Teologia

sexta-feira, 25 de junho de 2021

NÃO TENHA MEDO


Bill Knott*

Não temos o controle sobre as tempestades da vida, mas podemos aprender a confiar que estamos a salvo com Deus em nosso barco

Quando éramos crianças, às vezes tínhamos a impressão de que controlávamos o mundo. Mantínhamos os dedos eretos diante dos nossos olhos e os membros queridos da nossa família desapareciam – mas só por um momento.

Nós ríamos, e a sala cheia de adultos parava de conversar para rir freneticamente conosco. Quando chorávamos, normalmente o mundo deixava de girar, pois os adultos se apressavam a nos abraçar, enxugar nossas lágrimas, nos confortar ou nos alimentar. Orávamos pelos gatinhos e cachorrinhos perdidos, e (quase sempre) eles voltavam para casa. Orávamos por proteção para os missionários que levavam o evangelho ao mundo, e eles voltavam com histórias que validavam nossas orações.

Pensávamos que havia uma conexão direta entre nossas ações e os acontecimentos à nossa volta. Quando éramos bons, o sol surgia por entre as nuvens. Quando estávamos aborrecidos, irados ou éramos indelicados e egoístas, as coisas só iam de mal a pior.

As bicicletas ou carros quebravam nas tardes de sexta-feira porque não tínhamos nos preparado adequadamente para o sábado. Amizades eram rompidas porque, de algum modo, tínhamos um pecado nunca confessado. No universo que conhecíamos, as boas coisas só aconteciam às pessoas que faziam escolhas corretas e sábias. As coisas ruins – terríveis, indescritíveis – esperavam por aqueles que viviam sem a lei. E porque, finalmente, aprendemos que “não existe um só justo, nem um sequer” – nem nós, nem eu –, questionávamos se o fogo que havia queimado o celeiro ou o acidente que quebrou um braço não seria um sinal enviado do Céu para nós, mostrando a perda de nossa inocência ou as nossas más escolhas.

Então somos afetados por acontecimentos tão cósmicos e amplamente escalonados que parece não haver nada em nós que possa provocá-los. Economias nacionais se endividam e as moedas são desvalorizadas. A corrupção domina onde a justiça deveria reinar e nossa bússola moral parece ficar invertida. Um terrorista ataca uma indústria petrolífera a milhares de quilômetros de onde moramos e, de repente, temos dificuldade para encher o tanque de combustível.

Os incêndios destroem matas e derretem os icebergs. Furacões e tufões rodopiam pelos vastos oceanos, visando, ao que parece, apenas aos lugares em que a miséria será ainda maior. Os corais morrem; espécies desaparecem; e as cidades costeiras veem suas torres cintilantes sucumbirem à elevação dos mares.

Uma grande pandemia varre o globo, levando com ela os corretos e os descuidados, os fiéis e os ateus. Nem a idade, nem a saúde, nem a raça, nem a riqueza nos protegem de um inimigo minúsculo que não podemos ver. E a cada morte pela Covid-19 de alguém que conhecemos, de quem amamos, levantamos nossos olhos chorosos para o céu e murmuramos em nossa dor: “Não Te importas que morramos?”

As catástrofes da vida cotidiana no século 21 são tão reais que chegamos à conclusão de que são causadas por forças maiores e mais escuras do que qualquer coisa que fizemos, ou escolhas que tenhamos feito. “Porque a nossa luta não é contra o sangue e a carne, mas contra os principados e as potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestiais” (Ef 6:12). Como os discípulos exaustos, agarrados a um barco que naufragava, esperamos impacientemente o resgate: “Até quando, Senhor, Te esquecerás de mim? Será para sempre? Até quando esconderás de mim Teu rosto” (Sl 13:1).

E ali, deitado no convés do nosso barco, está Aquele no qual fomos ensinados a confiar, dormindo o sono imperturbável da inocência e da fé.

É o suficiente para fazer homens e mulheres adultos rangerem os dentes, pois temos como regra o que chamamos de “fé”: a compreensão de que todos são necessários em uma crise. “Todas as mãos no convés” é o lema da marinha quando as calamidades requerem todos os recursos e todos os marinheiros possíveis. Murmuramos: Jesus poderia estar, no mínimo, nos ajudando a retirar a água do barco. Poderia estar manejando os remos, ou arrastando o mastro quebrado. Pelo fato de estarmos enfrentando uma emergência em nossa vida, concluímos que Ele também deve enfrentar na Dele.

