Teologia

sexta-feira, 16 de maio de 2014

DANDO UMA “CHAVE” NOS CHAVÕES



Azenilto G. Brito

       Quando tratamos sobre os temas do sábado e da lei com membros de outras denominações cristãs, especialmente da linha protestante-evangélica, é comum ouvirmos certos chavões já bem conhecidos nossos. Este material objetiva exatamente levantar algumas das frases anti-sabáticas típicas repetidas por esse pessoal e como podemos ajudá-los a melhor compreender nosso entendimento sobre certos textos bíblicos. Em sua parte inicial o material abaixo inspira-se no livro do Pr. Arnaldo B. Christianini, Subtilezas do Erro.

 
* Segundo Cristo, a lei agora resume-se somente em “amar a Deus” e “amar ao próximo”; assim não temos que preocupar-nos com qualquer outro código do Velho Testamento.

Ponderando: Os que levantam esta objeção imaginam às vezes que quando Jesus apresentou a chamada “lei áurea” Ele estava tratando de algo inteiramente revolucionário, um conceito totalmente inédito, quando na verdade Ele só repete o que Moisés já havia dito, exatamente nesses termos (comparar Mat. 22:36-40 com Lev. 19:18 e Deu. 6:5).
      
As leis divinas sempre se dividiram em “amor a Deus” e “amor ao próximo”, como confirma a Confissão de Fé de Westminster, tanto que quando um líder judaico perguntou a Cristo, para testá-Lo, qual era o grande mandamento da lei (decerto esperando acusá-Lo de contradizer as tradições nacionais de Israel), ante essa sua resposta terminou foi elogiando-O. Ele percebeu que Jesus em nada estava contradizendo o que sempre havia aprendido como sendo a base legal de seu povo (ver Mar. 12:28-34)

      
Cristo acentuava algo que havia sido perdido de vista por Seus ouvintes, dada a falsa instrução sob que viviam sujeitos, mas por isso mesmo Ele declarou a Seus ouvintes que “se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo algum entrareis no reino dos céus” (Mat. 5:20).
 
* Jesus cumpriu a lei por nós, assim não mais a temos que cumprir (Mat. 5:19, 20).

 
Ponderando: A maneira como alguns interpretam tal verso coloca a Jesus em situação difícil, dizendo e desdizendo-Se logo em seguida. Chegam a ser cínicos quando falam em “Ele não aboliu a lei,  mas cumpriu-a para não termos que cumprir nada da lei”. Ou seja, utilizam a palavra “cumprir” exatamente com o sentido de “abolir”, colocando claramente a Cristo em contradição consigo mesmo: “não vim para abolir. Vim para . . . abolir”. . .

      
Contudo, no contexto desta passagem a ênfase está em ser “sal da Terra”, “luz do mundo” para que os homens vejam nossas boas obras e glorifiquem ao Pai que está no céu (vs. 16). Ademais, no vs. 19 e 20 Ele também recomenda a mais estrita observância dos mandamentos a ponto de superar a obediência hipócrita de seus líderes, linguagem que não faria o mínimo sentido caso o que Ele quisesse enfatizar fosse o contrário—a isenção dos cristãos em obedecer aquela lei que Ele não veio abolir, mas dar-lhe cumprimento, ou seja—corresponder a suas normas em completa e perfeita obediência.


É verdade que Ele também “cumpriu” a parte cerimonial, prefigurativa, da lei que trata de cerimônias e rituais; então pode-se dizer que tal texto tem um sentido duplo. Mas é importante também acentuar que grandes autores cristãos ao longo dos tempos sempre entenderam esta passagem no sentido de que a lei é para ser obedecida pelos cristãos, e não o contrário disso. Entre esses muitos autores poderíamos citar um mais antigo e um moderno, para demonstrar a abrangência histórica em tal interpretação. Escreveu Moody, o notável reavivalista do século XIX:
      
“Pensam alguns que já superamos os Dez Mandamentos. Que disse Cristo? ‘Não penseis que vim destruir a lei . . . não vim ab-rogar. . .; até que o céu e a Terra passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei, sem que tudo seja cumprido’. Os mandamentos de Deus dados a Moisés no monte Horebe são hoje tão obrigatórios como o eram quando foram proclamados aos ouvidos do povo. Diziam os judeus que a lei não fora dada na Palestina (que pertencia a Israel) mas no deserto, porque a lei se destinava a todas as nações”. (D. L. Moody, Weighed and Wanting, pág. 14).

