se inibiriam diante de uma população armada? Se eles não se inibem nem diante de policiais exaustivamente treinados para combatê-los, por que se inibiriam diante de um chefe de família qualquer? Talvez isso fizesse com que mudassem a abordagem e já chegassem atirando, antes que pudesse haver uma reação.

Por falar nisso, o presidente Bolsonaro, que defende a posse e o porte de arma pelo “cidadão de bem”, já foi assaltado e teve sua arma roubada. O jornal A Tribuna da Imprensa (RJ) noticiou, no dia 5 de julho de 1995, que no dia anterior Bolsonaro fora assaltado enquanto seguia para panfletar junto a seus eleitores, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Na ocasião, ele afirmou: “Mesmo armado me senti indefeso”. A notícia é verídica e pode ser verificada no acervo digital da Biblioteca Digital do Brasil, na edição 13858, página 5. No mesmo dia, o Jornal do Comércio também noticiou o ocorrido.

Ora, se o maior defensor da posse e porte de arma para os civis, mesmo armado, se sentiu indefeso e não conseguiu se defender, por que pensar que “o cidadão de bem” estará mais seguro dos bandidos somente por portar uma arma? É, no mínimo, ingênuo sustentar isso.

Conclusão:  

O que podemos concluir que é o cristão civil não pode portar armas, mas somente as autoridades e o exército, conforme a Palavra de Deus ensina (Romanos 13:1-8; 1 Pedro 2:13-15). São essas instituições que tem o dever de proteger a população, punindo os malfeitores (Romanos 13:1-8). Não é dever do civil andar armado.

O que nossa sociedade precisa é de desarmar seu espírito, de modo que possa entender que ninguém nasce bandido. O crime é resultado da injustiça predominante na sociedade, das desigualdades sociais e da miséria. No países onde há menos injustiça social, o índice de criminalidade é menor.

Penso que em vez de munir a população com extintores para apagar o incêndio, não seria melhor impedir que o incêndio acontecesse? Medidas preventivas costumam ser mais efetivas do que paliativos usados para remediar, a exemplo de implementação de políticas públicas que ofereça saúde, educação, lazer, cultura e oportunidades para nossas crianças e adolescentes, tirando-os de situações de vulnerabilidade.

Por essas razões religiosas e sócio-política e outras não mencionadas aqui, que somos contra o armamento da população civil.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

O CONTEXTO BÍBLICO DO 666

O 666 aponta não a uma entidade única, mas a uma atitude de incredulidade e rebeldia compartilhada pelo dragão, a besta, o falso profeta e por todos aqueles que não recebem o selo de Deus. 


Vanderlei Dorneles*

As atitudes e entidades por trás do código

O 666 aponta não a uma entidade única, mas a uma atitude de incredulidade e rebeldia compartilhada pelo dragão, a besta, o falso profeta e por todos aqueles que não recebem o selo de Deus. Imagem: Adobe Stock
É bem antiga a interpretação do significado do número 666 pelo método chamado gematria. A aplicação do número ao alegado título papal “Vicarius Filii Dei” foi originalmente proposta por Andreas Helwig (1572-1643), em sua obra Antichristus Romanus, publicada em 1602. Muitos cristãos têm convicção da coerência dessa “exegese”. Além disso, protestantes históricos, desde os primeiros reformadores, relacionaram a entidade revelada por meio da metáfora do anticristo e da besta ao papado em sua trajetória perseguidora durante a Idade Média e no fim dos tempos, como o pretenso “substituto do Filho de Deus” (ver Robert O. Smith, More Desired than Our Owne Salvation: The roots of Christian zionism [Nova York: Oxford University Press, 2013], p. xxxv; Carl P. E. Springer, Luther’s Aesop [Kirksville, MO: Truman State University Press, 2011], p. 168. Antony C. Thiselton, 1 and 2 Thessalonians Through the Centuries [Malden, MA: Wiley-Blackwell, 2011], e-book).

No entanto, muitas questões surgem diante dessa interpretação. Primeiro, a palavra traduzida por “calcular” é o verbo grego psephizo, que tem o sentido de “contar” e “calcular”, mas também de “descobrir”, “interpretar” e “vir a conhecer” (Timothy Friberg, Barbara Friberg e Neva F. Miller, Analytical Lexicon of the Greek New Testament [Victoria, British Columbia: Trafford Publishing, 2005]). Ademais, outros nomes e títulos têm sido apontados como resultando em 666 por meio da gematria. Soma-se ainda o fato de que não há nada parecido em toda a Bíblia, nem em Daniel nem nos outros profetas. As metáforas ou símbolos deles não dependem de um cálculo numérico a partir de um nome ou título. Quando relatam visões, os profetas não usam códigos secretos, mas símbolos e metáforas, todos extraídos do contexto bíblico. Por fim, a aplicação do número a uma única entidade na história ignora que o 666 é mencionado em relação à besta em sua fase posterior à cura da ferida mortal, sendo algo ainda futuro. É importante destacar também que o número é da besta como um todo e não de uma de suas cabeças, aquela ferida em 1798.

Diante dessas considerações, diferentes autores têm se debatido em busca do verdadeiro significado do 666 (ver Beatrice S. Neall, The Concept of Character in the Apocalypse with Implications for Character Education [Washington, DC: University Press of America, 1983]; G. K. Beale, The Book of Revelation [Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2013]; e Craig R. Koester, Revelation [New Haven: Yale University Press, 2014]). O objetivo deste artigo é discutir o tema com mais atenção ao contexto bíblico. A proposta é ver o relato acerca da imagem da besta e do número 666 (Ap 13:11-18) como parte de um contexto maior em que o capítulo 14 deve ser considerado, tanto quanto a primeira parte do 13. Ao mesmo tempo, também se busca no contexto bíblico as referências dessa visão de João. Nesse sentido, a pergunta é: Quais textos das Escrituras se refletem nessa visão e como nos ajudam a entender o que o apóstolo tinha em mente com o número 666?

CONTEXTO NO APOCALIPSE

O mais natural na interpretação da imagem da besta é vê-la como uma aliada da primeira besta e do dragão, formando a trindade do mal. Esses símbolos representam inimigos do povo da aliança, os quais o perseguem em diferentes fases da história. No tempo de Cristo, o império romano era o poder opressor dos judeus, e foi pela mão de soldados romanos que ­Cristo foi crucificado (cf. Ap 12:4; 2:9-10, 13). Durante a Idade Média, os cristãos foram perseguidos por 1.260 anos por uma entidade representada nesses mesmos símbolos (12:6, 14; 13:5, 7). E no tempo do fim são previstas intolerância e perseguição por parte desses poderes e seus aliados (12:17; 13:11-18).

No entanto, se nos detivermos em Apocalipse 12 e 13 para tratar dos símbolos ali descritos, poderemos ter apenas um contexto parcial das visões e enfrentaremos dificuldades ao lidar com o número 666. Diante dos desafios, a tendência é isolar o símbolo de seu contexto e ir para fora do texto bíblico em busca de significados possíveis. É preciso enfatizar que esse é um método impreciso. Os símbolos bíblicos só encontram sua correta interpretação dentro do contexto bíblico.

A proposta então é estender a perícope de estudo até Apocalipse 14:12. O motivo são as conexões claras entre os dois capítulos. O capítulo 13 diz que a “marca” da besta é colocada sobre a “mão” e a “fronte” das pessoas (13:16); o 14 começa com a visão dos 144 mil, que têm o nome de ­Cristo e de “seu Pai” sobre sua “fronte” (14:1). No capítulo 13, a segunda besta impõe a “marca da besta”; a terceira mensagem no capítulo 14 adverte contra a “marca da besta”, numa clara continuação do tema. Além disso, é preciso notar a conexão entre Apocalipse 13 e o Pentateuco. O capítulo 13 diz que a terra e seus habitantes “adoram” a besta e o dragão (v. 4, 8, 12, 15); já o 14 traz o apelo do primeiro anjo para adorar o Criador que fez o “céu, e a terra, e o mar”, numa alusão a Gênesis 1 e 2 e Êxodo 20. Por fim, o capítulo 13 usa as palavras “fôlego” (pneuma) e “imagem” (eikon) para descrever a ressurreição da besta, e nisso também faz alusão ao relato da criação, quando pneuma (fôlego de vida) é assoprado para fazer Adão à “imagem” e “semelhança” de Deus (Gn 2:7; 1:27, 31). Assim, as visões de Apocalipse 13 e 14 estão interligadas e fazem referência ao relato da criação em Gênesis 1 e 2 e a Êxodo 20.

Com essa intertextualidade entre Apocalipse 13 e 14 e Gênesis 1 e 2 encontramos uma importante pista para a interpretação do significado do número da besta, que é dito ser “número de homem” (Ap 13:18). O contraste entre o “número de homem” (13:18) e o “selo de Deus” (7:2; 14:1) também retoma a criação, quando o Deus criador e o homem criatura estão juntos no dia de sábado (Gn 2:1-3; Êx 20:8-11). No livro Secrets of Revelation: The Apocalypse through Hebrew eyes (Review and Herald, 2002, p. 118), Jacques Doukhan diz que a tradição bíblica associa o número seis ao homem desde sua criação, no sexto dia, e que isso está implicado na frase “número de homem” (Ap 13:18).

DESCANSO E PLENITUDE

O relato de que Deus descansa no ápice de Sua criação (Gn 2) vem logo após a informação de que Ele criou o homem “à Sua imagem” (1:26). Isso indica que o autor de Gênesis considera o descanso de Deus no sétimo dia à luz do tema da criação do homem à “imagem de Deus” no sexto dia. O objetivo é ensinar que o homem cultiva sua semelhança com Deus ao entrar com o Criador no descanso do sétimo dia. Gregory Beale afirma: “A humanidade foi criada no sexto dia, mas sem o sétimo dia de descanso Adão e Eva estariam incompletos e imperfeitos” (The Book of Revelation, p. 724).

De fato, ao imaginarmos o sétimo dia da semana da criação, podemos atestar a imagem e semelhança entre Deus e o homem à luz do tema do descanso. Toda a natureza seguia seu curso normal ao entrar no sétimo dia. Contudo, Deus e o homem pararam a fim de descansar e contemplar. A natureza é incapaz de parar e descansar por que não foi criada à imagem de Deus.

No entanto, com o pecado, as pessoas resistem a entrar no descanso divino, por causa de incredulidade e desobediência (Sl 95:11; Hb 3:11, 18, 19). Nesse caso, aqueles que se recusam a entrar no sétimo dia do descanso de Deus indicam, com isso, que não se consideram parte da imagem divina, mas parte da natureza, que não altera seu ritmo ao entrar no sábado. O autor de Hebreus usa o tema do descanso ­sabático em referência ao santuário. Mas o que é o ­sábado senão um santuário, em que se entra ou se deixa de entrar? Que a entrada no descanso divino aproxima o homem do Criador é bem atestado pelo autor de Hebreus: “Porque aquele que entrou no descanso de Deus, também ele mesmo descansou de suas obras, como Deus das Suas” (Hb 4:10).

Seguindo esse raciocínio, podemos dizer que, na semana da criação, avançar do sexto dia (o dia do homem) para o descanso do sétimo dia (o dia de Deus) é aceitar que fomos criados à imagem divina e que não viemos à existência por nós mesmos. A incredulidade referida em Hebreus consiste em não aceitar nossa origem divina por não entrar no descanso, referido com a linguagem do sábado. No entanto, quando o homem entra no descanso de Deus, ele se identifica com o Criador e deixa de ser parte da natureza para ser parte do ­círculo da divindade, como criatura que reflete a “imagem” e “semelhança” de Deus, atingindo a plenitude.

Nessa linha de pensamento, João pode ter empregado o número seis no Apocalipse como uma referência ao dia da criação do homem, mas fazendo menção ao homem que resiste a entrar no descanso de Deus, permanecendo assim na incompletude.

A ideia de incompletude referida pelo número seis no Apocalipse é bem clara. No sexto selo, sexta trombeta e sexta praga, o plano da salvação não está completado, e só se consuma quando se avança para o sétimo elemento. O “silêncio” do sexto selo (Ap 8:1), as “grandes vozes” celestiais da sétima trombeta (11:15) e o “está feito” da sétima praga (16:17) indicam o estado de plenitude a que chega a obra divina quando se avança do sexto para o sétimo elemento. “O sétimo em cada série no Apocalipse retrata a consumação do reino de Cristo. Cada série é incompleta sem o sétimo elemento” (The Book of Revelation, p. 722).

A MARCA E O SELO

João afirma que o selo divino é colocado sobre os “servos do nosso Deus” (Ap 7:3; 14:1). A palavra “selo” nesses versículos traduz o termo grego sphragis, o qual indica um meio ou instrumento de “autenticação”, “certificação”, “confirmação” e “reconhecimento” (Analytical Lexicon of the Greek New Testament). Nesse caso, o selo não é algo imposto, mas apenas uma forma de confirmar e certificar algo que é intrínseco, próprio do caráter e da escolha individual. Os servos de Deus já são servos antes do selo (Ap 7:3). Eles têm feito sua opção de servir ao Senhor e de ­adorá-Lo como Criador. Por isso têm o “selo” ou o “nome” divino em sua fronte (7:3; 14:1). O selo é algo que pode ser visto; é evidenciado na atitude dos servos de Deus em entrar no descanso divino no sétimo dia.

Por outro lado, o restante da humanidade, que não adora o Criador nem proclama a si mesmo como parte da criação à imagem e semelhança divina, recebe a “marca da besta” (Ap 13:17). A maioria das versões bíblicas traduz esse texto indicando que as pessoas recebem “a marca, o nome da besta ou o número do seu nome” como se fossem três coisas semelhantes. No entanto, o chamado Códex Alexandrino traz outra leitura (Revelation of Jesus Christ, p. 425). Literalmente, essa versão diz que as pessoas recebem “a marca, que é o nome da besta ou o número do seu nome” (Ap 13:17, NVI). Essa tradução se ajusta melhor ao contexto, ao indicar que a “marca” é uma forma de identificar aqueles que têm desenvolvido em si mesmos o “nome” ou o “número” da besta. “Nome” e “número” são indicativos do caráter dessas pessoas em sua associação com o dragão e a besta, inimigos de Deus, os quais não aceitam sua origem como criação divina.

A palavra grega usada para “marca” é káragma, que indica “marca ou carimbo feito por gravura, impressão, marcação”, em geral para marcar animais e escravos (Analytical Lexicon of the Greek New Testament). Enquanto o selo é uma autenticação de algo voluntariamente aceito, a marca é algo imposto como resultado de conformidade ou submissão. Assim, no contexto de Apocalipse 13 e 14, os “selados” são aqueles que assumem sua origem como “imagem” de Deus porque entram em Seu descanso e, assim fazendo, O adoram como Criador (Ap 14:7). Os “marcados” são aqueles que não assumem nem cultivam sua semelhança com Deus e, assim fazendo, não O reconhecem nem O adoram como Criador.

O ESPÍRITO DO ANTICRISTO

A resistência em adorar o Criador corresponde, portanto, a resistir em avançar da condição humana de número seis e ascender para o sete da perfeição. No entanto, a resistência a ser criatura divina e a entrar no descanso de Deus não é uma atitude final. Aqueles que não admitem sua filiação com Deus vão necessariamente tentar ocupar o lugar de Deus, no sentido de substituí-Lo. Com isso, assumem o espírito do anticristo, desejando colocar-se em lugar de Deus.

Sendo uma Trindade perfeita, Deus pode ser designado com a repetição tríplice do sete. Por outro lado, a trindade satânica (dragão, besta e falso profeta), sendo uma imperfeita contrafação da ­Divindade, seria designada com a repetição ­tríplice do seis, o que indica uma intensificação da incompletude (The Book of Revelation, p. 722).

Nesse caso, o número 666 pode indicar a tentativa repetida e frustrada por parte do diabo, da besta e do falso profeta em ser como o Deus perfeito, associado no Apocalipse ao número sete. Essa mesma tentativa é seguida por todos aqueles que não admitem sua origem divina. Por isso, eles têm o “nome” ou o “número” da besta. Assim, o número 666 pode ser visto como a “acumulação ou repetição tríplice do número seis”, da recusa insistente em assumir a própria identidade como imagem divina (Alan F. Johnson, Revelation [Grand Rapids, MI: Zondervan, 1981], p. 535).

