Teologia

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

A PARÁBOLA DO RICO E LÁZARO PROVA A EXISTÊNCIA DO INFERNO, PURGATÓRIO OU IMORTALIDADE DA ALMA?



Ricardo André

Das parábolas apresentadas por Cristo, a conhecida como do rico e Lázaro, relatada no evangelho de Lucas 16:19-31 parece ser a que mais dificuldade apresenta de ser entendida. Em virtude de certas expressões nela usadas, consideram alguns que Jesus teria ensinado um estado de consciência após a morte, ou seja, que, ao morrerem, uns vão para o Céu, outros para o Purgatório, outros para o inferno, tendo assim defendido a teoria imortalista da alma. No entanto, essa estória não serve para provar a imortalidade da alma ou a existência do inferno e purgatório porque os elementos não se harmonizam uma vez que se trata de uma parábola.

Pode-se perguntar então: Qual foi a lição que Cristo pretendia com esta aparentemente tão complicada ilustração?

Cristo se utilizou de uma crença popular para ilustrar verdades Bíblicas

 Primeiramente devemos considerar que o texto em lide é uma parábola, onde os fatos e ideias populares da época foram usados para ilustrar verdades bíblicas. Cristo ensinava por parábolas para facilitar a compreensão (Mc. 4:33).

Devido à má intenção de alguns ouvintes (fariseus e escribas), Cristo usou esse método para alcançar os sinceros, impossibilitando àqueles de O perseguirem prejudicando a mensagem (Mc. 4:11 e 12).

As parábolas, como um método de ensino, já eram usadas no Antigo Testamento (IISm. 12:1-13) e não eram interpretadas literalmente, pois as árvores não falam (Jz. 9:8-20). Destarte, aceitar uma literalidade na parábola estudada seria crer que da Cidade Santa nós veremos os ímpios queimando eternamente,[1] e poderíamos até conversar com eles (Lc. 16:23 e 24).

Não se pode fundamentar crenças em Parábolas ou em Expressões Alegóricas

Outro ponto é que doutrinas não devem ser baseadas em parábolas, pois se trata de recurso didático para chamar a atenção para um ponto específico.

Neste caso advertir os fariseus avarentos (Luc 16:14) e ensinar que os ricos não são preferidos pelos céus. Se as parábolas pudessem se tomadas no seu sentido literal, então, seria válido afirmar que metade dos crentes se salvarão e a outra metade não, segundo a parábola das Dez Virgens (Mt. 13:33).

E ainda: se usarmos parábolas e seus detalhes para provar doutrinas teríamos que dizer que Deus não tem boa vontade para atender nossas preces como no caso da viúva importuna (ou do juiz iníquo) que faz parte da mesma seção de parábolas (Lc 18:1-8) ou que Jesus ensinou a ser desonesto como na parábola do administrador infiel (Luc l6:1-9). Todas têm uma lição: a do juiz é perseverar em oração e a do administrador infiel é usar nossos bens fielmente para a obra de Deus ou seja, ser fiel no pouco e depois receber a vida eterna.

Na realidade, Jesus se aproveitou de elementos conhecidos de Seu tempo, e nós temos que ter isso em mente. Ele falava para uma classe nobre, os fariseus (Lc. 16:19), que dominava a plebe (v. 20 e 21). Do mesmo modo que para nós alguns mitos são comuns (mula-sem-cabeça, saci pererê), algumas crenças dos ouvintes serviram de ilustração. Uma delas é o “hades” (inferno, v. 23), que acreditavam ser um lugar divido em dois compartimentos, um para os justos e outro de tormento para os ímpios. Neste lugar, mesmo separados, eles conversavam entre si. [2]

Outra crença está baseada no termo hebraico transliterado para o grego “geena”. Esta palavra veio do vocábulo “Vale de Hinon”, um lugar onde era oferecido sacrifícios humanos a deuses estranhos (IICr. 28:3). Depois disso, o vale se tornou um depósito de lixo, a sudeste de Jerusalém.