Adicionalmente, vejamos o que disse o Dr. James D. Kennedy, conhecido evangelista presbiteriano dos EUA que mantém um grande ministério evangelístico por rádio e TV nos EUA e é autor de várias obras, professor de seminário teológico e líder de organização de grande alcance para preparo de pastores-evangelistas, o Coral Ridge Ministries, de Fort Laudadale, Fla. São de seu sermão “O Dom do Descanso” as seguintes palavras:

“(...) a Escritura muito claramente ensina que os Mandamentos permanecem em vigor hoje e foram fortalecidos por Cristo que declarou que não só os atos, mas o pensamento e a palavra são parte daquilo que Deus nos concedeu. Ele claramente afirma que se nós O amamos, guardaremos os Seus mandamentos. . . . Mesmo no Livro do Apocalipse, muito depois, lemos que ‘aqui está a paciência dos santos, os que guardam os mandamentos de Deus e têm a fé de Jesus’. No exato último capítulo da Bíblia lemos sobre aqueles que guardam os mandamentos de Deus e têm direito à árvore da vida”.

E, para finalizar, indaguemos se quando Cristo disse a João Batista, “convém que se cumpra toda a justiça” (Mat. 3:15), quando Se submetia ao rito do batismo, Ele o teria “cumprido” para que hoje os cristãos não mais tenham que cumprir tal cerimônia?
 
 
 * A lei e os profetas “duraram até João” (Luc. 16:16).
      
Ponderando: Esse argumento denota outro exemplo de incorreta exegese bíblica, porque depois de João continuou a haver tanto lei (Luc. 19:17; 23:56) quanto profetas (Atos 11:27; 13:1, Efé 4: 11, etc.).
      

O que o texto diz pode ser entendido à luz de seu contexto imediato, pois o verso seguinte já lança por terra a noção pretendida: “é mais fácil passar o Céu e a Terra do que cair um til da lei”. Está claro que Jesus estende a vigência da lei além da existência do mundo, ou seja, de milênios depois de João.
 
      
A palavra “duraram,” grifada no texto, não se encontra no original grego. Foi acréscimo do tradutor para complementar o sentido. E a passagem paralela de Mat. 11:13 diz mais claramente: “Porque todos os profetas e a lei PROFETIZARAM até João”.

      
O texto (Luc. 16:16) significa: “A lei e os profetas (os ensinos de Deus no Velho Testamento) foram pregados até João, indicando o tempo em que o reino de Deus seria anunciado”. Com João iniciou-se o cumprimento deste tempo. De fato, a nova era se iniciava com a pregação do Reino. O próprio João Batista iniciou o seu ministério advertindo solenemente: “. . . é chegado o reino dos Céus”. Mat. 3:3.

      
Antes que João viesse, os ensinadores da parte de Deus ensinavam a lei e os profetas—as Escrituras—mas não compreendiam tudo o que significavam; vindo, porém, João, pregou-lhes o cumprimento de muitas destas profecias no advento do Messias. Aquele que era da linhagem real de Davi, era nascido, a verdade para aquele tempo já estava sendo proclamada.

      
As profecias foram “ensinadas” até João; desde então, muitas delas, aquelas concernentes à primeira vinda de Jesus, deixaram de ser profecias para serem fatos históricos. Jesus também pregava “o tempo está cumprido e o Reino de Deus está próximo”. Mar. 1:15.

      
“Até” a pregação do Reino de Deus por João, os escritos sagrados do Velho Testamento constituíam o primeiro guia do homem para a salvação. (Veja Rom. 3:12). A palavra “até” (no grego mechri) nem de leve autoriza a idéia de que os escritos da lei e dos profetas tenham perdido o seu valor mas significa que até o ministério de João, estes escritos eram tudo o que os homens tinham em matéria de revelação. O evangelho veio, não para abolir as escrituras antigas, mas para suplementá-las, reforçá-las e confirmá-las.

      
O evangelho veio, não para ser colocado em lugar do Velho Testamento, mas em acréscimo a ele. Tal é o sentido no qual mechri é usado, como também em Mat. 28:15 e Rom. 5:14. “Desde então”, isto é, desde a proclamação do reino de Deus por João Batista, luz adicional e supletiva tem estado a brilhar sobre a vereda da salvação, e não havia escusa para os fariseus “que eram avarentos” (v. 14)

 
* Paulo fala constantemente de que a lei teve apenas validade até Cristo, a posteridade de Abraão (Gál. 3:19).

Ponderando: Diz o texto: “Logo, para que é a lei? Foi ordenada por causa das transgressões, até que viesse a posteridade a quem a promessa tinha sido feita; e foi posta pelos anjos na mão de um Medianeiro”. Eis a conclusão simplista de alguns: “Se foi até Jesus, já não é mais depois dEle”.