O dragão, a antiga serpente, foi o primeiro a fazer essa investida. Ele recusou a se submeter a Deus como parte de Sua criação e não O glorificou como Senhor. Em seguida, desejou ocupar o lugar de Deus: “Eu subirei ao Céu; acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono e no monte da congregação me assentarei, nas extremidades do Norte; subirei acima das mais altas nuvens e serei semelhante ao Altíssimo” (Is 14:13, 14). “Semelhança” aqui não indica afinidade, mas concorrência e substituição. Lúcifer queria assentar-se no santuário celestial, em lugar de Deus. Na sequência, ele disse a Eva: “Você será como Deus” (Gn 3:5), levando-a a imitá-lo em sua ofensiva fracassada.

Quando ergueu a estátua de ouro com 60 côvados de altura e seis de largura (­Dn 3:1), Nabucodonosor estava empreendendo a mesma tentativa de ocupar o lugar de Deus. O Senhor havia revelado que a cabeça de ouro da estátua do sonho representava Babilônia em sua fase na história (Dn 2:38, 39), e que por fim viria o reino de Deus (Dn 2:44). Entretanto, com uma estátua toda de ouro, o rei quis indicar que seu reino cobriria toda a história e não permitiria a chegada do reino de Deus. Nisso, ele exibia o mesmo espírito ou “nome” do anticristo.

A besta, ao imitar o dragão, faz a mesma investida. Ela pretende ser semelhante a Deus, no sentido de estar no lugar Dele, daí o pretenso título de “substituto do ­Filho de Deus”. Por isso, a respeito dela se indaga: “Quem é semelhante à besta?” (Ap 13:4), como se ela fosse superior a todos, incluindo Deus. Quando João diz que os ímpios têm a “marca” da besta, está dizendo que eles têm o mesmo caráter dela, ou seja, compartilham com ela e com o dragão o desejo de querer ocupar o lugar de Deus, tentando ser “semelhantes” a Ele, no sentido de concorrência e substituição.

Nessa linha, Beatrice S. Neall afirma que “o número 666 representa a recusa humana de ascender para o sete, de dar glória a Deus como Criador e Redentor”. Ele “representa o homem exercendo a soberania em lugar de Deus, o homem conformado à imagem da besta em lugar da imagem de Deus” (The Concept of Character in the Apocalypse, p. 154).

O nome e o número da besta, portanto, não são exclusivos dela. Ela os obteve ao se identificar com o próprio Satanás em sua campanha de tentar ser semelhante a Deus. A finalidade da besta é impor esse “nome” e “número” a toda humanidade. O dragão levou Eva a desejar ser “semelhante” a Deus, no sentido de concorrência e substituição. Ao partilhar da investida do dragão, a primeira mulher perdeu sua identidade com o Criador e se tornou a primeira pessoa a demonstrar um caráter associado ao nome e ao número da besta. Contudo, depois teve a oportunidade de se arrepender.

O 666, nessa perspectiva, aponta não a uma entidade única, mas a uma atitude de incredulidade e rebeldia compartilhada pelo dragão, a besta, o falso profeta e por todos aqueles que não recebem o selo de Deus, por não entrarem em seu descanso, com todas as implicações nisso envolvidas.

A suprema realização do ser humano não consiste em negar o Criador e tentar substituí-Lo, mas em avançar da condição do número seis (número de homem) para a plenitude do sete (o número divino). Entrar no descanso de Deus é assumir nossa identidade como filhos criados à imagem e semelhança divina. Todos aqueles que ­cultivam essa identidade recebem o selo do Deus vivo, preparando-se para estar com o Cordeiro sobre o monte Sião.

*VANDERLEI DORNELES, doutor em Comunicação, é coordenador de pós-graduação na Faculdade de Teologia do Unasp, campus Engenheiro Coelho (SP)


quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

CIÊNCIA ATUAL E ELLEN WHITE: DOZE DECLARAÇÕES CONTROVERSAS


Jud Lake e Jerry Moon*

Tanto os escritos de Ellen White quanto suas ações demonstravam uma atitude positiva em relação à ciência. Ela incentivava os cristãos a “adquirir conhecimento das ciências” (MR2, 301). Inclusive, orientou e ajudou John Harvey Kellogg a receber uma formação médico-científica adequada. Também incentivou aqueles que se preparavam para ser ministros a “primeiro obter razoável grau de preparo mental” a fim de poder “enfrentar com êxito as estranhas formas de erros religiosos e filosóficos associados, cuja exposição requer conhecimento de verdades científicas, bem como escriturísticas” (OE, 81).

White, porém, não poupou palavras para denunciar aqueles que fazem com que “a verdade divina se afigure como coisa duvidosa diante dos anais da ciência. Esses falsos educadores exaltam a natureza acima do Deus da natureza e acima do Autor de todo ciência verdadeira” (FEC, 328). A condenação focalizava sobretudo a área da geologia, nos aspectos em que contradiz o relato bíblico. “Inferências erroneamente extraídas dos fatos observados na natureza têm, entretanto, dado lugar a supostas divergências entre a ciência e a revelação; e nos esforços para restabelecer a harmonia, tem-se adotado interpretações das Escrituras que solapam e destroem a força da Palavra de Deus. Tem-se pensado que milhões de anos fossem necessários para que a Terra evolvesse do caos; e com o fim de acomodar a Bíblia a esta suposta revelação da ciência, supõe-se que os dias da criação fossem períodos vastos, indefinidos, abrangendo milhares ou mesmo milhões de anos. Tal conclusão é absolutamente infundada” (Ed, 128, 129).

Ellen White também criticava a medicina do século 19, que, conforme praticada na época, mal podia ser classificada como “ciência”. Alguns exemplos mostram que ela não é chamada de “medicina heroica” sem motivo. Um dos laxantes muito receitados era o subcloreto de mercúrio, também chamado de calomelano. A substância provocava movimentos intestinais violentos e súbitos, mas o efeito colateral inevitável era o envenenamento. O tartarato de artimônio, também um “veneno letal”, era administrado para induzir o vômito. Para pacientes debilitados, os médicos prescreviam “tônicos” como arsênico, estricnica, quinino e ópio.1 Ellen White denunciou a maioria deles pelo nome, afirmando corretamente que “os preparados de mercúrio e calomelano que entram no sistema mantém sua força venenosa ali dentro enquanto resta uma única partícula dessas substâncias no corpo” (SG4a, 139).

Em vez de defender o uso desses elementos, ela incentivava o estilo de vida saudável e o uso de remédios inofensivos. “Ar puro, luz solar, abstinência, repouso, exercício, regime conveniente, uso de agua e confiança no poder divino – eis os verdadeiros remédios (CBV, 127).

A maior parte dos ensinos de Ellen White sobre saúde tem hoje bem mais apoio científico do que na época em que foram escritos. Por exemplo, ela denunciou que o tabaco era um veneno maléfico (SG4a). Recomendou os cereais integrais na alimentação, destacando que tinham maior valor nutricional do que a farinha refinada. Afirmou que os óleos   vegetais eram mais saudáveis do que a gordura animal e que uma alimentação vegetariana equilibrada e variada era preferível à dieta cárnea. Contudo, há algumas outras declarações que parecem inacreditáveis da perspectiva da ciência do século 21.

Este artigo trata de 12 declarações de Ellen White que estão em conflito direto ou indireto com a interpretação atual das ciências naturais. Essas afirmações se dividem em três grupos. O primeiro se refere a conselhos que eram considerados bons na época em que foram dados e ainda seriam considerados assim sob as mesmas circunstâncias; porém, estas mudaram. Esse grupo inclui as advertências sobre perucas, espartilhos “cintura de vespa”, cosméticos tóxicos e queijo (declarações 1 a 4).

O segundo inclui declarações para as quais há apoio científico parcial ou experimental, como as advertências sobre as doenças causadas por “miasmas”, a relação entre comer carne de porco e a lepra, e a influência da ama de leite sobre o bebê e os riscos associados a uma diferença de idade muito grande entre os cônjuges (declarações 5 a 8).

O último grupo inclui declarações que se acreditava serem verdade na época em que ela as escreveu, mas que foram rejeitadas parcial ou totalmente pela opinião científica atual, como a dinâmica dos vulcões, a altura dos antediluvianos, a amalgamação entre seres humanos e animais e as consequências físicas da masturbação (declarações 9 a 12).

Esses assuntos serão avaliados com base em três premissas interpretativas, baseadas nas Escrituras e consistentes com os escritos de Ellen White.

Primeira premissa: Deus infalível, mas profetas falíveis

A primeira premissa interpretativa é que as Escrituras retratam um Deus infalível que fala por meio de profetas que não eram nem infalíveis nem livres de erros (ver Gn 20:7; 2Sm 7:3-13). A variedade do estilo de escrita dos autores da Bíblia apoia o ponto de vista de que o Senhor revelou os conceitos aos profetas, mas que a individualidade humana desempenhou uma parte na escolha das palavras específicas para expressar os conceitos divinamente revelados.

Em suma, a posição de Ellen White era que revelação e inspiração não ocorrem de forma verbal (ditado palavra por palavra), exceto em raras ocasiões, mas representam, em geral, “uma união do divino com o humano”, na qual as verdade reveladas por Deus são “expressas” e transmitidas por intermédio de “expressões imperfeitas de nossa linguagem” (GC, 7, 8). As palavras “expressões imperfeitas” consistem em um reconhecimento de que a verdade revelada de maneira sobrenatural (inacessível aos seres humanos, a não ser por meio da revelação direta) pode ser transmitida de modo adequado, muito embora a linguagem humana seja aproximada ou imprecisa acerca de pormenores factuais. As discrepâncias de detalhes nos escritos bíblicos (compare a sequência das tentações de Cristo em Mateus 4 e Lucas 4) revelam a individualidade humana e/ou a falibilidade dos autores bíblicos e deixam subentendido que a verdade revelada não exclui o elemento no processo de revelação-inspiração.

Uma consequência da falibilidade humana dos profetas bíblicos é que, ao comunicarem a verdade a eles reveladas. Lançavam mão de todo seu conjunto de conhecimento, inclusive, o adquirido por experiência, estudo e pesquisa (conhecimento comum; ver Dn 9:2; Lc 1:1-4; 1Co 1:11-17). Os autores bíblicos citam muitas fontes extrabíblicas a fim de embasar suas mensagens inspiradas (ver Js 10:13; 2Sm 1:17-27; 2Cr 9:29; 12:15; 20:34). Pela inspiração, fragmentos de informação dessas fontes foram integrados às Escrituras.

Ellen White não reivindicava a autoridade de uma profetisa canônica, mas afirmava ser inspirada pelo mesmo Espírito e da mesma maneira que os profetas canônicos (ver GC, 11-14).2  No entanto, ao escrever aquilo que presenciara em visão, ela não hesitava em recorrer a recursos humanos comuns para se valer de detalhes suplementares, ilustrações ou outras formas de suporte (ver ME3, 445-465). Nas cartas pessoais, ela ampliava conselhos revelados com fatos extraídos de fontes comuns (ME1, 38, 39). Ao expor as Escrituras, lançava mão de dicionários bíblicos, cronologias e outros recursos para expandir seu conhecimento. Ao defender os princípios de saúde, recorria aos escritos de médicos e reformadores de sua época (ver, por exemplo, HeR, abril de 1871; HeR, outubro de 1871). Ao escrever sobre questões históricas, consultava os livros de história, cronologia e geografia disponíveis, inclusive, enviando assistentes para fazer pesquisas em bibliotecas universitárias a fim de obter as informações necessárias (Bio6, 308, 318, 319; ME3, 439, 440). Além disso, em edições posteriores, Ellen White se mostrou disposta a revisar detalhes históricos quando outras fontes se mostraram mais confiáveis do que as utilizadas anteriormente (ME3, 445, 446).3 Alguns alegavam discrepâncias que ela não reconhecia com tais, entretanto, outras ela aceitou e revisou (ver Bio6, 303-306).

A revelação entre verdade revelada, escritos inspirados e conhecimento comum pode ser ilustrada por meio de uma base horizontal cruzada por uma vertical, da seguinte forma:


O ponto de intersecção representa a mente do profeta e a extrema direita da linha de base é o público do profeta. A linha vertical com a seta para baixo representa a verdade revelada, conhecimento normalmente inacessível aos seres humanos. A extrema esquerda da linha de base, com a seta voltada para a interseção, representa a contribuição do conhecimento comum para a mente do profeta. O conhecimento revelado por Deus tem maior autoridade do que o conhecimento comum, mas não o substitui; em vez disso, o complementa. O Senhor não costuma revelar de maneira sobrenatural aos seres humanos aquilo que lhes deu capacidade para aprenderam sozinhos.4 A extrema direita da linha de base, com a seta voltada para o público, representa a inspiração, que é a obra do Espírito Santo em guiar a comunicação horizontal da mente do profeta ao público. Observe que a comunicação é produto da união entre verdade revelada e conhecimento comum.5

Outro exemplo da combinação entre conhecimento comum e revelado nos escritos de Ellen White é uma carta que ela escreveu acerca de um pastor da Califórnia (Ms107, 1909; em ME1, 38, 39, itálico acrescentado): “Sinto-me entristecida por vê-lo negando os testemunhos como um todo pelo que se lhe afigura uma incoerência – uma declaração feita por mim com relação ao número de quartos no Sanatório Vale do Paraíso. Diz o irmão A [Edward S. Ballenger] que em uma carta escrita a um dos irmãos no Sul da Califórnia, fora feita por mim a declaração de que o sanatório tinha quarenta quartos, quando em verdade havia apenas trinta e oito. Isso o irmão A me apresenta como razão por que ele perdeu a confiança nos testemunhos. [...] A informação quanto ao número de quartos no Sanatório Vale do paraíso foi dada, não como uma revelação vindo do Senhor, mas simplesmente como uma opinião humana. Nunca me foi revelado o número exato dos quartos de qualquer de nossos hospitais; e o conhecimento que tenho obtido dessas coisas, tive indagando dos que se esperava que soubessem. Em minhas palavras, quando falando acerca desses assuntos comuns, não há nada que leve os espíritos a crer que recebo meu conhecimento em visão do Senhor e o estou declarando como tal.”

Ela explicou que, em resposta ao chamado de Deus: “Entreguei-me, todo o meu ser, a Deus, para obedecer a Seu chamado em tudo e, desde aquele tempo, minha vida tem sido gasta em dar a mensagem, com a pena e falando perante grandes congregações. Não sou eu que controlo minhas palavras e ações em ocasiões assim [uma referência a revelação-inspiração].”

“há vezes, porém, em que devem ser declaradas coisas comuns, pensamentos comuns precisar ocupar a mente, cartas comuns precisam ser escritas e informações dadas, as quais passaram de um a outro dos obreiros. Tais palavras, tais informações, não são dadas sob a inspiração especial do Espírito de Deus. São por vezes feitas perguntas que não dizem respeito absolutamente a assuntos religiosos, e essas perguntas precisam ser respondidas. Conversamos acerca de casas e terras, negócios a serem feitos, locais para nossas instituições, suas vantagens e desvantagens.” Seu filho William C. White elaborou uma explicação cuidadosa da combinação entre verdade revelada e conhecimento comum encontrado em seus escritos – exposição esta que Ellen White aprovou por escrito.

Verdade revelada e conhecimento comum nos escritos de Ellen White

O debate que instigou William C. White a comentar sobre os escritos da mãe não tinha que ver com ciência; mas, sim, com história. Contudo, a questão básica permanece a mesma: de que modo Ellen White fez uso do conhecimento comum para comunicar verdades reveladas? Assim, os comentários dele acerca do uso do conhecimento histórico são relevantes para a questão do uso do conhecimento científico, o qual também progride com o passar do tempo.

Em 1911, junto à revisão da obra O Grande Conflito, William C. White apresentou um relatório muito abrangente no Concílio Outonal da denominação a respeito da “mais recente edição de O Grande Conflito em língua inlesa.”6 São pertinentes a este estudo as palavras dele acerca da autoridade de Ellen White em relação a questões históricas. Não há dúvidas de que ele expressou de forma precisa os pontos de vista da mãe a esse respeito, pois, em uma carta enviada a Francis M. Wilcox, Ellen White foi específica ao endossar o manuscrito de seu filho (Ct 57, 1911).