Mas Ele ainda está dormindo – na verdade, está descansando – como que num vácuo, não do barco, mas nas mãos do Seu Pai. E enquanto Ele sonha com os milhares que alimentará, os corpos que irá curar e os olhos aos quais devolverá a visão, sentimos que nosso desespero e pânico se transformam em uma indignação cáustica. Então expressamos em alto e bom som o que antes só ousávamos pensar: “Não Te importas que morramos?”

“Jesus, é o meu emprego que estou perdendo... Como vou alimentar minha família?” “Foi o meu bairro que o tufão destruiu. Como vamos reconstruí-lo?” “É minha esposa, meu marido – que o Senhor me deu – que agora está no hospital e mal consegue respirar, nem consegue comunicar-se!”

Essas são questões nascidas do medo, mas parecem terrivelmente urgentes. Nesse momento, a fé parece semelhante a “Deus ajuda quem ajuda a si mesmo” (e outras ideias não bíblicas). Insistimos que as respostas às nossas crises dependem dos recursos que temos à mão – estabilizando um barco prestes a virar, em águas revoltas, mantendo os remos presos.

Não conseguimos imaginar Alguém que interrompe Seu descanso, levanta-Se em um barco que naufraga e ordena ao vento e às ondas que se aquietem. Não conseguimos enxergar que Aquele que dorme inocentemente tem em Suas mãos a vasta onipotência. Sua resposta está além da nossa náufraga imaginação, pois Ele controla inclusive as forças que consideramos as mais mortais. “As ondas e os ventos ainda reconhecem Sua voz que os governa mesmo Ele vivendo entre nós” (Katharina von Schlegel, “Be Still, My Soul” (Review and Herald, 1985, p. 461). Ele sabe que, terrível como possa ser, essa tempestade não é a maior que cairá sobre nossa jornada.

A calma criada por Ele e a suave ondulação das ondas sobre o barco subitamente estável são tão surpreendentes quanto a tempestade que veio dos desfiladeiros. A dor e a tensão dos músculos e mentes retesados diminuem gradualmente, na medida em que somos invadidos por um novo e justo medo – ou melhor, temor – que outro discípulo entorpecido uma vez confessou no fundo de outro barco: “Senhor, afaste-Se de mim, porque sou pecador” (Lc 5:8).

Sentimos, novamente, nossa impotência – não como a causa de tudo que aconteceu, nem daqueles cujo comportamento gerou a grande tempestade, mas do quanto a graça nos sustenta, mesmo nas emergências, especialmente nelas. Aquele que esteve no fundo encharcado de um barco com 12 homens desesperados e fragilizados agora divide o fundo do seu barco enquanto você olha por cima dos barris de pólvora para um mundo que ameaça com mais doenças e tempestades.

Ainda se perderão empregos e os animais de estimação irão desaparecer. A reconstrução de casas e comunidades será difícil e lenta, e os relacionamentos desfeitos só serão restaurados no compasso da humildade e do amor. Ainda vamos sofrer quando nossos queridos se forem, ou afundarem nos lugares em que o diálogo não consegue chegar. Mas tivemos a visão vital de um Senhor que nunca abandona um barco naufragando, nem vira Seu rosto quando enfrentamos as calamidades. Contra as ondas revoltas ou nuvens cinzentas vemos a silhueta Daquele que Se comprometeu a levar-nos até Seu porto eterno. Agora temos a certeza de que nada “poderá nos separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8:39) – nem as altas tempestades, nem os mares profundos, nem as crises de hoje, nem as que virão; nem vida encurtada, nem morte atrasada; nem qualquer outra coisa em toda a criação.

“Por isso não desanimamos. Pelo contrário, mesmo que o nosso exterior se desgaste, o nosso ser interior se renova dia a dia. Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um eterno peso de glória, acima de toda comparação na medida em que não olhamos para as coisas que se veem, mas para as que não se veem. Porque as coisas que se veem são temporais, mas as que não se veem são eternas” (2Co 4:16-18).

 

*Bill Knott é editor-chefe da revista Adventist World

 FONTE: Revista Adventista, fevereiro 2021, p. 16-18.


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