      
Ledo engano! Não há aí a mais leve alusão à ab-rogação do Decálogo. Nem que ele tenha cessado em Jesus. O sentido é apresentar Cristo—posteridade de Abraão—co­mo Aquele em quem se deve refugiar o pecador, o transgressor da lei divina. Diz que a função da lei é apontar as transgressões, até que surgiu Cristo e nos livrou da maldição da lei—a morte.

      
Um autorizado comentador afirma, com referência a este passo:

“Abraão teve posteridades seguidas; mas a benção veio através de uma posteridade—Cristo—plena e unicamente pela promessa. Por que, então, foi a lei dada? Para que o pecado pudesse ser visto em toda a sua hediondez e malignidade, de modo que o homem pudesse fugir da ira e refugiar-se em Cristo” (M. C. Wilcox, Questions Answered, pág. 101).

E este sentido é confirmado por expositores batistas da maior autoridade que assim anotam o texto:

“Compare-se com Rom. 5:20: ‘Veio a lei para que a ofensa abundasse,’ que é a sentido de Ram. 5:13 e 7:13. E compare-se ainda com Atos 7:53” (W. K. Conybery and J. J. Howson, The Life and Epistles of Saint Paul, edição completa de 1899, pág. 530).

Como se vê, nada há neste texto que autorize a crer que a lei tenha cessado de vigorar com a vinda de Cristo. Tal interpretação é atrevida, forçada e tendenciosa.
 
* Paulo disse que “o fim da lei é Cristo” (Rom. 10:4).

Ponderando: Este é outro dos textos mal compreendidos, nas palavras paulinas: “o fim da lei é Cristo para justiça de todo aquele que crê”. E o raciocínio de muitos é que  “se é o fim não é continuação”. Crasso engano. Ainda que o texto se refira ao Decálogo, não significa que Cristo tenha posto um fim àquela lei. Afinal, a palavra “fim” nem sempre significa terminação. E no texto em lide não tem este sentido. Vem do grego telos e significa também “propósito”, “alvo”, “objetivo”, “consequência”, “resultado”, etc. Muito frequentemente é assim empregada. Por exemplo:
 
1 Tim. 1:5 — “ora o fim do mandamento é a caridade”.
 
1 Ped. 1:9 — “alcançando o fim da vossa fé, a salvação da alma”. Ver também Tia. 5:11. Ora, se, nesses textos, “fim” pode significar “cessação”. Absurdo!

Seria inadmissível que, quando alcançamos a Jesus, possamos lançar fora a lei que é norma de conduta dada por Deus, sobretudo diante do que foi profetizado sobre o Cristo em Mat. 1:21, “Ele salvará o Seu povo dos seus pecados”.
 
Cristo, na verdade, é o FIM da lei, é o objetivo dela. É o fim, não para nos livrar da obediência da lei, mas—e o próprio texto elucida—”para a justiça de todo aquele que crê”. Justiça, no melhor sentido teológico, é o perfeito cumprimento da lei que Cristo nos imputa e nos livra da condenação. Portanto, a lei susbsite. A lei conduz-nos a Cristo, porque Nele encontramos a justiça que a lei exige”(ver Rom. 8:3, 4). A justiça que temos através de Cristo é declarada perfeita pela lei. O homem que, por Cristo se torna justo, sem dúvida guarda a lei justa. Não a vive transgredindo.

O comentador metodista Adam Clarke, considerando Rom. 10:4, entende que se refira à lei cerimonial, mas afirma que a palavra “fim” certamente significa “objetivo”.

Vê o leitor como se desfaz o esquema pré-fabricado da ab-rogação da lei. Analisaremos todos os “argumentos” antinomistas apresentados, com a segurança que a verdade nos assegura.

* Não precisamos guardar o sábado da lei mosaica porque estamos agora na “aliança da graça”. O Novo Concerto é baseado em “superiores promessas” que não preveem obediência a códigos externos, pois a lei de Cristo está é no coração (Heb. 8:6-10).

Ponderando: Primeiramente, por que só se refere ao sábado como da “lei judaica”, mas nunca qualquer dos demais mandamentos do mesmo código, como o “honra a teu pai e a tua mãe”, “não matarás”, “não cobiçarás”, “não dirás testemunho contra o teu próximo”?
 
Dentro dessa linha de pensamento, quando perguntamos a esses cristãos como se salvavam os pecadores ao tempo do Velho Testamento chegam muitos a dizer que então eram salvos pela lei, mas agora somos todos salvos pela graça. Como, porém, entendem que a “dispensação da graça” ocorre da cruz para cá, então podemos mostrar-lhes o absurdo de tal raciocínio: ninguém jamais conseguiu obter méritos suficientes para preencher todos os requisitos da lei de Deus que é “perfeita” (Sal. 19:7). A salvação sempre, em todos os tempos foi ela graça, desde que Deus revelou Sua graciosa disposição de salvar o homem pecador no Éden (Gên. 3:15). Nunca ninguém foi salvo pela guarda da lei, portanto essa declaração é inteiramente destituída de fundamento.
 