“Mamãe nunca afirmou ser autoridade em história” – declarou William C. White. “As coisas que ela escreveu são descrições de figuras instantâneas7 e outras representações que lhe foram concedidas” – uma clara referência a suas visões.

“Ao [...] escrever [...] essas visões, ela fez uso de declarações históricas convincentes e de boa qualidade para ajudá-la a deixar claro ao leitor aquilo que desejava apresentar. Quando menino, eu a ouvi ler História da Reforma, de D’Aubigné, apara meu pai [...]. Ela leu outros relatos da Reforma. Isso a ajudou a localizar e descrever muitos dos eventos e movimentos que lhe foram apresentados em visão.8

William White citou experiências semelhantes para apoiar sua crença de que as descrições que ela fazia de acontecimentos históricos se baseavam em visões pictóricas, mas que as datas, as localizações geográficas e outros detalhes eram extraídos de obras de referência em história e cronologia. Uma dessas experiências ocorreu durante os anos que ela e o filho permaneceram na Europa, entre 1885 e 1887. Certo sábado, em Basileia, na Suíça, William                                                                   estava lendo History of Protestantism (“História do Protestantismo”), de Jamy Wyllie, para Ellen White. Posteriormente, ele recordou: “Ela me interrompeu e me contou muitas coisas das páginas seguintes e também me deu várias informações que não estavam no livro. Ela disse: ‘Nunca li sobre o assunto, mas esta cena me tem sido apresentada vez após vez’. Quando perguntei: ‘Por que você não a coloca em seu livro [O Grande Conflito]?’, ela respondeu: ‘Eu não sabia onde incluí-la’.”9 Por meio dessas declarações, William White demonstrou a compreensão de que, embora o conteúdo principal dos escritos históricos de sua mãe derivasse das visões, Ellen usava fontes comuns para fazer conexões geográficas e cronológicas.

Uma ano após a apresentação de 1911, William White relatou de forma mais completa sua compreensão sobre o uso dos escritos de sua mãe como autoridade para detalhes da história. Stephen N. Haskell e W. W. Eastman transmitiram a William alguns questionamentos feitos por W. W. Prescott sobre a precisão de algumas datas em O Grande Conflito.10 William White preparou a primeira versão de uma resposta e a levou para Ellen White fazer sua apreciação crítica. Não há dúvidas de que ela aprovou o material; pois, ao final da carta, há uma nota escrita de próprio punho: “Eu aprovo os comentários feitos nesta carta. Ellen White.”11

Essa mensagem a Haskell contém uma declaração detalhada da compreensão de William White acerca do uso das obras de Ellen White como referência em história. Ele começa: “No que se refere aos escritos de Mamãe, ela nunca teve o desejo de que nossos irmãos os tratassem como uma autoridade em história. Quando O Grande Conflito foi escrito pela primeira vez, muitas vezes ela fazia descrições parciais de alguma cena que lhe fora apresentada. A irmã Davis lhe perguntava acerca do tempo e local, e Mamãe a orientava a consultar o que havia sido escrito nos livros [Thoughts on Daniel (“Pensamento sobre Daniel”) e Thoughts on Revelation (“Pensamentos sobre Apocalipse”)] do pastor [Urias] Smith e na História secular. Ao escrever O Grande Conflito, Mamãe nunca imaginou que os leitores considerariam a obra uma autoridade em relação a datas histórica e usariam o livro para resolver controvérsias, nem acredita que a obra deva ser usada dessa maneira. Mamãe nutre o maior respeito pelos historiadores fidedignos que dedicaram a [vida] ao estudo do desenrolar da história deste mundo no grande plano de Deus e que encontraram neste estudo uma correspondência entre história e profecia [...]

“Parece-me que corremos o risco de dar destaque excessivo à cronologia. Se fosse essencial à salvação do ser humano que ele [isto é, o homem] tivesse uma compreensão clara e harmônica da cronologia da história do mundo, o Senhor não permitiria os desacordos e discrepâncias que encontramos nos escritos dos historiadores bíblicos e, creio que, nestes últimos dias, não haveria tanta controvérsia em relação a datas [...]

“Acredito, irmão Haskell, que corremos o risco de atrapalhar o trabalho de Mamãe em lhe atribuir mais autoridade do que ela própria o faz, do que papai fazia, do que os pastores [John] Andrews, [Joseph] Waggoner e [Uriah] Smith jamais fizeram. Não vejo consistência na defesa da inspiração verbal, quando Mamãe nunca reivindicou tal prerrogativa e penso que, certamente, cometeremos um grave erro se ignorarmos as pesquisas históricas, tentando resolver questionamentos históricos usando os livros dela como autoridade, quando ela própria não desejava que eles sejam usados dessa maneira.”12

Conforme foi mencionado, William White enviou a carta para que sua mãe a aprovasse. Provavelmente, com base em uma conversa que teve com ela na mesma época, preparou uma segunda versão, na qual refinou um pouco sua declaração. A frase temática da primeira carta foi: “No que se refere aos escritos de Mamãe, ela nunca teve o desejo de que nossos irmãos os tratassem como uma autoridade em história.” Na segunda versão, William a rescreveu usando uma construção gramatical mais cuidadosa: “Ela nunca teve o desejo de que nosso irmãos os tratassem como autoridade em datas ou detalhes da história.”

A segunda versão da carta a Haskell se tornou o protótipo de uma mensagem, escrita na mesma data, a W. W. Eastman, na qual William continuou a desenvolver sua explicação.13 Assim inicia a terceira versão: “No que se refere aos escritos de Mamãe e seu uso como autoridade em pontos da história e cronologia, ela nunca teve o desejo de que nossos irmãos os tratassem como autoridade em detalhes da história e de dados históricos [...] Ao escrever os capítulos de O Grande Conflito, ela às vezes fazia uma descrição parcial de um importante acontecimento histórico e, quando sua copista, que preparava os manuscritos para a imprensa, perguntava acerca do tempo e lugar, Mamãe dizia [...] que tais pontos foram registrados por historiadores detalhistas. Que as datas usadas por esses historiadores fossem inseridas [...] Quando O Grande Conflito foi escrito, mamãe nunca pensou que os leitores usariam o livro como autoridade acerca de datas históricas, nem que ele seria usado para definir controvérsias a respeito de detalhes da história, nem sente que a obra deva ser usada dessa maneira. Mamãe nutre grande respeito pela obra dos historiadores fiéis que dedicaram anos ao estudo do grande plano divino apresentado nas profecias e o desenrolar desse plano conforme registrado na história.”14

Boa parte da carta enviada a Eastman segue a mesma estrutura das cartas a Haskell. Ao concluir a última mensagem, porém, William foi além do que havia escrito anteriormente: “No que se refere aos escritos de Mamãe, tenho evidências e convicção completas de que são a descrição e a representação daquilo que Deus lhe revelou em visão. Nos trechos em que seguiu o relato de historiadores ou a exposição de autores adventistas, creio que deus lhe deu discernimento para usar aquilo que é correto e está em harmonia com a verdade acerca de todas as questões essenciais à salvação. Se, por meio de estudo criterioso, for demonstrado que ela seguiu alguma exposição da profecia que possui pequenos detalhes relativos a datas, os quais não podemos harmonizar com nossa compreensão da história secular, isso não influencia minha confiança em seus escritos como um todo, assim como minha confiança na Bíblia não é influenciada pelo fato de não conseguir harmonizar muitas declarações [bíblicas] relacionadas a cronologia.”15

Portanto, William White afirmou ter “evidências e convicção completas” de que Deus havia concedido “discernimento” a sua mãe para selecionar, dentre as fontes disponíveis, “aquilo que é correto e está em harmonia com a verdade acerca de todas as questões essenciais à salvação”. Ele tinha confiança de que ela havia retratado com precisão o “quadro mais amplo”16 da verdade a respeito da salvação. Ao mesmo tempo, ciente de que, em muitos casos, Ellen havia utilizado datas, citações e informações cronológicas de historiadores, não podia concordar que esses detalhes eram autoritativos. Caso fossem, não havia espaço para o tipo de investigação, verificação que ocorreu na edição de 1911 de O Grande Conflito.17

Em suma, William cria que a fodos escritos de sua mãe era a revelação-inspiração divina, e essa crença formava o pressuposto essencial para sua maneira de lidar com os escritos dela. Embora não aceitasse que Deus havia revelado diretamente em visão todos os detalhes necessários para elaborar uma narrativa histórica coesa, ele cria que o Senhor a orientava na seleção das fontes históricas que ela usava para acrescentar pormenores não mencionados em visão. Conquanto ele acreditasse que os escritos históricos de sua mãe fossem inspirados, não defendia que fossem infalíveis. Contrariando aqueles que queriam atribuir revelação a todos os detalhes das narrativas históricas dela, argumentou (em uma carta aprovada pela mãe) que Ellen White não extraía cada detalhe da revelação e não tinha a intenção de que seus escritos fossem usados a fim de suprir minúcias históricas.

Por fim, embora William White se recusasse a atribuir infalibilidade aos escritos da mãe, ele também rejeitava o extremo oposto. Refutando o argumento de que ela não era nem teóloga nem historiadora, defendia que, no sentido amplo dos termos, Ellen White escrevia tanto teologia quanto história práticas. Acreditava que, tanto nos conceitos teológicos quanto nos temas históricos amplos, suas palavras eram inspiradas e autoritativas.

Implicações dos textos históricos de Ellen White sobre seus escritos de natureza científica

Pode-se argumentar que o uso da literatura médica e científica se encaixa no mesmo padrão do uso da literatura histórica. Em primeiro lugar, ela extraía o “quadro mais amplo”18 e os princípios permanentes da verdade revelada. Na sequência, ela complementava esse “quadro mais amplo” com as mais convincentes evidências factuais que conseguia encontrar nas fontes (conhecimento comum) que lhe eram disponíveis. Por fim, com frequência, ela modificava o que havia descoberto nas fontes comuns para entrar em harmonia com aquilo que sabia mediante a verdade revelada.19

Por exemplo, David Neff observou que Ellen White tomou emprestado parte do vocabulário de Calvin Stowe, mas depois o modificou para exprimir os próprios conceitos, que não eram exatamente iguais aos dele. Note as semelhanças e diferenças entre Stowe e Ellen White:

Calvin E. Stowe, Origin and History of the Books of the Bible, p. 20
E. G. White Mensagens Escolhidas, v. 1, p. 21
“Não são as palavras da Bíblia que foram inspiradas, não são os pensamentos que foram inspirados; inspirados foram os homens que escreveram a Bíblia”
“Não são as palavras da Bíblia que são inspiradas, mas os homens é que o foram”
“A inspiração não se encontra nas palavras humanas, nem nos pensamentos humanos, mas no ser humano em si, no fato de, mediante a própria espontaneidade, sob o impulso do Espírito Santo, conceber certos pensamentos”
“A inspiração não atua nas palavras do homem ou em suas expressões, mas no próprio homem que, sob a influência do Espírito Santo, é possuído de pensamentos”

Uma vez que Ellen White avaliava o conhecimento comum com base na verdade revelada a ela concedida, ela sentia liberdade, antes de publicar um novo livro, de submetê-lo à apreciação de pessoas qualificadas que lhe dessem uma opinião sobre a obra (Ct 49, 1894; em MR110, 12, 13). Havia momentos em que, com base em suas visões, Ellen rejeitava o ponto de vista de seus contemporâneos e, em outras ocasiões, ela modificava seus escritos com base no que aprendia por meio de diálogo com seus leitores (Bio6, 302-337). Ela cria que, ao selecionar as fontes e os colegas que revisavam seus textos, era dirigida por Deus, mas não achava que isso tornava ela própria nem os outros infalíveis ou livres de erros. Contudo, acreditava que, por intermédio da supervisão do Espírito Santo, aquilo que escrevia era verdadeiro em relação ao “quadro mais amplo”, portanto, confiável para os propósitos aos quais os materiais haviam sido escritos.20

Em seus textos sobre saúde, ela acreditava que fora inspirada a discorrer sobre princípios revelados na linguagem da época. Portanto, seu conselho era autoritativo e confiável acerca dos “propósitos práticos”21 para os quais foram concedidos, mas não tinha a intenção de impedir pesquisas adicionais, nem o crescimento em conhecimento. Os leitores do século 21 não deveriam se surpreender ao constatar que, desde sua morte, a ciência continuou a se expandir. Essa primeira premissa é fundamental para este artigo.

Logo, o propósito deste artigo não é provar que Ellen White foi infalível em tudo que escreveu.22 Todavia, este texto pretende demonstrar que algumas declarações que ela fez no século 19, hoje ridicularizadas, eram, na verdade, conselhos sensatos na época e no contexto em que foram originalmente dados. Ela estava simplesmente usando o melhor conhecimento humano disponível na época para confirmar a verdade revelada por meio de visão e comunica-la ao público. Assim como o médico Don S. McMahon demonstrou, a sugestão de que a mensagem de saúde advogada por Ellen White pudesse derivar apenas de reformadores de sua época é estatisticamente incorreta para justificar toda a precisão de seus conselhos na área. Suas instruções quanto ao assunto são tão evidentemente mais precisa do que as de seus contemporâneos – tanto na esfera individual quanto na coletiva -, que não seria possível explicar apenas por uma questão de sorte ou intelecto privilegiado. Em vez disso, requer a aceitação de que ela tinha acesso a uma fonte superior de informação que a orientava em relação àquilo que devia aceitar ou rejeitar.23 Embora a ciência e a tecnologia tenham feito avanços gigantescos nos últimos 150 anos, o aumento em conhecimento não descartou nenhum de seus princípios de saúde básicos. Os conceitos que ela apresentou em 1864 são tão corretos que as pessoas que os seguem com bom senso no século 21 têm saúde comprovadamente melhor e uma expectativa de vida mais elevada do que quase todos os demais grupos populacionais do planeta.24

Segunda grande premissa: tanto a ciência quanto a revelação devem ser lidas dentro do contexto histórico

A segunda grande premissa interpretativa é que o conhecimento humano em todos os campo é incompleto, mas está em crescimento. Nos termos de Ellen White “o saber humano tanto das coisas materiais como das espirituais é parcial e imperfeito” (GC, 522; cf. 1Co 8:2; 13:9-12) e “o conhecimento é progressivo” (ibid., 678). A experiência religiosa individual também é “progressiva” (CPPE, 281; Ev, 355; FO, 85), bem como a educação (CES, 103; Ev, 105). Em termos de revelação, as novas verdades ampliam verdades antigas, sem contradizê-las,25 mas o entendimento humano da revelação adicional. Assim, tanto a ciência quanto a revelação devem ser interpretadas dentro do contexto histórico.26

Na Bíblia, tanto a instrução como a explicação foram adaptadas para o contexto histórico do povo ao qual se dirigiam. Por exemplo, nas regras sobre carnes limpas e imundas em Levítico 11, a instrução é clara: “Digam aos israelitas: De todos os animais que vivem na terra, estes são os que vocês poderão comer: Qualquer animal que tem casco fendido e dividido em duas unhas, e que rumina. Vocês não poderão comer aqueles que só ruminam nem os que só têm o casco fendido. O camelo, embora rumine, não tem casco fendido; considerem-no impuro” (Lv 11:2-4, NVI). Embora a instrução seja clara, a explicação que se segue é adaptada ao uso prático das pessoas comuns: “A lebre, embora rumine, não tem casco fendido; considerem-na impura” (Lv 11:6, NVI). O avanço do conhecimento demonstrou que as lebres só parecem ruminar, mas não são ruminantes como bois, ovelhas e antílopes.27 Entretanto, a terminologia de levítico 11 era clara para as pessoas a quem se dirigia e ainda permite que todos aqueles que o leem façam escolhas em harmonia com a vontade de Deus.

Em geral, os autores da Bíblia revestiam suas mensagens de uma linguagem que fazia sentido ao público original. Por exemplo, a declaração de que Deus “suspende a Terra sobre o nada” (Jó 26:7, NVI) era factual ao negar diversas teorias antigas que postulavam o local de repouso da Terra; contudo,, também era incompleta, uma vez que não sugere uma ideia de como funciona o Universo físico. Outro xemplo se encontra no Salmo 58:8, texto que compara o ímpio à “lesma que se derrete pelo caminho” (NVI). Trata-se de uma descrição poética da aparência da lesma; porém, ela não se derrete literalmente em seu movimento. Em vez disso, o animal secreta uma trilha de muco sobre a qual desliza.

