Michelson
Borges
O ato terrorista
cometido por fundamentalistas islâmicos na França, no último dia 7, trouxe de
volta a discussão sobre fundamentalismo, ameaças terroristas e liberdade
religiosa e de imprensa. Em casos como esse, é fácil ver a discussão assumir um
caráter maniqueísta, do tipo “preto ou branco”. Se os islâmicos não suportam
que se façam desenhos de seu profeta, que não vivam em países em que se permite
essa liberdade! Se os franceses sabiam que a sátira ao islã iria enraivecer
alguns, por que fizeram isso? O que é mais importante, a liberdade de imprensa
(e de deboche) ou o direito de ter minha crença respeitada? Achei interessante
o que o pastor Marcos Bomfim postou em sua página no Facebook: “Minha filha me
contou sobre a postagem de alguém que afirma: ‘Eu não sou Charlie’. Essa pessoa
diz que muitos que dizem ao redor do mundo ‘Eu sou Charlie’, na realidade, nem
imaginam o que estão fazendo. Claro que repudiamos totalmente essa insanidade
violenta dos ataques e lamentamos as mortes desses seres humanos por quem
Cristo morreu. Mas esse ‘jornal’, segundo essa pessoa, em nome da liberdade,
praticava o mais abjeto tipo de discriminação, desrespeito, sacrilégio,
discriminação racial e religiosa. Isso é liberdade? Quem determina o que é
liberdade? Em nome da liberdade pode-se ofender, rebaixar, ridicularizar,
discriminar? Acredito que não. O amor de Cristo nos leva a amar os diferentes,
não a ridicularizá-los. Muito menos matá-los! Um pirão engrossado por erros de
todos os lados, finalizado com a loucura do ataque... Mundo difícil de viver...
Quanto a mim, também não sou Charlie, muito menos quero ser dos que atacaram
covardemente aqueles de quem discordam.”
Esse mesmo jornal já
publicou ilustrações de capa horríveis com a Trindade, Jesus Cristo, judeus e
outras figuras religiosas (não tenho estômago para reproduzi-las aqui).
Evidentemente que isso não dá aos cristãos ou aos judeus (nem a qualquer um) o
direito de entrar na redação do Hebdo e metralhar todo mundo. Muitos profetas
do judaísmo (que são também do cristianismo) foram martirizados por sua fé,
nunca mataram por ela. Jesus Cristo e os apóstolos (e muitos e muitos cristãos
depois deles) também morreram pelo que acreditavam, nunca mataram por isso (é
bom lembrar que não se pode condenar Jesus e/ou o cristianismo por erros
cometidos por falsos cristãos). E o assunto pode ser estendido até os
muçulmanos pacifistas que nada têm que ver com os terroristas que seguem a
mesma religião (leia o artigo “Je ne suis pas Charlie”, do professor El Rafa
Saldaña, que procura equalizar a questão, analisando o assunto de maneira bem
menos apaixonada que outros articulistas; e do Reinaldo Azevedo, que vê as
coisas sob outra ótica).
O que chama a atenção,
também, neste momento de ânimos alterados, é o poder de união que uma tragédia
como essa tem, a ponto de colocar lado a lado inimigos políticos como Hollande
e Sarkozy, e levar multidões às ruas, em protesto contra o terror e em apoio à
liberdade de expressão (confira).
O papa Francisco, em
viagem à Ásia, condenou o ataque e disse que, “infelizmente, ultimamente,
surgiram grupos extremistas que em certa medida manipulam a opinião pública e
criam tensão utilizando a religião para fins que não são claros. Fazemos votos
de que a tradição que existe de diálogo inter-religioso e de colaboração possa
prevalecer” (confira). Em outra reportagem, é dito que o papa pede o fim de
“todo tipo de fundamentalismo” e defende como legítimas as formas de colocar
fim ao radicalismo.
Como assim todo tipo de
fundamentalismo? O islâmico a gente já conhece. E o cristão? O próprio papa já
o definiu (confira aqui, aqui e aqui). E também já aprovou intervenção militar,
quando os fins (combate ao terrorismo/radicalismo) justificarem os meios, numa
espécie de “guerra santa” (confira).
Tenho a impressão de
que crescerá essa tensão envolvendo a maioria “democrática”, “fraterna”,
“livre”, de um lado, e as minorias “diferentes”, “fundamentalistas”,
“radicais”, “intolerantes”, de outro. Veremos a intolerância praticada contra
os intolerantes. O mundo se torna realmente cada vez mais difícil de se viver.
FONTE: http://www.criacionismo.com.br/
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