E a promessa do novo concerto, em lugar de dar razão aos que querem escapulir-se do Decálogo todo, ou de apenas UM de seus mandamentos, apenas confirma que a lei de Deus é escrita nos corações e mentes dos que aceitam os seus termos. Para desconsolo dos semi-antinomistas, em lugar de dizer que a lei escrita nos corações é uma “lei de Cristo”, ou “lei da fé”, ou “lei da graça”, ou “lei do amor”, o que diz é tratar-se das “Minhas leis [de Deus]” E o sábado tem TUDO A VER com a Nova Aliança, pois no Novo Concerto, firmado sobre “superiores promessas”, o que é dito é que Deus escreve as “Minhas leis” [de Deus] nos corações e mentes dos que aceitam os termos desse Novo Concerto, anteriormente oferecido à própria nação de Israel. Daí as citações de Ezequiel 36:26, 27 e Jeremias 31:31-33.

Israel falhou repetidamente a despeito de Deus sempre apelar-lhes a um retorno a Ele, para uma renovação da aliança oferecida primeiro a seus pais. Agora, Deus promete que faria um NOVO ACORDO, com base em “superiores promessas”, mas apesar de quererem torcer o sentido dessa expressão, para desconsolo dos anti-sabatistas, as “superiores promessas” não são de que agora estão livres do mandamento do sábado (embora não de qualquer dos outros NOVE do Decálogo), e sim de que Deus mesmo escreverá as Suas leis nos corações e mentes dos Seus filhos.
 
Paulo acentua em Rom. 8:3, 4: “Porquanto o que era impossível à lei, visto que se achava fraca pela carne, Deus enviando o seu próprio Filho em semelhança da carne do pecado, e por causa do pecado, na carne condenou o pecado, para que a justa exigência da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito.
 
Paulo NÃO DIZ que passou o “tempo da velha lei”, no seus aspectos morais (o que passou da lei é tudo quanto prefigurava o Messias prometido, os rituais e cerimônias da parte ritual da lei), pois ele mesmo disse ser esta lei santa, justa, boa, prazerosa e digna de ter em mente (Rom. 7:12, 14, 22, 25; 1 Tim. 1:8) e CONFIRMADA (não anulada) pela fé (Rom. 3:31). O que ele diz é que quem é guiado pelo Espírito, sua vida demonstra “a justa exigência da lei”, não porque esta foi anulada, ou superada, mas exatamente por causa da promessa do Novo Concerto, em que tal lei é ESCRITA pelo Espírito no coração e mente desse crente que assim demonstra a vida no Espírito.

 
* Paulo diz em 2a. Coríntios 3 que o cristão não está mais sob o “ministério da morte” falando claramente que isso tem que ver com a lei das “tábuas de pedra”; logo não há dúvida que ele trata dos 10 Mandamentos como algo superado para o cristão, agora tendo apenas a “lei de Cristo” no lugar.

Ponderando: Paulo trata no referido capítulo dos que conservavam a lei como mera letra fria sobre as pedras e que assim viviam sob um “ministério de morte”. O problema não estava com a lei, e sim com as pessoas que a consideravam de modo errado. O segredo era acatarem exatamente os princípios do Novo Concerto pelo qual Deus escreve nos corações e mentes o que é chamado de MINHAS LEIS (de Deus), aquelas mesmas que valiam ao tempo de Jeremias, pois o texto de Hebreus 8:6-10 é mera reprodução de Jeremias 31:31-33. São as mesmas leis do mesmo concerto oferecido ANTES ao Israel nacional. Claro que isso não incluiria a parte prefigurativa, cerimonial, pois o autor de Hebreus e os seus leitores primários sabiam perfeitamente que àquelas alturas já o véu do Templo se havia rasgado de alto a baixo, e tudo quanto era prefigurativo do supremo sacrifício de Cristo havia cessado por ter cumprido a sua função. Mas não as normas morais, como “não matarás”, “não furtarás”, “não adulterarás”, “honra a teu pai e a tua mãe” e o mandamento do sábado, porque este foi estabelecido “por causa do homem”, como disse Jesus.
 
2a. Coríntios 3 até apresenta um detalhe interessante que muitos passam por alto: quando Paulo se vale da metáfora tábuas de pedra/tábuas de carne, ele certamente pensa em termos de TODO O CONTEÚDO das tábuas de pedra transferindo-se para as tábuas de carne, senão o seu uso da metáfora não faria sentido, e ele empregaria outro tipo de linguagem. . .
 