Um exemplo semelhante na experiência de Ellen White ocorreu em 1846, em Topsham, Maine, na ocasião em que ela recebeu a visão dos “céus abertos”. José Bates, capitão, navegador e astrônomo amador, estava presente. Ele acreditava que a jovem Ellen era uma cristã sincera, mas cria que suas visões não passavam do reflexo de seus problemas de saúde. Essa ocasião o levou a mudar de ideia, porque, enquanto ela estava em visão, descreveu vários planetas. Nem durante essa visão, nem em nenhum outro momento, ela identificou por nome os planetas que havia visto. Entretanto, sua descrição foi precisa o bastante para Bates identificar os planetas e expressar seu espanto ao reconhecer que o número de luas atribuído a cada um representava, com exatidão, as descobertas mais recentes do lorde John Rosse, renomado astrônomo britânico da época. Como a revelação trouxe informações até então desconhecidas para Ellen White, mas reconhecidas por Bates como corretas, segundo o conhecimento astronômicos mais moderno do período, o pioneiro passou a crer na origem sobrenatural das visões (Bio1, 113, 114). No que se refere à precisão científica da visão, o desenvolvimento de telescópios mais potentes levou à descobertas de outras luas para cada um desses planetas; no entanto, caso a visão houvesse revelado detalhes só atestados pela ciência no século 21, Bates não teria reconhecido sua autenticidade. Esse é um exemplo de informação que aparentemente não teria cumprido seu propósito caso fosse avançada demais em relação ao conhecimento da época em que foi comunicada.

Terceira Premissa: diferença entre princípios e explicações

Em algumas situações, é útil distinguir entre princípios e explicações. Uma vez que os princípios exprimem a vontade de Deus em relação aos seres humanos, eles são tão duradouros quanto a natureza humana, muito embora as explicações históricas sejam expressas em um palavreado e nas formas de pensamento adaptados à época em que a instrução foi dada. Por exemplo, com frequência, as Escrituras descrevem as causas e consequências físicas em termos de pecado e pena (ver Êx 15:26; Rm 1:27; 1Co 6:18; Hb 2:2). Assim, as palavras específicas em Êxodo 15:26 podem sugerir que Deus enviou as doenças sobre os egípcios como castigo pela desobediência, e a cura da doença é uma recompensa divina pela obediência. No entanto, a ciência moderna afirma enfaticamente que a obediência ou desobediência às leis de saúde tem uma relação direta com a incidência de saúde ou doença. De igual modo, em Levítico, o consumo de gordura ou sangue animal era terminantemente proibido, sob pena de morte ou banimento (Lv 3:17; 7:23-25). A explicação dada é simplesmente que “estes vos serão imundos” (v. 8) e deveriam ser evitados, para que “não se tornem impuros com eles” e “não se contaminem” (v. 43, NVI). O princípio era “sejam santos, porque eu sou santo” (v. 44). Esse conceito continua válido, embora muitos hoje em dia não considerem a saúde física um aspecto da santidade. Entretanto, quando esses princípios foram reiterados por meio de Ellen White no século 19, ela enfatizou as consequências para a saúde – uma explicação científicas como motivo convincente para não consumir gordura e sangue animal, nem carnes “impuras” (CS, 228; CRA, 374, 375, 393, 394).

Alguns eruditos sugerem a possibilidade de diferenciar as instruções das explicações em alguns dos escritos de Ellen White sobre saúde, com base no que ela disse acerca do uso do sal: “Uso algum sal, e tenho-o sempre, porque segundo a instrução que me foi dada por Deus, esse artigo, em vez de ser deletério, é realmente essencial ao sangue. Os porquês e para quê disto, não sei, mas transmito-lhes a instrução segundo me foi dada.” (CRA, 344). Nesse texto, ela faz distinção entre a “instrução” e os “porquês e para quês”, ou seja, a explicação da instrução.28

A pesquisa de Don S. McMahon demonstra que, embora os avanços no conhecimento científico não tenham confirmado todas as explicações de Ellen White, eles têm produzido um acúmulo de apoio cada vez maior aos princípios de suas instruções básicas.29 Foi demonstrado que ela nunca reivindicou infalibilidade. Por esse motivo, Ellen não acreditava que a revelação a ela concedida em visões lhe conferia autoridade inspirada sobre toda informação de conhecimento comum a que fazia referência a fim de embasar o que lhe fora revelado (ver Ms 107, 1909; em ME1, 38, 39).

Doze declarações que podem incluir dados do conhecimento humano

Em vários dos doze assuntos que serão analisados, Ellen White certamente incluiu informações obtidas de fontes comuns, nas quais “não há nada que leve os espíritos a crer” que ela recebeu o conhecimento “em visão do Senhor” (ibid., 38). Quatro das doze declarações (1, 2, 3 e 7) vêm de um período em 1871 no qual, para ajudar o marido sobrecarregado, concordou em ser responsável por um “departamento” (coluna) do periódico Health Reformer (“Reformador da Saúde”) e produzir determinada quantidade de material sobre saúde para publicação mensal. Nesses artigos, ela buscava pauta em suas viagens, experiência pessoal e literatura de saúde da época a fim de ilustrar e reforçar os princípios que estava ensinando. Fica claro que algumas dessas declarações consistem em uma combinação de instruções baseadas em visões e explicações obtidas em publicações contemporâneas, as quais ela acrescentava porque, na época, conferiam força e credibilidade adicionais à orientação. Essa interpretação é consistente com o reconhecimento do crescimento espiritual e intelectual do profeta. Portanto, com base nas premissas anteriores, podemos esperar encontrar princípios revelados de valor duradouro aliados a explicações que faziam sentido e davam motivação aos leitores a quem o conselho foi originalmente dado.30 Conforme observamos no início do artigo, as 12 declarações serão analisadas em três conjuntos.

Primeiro conjunto: conselhos sensatos na época em que foram dados

O primeiro conjunto de declarações inclui aquelas que consistiam em conselhos sensatos na época em que foram dados e continuariam a ser caso as mesmas condições imperassem. Essa categoria inclui as advertências em relação a perucas, aos cosméticos tóxicos, às consequências do uso de espartilhos do tipo “cintura de vespa” e possíveis problemas com os queijos.

Declaração 1, perucas letais: “Cabelos artificiais e enchimentos que cobrem a base do cérebro aquecem e excitam os nervos espinhais” produzindo “congestão” no cérebro, perda dos cabelos naturais e até insanidade (HeR, outubro de 1871). A fabricação de perucas em 1871 era bem diferente do processo atual. Ao passo que as perucas de hoje são feita de material leve, com uma base de tela que permite a respiração do couro cabeludo, nos dias de Ellen White, os acessórios eram fabricados com materiais pesados – cabelos naturais, algodão, ervas marinhas, lã, barba-de-velho, etc. (HeR, julho de 1867). Em vez de leves e eláticas, ficavam presas de forma tão apertada à cabeça que impediam a circulação, confinavam o calor corporal ao couro cabeludo e atrapalhavam a transpiração, provocando dores persistentes, de acordo com o médico que Ellen White criou citou em seu artigo.

Quando a juta era o material usado, havia um perigo adicional. As fibras abrigavam pequenos insetos que se instalavam sob o couro cabeludo de quem usava a peruca. Mais uma vez, Ellen White cita um médico de sua época que era contrário ao uso de “tranças postiças, ou jutas, ou coques falsos, porque eles [faziam] proliferar vermes nocivos, cuja vida [era] alimentada pelo dreno dos pequenos vasos sanguíneos do couro cabeludo” (HeR, outubro de 1871). A “trança positiva” era o termo genérico para uma peruca que podia ser feita de diversos materiais. As “jutas” se rferem às “perucas de jutas”, feitas com a casca escura e fibrosa da planta (HeR, janeiro de 1871). Os “coques falsos” podiam ser feitos com cabelo humano, de origem local ou importada (HeR, julho de 1867).31

O médico que Ellen White citou acreditava que a constituição apertada da peruca e o confinamento do calor no couro cabeludo eram riscos piores à saúde do que a possibilidade de insetos (HeR, outubro de 1871). Outro risco desse tipo de acessório era o cabelo humano obtido de vítimas de praga na China, enviados de navio de Hong Kong a Nova York e lá transformados em perucas. Presumia-se que o processo de fervura e molho em produtos químicos era suficiente para matar os micróbios transmissores da doença, porém tanto os cabelos sujos quanto os limpos eram “totalmente misturados” nos ambientes de trabalhos coletivos e “passavam pelos mesmos pentes”.32

Não há indícios neste artigo de que Ellen White tenha recebido uma visão específica sobre os riscos das perucas do século 19 para a saúde. Com certeza, ela extraiu suas ideias de princípios bíblicos de saúde (1Co 6:19, 20; 10:31) e modéstia (1Tm 2:9; 1Pe 3:3), do “quadro ampla” de saúde apresentado a ela em visão e dos escritos de outras pessoas sobre o assunto.33 Independentemente do nível de precisão dos detalhes usados por Ellen White por Ellen White na descrição ou dos relatos do médico que ela citou, sua instrução para evitar aquelas perucas fazia muito sentido na época. O uso do acessório tinha reações adversas à saúde e à felicidade de quem os portava.34

Declaração 2, cosméticos tóxicos: “Muitas, em ignorância, prejudicam a saúde e arriscam a vida pelo uso de cosméticos. Privam as bochechas do brilho da saúde e, depois, para suprir a deficiência, usam cosméticos. Quando se aquecem na dança, o veneno é absorvido pelos poros da pele e lançado no sangue. Várias vidas foram sacrificadas por esse único motivo” (HeR, outubro de 1871).

Para embasar sua advertência contra os cosméticos tóxicos, Ellen cita um médico que descreve o costume feminino da época de pintar o rosto com esmalte ou verniz para conferir à pele o aspecto de “porcelana fina”. Apesar da suposta aparência da moda, o médico declarou: “as sementes da morte ou paralisia” estão “escondidas em cada pote e frasco dessas misturas”, causando doenças graves, paralisia súbita ou até mesmo a morte. A descrição sugere um cosmético branco, feito com chumbo, e os sintomas apresentados são os de envenenamento agudo”35 O doutor continua: “Algumas que os usam, de repente adquirem uma doença grave e, depois de receber uma advertência em particular do médico da família, deixam de usar a causa do mal; ao se recuperarem, passam pela vida com uma aparência péssima” (ibid.).36

O chumbo, um elemento absolutamente tóxico, era um ingrediente comum em cosméticos.37 O envenenamento por essa substância causa neuropatia periférica (com paralisia do pé ou do pulso) e distúrbios do sono.38 Os sintomas iniciais são irritabilidade, dor de cabeça e náusea, de acordo com Julian Chisholm, especialista em envenenamento por chumbo.39 Portanto, os indícios citados por ellen White são absolutamente típicos desse processo.

Na década de 1870, não havia nenhum órgão governamental encarregado de monitorar a indústria cosmética. A própria Ellen White foi envenenada ao aplicar um produto para crescimento capilar na cabeça do marido (ibid.). Uma evidência adicional  de que seu conselho era prático é o fato de que, mesmo com supervisão governamental, os cosméticos continuavam a conter venenos perigosos no fim do século 20. Em 1988, uma investigação do congresso encabeçada por Ron Wyden descobriu que “dos três mil elementos químicos mais usados” na indústria cosméticas, “mais de um terço [eram] tóxicos”. Dentre esses, “314 [podiam] causar mutação biológica, 218 [podiam] levar a complicações reprodutivas e 376 ingredientes [podiam] provocar irritações na pele e nos olhos”.40 Atualmente, a indústria de cosméticos vem mudando, mais ainda usa ingredientes prejudiciais.”41

Declaração 3, espartilhos do tipo “cintura de vespa”: “Algumas mulheres têm uma cintura naturalmente pequena. Entretanto, em vez de considerar tal forma bela, ela deveria ser vista como defeituosa. Essas cinturas de vespa podem ter sido herdadas da mãe, como resultado da indulgência na prática pecaminosa de usar espartilhos apertados e em consequência de uma respiração imperfeita” (HeR, novembro de 1871, itálico acrescentado). Algumas linhas depois, ela cita uma revista da época, The Household (“O Lar”): “‘Mas minha cintura é naturalmente fina’, diz uma mulher. Ela quer dizer que herdou pulmões pequenos. Suas ancestrais, muitas ou poucas, comprimiram os pulmões assim como nós, e isso se tornou, no caso dela, uma deformidade congênita” (ibid.).

A denúncia severa de Ellen White quanto à prática das mulheres usarem espartilhos apertados para produzir uma “cintura de vespa” recebe apoio claro de todas as evidências atuais; porém, a noção de que essa deformidade possa ser transmitida geneticamente é completamente inconsistente com o conhecimento científico da maior parte do século 20. No entanto, a segunda declaração sobre a possibilidade de herdar “pulmões pequenos” como uma “deformidade congênita” não saiu de sua pena. Em vez disso, trata-se de uma citação de um periódico da época. Ao reproduzi-la, Ellen White não transmite certeza plena. “Essas cinturas de vespa podem ter sido herdadas da mãe” – comenta ela. A palavra “podem” revela a incerteza de Ellen White quanto à confiabilidade das fontes contemporâneas que havia mencionado.

Em outra ilustração sobre os males que espartilhos apertados podem ocasionar ao abdômen feminino, Ellen White citou um relato de uma outra publicação da época, Home and Health (“Lar e Saúde”). Em um importante hospital em paris, França, o médico internacionalmente conhecido, Dr. Gilbert Breschest, examinou uma paciente de 18 anos. No lado direito da garganta da moça havia algo que Breschet chamou de “tumor de tamanho variável” que se entendia “da clavícula até a cartilagem da tireoide. Quando pressionado para baixo, desaparecia por completo; mas, assim que a pressão era removida, ficava indolor, mole e elástico. Observou que ficava maior quando o tronco estava bem comprido com o espartilho [...] A pobre garota era amarrada de forma tão apertada” – conforme a revisra Home and Health – que seus pulmões eram comprimidos para fora de sua posição natural e “forçavam caminho pelo pescoço” (HeR, dezembro de 1871). A descrição deixa claro que hoje essa condição não seria denominada “tumor”; mas, sim, uma bolsa de ar produzida pela restrição extrema dos pulmões. Ellen White não tece nenhum comentário acerca desse relato. Ela apenas o cita como exemplo dos males do espartilho apertado.

O propósito dela ao escrever sobre o assunto era advertir os leitores de que o uso de espartilhos apertados comprimia os pulmões e desfigurava o corpo humano. Nesse ponto estava correta. A fim de apoiar sua mensagem, mencionou autoridades da época, mas não foi categórica quanto a algumas informações, tais como a possibilidade de se herdar uma “cintura de vespa.”

A possibilidade de se transmitir características adquiridas aos descendentes foi rejeitada pela ciência durante o século 20, mas vem despertando novo interesse, uma vez que “estudos no campo da epigenética têm salientado a possível herança de traços comportamentais adquiridos pela geração anterior.”42

Declaração 4, os perigos de comer queijo: Em 1868, Ellen White escreveu sua primeira menção ao assunto: “Queijo nunca deve ser introduzido no estômago” (T2, 68). Sua última referência ao queijo, em 1905, foi: “O queijo é ainda mais objetável [do que a manteiga]; é totalmente impróprio como alimento” (CBV, 302). Para entender porque ela teria escrito uma declaração como essa é necessário levar em conta vários fatores históricos.

Talvez, o que mais tenha chamado atenção de Ellen White quanto á tecnologia norte-americana de fabricação de queijos fosse a dificuldade de deter o processo de maturação, a fim de impedir que o queijo estragasse depois de estar “curado”. Curt Wohleber relatou que, no século 19, as vendas e o consumo de queijo nos Estados unidos ficavam bem atrás da Europa por um motivo simples: o queijo americano estragava tão rápido nas prateleiras dos mercados que, muitas vezes, os consumidores ficavam doentes ao comê-lo. “Nem mesmo um queijeiro de primeira conseguia manter com consistência uma produção de ótima qualidade”. A produção de queijo caseiro era ainda mais problemática. Foi somente em 1916 – um ano após a morte de Ellen White – que James L. Kraft recebeu a primeira patente norte-americana por um processo que conferia ao queijo uma data de validade praticamente indefinida. “As primeiras propagandas destacavam o valor nutricional do queijo de Kraft – uma forma sutil de dizer que você não seria envenenado pelo alimento.”43 Essa história explica bem por que ela se refere à substância conhecida como “queijo” nos Estados Unidos do século 19 como algo “impróprio para alimento.”

