Prof. Ricardo André
Constantemente ouvimos a
citação de Romanos 6:14 no contexto de alguém que diz aos adventistas, que os
cristãos não estão mais “debaixo da lei”, e sim “debaixo da graça”, que portanto, a obediência à lei tornou-se desnecessária,
que o sábado foi revogado.
Mas, evidentemente, não
é isso que o texto diz. Esse questionamento reflete um entendimento confuso do
ensino bíblico acerca da lei e da graça de Deus. Isso é fruto de uma leitura
isolada do texto acima, que leva o leitor a entender lei e graça como um
binômio de oposição. Lei e graça parecem opostos, sem reconciliação — o cristão
está debaixo da graça e consequentemente não tem qualquer relação com a lei. No
entanto, essa leitura é falaciosa. Assim procedendo, muitos cristãos fazem uma
leitura completamente equivocada de Paulo. O entendimento isolado desses versos
leva a uma antiga heresia chamada antinomismo, a negação da lei em função da
graça. Nessa visão, a lei não tem qualquer papel a exercer sobre a vida do
cristão. O coração do cristão torna-se o seu guia e a lei se torna dispensável.
Todavia, “não há nenhum
conflito entre Lei e Graça, ou entre Lei e Evangelho. Uma ou duas simples
definições nos ajudarão neste assunto. Por “lei” queremos dizer a norma divina
sobre o certo e o errado – o padrão pelo qual podemos garantir se temos falhado
quanto aos requisitos de Deus. A palavra “evangelho” significa boas novas –
boas novas de salvação do pecado (Mt 1:21). E a Bíblia define pecado como
qualquer violação da lei divina (I Jo 3:4). Assim, então, o evangelho é a boa
nova do plano de Deus para salvar-nos da transgressão de Sua santa lei.
Portanto, em vez de a lei e o evangelho
estarem em oposição, eles se acham em íntima comunhão. E a própria existência
do evangelho prova que a lei ainda está em vigor, pois qual seria o propósito
na pregação das boas novas de salvação da violação da lei se a lei não
estivesse mais em vigor? O ser humano
não pode transgredir o que não existe.
Leiamos em seu
contexto, o texto-chave desta discussão: “Pois o pecado não os dominará, porque
vocês não estão debaixo da Lei, mas debaixo da graça. E então? Vamos pecar
porque não estamos debaixo da Lei, mas debaixo da graça? De maneira
nenhuma!” Descobrimos imediatamente que,
não importa o que mais Paulo deseja que compreendamos desta passagem, ele não
quer que pensemos que o reino da graça nos livra da obediência da lei. “E
daí?”, diz ele, “Vamos pecar”, isto é,
transgredir a lei, “porque não estamos debaixo da Lei, mas debaixo da graça? De
maneira nenhuma!”
O verso seguinte esclarece
que Paulo usa a frase “debaixo da lei” com o significado de “sob sua
condenação”, e “debaixo da graça” tendo o significado de “vivendo sob o plano
que Deus tem oferecido para salvar da escravidão do pecado”, pois Paulo
continua, dizendo: “Não sabem que, quando vocês se oferecem a alguém para lhe
obedecer como escravos, tornam-se escravos daquele a quem obedecem: escravos do
pecado que leva à morte, ou da obediência que leva à justiça? Mas, graças a
Deus, porque, embora vocês tenham sido escravos do pecado, passaram a obedecer
de coração à forma de ensino que lhes foi transmitida. Vocês foram libertados
do pecado e tornaram-se escravos da justiça”. Versos 16-18.
O contrate está entre
servos “do pecado” e “servos da obediência para a justiça”. O que é que dá
força ao pecado? È a lei, diz Paulo (I Co 15:56). O fato de que a lei existe e
pronuncia a pena de morte para a prática do mal é o que confere ao pecado seu
poder sobre aqueles que condescendem com atos ilícitos. A lei não lança sua
forte mão contra o homem que não a está violando. Sua força é sentida somente
pelo transgressor.
Paulo afirma que o
pecado não tem mais domínio sobre nós porque estamos vivendo debaixo, ou
aceitamos, o plano divino da graça, que nos dá o poder para quebrar o controle
do pecado. Deste modo, em vez de sermos servos do pecado, nos tornamos servos
da “obediência para a justiça”. E o que é justiça? È o procedimento correto, o
justo viver – uma condição do coração oposta a pecaminosidade ou ilegalidade.