 * Quando do primeiro concílio de Jerusalém, descrito em Atos 15, os judaizantes, que queriam influencer os cristãos a seguirem a “lei de Moisés”, foram desacreditados,  portanto  não há mais que preocupar-se com a guarda da lei e, especialmente, do sábado.

Ponderando: Primeiramente, o vs. 5 fala em “lei de Moisés”, o que abrange muito mais do que o sábado, e/ou circuncisão. O “não matarás”, “não furtarás”, “honra a teu pai e a tua mãe” também fazem parte dessa “lei de Moisés”, logo, chega a ser desonesto tomar a expressão para discriminar contra somente um mandamento. Claramente o uso da expressão aí  refere-se àquilo que se acentua no capítulo como sendo fonte de preocupação daquela comunidade—a circuncisão e outras regras da lei cerimonial que, de fato, não eram mais obrigatórias aos cristãos.
 
Sobre o uso do termo “judaizante” ligado ao sábado, há um fato interessante: lendo-se atentamente Atos 15 percebe-se que a questão do sábado NEM CONSTOU DA AGENDA de tal reunião!

Os que alegam que os judaizantes eram promotores do sábado, daí condenados pelos apóstolos, estão redondamente enganados. Basta ler os vs. 20 e 29 para notar a AUSÊNCIA TOTAL de qualquer menção ao sábado entre as recomendações de coisas de que os cristãos deviam ABSTER-SE. Em lugar de termos ali uma regra de coisas a serem cumpridas, o que se dá é exatamente o contrário!
 
No Concílio de Jerusalém se estabeleceram coisas que os cristãos não deviam praticar, e não uma série de novas regras a seguir. Não se tratava de um “tetrálogo” a substituir o Decálogo, como muitos erroneamente interpretam. E entre tais coisas NÃO APARECE O SÁBADO. Só isso já liquidaria a questão, pois em lugar desse capítulo ser uma condenação ao mandamento do sábado, é uma magnífica CONFIRMAÇÃO de que os cristãos primitivos não tinham dúvidas quanto à validade e vigência de tal princípio.

Lendo-se Atos 21:20 se saberá que os primeiros cristãos eram de etnia judaica e “zelosos da lei”. Eles jamais aceitariam levianamente qualquer mudança nas regras do dia de repouso, já que o sábado era tremendamente arraigado em sua cultura religiosa, e mesmo secular. Qualquer medida nesse sentido causaria tremendos debates, como se deu com a circuncisão, também princípio muito arraigado em suas práticas, mas não se vê tal debate sobre o sábado. Era consenso, era normal, era regular. Todos o observavam e não se carecia de recomendar coisa alguma a respeito (tal como nada se mencionou quanto ao mandamento proibindo de falar o nome de Deus em vão).
 
E há provas históricas sobre isso, como o documento do historiador palestino Epifânio, falando dos cristãos “nazarenos” que até o seu tempo, meados do século IV AD, tinham por costume a guarda do sábado, não do domingo. Esses eram originários da igreja-mãe de Jerusalém, instalados na região de Pela, ao norte da capital judaica ao fugirem durante o período anterior à destruição da cidade pelas tropas do general romano Tito, em 70 AD.
 
Mais uma prova comprobatória da observância do sábado pelos crentes primitivos temos no vs. 21 de Atos 15, onde é dito que todos os sábados a lei (Torah) era lida nas sinagogas. Os cristãos primitivos regularmente iam ouvir a leitura das Escrituras nas sinagogas, nos dias de sábado porque não dispunham, como nós hoje, de exemplares múltiplos da Bíblia, pois até grátis se obtém para instalar no computador, pela Internet. Qualquer coletânea de rolos da lei era uma fortuna com que só congregações inteiras poderiam arcar.

Se esses cristãos fossem às sinagogas outro dia qualquer, ou encontrariam as portas fechadas, ou não haveria leitura das Escrituras. Isso se deu até o fim do primeiro século, quando pelo ano 95 AD os judeus se reuniram numa assembléia, conhecida como concílio de Jamnia, e PROIBIRAM a presença de cristãos no seu meio? Lê-se em Atos 9:2 como Paulo tinha ordem para perseguir cristãos encontrados NAS SINAGOGAS.
 
 * Guardar o sábado é situar-se “debaixo da lei”; devemos é manter-nos “debaixo da graça”.

Ponderando: Esta objeção é interessante porque, mais uma vez, só se aplica isso discriminatoriamente ao mandamento do sábado, não a qualquer outro do Decálogo que os crentes entendem tranquilamente deverem ser respeitados. Contudo, não consideram que estariam “debaixo da lei” por os respeitarem. Por que essa visão tão claramente discriminatória?
 