Outro fator que influenciou o conselho de Ellen White sobre o queijo eram as condições nocivas de produção de leite em sua época. Os laticínios eram notoriamente insalubres; as vacas enfermas transmitiam doenças para o leite e o queijo. Todos esses problemas pioravam ainda mais com a falta de refrigeração.44 A pasteurização (processo de aquecer o leite a determinada temperatura para reduzir a contaminação por micróbios) só se tornou comercialmente disponível a partir de 1882, e ainda levou anos para que os queijeiros descobrissem como integrar a pasteurização à fabricação dos queijos sem interferir na fermentação que faz parte de seu processo de produção.45

Nesse contexto, a palavra “queijo”, sem nenhuma adjetivo para qualifica-la, se refere ao queijo amarelo comum, que, sem pasteurização nem refrigeração, logo progredia de curado para estragado. Ela mencionou ter aceitado, em raras ocasiões, um pedaço de queijo curado quando lhe era servido, mas “não pensava em fazer do queijo [curado] um artigo da alimentação, muito menos em comprá-lo.” (MR15, 246 [1873]; cf. ME3, 287 [1881]; MR5, 406 [1901]; CRA, 491 [1903]). Em contrapartida, ela considerava os queijos não curados, como o cottage e o creeam cheese, alimentos saudáveis que servia regularmente em sua mesa.46

Quando o livro A Ciência do Bom Viver foi traduzido para o alemão, em 1906, os trabalhadores escreveram para Ellen White, pedindo que ela esclarecesse a afirmação de que o queijo “é totalmente impróprio como alimento” (CBV, 302). Ela estaria condenando todos os tipos de queijo, sem exceção? Em resposta, ela autorizou que substituíssem a palavra cheese, queijo em inglês, pela expressão “queijo forte” e omitissem por completo a frase “é totalmente impróprio como alimento”. Logo, esclareceu que sua intenção era limitar as críticas a determinada categoria do alimento. A explicação de William White confirma que a deterioração era, pelo menos, parte do problema. “Se forte não for o termo que vocês usam [em alemão] para designar o queijo comum do comércio, que é velho e cheio de veneno, então, por favor, chamem pelo termo apropriado.” Segundo esse conselho, os tradutores escreveram: “Queijo forte e azedo não deve ser consumido.”47 Ela também aconselhou moderação, bom senso e respeito pela consciência individual (CRA, 198, 206, 353).

Em suma, as restrições de Ellen White em relação ao queijo devem ser lidas no contexto histórico em que foram feitas. Aquilo que ela escreveu era um bom conselho geral para sua época. Além disso, o queijo ainda pode ter um alto índice de proteína animal, gorduras saturadas, colesterol e sal. Os compostos de tiramina no queijo curado podem desencadear reações alérgicas, hipertensão ou efeitos de alteração nas células cerebrais. Tudo isso é aliviado quando o queijo é retirado da alimentação.48

Curiosamente, os avanços tecnológicos que resolveram os problemas de contaminação e deterioração levaram a um aumento de 800% no consumo anual de queijo per capita, que hoje gira em torno de 13kg por pessoa na América do Norte.49

Segundo Conjunto: apoio parcial ou experimental

O segundo conjunto inclui aquelas declarações cujas explicações de Ellen White recebem apoio parcial, experimental e, em alguns casos, crescente da ciência atual. Inclui o perigo das doenças provocadas por “miasmas”; a conexão entre o consumo de carne de porco e a lepra; a influência de uma ama de leite sobre o bebê amamentado; e a grande diferença de idade entre cônjuges. Em algumas dessas afirmações, o conselho dela parece estar mais avançado do que as descobertas científicas.

Declaração 5, os perigos do miasma, um vapor desagradável ou nocivo: “Se queremos que nosso lar seja a morada da saúde e da felicidade, devemos colocá-lo acima da poluição e neblina das baixadas [...] Dispensai as pesadas cortinas, abri as janelas e persianas, não permitais que trepadeiras, por mais belas que sejam, vos ensombrem as janelas, nem que nenhuma árvore fique tão próxima da casa que impeça a luz do Sol de nela penetrar [...] Árvores de sombra e arbustos cerrados e densos ao redor da casa a tornam insalubre, pois impedem a livre circulação do ar e os raios do Sol. Em consequência, a umidade toma conta da casa, especialmente nas estações chuvosas” (LA, 149; cf. CBV, 274, 275; SG4a, 144). A leitura prática ou de “bom senso” desse conselho indica apenas que o solo elevado e seco, com ampla circulação de ar puro fornece um ambiente mais saudável paara o lar do que uma região mal drenada ou pantanosa. Os gases e vapores [miasma] do material em decomposição no solo pantanoso não proporciona o ar puro e fresco que estimula a respiração profunda, oxigena o sangue e revigora o corpo inteiro.

O questionamento acerca dessa declaração diz respeito à explicação técnica de como as doenças são transmitida. Alguns a ridicularizavam, atribuindo as enfermidades ao mau cheiro. Todavia, o conhecimento do século 21 sobre o papel do mofo nas doenças humanas endossa completamente as advertências de Ellen White. Os bolores se proliferam em condições de umidade persistente. Nos climas setentrionais, com verão curto e inverno rigoroso, a friagem do clima é intensificada pela umidade persistente. Todos esses fatores ficam explícitos ou subentendidos em suas diversas declarações sobre o assunto (ME2, 463, 464; CBV, 274, 275).

O que falta em seu conselho, e que certamente seria incluído em uma perspectiva recente é o papel dos pernilongos na transmissão de doenças. Sua advertência contra a água parada perto de uma residência descreve as condições nas quais os mosquitos se reproduzem e proliferam (SG4a, 44), embora ela não mencione esses insetos (SG3, 243; HeR, agosto de 1872). No entanto, seu conselho prático permanece perfeitamente válido à luz do conhecimento científico atual. Os gases e vapores de materiais em decomposição, a consequente falta de ar fresco, a presença de fungos e a possibilidade de outros elementos de contaminação serem transmitidos pelo ar são reconhecidos hoje como fatores agravantes de alergias e ameaças à saúde. A friagem do inverno intensificada pela umidade persistente pode não ser problema para as classes média e alta dos países desenvolvidos, nos quais as casas são confortavelmente aquecidas durante o frio; mas, no século 19, sobretudo para os pobres, os perigos do clima frio e úmido não podiam ser negligenciados.

Declaração 6, lepra por comer carne de porco: A ingestão de carne de porco tem produzido escrófulas, lepra e humores cancerosos” (SG4a, 146; ME2, 417). “Deus não proibiu os hebreus de comerem carne de porco meramente para mostrar Sua autoridade, mas porque ela não era artigo de alimentação apropriado para o homem. Encheria o organismo de escrófulas [forma de tuberculose causada pelo inchaço das glândulas linfáticas e inflamação das juntas] e, especialmente nos climas quentes, produziria lepra e moléstias de várias espécies. Sua influência sobre o organismo naquele clima era muito mais prejudicial do que em um clima frio” (ME2, 417).50

A questão tem duas partes: a identidade da lepra bíblica e se o consumo de carne de porco contribui para sua disseminação. Quanto à relação entre a lepra bíblica e a moderna, os estudiosos se dividem; porém, há evidência de que a lepra bíblica incluía uma variedade mais ampla de doenças (como as infecções por fungos) do que o uso moderno do termo.51 O erudito bíblico Roland K Harrison argumentou que os sintomas da hanseníase (a lepra moderna) correspondem aos sintomas da lepra bíblica descrita em levítico 13.52

Esse é outro exemplo no qual Ellen White parece ter usado ideias comumente aceitas para reforçar um conselho sensato de saúde. A ligação entre a carne de porco e a lepra – especialmente em climas quentes – tem um longo histórico em tradições antigas, especialmente na judaica,53 e também se reflete em comentários cristãos mais antigos. Por exemplo, a obra Commentary Critical and Explanatory, on the Whole Bible (“Comentário Crítico e Explicativo de Toda a Bíblia”), de Jamieson, Fausset e Brown, menciona acerca de Levítico 11:7: “Em climas quentes, a indulgência à carne suína é particularmente responsável por causar lepra, escorbuto e erupções cutâneas.” O palavreado dessas citação é tão semelhante ao de Ellen White que sugere sua familiaridade com o comentário dos autores ou com outro semelhante.54 Se a conexão entre comer carne de porco e desenvolver lepra era aceita sem questionamentos em sua época – e ela não recebeu nenhuma luz especial que dissesse o contrário -, é compreensível que tenha incluído esse risco reconhecido junto aos outros que citou como mais um motivo para excluir a carne suína da alimentação.

Sobre as evidências científicas que relacionam o consumo de porco à lepra, existe um estudo publicado demonstrando que ratos que se alimentavam de carne suína tinham uma predisposição muito maior à doença do que aqueles que não a comiam.55 Além disso, existem evidências de que uma pessoa pode contrair lepra ao comer a carne de um tatu infectado, animal 20 vezes mais suscetível à hanseníase do que o ser humano.56 Quer se possa provar que o consumo de carne de porco aumenta o risco de lepra sob as circunstâncias que Ellen White sugeriu, quer não, seu conselho certamente é sensato e bíblico (Lv 11:7, 8).57

Declaração 7, a escolha de uma ama de leite. Ellen White recomenda enfaticamente que a própria mãe amamente o bebê, em vez de dar mamadeira (CRA, 227). Uma terceira opção muito praticada em sua época era que outra mulher amamentasse o bebê. Ela advertiu que, se isso fosse necessário, a ama deveria ser física e mentalmente saudável, pois ela “compartilha sua disposição e seu temperamento com a criança amamentada” (HeR, setembro de 1871). Ellen White continua: “A vida da criança fica ligada à dela. Se a contratada for uma mulher do tipo vulgar, impetuosa e irracional; se não for cuidadosa com a moral, é bem provável que o lactente desenvolva o mesmo jeito, ou similar. A mesma qualidade rude no sangue, correndo nas veias da ama contratada, estará no [sangue] da criança.” Alguns questionam a sugestão de que uma ama de leite possa afetar o caráter moral da criança amamentada. Os mecanismos de transmissão de moralidade de pai para filho são áreas que as pesquisas científicas estão apenas começando a explorar.58

Declaração 8, diferença grande de idade entre cônjuges. O casamento entre “homens idosos” e “jovens” resulta no prolongamento da vida do homem; porém, a vida da esposa pode ser abreviada pelo fardo de cuidar de um marido velho (ME2, 423, 424). O primeiro conselho parece atribuir responsabilidade moral a uma questão de bom senso. No caso do esposo bem mais velho do que a mulher, o homem vive mais quando se encontra dentro de um casamento feliz e é bem cuidado. O fardo de cuidar do marido idoso costuma ser extremamente desgastante para a esposa, e ela pode envelhecer mais rápido sob esse estresse.

Em um conselho relacionado, Ellen White diz que, quando rapazes se casam com mulheres mais velhas, os filhos podem nascer com fraquezas físicas e mentais (ibid., 424).59 Isso ainda não era muito reconhecido no século 19, mas se encontra vastamente documentado hoje. Quanto maior a idade da mulher ao gerar filhos, maior será a probabilidade de sobrevir defeitos congênitos. Atualmente se reconhece que a síndrome de Down, cujas características combinam com a descrição de Ellen White, ocorre com maior frequência em filhos de mulheres mais velha. Outros problemas congênitos, dentre eles o autismo, são mais frequentes em filhos de pais mais velhos.6

O mais notável nessa passagem é que Ellen White relaciona os efeitos prejudiciais nos filhos em ambas combinações: mulheres mais velhas que têm filhos com homens mais jovens e homens idosos que têm filhos com mulheres jovens. Somente a partir do século 21 a ciência comprovou que o pai idoso aumenta os riscos de defeitos congênitos.61 Um estudo publicado no periódico Human Reprodcction (“Reprodução Humana”), em julho de 2005, descobriu que, em comparação com um rapaz de menos de 30 anos de idade, um homem de 45 anos tem um risco quase três vezes maior de ter um filho com síndrome de Dawn. Homens com mais de 30 anos têm probabilidade quase cinco vezes maior de ter um filho com Dawn e duas vezes mais chances de ter um filho com lábio leporino. O risco começa a aumentar quando a idade do pai varia entre 35 e 40.62 Hoje está provado que “a idade avançada do pai está ligada a uma série de doenças” e “malformações congênitas.”63 Ao que tudo indica, o conselho de Ellen White a esse respeito estava à frente do conhecimento científico de seu tempo.

Deve-se destacar que a declaração acerca de cônjuges com idade muito diferentes não sugere que esses casamentos nunca são recomendáveis, mas que é preciso ter muita cautela para não tomar tal decisão de maneira apressada, sem analisar as possíveis consequências. O fato de ter aprovado especificamente três casamentos de pessoas próximas a ela, apesar da grande diferença de idade entre os cônjuges, sugere que outros fatores podem superar essa questão. Stephen N. Haskell tinha 64 anos quando se casou com Hetty Hurd, de 40 (Cid, 114). Geoge I. Butler, aos 68 anos, desejava se casar com Lorena Waite, de 33, e Ellen White foi favorável ao casamento planejado. Entretanto, outras pessoas não apoiaram e prejudicaram as intenções de Butler (ibid., 115-120). Cinco anos depois, aos 73 anos, ele se casou com Elizabeth Work Grainger, de 61. É significativo que nem os Haskell nem os Butler tenham gerado filhos no segundo casamento. Em contrapartida, Whilliam White tinha 40 anos quando se casou com Ethel May Lacey, de 21, e eles tiveram cinco filhos; o último, quando ela estava com 38 anos e Willie, com 59.64

Terceiro conjunto: parcial ou amplamente não confirmadas

O terceiro conjunto de declarações a ser analisadas são aquelas que concordavam com o pensamento comumente aceito na época em que foram proferidas, mas permanecem parcial ou totalmente não confirmadas pela ciência do século 21, tais como a causa dos vulcões, a altura dos antediluvianos, a amalgamação entre seres humanos e animais e os efeitos físicos da masturbação.

Declaração 9, causas dos terremotos e erupções vulcânicas. Esse assunto foi escrito em referência aos efeitos remanescentes do dilúvio. “Florestas imensas”, enterradas sob a terra” “as rochas são intensamente aquecidas, o calcário é queimado e o minério de ferro derrete. A água e o fogo sob a superfície da Terra se encontram. A ação da água sobre o calcário acrescenta fúria ao calor intenso, provocando terremotos, vulcões e incêndios” (SG3, 79, 80). Não existe nenhuma teoria atual do vulcanismo que apoie os mecanismos geológicos precisos que ela descreve, embora exista apoio para várias de suas declarações. Por exemplo, em Geology of Coal (“Geologia do Carvão”), Otto Stutzer documenta que “incêndios subterrâneos nas camadas de carvão são provocados por combustão espontânea, resultando no derretimento de rochas da região, as quais são classificadas como depósitos pseudovulcânicos.” Stutzer cita vários exemplos, incluindo “uma montanha em chamas, um afloramento que “durou mais de 150 anos” e “o calor de uma camada de carvão em chamas usada para o aquecimento de estufas em determinada área entre 1839 e 1868.”65 Mais recentemente, Glenn Stracher argumentou em Geology oj Coal Fires: Case Studies From Around the World (“Geologia dos Incêndios de Carvão: Estudos de Caso ao Redor do Mundo”) que o carvão incendiado debaixo da Terra começa por meio de um processo espontâneo de combustão. O carvão é exposto ao ar em baixa temperatura e, mediante um processo lento de oxidação, se aquece com o tempo. À medida que a temperatura aumenta, o processo de oxidação ganha velocidade exponencial e é provável que resulte em fogo.66 Nesse assunto, Ellen White parece fundamentar sua mensagem com informações comumente aceitas em sua época; porém, hoje se sabe que elas estavam incorretas em detalhes importantes.