Em um capítulo subsequente, Paulo diz como a graça do evangelho de Jesus Cristo
nos traz justiça, e como essa justiça está diretamente relacionada com a lei.
Lemos: “Porquanto o que era impossível à lei, visto como estava enferma pela
carne, Deus, enviando o seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado
condenou o pecado na carne; Para que a
justiça da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas
segundo o Espírito”. Romanos 8:3-4”. (Respostas a Objeções: Uma defesa bíblica
da doutrina adventista, CPB, p. 66-68)
Diante dessas
considerações, o texto de Romanos 6:14 poderia ser exegeticamente amplificado
para comunicar a seguinte interpretação: “Tendo abandonado os vossos pecados,
tendo cessado de quebrar a lei, tendo crido em Cristo e sendo batizados, vós
agora não sois mais governados pelo pecado ou pelas paixões, nem sois
condenados pela lei, porque achates graça à vista de Deus, que vos concedeu
esse favor imerecido, e os vossos pecados foram perdoados” (Sutilezas do Erro,
CPB, 87).
Lembre-se: esse é todo
o contexto em que este verso aparece, o contexto da promessa de vitória sobre o
pecado. Quem vive supostamente “debaixo da graça” mas desobedece à lei de Deus
não encontrará graça, mas condenação. “Debaixo da graça” significa que, pela
graça de Deus, revelada em Jesus, a condenação que a lei traz inevitavelmente
aos pecadores foi removida. Deste modo, agora livres dessa condenação da morte
trazida pela lei, vivemos em “novidade de vida”, caracterizada e manifesta pelo
fato de que, sendo mortos para o eu, não mais somos escravos do pecado.
No livro de Romanos, e
em outros lugares, Paulo dá grande importância à observância da Lei moral (Rm 2:
13; 3:31; 7:12). Jesus também certamente fazia o mesmo, assim como Tiago e João
(Mt 5:17-18; 19:17; Jo 14:15; Tg 2:10, 11; Ap 14:12). O ensino de Paulo é que,
embora a obediência à lei não seja o meio de salvação (Rm 3:26-28), a pessoa
que é justificada pela fé ainda observa a lei de Deus e, de fato, é a única que
pode guardar a lei. Uma pessoa não regenerada, que não foi justificada, nunca
poderá cumprir os requisitos da lei. A obediência à lei moral dos Dez Mandamentos é fruto da
relação salvífica do crente com Cristo (Ef 5:8-10).
Portanto, o texto de
romanos 6:14 não da apoio a ideias da abolição da lei. Porque se alie de Deus
foi abolida, por que mentir, matar e roubar ainda são pecados? Se a lei de Deus
tivesse sido mudada, a definição de pecado também devia ser mudada. Ou se a lei
de Deus tivesse perdido o valor, o pecado também deveria ter desaparecido. E
quem acredita nisso? (I Jo 1:7-10; Tg 1:14, 15).
No Novo Testamento,
estão presentes tanto a lei como o evangelho. A lei não pode salvar o pecador,
nem por fim ao pecado e seu domínio. Ela mostra o que é pecado (Rm 3:20; 5:20).
O evangelho indica o remédio para esse pecado, que é a morte e a ressurreição
de Jesus. Se não houvesse lei, não haveria pecado, e então, de que seríamos
salvos? (Rm 4:15). Só no contexto da lei, e sua validade continuada, o
evangelho faz algum sentido.
Considerando tudo o que
Paulo e o restante da Bíblia dizem sobre a obediência aos Dez Mandamentos, não
faz sentido afirmar aqui que Paulo estava dizendo que os dez mandamentos não
mais estavam em vigor. Os que usam esses textos para tentar provar assim – que a
lei moral foi abolida – realmente não querem dizer isso, de qualquer maneira; o
que eles realmente querem dizer é que só o sábado foi revogado, não o restante
da lei. O entendimento de que esse verso e outros ensinam que o quarto
mandamento foi abolido, suplantado ou substituído pelo domingo é uma tentativa
de lhes dar um significado que as palavras nunca tiveram.
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