Apliquemos um raciocínio simples para notar a incoerência de tal objeção: Se os observadores do sábado estão “debaixo da lei” por observarem o sábado, além dos demais nove do Decálogo, então assim estariam numa proporção de 100%. Mas como os demais crentes que não aceitam a validade do sábado admitem, porém, a validade de todos os demais nove mandamentos do Decálogo, estariam também “debaixo da lei” numa proporção de 90%! Isto é, termina que a situação deles não é tão mais favorável.

Aproveitando o raciocínio matemático, alega-se que quem guarda o sábado vê-se obrigado a cumprir 613 regras do judaísmo. Uma vez mais temos idêntica situação: se é assim, os que não aceitam o sábado mas admitem que devem respeitar os demais nove mandamentos, teriam obrigação de cumprir 90% das tais regras judaicas, o que nos aponta ao número de 551,7 preceitos!

Também nos lembremos de Gálatas 4:4, onde Paulo diz que Cristo foi nascido “debaixo da lei”. Como isso o Salvador estaria condenado desde o nascimento?
 
O fato é que Paulo usa essa expressão em diferentes sentidos. Em Gál. 5:18, por exemplo, pode-se ver o contraste dos que são “guiados pelo Espírito” e que, consequentemente, não estão “debaixo da lei”, e os que praticam uma série de pecados que ele enumera nos vs. 19-21, claramente referindo-se a esses que estão “debaixo da lei”, não aos que andam segundo o Espírito. Em Romanos 6:14, um texto muito empregado pelos que se valem desse chavão do “debaixo da lei”, o contexto fala: “Por que o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça”.
 
É óbvio que Paulo não diz que temos que negligenciar a fiel obediência à lei, que ele mesmo chamou de santa, justa, boa, espiritual, prazenteira e que buscava tê-la em sua mente (Rom. 7:12, 14, 22, 25), além de ter dito antes que a fé não anulou a lei, e sim, pelo contrário, a confirmou (Rom. 3:31). É típico de Paulo usar “jogos de palavras”, como para a própria palavra “lei” em Romanos 7. Ele emprega o termo para falar tanto da “lei de Deus” quanto da “lei” de sua mente e da “lei do pecado e da morte”, contrastando ainda com a “lei do espírito de vida”. São usos diferenciados para o termo “lei”, quando também fala até  em “loucura” do homem em contraste com a “loucura de Deus” (Rom. 1:18-25).

Assim, estar “debaixo da lei” pode significar estar sob a jurisdição da lei no seu todo (aspectos morais e cerimoniais), como no caso de Cristo (Gál. 4:4), ou “jurisdição” da lei no que aponta o pecado (Rom. 6:14). Estar “debaixo da graça” ou “debaixo da lei de Cristo” não tem nada a ver com licença para desrespeitar algum mandamento da lei divina, pois isso não faria o menor sentido. Significa estar sob a constrastante “jurisdição” ou proteção da graça divina, que não condena ninguém. Tanto que o mesmo Paulo comenta em Romanos 8: 6-8: “Porque a inclinação da carne é morte; mas a inclinação do Espírito é vida e paz. Porquanto a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem em verdade o pode ser; e os que estão na carne não podem agradar a Deus”.

Longe de ensinar a isenção de respeito à lei pelos que vivem segundo a “inclinação do Espírito”, Paulo indica que estes vão é fugir da “inclinação da carne”, que é o pecado--que  não se sujeita à  lei de Deus. Aqui se encaixa como um luva dois outros textos bíblicos: Romanos 8:3 e 4, falando que quem é guiado pelo Espírito comprova-o, não por dispensar a obediência à lei divina, mas revelando “a justa exigência da lei” em sua vida. Afinal, a “inclinação da carne” é o pecado, e pecado é definido biblicamente como “transgressão da lei” (1 João 3:4).

Como disse Lutero comentando Rom. 6:14:
 
 
       “‘Ser sem lei’ não é o mesmo que não ter lei alguma e que se possa fazer o que apraz a cada um, senão que ‘estar debaixo da lei’ é quando, sem a graça, lidamos com as obras da lei. Então, com certeza, o pecado impera através da lei, uma vez que ninguém por natureza é afeito à lei, e isto é um grande pecado. A graça, porém, nos torna a lei agradável de sorte que não há mais pecado e a lei não está contra nós, mas em harmonia conosco. Esta é a verdadeira liberdade do pecado e da lei, da qual fala [Paulo] até o final deste capítulo. É uma liberdade de fazer apenas o bem com vontade e de viver corretamente sem a coação da lei. Por isso tal liberdade é uma liberdade espiritual, que não anula a lei, e sim oferece aquilo que é exigido pela lei: vontade e amor, com o que a lei é aplacada e não mais fica a incitar e exigir. – Martinho Lutero, Prefácio à Epístola aos Romanos.