Declaração 10, a altura dos antediluvianos e fósseis gigantes. Em 1864, Ellen White escreveu que Adão tinha o dobro da altura dos homens modernos (SG3, 34). A passagem paralela em Patriarcas e Profetas (1890) faz a afirmação mais moderada de que “a altura de Adão era muito maior dom que a dos homens que hoje habitam a Terra” (PP, 18). Essas declarações foram feitas com base em suas visões. Posteriormente, acrescentou que “geólogos” afirmavam ter encontrado “ossos de humanos e animais, bem como instrumentos de guerras, árvores petrificadas, etc., muito maiores do que qualquer que hoje exista”. Com base nisso, esses geólogos interferiram a existência de “uma raça de seres grandemente superiores em tamanho a quaisquer homens que hoje vivam” (ibid., 71). Esse parece um exemplo de uso do conhecimento comumente aceito na época para tornar mais vívido e digno de credibilidade aquilo que ela havia dito com base nas visões. No entanto, a declaração sobre as evidências fósseis não se baseia na revelação; mas, sim, em relatos de geólogos daquele período. A afirmação da existência de fósseis de seres humanos gigantes continua a ser feita atualmente na internet por pesquisadores sérios, sendo questionada com veemência por outros.67 Leia sobre a opinião de Ellen White acerca da criação e da evolução no verbete *A Bíblia e as ciências da Terra, [na Enciclopédia Ellen G. White].

Declaração 11, amalgamação entre seres humanos e animais.68 “Se houve um pecado, acima de todos os outros, que invoca a destruição da raça pelo dilúvio, foi o crime vulgar da amalgamação entre seres humanos e animais, que contaminou a imagem de Deus e causou confusão por toda parte” Além disso: “as espécies confusas que Deus não criou, que foram resultado da amalgamação, foram destruídas pelo dilúvio. Desde o dilúvio, tem ocorrido a amalgamação entre seres humanos e animais, conforme se pode notar nas quase infinitas variedades de espécies animais e em algumas raças de homens” (SG3, 75). Essas afirmações foram reimpressas em 1870 (SP1, 69, 78), mas omitidas em 1890, quando a seção foi revisada para a publicação da obra Patriarcas e Profetas (PP, 81, 82; cf. ME3, 452).

A construção gramatical das frases, o contexto e outros usos que Ellen White faz do termo “amalgamação” permitem várias interpretações. A amalgamação entre seres humanos e animais diz respeito: (1) ao bestialismo, crime punido com a morte tanto de indivíduos quanto de animais envolvidos, chamado de “confusão” na versão Almeida Revista e Atualizada (Lv 20:15, 16; 18:23); e/ou (2) à combinação genética dos genomas humano e animal a fim de criar aberrações. A referência de Ellen White à amalgamação como “um crime vulgar”, que causa “confusão” de espécies, é bem semelhante à terminologia da versão Bíblia King James e se adequa aos critérios principais do contexto literário imediato.

Francis D. Nichol argumenta em prol de uma leitura gramatical alternativa: “amalgamação de seres humanos[,] e [amalgamação de] animais”, referindo-se no nível humano à (3) misturas de raças, especificamente, o casamento dos descendentes justos de Sete com a “raça perversa de Caim”, antes do dilúvio (SG3, 60) e; no nível animal, à (4) produção de “espécies confusas” de animais, “que Deus não criou” e não sobreviveram ao dilúvio (dinossauro) (ver ibid., 53, 54, 60-64).69 Os pontos de vista (3) e (4) não parecem se encaixar tão bem nas conotações comumente presumidas no contexto inicial quanto as interpretações (1) e (2).No entanto estão em harmonia com os usos posteriores do termo “amalgamação” por Ellen White. Ao se referir a (5) surgimento de cardos e abrolhos (Gn 3:18), ela escreveu: “Toda erva nociva é de sua semeadura [de Satanás], e por seus métodos engenhosos de amálgama [engenharia genética maliciosas das plantas] ele corrompeu a Terra com joio” (Ms 65, 1899; em ME2, 288; BC1, 1086; MR16, 247).70 Por fim, (6) ela usava “amalgamação” no sentido moral, para se referir ao declínio moral dos justos quando se associam aos perversos. “Pela união com o mundo, o caráter do povo de Deus é manchado, e, mediante a amalgamação com os corruptos, o fino ouro se embaça” (RH, 23 de agosto de 1892).

O aspecto mais perturbador das afirmações sobre a amalgamação são seus desdobramentos potencialmente racistas.  Dois anos depois da primeira publicação acerca do tema os ex-adventistas B. F. Snook e William H. Brinkerhoff lançaram um panfleto alegando que as “visões [ensinavam] que a raça negra não [era] humana” (itálico no original) e não fora criada por Deus.71 Em resposta a Snook e Brinkerhoff, o editor da Adventist Review, Uriah Smith, negou a inferência, destacando que, independentemente da etnia a que se referissem as declarações sobre amalgamação, ela continuava a ser chamada de humana, não sub-humana.72 Smith parecia concordar que algumas “raças de seres humanos que hoje existem” poderiam ser aberrações de homens e animais, citando a afirmação de naturalistas anônimos de que “a linha divisória entre as raças humana e animal se perdeu em confusão”. Ele também fez a seguinte ressalva: “ao preparar essas respostas [a Snook e Brinkerhoff], não fizemos nenhuma consulta à irmã White, nem recebemos nenhuma sugestão ou explicação dela sobre qualquer aspecto. Nós tomamos as visões conforme foram publicadas” – escreveu – “e baseamos nossa interpretação de qualquer aparente discrepância na linguagem dos escritos”.73

Qualquer que tenha sido o significado que ellen White tinha em mente nos trechos sobre amalgamação, a interpretação de que ela não considerava os negros completamente humanos é uma contradição direta ao teor global de seus escritos sobre etnias, de 1851 a 1909. Por diversas vezes, ela afirmou tanto a humanidade plena (SG1, 191; T1, 358), quanto a origem criacionista (T7, 223) da etnia negra. Segue-se uma minúscula amostra das centenas de páginas que ela escreveu contra o racismo, apoiando a plena humanidade dos negros (ver SW).74

Em 1851, 13 anos antes de escrever as declarações sobre amalgamação ela contrastou o “piedoso escravo” que se levantaria “em triunfo e vitória e [sacudiria] as cadeias que o prendiam”, com o “ímpio senhor” que enfrentaria o juízo de Deus (ExV, 18; reimpresso em PE, 35). Em 1858, defendeu com fervor a humanidade dos africanos cativos: “As lágrimas de piedosos escravos tanto homens como mulheres, de pais, mães e crianças, de irmãos e irmãs, acumularam-se nos Céus.” Agonia, agonia humana, é levada de um lugar para o outro, é comprada e vendida.” Com grande indignação, ela denunciou “professos cristãos” que mantinham “seres humanos em escravidão” e “[oprimiam] cruelmente os seus semelhantes dia após dia” (SG1, 191, itálico acrescentado; cf. PE, 275). Em 1859, desafiou os adventistas a ignorarem a lei do escravo fugitivo independentemente das consequências (T1, 201).

Em 1861, Ellen White concluiu que a guerra civil norte-americana era o castigo divino sobre a “nação pelo hediondo crime da escravidão” (ibid., 264). Em 1863, um ano antes das declarações sobre amalgamação, ela afirmou: “Cristo morreu por toda a família humana, sejam brancos ou negros. Deus fez o homem como agente moral livre, quer brancos quer negros. A instituição da escravatura [...] permite exercer sobre o seu semelhante um poder que Deus nunca lhe conferiu, e que pertence somente ao Senhor” (ibid., 358). Duas páginas depois, ela encarregou solenemente os adventistas de excluir do rol de membros todos aqueles que defendessem pontos de vista favoráveis à escravidão (ibid., 360). Além disso, foi específica ao declarar que negros e brancos são iguais “pela criação e redenção” (T7, 223). “O nome do homem de cor é escrito no livro da vida, ao lado do nome do branco. Todos são um em Cristo. Nascimento, posição, nacionalidade ou cor não podem elevar nem degradar os homens” (Ms 6, 1891, em ME2, 342).

Suas centenas de páginas de escritos enérgicos a favor dos negros e contra a escravidão dão fortes evidências de que, qualquer que tenha sido o significado pretendido nas duas breves e enigmáticas declarações sobre amalgamação, sua crença na total igualdade espiritual, moral e intelectual da etnia negra em relação às demais está além de qualquer questionamento. De acordo com Delbert Baker, um dos mais preeminentes eruditos acerca da história do adventismo entre os negros, “Ellen White tem todo direito de ser chamada de inauguradora da obra entre os negros. Nenhuma pessoa exerceu maior impacto sobre a inclusão e o status dos negros dentro da Igreja Adventista. É impossível falar sobre a história do adventismo entre os negros sem referências constantes a suas contribuições [...] Haveria pouca esperança para a obra entre os negros se Ellen White não tivesse defendido a causa”.75

Ao observar que nos Estados Unidos do século 19 um dos sentidos da palavra “amalgamação” se referia o casamento inter-racial,76 alguns se perguntam se ela considerava esse ato um pecado tão hediondo a ponto de ter provocado o dilúvio.77 Essa interpretação não tem embasamento nenhum. Ela deu conselhos contrários ao casamento inter-racial não por ser inerentemente pecaminoso; mas, em virtude das dificuldades sociais que os casais inter-raciais enfrentavam em uma sociedade hostil, segregada e pós-escravocrata. Essas consequências recaiam de modo especial sobre os filhos que, naquela cultura, muitas vezes não se sentiam totalmente aceitos por nenhum dos grandes grupos sociais (ME2, 343, 344). Contudo, ela não criticou o casamento inter-racial por motivos morais ou teológicos (PP, 383).

Por causa da brevidade e ambiguidade inerente às declarações sobre amalgamação, e do fato de Ellen White nunca ter esclarecido em público o que queria dizer, várias das interpretações podem ser viáveis. Da perspectiva da ciência atual, nenhuma delas é impossível. Misturas genéticas entre humanos e animais são realizadas rotineiramente hoje em dia nos laboratórios de biologia molecular.78 Mas controversas ainda são as misturas feitas entre células embrionárias de humanos e animais.79 É irônico constatar que, da perspectiva científica, o problema com as declarações de Ellen White sobre amalgamação não é o fato de não serem verdadeiras; mas, a realidade de que podem ser verdadeiras de tantas formas que é difícil entender exatamente o que ela quis dizer.

Declaração 12, masturbação. Ellen White fez diversas advertências contra essa prática, descrevendo suas possíveis consequências para a saúde física, mental e moral (ver T2, 347, 361, 391, 392, 402-410, 469, 470, 481; T4, 97; T5, 78, 91; OC, 444, 445, 457, 458).80 Uma questão importante é o significado preciso da linguagem utilizada. Ela não usou a palavra “masturbação”, que tem uma definição específica. Ao usar os eufemismos vitorianos “vício secreto”, “vício solitário” ou “abuso próprio”, a que ato ela estava se referindo: à masturbação ocasional ou à masturbação habitual e compulsiva? Parte de seu vocabulário indica uma “prática” repetitiva, habitual (ApM, 18). Caso ela estivesse falando sobre a masturbação compulsiva, então, algumas de suas descrições acerca dos efeitos físicos concordam com aquilo que especialistas contemporâneos dizem acerca do vício em sexo.

De acordo com o terapeuta Robert Weiis, por exemplo, a masturbação frequente estimula várias reações químicas no corpo, “resultando na superprodução de hormônios sexuais e neurotransmissores.” Essa situação provoca “uma grande mudança da química corporal”.81 O psicólogo William M. Struthers, autor de Wered for Intimacy: How Pronography Hijacks the male Brain (“Projetado para a Intimidade: Como a Pornografia Sequestra o Cérebro Masculino”), declara que “masturbar-se é brincar com fogo neuroquímico”, porque “afeta o indivíduo emocional e neurologicamente”. Citando vários estudos científicos , Struthers   afirma que os homens que se masturbam compulsivamente “sofrem de depressão, problemas de memória, falta de foco, dificuldade de concentração, fadiga, dor nas costas, menos ereções, ejaculação precoce e dor testicular ou pélvica”.82 Talvez a ciência só esteja começando a descobrir o impacto da masturbação compulsiva sobre o físico.

Uma característica notável dos conselhos de Ellen White sobre a masturbação é o número de vezes que ela usa a palavra “mente”, uma vez que “há mais envolvimento na mente do que puramente no físico”.83 Por exemplo, ela escreveu que “pensamentos impuros se apoderam da imaginação, a controlam e fascinam a mente” e a “mente sente prazer em contemplar cenas que despertam as paixões mais baixas e vis”. O resultado é uma “imaginação corrupta”. Portanto, “a primeira obra” de reforma é “purificar a imaginação”. A “mente” deve “ser estimulada no que é correto” (ver ibid., 1-32; OC, 439-468; T4, 198; T2, 346-411, 468-471). Essa ênfase nos processos de pensamento tem relevância especial para os cristãos do século 21, que vivem em meio a uma cultura “saturada de pornografia”.84

Outras possíveis consequências da masturbação à saúde mental variam desde o gasto excessivo de enrgia nervosa até deficiências nutricionais. O doutor Carl C. Pfeiffer, autoridade em zinco na área de nutrição, escreveu: “Odiamos ter de dizer isto,; mas, no adolescente com deficiência em zinco, a excitação sexual e a masturbação excessiva podem precipitar a insanidade”.85 Outro pesquisador, o doutor David F. Harrobin concorda: “É até mesmo possível, dada a importância do zinco para o cérebro, que os moralistas do século 19 estivessem corretos ao dizer que a masturbação excessiva podia levar à loucura [insanidade]!”86

Quanto aos efeitos da masturbação sobre o desenvolvimento moral e espiritual, o ensino de Cristo de que os pensamentos impuros constituem uma violação do sétimo mandamento (Mt 5:28) certamente tem implicações para essa prática habitual.

O aspecto mais ridicularizado das afirmações de Ellen White é a existência de possíveis consequências da masturbação sobre a saúde física. Em sua explicação sobre o assunto – Na Appeal to Mothers (“Um Apelo às Mães”), de 1864 – ela escreveu, por exemplo, que a prática continuada da masturbação pode prejudicar “o fígado e os pulmões”, causar “neuralgia, reumatismo, afetar a coluna, provocador doenças nos rins e predisposições cancerosas” (ApM, 18).87 Além disso, escreveu que pode danificar olhos e músculos, causando fadiga, dor de cabeça e doenças de quase todo os tipos (T2, 402, 404, 481; OC, 444). “O vício secreto” – escreveu em 1876 – “está matando milhares e dezenas de milhares” (T4, 97). Os críticos argumentam que a ciência moderna não confirmou nenhuma dessas declarações e que Ellen White era, portanto, fruto de sua época, copiando os médicos e moralistas daqueles dias, os quais acreditavam incorretamente que o “vício secreto” era responsável pela maioria das enfermidade físicas e mentais.88

Embora existam semelhanças entre os escritos de Ellen White sobre masturbação e a opinião dos médicos de seus dias, também há diferenças significativas.89 Por exemplo, em nenhuma parte de seus conselhos ela defende as formas extremas de cura usadas naquele período, como circuncisão, cintos de castidade, medicações fortes e clitoridectomias. Também não recomendou o uso de bandagens nos órgãos sexuais à noite, nem amarrar as mãos à cabeceira da cama.90 Os remédios que indicava eram simples: alimentação saudável, exercício, arrependimento, supervisão adequada dos pais e evitar literatura sexualmente estimulante.91

Até o presente, porém, nenhuma pesquisa científica relacionou a masturbação a doenças nos órgãos, câncer ou morte. Na ausência de evidências específicas que embasem as declarações de Ellen White acerca das consequências físicas dessa prática, existem pelo menos duas opções interpretativas. A primeira seria considerar essencialmente corretos tantos os conselhos quanto suas explicações, na expectativa de que o avanço da ciência acabe por confirmar que ela estava correta. Em várias questões importantes de saúde – incluindo o tabaco como causa de câncer, as vantagens da alimentação vegetariana e os riscos de homens mais velhos terem filhos – seus conselhos pareciam estar errados inicialmente; mas, com o tempo provaram ser verdadeiros.