* Quem guarda o sábado deve cumprir tudo o que consta do livro da lei, e será "maldito" (Gál. 3:10).

O raciocínio desta objeção é semelhante ao que tratamos na última, acima. Se temos que seguir TUDO quanto está no livro da lei por guardarmos o sábado, então os que não observam o sábado, mas admitem que devem cumprir os demais NOVE do Decálogo se verão obrigados a seguir, não TUDO, mas 90% do que se acha no livro da lei. Termina que não é muita diferença também (. . .).
 
O que essa gente não entende é que Paulo condenava não era a lei, que considerava santa, justa, boa, prazenteira, digna de ter em mente e confirmada, não anulada, pela fé  (ver Romanos 7:12, 14, 22, 25; 3:31), mas o seu uso “ilegítimo” (1 Tim. 4:8), atitude que ele deplora ter sido a prática de sua própria nação de Israel (ver Rom. 9:30-32).

* Todos os mandamentos do Decálogo são repetidos no Novo Testamento, menos o do sábado.
 
 
Os que fazem essa alegação apresentam uma listinha com os mandamentos enumerados por passagens neotestamentárias, menos o 4º. (do sábado). Mas quem se detiver para examinar a tal listinha verá que, como se diz popularmente, é pura “marmelada”. Em primeiro lugar, não constam claramente os termos do 3º. mandamento, apenas uma referência indireta ao mesmo (de Mat. 5:34, 35: “de modo algum jureis . . . nem pelo céu . . . nem pela terra”).

Como também não consta nada específico de não se dever fabricar imagens de esculturas. Apenas há referências indiretas, como a condenação genérica a ídolos (ver Atos 15:20, I João 5:21. 2 Coríntios 6:16). Com isso um católico pode alegar que tais passagens não abrangem as imagens dos santos, só da Divindade, e eles estariam cumprindo o preceito, pois realmente não cultuam imagens de Deus.  De fato, se os Dez Mandamentos foram abolidos na cruz, como provar que a mera confecção de imagens é errada, como estipulado no 2º. mandamento—“Não farás para ti imagens de escultura. . .”?

Seja como for, se esses “apologistas cristãos” se sentem no direito de fazer “referências indiretas” a  mandamentos do Decálogo, nada mais justo do que mostrar referências mais do que indiretas do 4º. mandamento no Novo Testamento:

* Jesus declarou que “o sábado foi feito por causa do homem”, claramente indicando a Criação. O texto indica que a palavra para “homem” é a mesma empregada para quando Cristo referiu-se ao casamento,  originário do Éden, quando o homem “deixa o seu pai e a sua mãe e une-se a sua mulher” (Mat. 19:5). Ora, casamento não é coisa só para os judeus. E citar a 2a. parte do verso, “não o homem por causa do sábado” não contradiz a primeira parte, sobretudo quando se interpreta tais palavras segundo a imaginação de anti-sabatistas (de que o sábado era só para judeus). Não dá certo porque não se poderia dizer, “e não o homem judaico por causa do sábado”. O “homem judaico” não foi feito, apenas o “homem”. O fato de se tornarem judaicos, babilônicos, egípcios é coisa bem posterior. . .

* O testemunho de Lucas 30 anos após a crucifixão, de que as santas mulheres seguidoras de Cristo “no sábado descansaram, segundo o mandamento” (Luc. 23:56). Após três décadas, para Lucas a guarda do sábado do sétimo dia era “segundo o mandamento”. Ele nada diz de que fosse mandamento de alguma “lei antiga”, “abolida”, ou coisa tal.

* A declaração do autor de Hebreus (cap. 4, vs. 9) de que resta um descanso sabático para o povo de Deus (no grego, sabbatismós, em contraste com todas as demais referências a “descanso” no capítulo, para as quais usa o termo katapausín--vs. 3, 4, 5, 8').  Esta diferenciação de termos é muito significativa. Sem falar no fato de que o autor bíblico, escrevendo a cristãos hebreus, não ilustra o descanso espiritual que o povo de Deus deixou de obter, ou poderia ainda obter, com o descanso dominical (pelo ano 64 a 70 AD). Se o domingo já fosse uma instituição cristã, o dia de descanso da igreja, sem dúvida ele faria sua ilustração mencionando o domingo. Contudo, ignora inteiramente este dia, e vale-se do sábado do sétimo dia para ilustrar o seu ponto.

* A preocupação expressa por Cristo sobre os cristãos de Jerusalém que deveriam orar para que a fuga deles, quando da invasão de sua terra (Jerusalém e Judéia) em 70 AD pelas tropas romanas não tivesse que se dar “no inverno, nem no sábado” (Mat. 24:20). Cristo sabia da inconveniência e perigo se os inimigos cercassem a cidade no dia em que estavam na igreja ou dedicados à adoração particular a Deus, alheios ao que se passava fora (...)

* Jesus também recomendou: “fazei e guardai tudo quanto eles [os líderes religiosos dos judeus, seus contemporâneos] vos disserem, porém não os imiteis nas suas obras; porque dizem e não fazem” (Mat. 23:2).  Uma das coisas que eles diziam era que observassem o sábado (Lucas 13:14). Deviam, pois, ouvi-los no que estavam certos e “fazer”, mas não agir do modo errado como eles agiam para com o mandamento do sábado e todos os outros.

* Paulo passou um ano e meio discutindo com os judeus em Corinto, e ao longo de todo esse tempo NUNCA se lembrou de dizer a eles que deviam passar a se reunir no domingo, mesmo quando os judeus abandonaram o local e ele ficou somente com os gentios  (Atos 18:1-4 e 11). Em  Filipos, onde não havia sinagoga, os apóstolos e Paulo escolheram um lugar tranquilo para passarem um sábado: Atos 16: 12, 13.

* Os cristãos de  origem judaica, eram zelosos na observância da lei (At. 21:20) e não seriam promotores do abandono de um dos principais preceitos da lei--o 4º. mandamento. Documentação histórica posterior corrobora esta conclusão. O historiador palestino Epifânio viveu ao redor de 350 AD e narra a história da igreja de Jerusalém. Ele conta de como deixaram a cidade antes da sua destruição em 70 AD, foram para o norte, a um lugar chamado Pela, colonizaram o lugar, onde passaram a ser conhecidos como “nazarenos”. Epifânio declara que esses nazarenos, ou seja, os diretos descendentes da igreja de Jerusalém, viveram ali no seu próprio tempo e, diz ele, diferiam do resto dos cristãos por insistirem até aquele tempo na observância do sábado do sétimo dia!

* No Concílio de Jerusalém, dentre as coisas que não se requeria dos gentios nenhuma regra contra o sábado é determinada (Atos 15:20), prova de que não foi objeto de debate naquela igreja--todos o observavam sem problemas. Paulo declara quando sob julgamento: "Nenhum pecado cometi contra a lei dos judeus, nem contra o templo. . ." Caso ele tivesse desrespeitado o preceito do sábado não teria condições de fazer tal alegação pois seria imediatamente acusado de ser um violador do sábado, um princípio muito arraigado na religião e cultura dos judeus.

 
* Todos os mandamentos do Decálogo são restaurados no Novo Testamento, menos o do sábado.

Esta alegação é paralela à anterior, mas a falta de lógica disso se torna evidente, como discutimos na matéria, “10 Dilemas dos Que Negam a Validade dos 10 Mandamentos Como Norma Cristã”:
O quinto dilema dos que advogam a teoria da abolição do decálogo divino é a evidente contradição e falta de lógica em seu raciocínio sobre a “restauração dos mandamentos no Novo Testamento”.
 

Se todos os mandamentos foram abolidos na cruz, mas sendo depois restaurados no Novo Testamento (menos o 4º.), imaginemos uma situação incrível que se estabeleceria: O 5º. mandamento foi de embrulho com todos os demais regulamentos morais e cerimoniais quando Jesus exalou o último suspiro e declarou, “Está consumado”. Daí, no minuto seguinte qualquer filho de um seguidor de Cristo poderia chutar a canela de seu pai ou mãe, xingá-los, desobedecê-los e desrespeitá-los livremente, eis que o 5o. mandamento só foi “restaurado” quando Paulo se lembrou de referi-lo, escrevendo aos efésios, e isso no ano 58 AD (ver Efés. 6: 1-3)! E, pior ainda, os termos do mandamento “não matarás” só foram reiterados por Paulo em Romanos 13:9, no ano 56 ou 58 AD (bem como “não adulterarás”, “não furtarás”, “não cobiçarás”. . .).
 
Ou seja, por quase 30 anos os filhos dos cristãos não tinham que respeitar os pais, pois o 5º. mandamento só é restaurado após umas três décadas, e mesmo assim só para os efésios. Muitas décadas mais se passaram até atingir toda a comunidade cristã para cientificar-se da necessidade de os filhos respeitarem seus pais!  Além de os cristãos poderem matar uns aos outros, etc.,  nesse mesmo período “sem a lei”. . .  Faz sentido isso tudo? Por aí se vê a enrascada em que se mete quem contraria o “assim diz o Senhor” das Escrituras.



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