A segunda opção interpretativa seria fazer distinção entre instrução e explicação, considerando verdadeira a instrução; porém, avaliando que a explicação, baseada em fontes da época, exagerava nas consequências. Os defensores desse ponto de vista argumentam que, da mesma maneira que Ellen White revisou alguns detalhes em O Grande Conflito para se adequar melhor aos dados históricos, ela teria atualizado algumas de suas declarações sobre os resultados físicos da masturbação, caso ainda estivesse escrevendo quando informações adicionais se tornaram disponíveis. A fim de apoiar essa perspectiva, alguns citam que suas obras posteriores introduzem avanços sutis na linha de pensamento.

Por exemplo, embora A Ciência do Bom Viver(1905) mencione o “vício” em contextos paralelos ao das declarações anteriores (CBV, 227), a referência explícita à masturbação e a lista de doenças resultantes se encontram ausentes. Essa opinião interpretativa considera seu conselho sobre a prática um exemplo da adoção de ideias comumente aceitas a fim de ratificar conselhos sensatos. Mesmo que se demonstrasse que a explicação de Ellen White sobre as consequências físicas do ato foi exagerada, a instrução básica continuaria sendo válida: para os cristãos que lutam no processo de santificação, a masturbação representa uma indulgência egocêntrica que está aquém do ideal de Deus e, por isso, é moral e espiritualmente prejudicial.92 Além disso, se a saúde mental e espiritual exerce influência direta sobre a saúde física, conclui-se que a prática viciante do sexo autoestimulado também é danosa ao corpo.

Conclusão

As três premissas interpretativas apresentadas no início deste artigo conseguem explicar as 12 declarações destacadas. Primeiro, as Escrituras retratam um Deus infalível que comunica verdades eternas em linguagem humana imperfeita, por meio de profetas que não eram infalíveis, nem livres de erro. O resultado é um “tesouro em vasos de barro”: verdades eternas e imutáveis contidas em linguagem e padrões de pensamento humanos, imperfeitos e transitórios. Segundo, uma vez que o conhecimento humano se encontra em constante evolução, com o passar do tempo, as declarações da ciência, em qualquer contexto histórico, sempre serão consideradas incompletas e imperfeitas, apesar de sua adaptação inspirada às necessidades do público original. Terceiro, a instrução inspirada, por se basear em princípios eternos, tem valor duradouro, mesmo se for embasada em explicações humanas adaptadas ao público original – explicações humanas que, por causa do tempo e das mudanças, por fim, serão menos convincentes para as gerações futuras.

Assim, os adventistas creem que as instruções básicas de Ellen White para seus leitores consistem em bons conselhos para as circunstâncias em que foram proferidas. Mesmo nos casos  em que a explicação  parece ultrapassada, a instrução é válida e os leitores que a seguirem com bom senso se beneficiarão por fazê-lo. Gary E. Fraser, médico pesquisador da Universidade de Loma Linda, documentou mais de 300 publicações revisadas por colegas na literatura científica demonstrando que as pessoas que adotam os conselhos de Ellen White sobre saúde – entendendo totalmente ou não os motivos por trás deles – têm expectativa de vida significativamente mais longa e menos doenças crônicas do que a população em geral.93


*Roger W. Coon lançou as bases para a produção deste artigo na matéria Escritos de Ellen G. White, do Seminário teológico Adventista da Universidade de Andrews, a qual lecionou entre 1978 a 1995. Sua palestra “Ellen G. White, Science and Faith: Part I: the ‘Problem’ Staments” [“Ellen G. White, Ciência e Fé; Parte I, as Declarações ‘Problemáticas’”] (ver. 9 de maio de 1995, CAR) serviu de ponto de partida para esta revisão e atualização. Timothy G. Standish contribuiu com os três primeiros parágrafos do artigo e, junto a Michael Campbell, com a parte sobre amalgamação.

1 William G. Rothstein, American Physicians in the Nineteenth Century: From Sects to Science (Baltimore:Johns Hopkins University Press, 1972), p. 45-55, 194, 261-266.

2 Sobre a distinção entre autoridade profética canônica e não canônica, ver Jud Lake, Ellen White Under Fire (Pacific Press, 2010), cap. 8.

3 J. Moon, W. C. White and Ellen G. White, the Revelationship Between the Prophet and the San (Andrews University Press, 1993), p. 247-436.

4 “O que o poder humano pode fazer, o divino não é solicitado a realizar” (DTN, p. 375).

5 Ver em Lake, cap. 5 e 6, os aspectos verticais e horizontais da revelação-inspiração. Confira uma ilustração bíblica da combinação do conhecimento revelado e comum em 1 Coríntios 1:10-17. Os cristãos aceitam que a passagem inteira é inspirada e detém autoridade teológica (ver, especialmente, o v. 17). Todavia, os v. 11 e 12 incluem informações comuns transmitidas pela família de Cloe, e os v. 14 e 16 se baseiam na memória pessoal de Paulo. O interessante é que o lapso de memória do apóstolo, entre os v. 14 e 16, acaba fortalecendo sua tese: o fato de não conseguir se lembrar de quem ele havia batizado confere credibilidade a sua afirmação de que batizar não era sua missão principal (. 17).

6 W. C. White a Nossos Agentes Missionários Gerais, 24 de julho de 1911; W. C. White aos Membros da Comissão de Publicações, 25 de julho de 1911, EGWE-AG, “The Great Controversy – 1911 Edition: A Statement Made by W. C. White before the General Conference Council, Octuber 30, 1911”, Apêndice A, em ME3, 433-440.

7 As “figuras instantâneas” eram um tipo primitivo de fotografia, ou seja, as “figuras” eram análogas a fotografias.

8 WCW a Nossos Agentes Missionários Gerais, 24 de julho de 1911.

9 WCW “The Visions of Ellen G. White”, 17 de dezembro de 1905, p. 5, DocE.

10 WCW a S. N. Haskelll, 31 de outubro, 4 de novembro de 1912; W. C. White a W. W. Eastman, 4 de novembro de 1912.

11 WCW a S. N. Haskelll, 31 de outubro de 1912; leia sobre o contexto dessa carta em George R. Knight, “The Case of the Overlooked Postscript: A Footnote on Inspitation”, Ministry, agosto de 1997.

12 WCW a S. N. Haskelll, 31 de outubro de 1912.

13 WCW a S. N. Haskelll, 4 de novembro de 1912 (itálico acrescentado); W. C. White a W. W. Eastman, 4 de novembro de 1912.

14 W. C. White a W. W. Eastman, 4 de novembro de 1912 (itálico acrescentado).

15 Ibid. (itálico acrescentado).

16 Ver Lake, cap. 11, sobre “quadro mais amplo” nos escritos de Ellen White.

17 Moon, p. 429-436.

18 Ver Lake, cap. 11, sobre “quadro mais amplo” nos escritos de Ellen White.

19 David Neff, Ellen White’s Theological and Literary Indebtedness to Calvin Stowe” (artigo, 1979, CAR); Cutado por Robert W. Olson, 101 Questions on the Sanctuary and on Ellen White (EGWE, 1981), p. 104, 105. Para exemplos na área de saúde, Don S. McMahon observou que ellen White mudou declarações incorretas da época sobre saúde, tornando-as verdadeiras por meio de modificações no vocabulário. Don S, McMahon, Acquired or Inspired? Exploring the Origins of the Adventist Lifestyle (Victoria, Austrália: Signs Pub. Co., 2005), p. 141; cf. p. 116.

20 Por exemplo, o Apocalipse foi escrito para ser a verdade revelada acerca do conflito entre Deus e Satanás, não para servir de livro didático de gramática grega.

21 As mensagens proféticas foram dadas para o êxito na vida real (Dt 6:6-9; 2Cr 20:20), para “fins práticos” (ME1, 20). Em consequência, Ellen White faz apelos frequentes ao “bom senso” em questões de saúde, religião e da vida como um todo (CPPE, 257; Ed, 220; Ev, 540). “A Bíblia com suas preciosas gemas de verdade não foi escrita para o sábio somente. Ao contrário, destina-se ao povo comum; e a interpretação que lhe dá o povo comum, quando auxiliado pelo Espírito Santo, harmoniza-se melhor com a verdade como é em Jesus” (T5, 331; itálico acrescentado). Presumir um significado técnico quando ele não existe pode levar à interpretação incorreta da mensagem profética.

22 Ela recusou energicamente tanto a infalibilidade quanto a ausência de erro. “Com relação a infalibilidade, nunca a pretendi; unicamente Deus é infalível. Sua palavra é a verdade, e não há nEle mudança ou sombra de variação” (ct 10, 1895, citado em ME1, 37). “Desejo que o eu se oculte em Jesus. Desejo que o eu seja crucificado. Não reivindico infalibilidade ou mesmo perfeição de caráter cristão. Não estou isenta de erros e equívocos na minha vida. Tivesse eu seguido meu Salvador mais de perto, não teria que lamentar tanto a minha dessemelhança com Sua preciosa imagem” (Ct 27, 1876, em FD, 220). Um exemplo de falibilidade são os erros na educação dos filhos que, posteriormente, lhe foram apontados em visões (EGW, “Testimony for James and Ellen White’s Family”, sem data, Ms 8, 1862; EGW, “Testimony regarding James and Ellen White’s, 6 de julho de 1863, Ms 1, 1863). Outro exemplo de falibilidade é o incidente de 19 de outubro de 1902. Em concílio com Arthur G. Daniells, presidente da Associação Geral, e outros líderes da igreja, Ellen White aprovou o plano de fechar a Editora do Sul, em Nashiville, por causa das dívidas e constantes perdas financeiras. Na noite seguinte, ela teve uma visão na qual foi reprovada por aconselhar erroneamente, baseada em informações incompletas. A Sra. White imediatamente escreveu uma carta a Daniells, relatando a visão e retratando o conselho que havia dado. Ele ficou perplexo, mas se lembrou da experiência de Natã e Davi em I Crônicas 17:1 a 4. Por três noites consecutivas, Ellen White teve visões que a instruíram sobre o erro e explicaram porque ela o havia cometido (ver Bio5, 191-197; Mon, p. 381-389).

23 Don S, McMahon, “Probability”, em Acquired or Inspired? Exploring the Origins of the Adventist Lifestyle (Warburton, Austrália: Signs, 2005), p. 122-138.

24 Ver G. E. Fraser, Diet, Life Expectancy, and Chronic Disease: Studies of Seventh-Day Adventist and Other Vegetarians (Oxford: Oxford University Press, 2003), p. viii, 47, 58.

25 “Aquilo que era verdade no princípio continua a ser verdade hoje. Embora verdades novas e importantes, apropriadas para as gerações futuras, tenham se aberto em entendimento, as revelações presentes não contradizem as do passado. Cada nova compreensão torna as antigas mais significativas” (RH, 2 de março de 1886; cf. GC, 297).

26 Por exemplo, desde 1930, quando Plutão foi descoberto, considerava-se a existência de nove planetas conhecidos no sistema solar. Esse número mudou com a descoberta de Éris, objeto semelhante a um planeta, um pouco maior do que Plutão. Em vez de reconhecer 12 planetas ou mais de tamanho menor, a União Astronômica Internacional escreveu uma definição formal de “planeta” na qual se encaixam apenas oito.  Plutão e vários objetos de tamanho semelhante são agora chamados de planeta anões (J. Adler, em Newsweek, 4 de outubro de 2006).

27 Leonard R. Brand (“Do Rabbits Chew the Cud?”, Origins 4, nº 2 [1977], p. 102-104) apresenta argumentos convincentes de que a coprofagia [prática de se alimentar das próprias fezes] dos coelhos é biologicamente análoga à ruminação de bois, ovelhas e antílopes. Contudo, ele admite que, quando os coelhos ingerem as fezes, “eles parecem engoli[-las] inteiras, sem mastigar”. Ele está certo de que Levítico 11:6 contém um erro. Todavia, continua a ser um exemplo de instrução inspirada que não foi apresentada em termos científicos modernos; mas, em linguagem simples, adaptada ao conhecimento comum daqueles que a receberam.

28 Roger W. Coon, esboço de palestra, Universidade Andrews, “Ellen G. White, Science, and Faith: Part I, the ‘Problem’ Statements”, rev., 9 de maio de 1995, p. 13, 14, em CAR.

29 Ver Leonard R. Brand e Don S, McMahon, The Prophet and Her Critics (Pacific Press, 2005).

30 A fim de proteger o livre-arbítrio humano, Deus não sobrecarrega a humanidade com provas irrefutáveis do bom senso de suas instruções. Em vez disso, Ele promete que aqueles que escolherem voluntariamente fazer sua vontade terão informações suficientes para agir (Jo 17:17). Ele provê evidências razoáveis para crer, mas não tantas a fim de tornar a crença obrigatória, e a dúvida, impossível. Por isso, Ellen White defendia uma fé inteligente, baseada não em provas inquestionáveis; mas, no peso das evidências (DTN, 458).

31 Confira em Elisabeth McClellan, History of American Costume 1607-1870 (Nova York: Tudo Publishing Company, 1969), p. 486, 487, uma descrição detalhada do “coque falso”, também chamado de “cachoeira”.

32 “The False Hair Industry”, The Watchman, agosto de 1910.

33 Em janeiro do mesmo ano, o periódico Health Reformer relatou o incidente de uma mulher que, após usar uma peruca de juta, foi infectada por parasitas que se instalaram em seu couro cabeludo. Citando as publicações Statesman (“Estadista”), de Marshall, e Republican (“Republicano”), de Springfield (Massachusetts), o artigo afirmou: “Essa senhora consultou vários médicos, mas não conseguiu ajuda. Ela usou todas as aplicações que prometem alívio, mas completamente em vão. É descrita como quase louca, por causa do terrível sofrimento, e enfrenta a perspectiva de uma morte terrível, que os médicos não parecem ser capazes de deter” (HeR, janeiro de 1871). Sem dúvida, ao trabalhar com o periódico The Health Reformer, Ellen White estava familiarizada com essa história e se lembrou dela ao escrever que “muitos” haviam “perdido a razão” e “se tornado insanos, sem esperança de recuperação” (HeR, outubro de 1871).

34 Por causa de alguns termos que Ellen White usou nesse artigo, como “órgãos animais” e “calor não natural”, em referência ao cérebro, alguns conjecturam que ela acreditava em frenologia (ver Frenologia). Embora ela possa ter usado vocabulário em comum com os frenólogos, não há indícios em seus escritos de que acreditasse nessa teoria (ver discussão sobre o assunto em “A Critique of the Book Prophetess of Health”, preparada pela equipe Ellen G. White Estate, p. 69, 70, on-line em www.whiteestate.org/issues/prophetessof-health.pdf).

35 Veja uma descrição contemporânea de envenenamento agudo por chumbo: “Os sintomas neurológicos de envenenamento agudo costuma ser parestesia, dor, fraqueza muscular, encefalopatia (raro) com dor de cabeça, convulsões, delírio e coma” (J. M. S. Pearce, “Burton’s Line in Lead Poisoning”, European Neurology 57, nº 2: [2007], , p. 119). Confira também L. L. Brunton, D. Blumenthal, I. Buxton, K. L. Parker, eds., “Priciples of Toxicology”, em Goodman and Giman’s Manual of Pharmacology and  Therapeutics (McGraw-Hill, 2008), p. 113].

36 Confira em J. J. Du Mortier, “Lead Poisoning”, Yale Journal of Biology and Medicine 2, n º 2 (dezembro de 1929), p. 149, uma descrição semelhante paralisia provocada por envenenamento com chumbo.

37 “Brief History of Beauty and Hygiene Products”, Duke University, on-line em http://library.duke.edu/digital-collections/adaccess/guide/cosmetics; Thomas Oliver, Lead Poisoning: Froom the Industrial, Mediacal, and Social Points of View (Nova York: Paul B. Hoeber, 1914), p. 113, 114. Em 1925, o envenenamento com chumbo ainda resultava do uso de cosméticos, segundo Joseph C. Aub, Lawrece T. Fairhall, A. S. Minot e Paul Reznikoff,  “Lead Poisoning”,  Medicine 4, n º 1, 2 (dezembro de 1925), p. 4-8. Ver também http://en.wikipedia.org/wiki/Leadpoisoning, “History”, acesso em 15 de janeiro de 2012.

38 Ver Du Mortier, “Lead Poisoning”, e Rebeca C. Gracia e wayne R. Snodgrass, “Lead Toxicity and Celation Therapy”, The American Journal of Health-System Pharmacy 64 (1º de janeiro de 2007), p. 49.  

39 Erica E. Good, “Putting the Lid on Dangerous Dinnerware”, U. S. News and World Report, 10 de Agosto de 1987; ver também a nota 37.

40 Transcrição do programa “News From Medicine” (“Notícias da Medicina”), do canal Cable Network News Television, domingo, 10 de setembro de 1988, 20h30, horário de verão da costa leste norte-americana;  ver também “News From Congressman Ron Wyden”, discurso de abertura do congressista Ron Wyden (Democrata, Oregon), em uma audiência sobre cosméticos, saúde e questões de segurança perante a Subcomissão de Pequenos Negócios acerca das regulamentações e oportunidades comerciais, 15 de setembro de 1988; e “Cosmetic Safety: The Law Provides Little Protection”, Consumer Report, fevereiro de 1991, p. 93; todos citados em Coon.

41 Ver, por exemplo, Ruth Winter, A Consumer’s Cictionary of Cosmetic Ingredients, Seventh Edition: Complete Information About the Harmful and Desirable Ingredients Found in Cosmetcs and Cosmeceuticauls (Nova York: Three Rivers Press, 2009; e Siobhan O’Connor e Alexandra Spunt, No More Dirty Looks: The Truth About Your Beauty Products – and the Ultimate Guide to safe and Clean Cosmetcs (Cambridge, MA: Da Capo Lifelong Books, 2010).

42 “Lamarckism”, em http://en.wikipedia.org/wikw/Lamarckism, acesso em 29 de dezembro de 2011. Em biologia, e especificamente na genética, a epigenética é o estudo das mudanças herdáveis na expressão genética ou no fenótipo celular, causada por mecanismos diferentes da mudança na sequência de DNA subjacente. Daí o nome epi (grego: Eri, em cima, acima, de fora) genética [...]. Ela se refere às modificações funcionalmente relevantes ao genoma que não envolvem mudança na sequência nuclear” (http://en.wikipedia.org/wiki/Epigenetics, acesso em 29 de dezembro de 2011).

43 Curt Wohleber, “From Cheese Food”, Invention and Technology, verão de 2001.

44 Stanley Scheindlin, “The Food Drug Legislation of 1906”, Molecular Interventions, 8, nº 1 (fevereiro de 2008), p. 5, 6; Otto L. Bettman, The Good Old Days – They Were Terrible! (Nova York: Random House, 1974), caps. 7, 8.

45 Carol White, “How Pausterization Works”, on-line em http://science.howstuffworks.com/environmental/life/cellular-microscopic/pasteurization.htm/printable; Wohleber.

46 Grace Jacques e Patricia B. Mutch, “Dinner at Elmashaven”, ed. Sylvia Fagal (2002), p. 3, 13, 14, 17, 19, CAR.

47 Arthur White ao Irmão _____, 11 de novembro de 1940, em White Estate Q-A 22-C1, citando E. G. White e W. C. White. Agradecemos a Denis Kaiser a real tradução em alemão de A Ciência do Bom Viver: “Strenger, Scharfer Käse solte nicht genossen werden” (Queijo forte e azedo não deve ser consumido [lit., apreciado, tolerado]). In den Fubspuren des groben Arztes (Hanburgo, Alemanha: Internationale Traktatgesellschasft, 1907), p. 306.  

48 Neal Nedley, Proof Positive (Ardmore, OK: Nedley, 1999), p. 275, 276, 295.

49 Neal Barnard, “Trebds in Food Availability, 1909-2007”, American Journal of Clinical Nutrition 91, suplemento (2010): 1530S-1536S; citado por Sylvia M. Fagal, na resenha de The Full Plate Diet, em Adventist review, 9 de dezembro de 2010.

50 Reimpresso de How to Live, nº 1, p. 58 (1865).

51 Confira uma discussão em Roy Gane, “Leviticus, Numbers”, em The NIV Application Commentary: From Biblical Text to Contemporary Life, ed. Terry Muck (Grand Papids: Zondervan, 2004), p. 234-237.

52 Roland K. Harrison, “Leper; Leprosy”, International Standard Bible Encyclopedia, ed. Geoffery W. Bromiley (Grand rapids, MI: Eerdmans, 1986), v. 3, p. 104, 105; ver também Coon, p. 10, 11.

53 Herbert William Morris, Testimony of the Ages: or, Confirmations os the Scriptures (1883), p. 185, 186 cita diversas fonts, inclusive, a obra de Kitto, Michaelis, Plutarco, Plínio e Smith, Dictionary of the Bible, p. 3345, 3346.

54 Robert Jamieson, A. R. Fausset e Davis Brown, Commentary, Critical and Explanatory, on the Whole Bible (181); on-line  em www.biblestudytools.com/commentaries/jamieson-fausset-brown.

55 R. L. Foster et al., “Effect of  Diet on Growth of M. Lepre in Mouse Footpads” (Leprosy Research Foundation,  Loma Linda, CA), em Indian Journal of Leprosy 61, nº 3 (julho de 1989); ver também R. L. Foster, et al., Nutition in Leprosy: A Review”, em International Journal of Leprosy 56, n° 1 (1988), p. 66-68.

56 Ver B. M. Clark, C. K. Murray, L. L. Horvath, et al., “Armadillo Exposure and Hansen’s Disease: American Journal of Tropical Medicine and Hygiene  78, nº 6 (junho de 2008), p. 962-967; RichardTruman, “Armadillos as of Infection for Leprosy”, Southern Medical Journal 101, nº 6 (junho de 2008), p. 581, 582; S. Bruce, T. Schoeder, K. Ellner, et al.,  “Armadillo Exposure and Hansen’s Disease: An Epidimiologic Survey in Southern Texas”, Journal of the American Academy of Dermatology 43, nº 1 (2000), p. 223-228; Coon, p. 11, 32-34.

57 Confira uma discussão sobre a carne de porco como um dos alimentos com maior teor de gordura saturada em David Mendosa, “What’s Wrong With Saturated Fat”, em www.healthcentral.com/diabetes/c/17/7868/whats-wrong-fat; ver também “Cholesterol: List of Foods High in Cholesterol Content”, on-line em www.dietaryfiberfood.com/cholesterol-high-avoid.php.

58  Ver, por exemplo , Ruth Fieldman, Charles W. Greenbaum e Nurit Yirmiya, “Mother-Infant Affect Synchrony as an Antecedent of the Emergence of Self-Control”, em Developmental Psychology 35, nº 5 (1999), 223-231.

59 Reimpresso de How to Live, nº 2, p. 29 (1865).

60 Lisa A. Croen, Daniel V. Najjar, Bruce Fireman e Judith K. Grether, “Maternal and Paternal Age risk of Austism Spectrum Disorders”, Archives of Pediatrics and Alolescent Medicine 161, nº 4 (2004), p. 334-340.

61 Thacker, “Biological Clock Ticks for Man, Too: Genetic Defects Linked to Sperm of Older Father”, Journal of the American Medical Association 291 (2004), p. 1683-1685; cf. New England Journal of Medicine 347, nº 18 (31 de outubro de 2002), p. 1441451.

62 “Older Father Link to Birth Defects”, BioNews 318 (21 de julho de 2005), on-line em www.bionews.org.uk/page_12440.asp; ver também http://en.wikipedia.org/wiki/Paternal_age_effect.

63 M. Lauritsen, C. Pedersen e P. Mortensen, “Effects of Familial Risk Factors and Place of Birth on the Risk of Austsm: A Nationwide Register-based Study”, Journal of Child Psychology and Psychiatry 46, nº 9 (2005), p. 967.

64 Francis White, nascido em 29 de setembro de 1913.

65 O. Stutzer, Geology of Coal (Chicago: University of Chicago Press, 1940), p. 309, 310; cf. E. E. Thurlow, “Western Coal”, Mining Engineering 26 (1974), p. 30-33; e G. S. Rogers, “Baked Shale and Slag Formed by the Burning of Coal Beds”, U. S. Geological Survey Professional Paper, 108-A (1918); todos citados em Johns, “Ellen G. White and Subterranean Fires, part 2”, Ministry, Outurbro de 1977.

66 Glenn Stracher, Geology of Coal Fires: Case Studies From Around the World  (Boulder, CO: Geological Society of America, 2007).

67 Ver, por exemplo, “Giant Humans and Dinosaurs, on-line em www.biblebelievers.org.au/giants.htm; cf. www.askabiologist.org.uk/answers/viewtopic.php?id=1220.

68 Somos gratos a Michael W. Campbell e Timothy G. Standish por parte do amterial desta seção; ver também *Amalgamação na seção temática desta Enciclopédia.

69 Cf. F. D. Nichol, Ellen G. White and Her Critics (RHPA, 1951), p. 306-322; idem, “Amalgamation: Ellen G. White Staments Regarding Conditions at the Time of the Flood”, www.egwestate.org/issues/amalg.html.

70 Nichol, Ellen G. White and Her Critics, p. 306-322.

71 B. F. Snook e W. H. Brinkerhoff, The Visions of Mrs. E. G. White Not of God (Cedar Rapids, IA: Cedar Valley Times Book and Job Print, 1866), p. 9. Esse material deve ter sido lançado no início de 1866, porque Uriah Smith começou sua réplica na Advent Review and Sabbath Herald em 12 de junho de 1866. Em T7, 223, E. G. White afirma explicitamente a origem criacionista dos negros.

72 Uriah Smith, “The Visions – Objections Answered: Obj. 37”, RH, 31 de julho de 1866.

73 Uriah Smith, “Objections to the Visions”, RH, 12 de junho de 1866.

74 Cf. Ronald D. Graybill, E. G. White and Church Race relations (1970).

75 Delbert W. Baker, “In Search of Roots: Adventist African-Americans, Part 1, Exploring the history”, em Adventist Review, 4 de fevereiro de 1993. A declaração de Baker aqui se baseia nas conclusões de sua tese doutoral, “The Dynamics of Communicatio and Africa-American Progress in the Seventh-day Adventist Organization: A Historical Descriptive Analysis” (tese de doutorado, Howard University, 1993; Ann Arbor Mi: University Microfilms International, 1993).

76 Ver, por exemplo, Elizabeth Cary Agassiz, ed., cartas do Dr. S. G. Howe a Louis Agassiz, ports mouth, 3 e 10 de agosto de 1863, em Louis Agassiz: His Life and Correspondence  (cap. 20), on-line em www.gitengerg.org/dirs/etext04/agass10.txt; ver também Campbell, Negro-Mania: Being na Examination of the Falsely Assumed Equality of the Various Races of Men (Filadélfia: Campbell and Power, 1851), p. 11.

77 Havia uma vasta literatura defendendo esse ponto de vista no período em que Ellen White escreveu. Confira, por exemplo, Ariel [Buckner H. Payne], The Negro: What Is His Ethnological Status? 2ª ed. (Cincinnat: TheOroprietor, 1867), p. 31.

78 Veja um exemplo espetacular em Aideen O’Doherty, Sandra Ruf, Claire Mulligan, Victoria Hildreth, Mick L. Errington, San Cooke, Abdul Sesay, Sonie Modino, Lesley Vanes, Diana Hernandez, Jaqueline M. Linehan, Paul T. Sharpe, Sebastian Brandner, Timothy V. Bliss, Deborah J. Henderson, Dean Nizetic, Victor L. J.Tybulewicz e Elizabeth M. C. Fisher, “An  Aneuploid Mouse Strain Carring Human Chromosome 21 With Down Syndrome Phenoripes”, Science 309 (23 de setembro de 2005), p. 2033-2037.

79 Kennedy Institute of Ethics Journal 15, nº 2, p. 107-134. Confira também a decisão tomada no dia 5 de setembro de 2007 pela Autoridade em Fertilizações e Embriologia Humana acerca dos embriões híbridos, on-line em www.hfea.pv.uk/en/455.html. Acesso em 28 de fevereiro de 2014.

80 Confira uma lista completa das declarações de EGW sobre o assunto em “Ellen G. White Statements Concerning Secret Vice in Chronological Sequence” (1951; 65 p.).

81 Robert Weiss, “Understarding Compulsive Masturbation”, on-line em www.sexualrecovery.com/resources/articles/understarding-compulsive-masturbation.php.

82 William M. Struthers, Wired for Intimacy: How Pornography Hijacks the male Brain (Downers Grove, IL.: IVP Books, 2009), p. 169, 172; confira também Patrick J. Carnes, “Cybersex, Courtship, and Escalating Arousal: Factors in Addictive Sexual Desire”, Sexual Addiction and Compulsivity 8, nº 1 (2001), p. 45-78; Al Cooper, David L. Delmonico, Eric Griffin-Shelley e robin M. Mathy, “Online Sexual Activity: An Examination of Potentially Problematic Behaviors”, Sexual Addiction and Compulsivity 11, nº 3 (2004), p. 129-143; e G. Holstege, J. R. Georgiadis, A. M. Paans, L. C. Meiners, F. H. van der Graaf e A. A. Reinders, “Brain Activation During Human Male Ejaculation”, Journal of Neuroscience 23, nº 27 (8 de outubro de 2003), p. 9185-9193.

83 Alberta Mazat, That Friday in Eden: Sharing and Enhancing Sexuality in Marriage (PPPA, 1981), p. 146, 147.

84 Confira Struthers, “Saturated With Porn”, p. 19-39; e Michael Leahy, Porn Nation (Chicago: Northfield Publishing, 2008).

85  C. C. Pfeiffer, Zinc and Other Micronutrients (New Canaan, CT: Keats, 1978), p. 45.

86 D. F. Horrobin, ed., Zinc (St. Albans, VT.; Vitabooks, 1981), p. 8.

87 De acordo com os editors, Ellen White não leu “outras obras sobre o assunto” antes de terminar o livro (ApM, p. 34). Todavia, seus pensamentos espelham os das autoridades médicas da época.

88 Alguns dos médicos influentes da época que abordaram a masturbação foram: Sylvester A. Graham, A Lecture to Young Me non Chastity (Providence: Weesen and Cory, 1834); Edward H. Dixon, A Treatise on Diseases of the Sexual Organs (Nova York: Burgess, Stringer, and Co., 1845); e John H. Kellog, Palin Facts for Old and Young (Burlington, IA: I. F. Signer, 1882).

89 Confira uma comparação entre os ensinos de ellen White sobre a masturbação e os de seus contemporâneos em Eric Bahme, “Ellen G. White and the History of Self-Abuse” (artigo, Seventh-day Adventist Theological Seminary, AU, Berrien Springs, MI, 1987), p. 22, 23, CAR.

90 Leia sobre a preocupação existente no século 19 em relação à masturbação e os tipos de tratamento médico usados em Frederick M. Hodgers, “The Antimasturbation Crusade in Antebellum American Medicine”, em Journal of Sexual Medicine 2 (2005), p. 722-731; Phillip A. Gibbs, “Self-control and Male Sexuality in the Advice Literature of Nineteenth-Century America, 1830-1860”, Journal of American Culture 9 (1986),, p. 37-41; james Whorton, “The Solitary Vice: The superstition That Masturbation Could Cause Mental Illness”, Western Journal of Medicine 175 (julho de 2001), p. 66-68; Brian Strong, “Sex, Character, and Reform in America, 1830-1920”. (tese doutoral, Universidade de Stanford, 1972), p. 36, 37; Bahme, p. 8-13, 23.

91 Bahme, p. 22, 23.

92 Várias obras cristãs populares estão em harmonia com o conselho geral de Ellen White contra a masturbação. Ver, por exemplo, D. R.. Heimbach, True Sexual Morality (Wheaton, IL.; Crossway, 2004), p. 222, 223; Stephen Arterburn e Fred Stoeker, Every Man’s Batlle: Winning the War on Sexual Temptation One Victory at a Time (Colorado Springs, CO: Waterbrook Press, 2000), p. 112-114 [versão em português: A Batalho de Todo Homem, Mundo Cristão, 2004]; e Shannon Ethridge, Evey Woman’s Battle: Discovering God’s Plan for Sexual and Emotional Fulfillment (Colorado Springs,CO.: Waterbrook Press, 2003), p. 39-43 [versão em português: A Batalha de toda Mulher, Mundo Cristão, 2006].

93 G. E. Fraser, Diet, Life Expectancy, and Chronic Disease: Studies of Seventy-day Adventist and Other Vegetarians (Oxford University Press, 2003, p. viii, 47, 58.


FONTE: Artigo extraído da Enciclopédia Ellen G. White, Tatuí, SP: CPB, 2018, p. 239-266.