Ali o fogo ardia constantemente, não só com detritos, mas também com cadáveres de indigentes e criminosos.[3] Neste ínterim, quando Cristo descreve o tormento do rico, os ouvintes logo captaram a mensagem que Ele queria transmitir (Lc. 16:23).

A palavra espírito não é usada no relato e seria de se esperar seu uso se se tratasse de ida para o purgatório ou o inferno.

A palavra purgatório não aparece no relato e note que uma vez nas chamas o rico não tem uma "segunda chance" como ensina a doutrina do purgatório.

A parábola não apenas deixa de usar referências que possam indicar corpos imateriais como também descreve o pobre e o rico como corpos físico. Segundo entendemos, com base na teoria imortalista platônica,, alma não tem forma. É algo incorpóreo, sem forma física.

Órgãos como olhos, dedos e língua, portanto, não fazem parte de sua composição, pois são partes do corpo. Ora, na parábola em questão, o rico “levantou os olhos e viu ao longe a Abraão e Lázaro no seu seio” (Luc. 16:23). E pediu que o patriarca mandasse a Lázaro molhar o dedo em água e lhe refrescar a língua (verso 24). Dessa forma, a teoria imortalista não tem respaldo nesta parábola.

O rico quando morre não está realmente no inferno mas na sepultura como diz o texto (grego hades = lugar do morto, sepultura) não diz também purgatório. Tanto prova é que para voltar ao mundo, segundo a própria parábola, seria necessário não uma "viagem" ou aparição mas somente pela ressurreição, isto é, levantar dos mortos e corpo físico outra vez (v.31).

Surgem outras questões: pode a separação entre os salvos e perdidos ser tão próxima que podem conversar uns com os outros? Essa ideia não combina com a doutrina geral da Bíblia.

A Bíblia ensina que após a morte a recompensa dos salvos só será dada após a ressurreição e sem ela todos os que morreram em Cristo e que não foram ressuscitados estariam perdidos. (ICor.15:16-18). Isso somente ocorrerá quando Jesus voltar (I Tess. 4:13-17).

Portanto, deve-se usar essa estória como ela realmente é: uma parábola que têm uma mensagem principal e que não deve ser tomada em todos os seus detalhes. Querer tirar daí a existência do purgatório é querer forçar o texto a dizer o que não diz e exigir de parábola significado nos detalhes o que não é seu (da parábola) objetivo fornecer.

As Lições da Parábola

Com estas considerações, estamos aptos a compreender as lições contidas na parábola. Sabemos que os ímpios serão queimados (v. 24), e é relevante notar que cada um deles sofrerá à proporção de seus pecados (Mt. 16:28; Ap. 20:12): “alguns são destruídos em um momento, enquanto outros sofrem muitos dias” [4].

A segunda lição é que a sorte final dos justos será diferente, eles serão recompensados (v.25). Aprendemos também que depois da morte não é possível mudar essa condição (v. 26).

Outra lição é mostrar a Bíblia como a única guia neste mundo, não sendo ela suplantada nem por uma possível comunicação com os mortos, ou até mesmo uma ressurreição especial (vs. 27 a 31).

Cristo queria ensinar que nós temos uma oportunidade de escolha, e ela deve ser feita em vida, seguindo o testemunho das Escrituras. O objetivo não era relatar o que acontece após a morte, mas enfatizar a seriedade da vida; este era o desafio proposto aos ouvintes.

Um dia a porta da graça da vida de cada um nós se fechará. Escreveu Ellen G. White: “é agora evidente a todos que o salário do pecado não é a nobre independência e vida eterna, mas a escuridão, ruína e morte. Os ímpios veem o que perderam em virtude de sua vida de rebeldia” [5].

Caro amigo leitor, qual é a sua decisão? Aceitarás a Jesus como teu Salvador e Senhor, e gozar a eternidade com Deus; ou ser indiferente as provisões de Deus para a sua salvação, e ser destruído para sempre? A escolha é sua.

Referências:

[1] Samuele Bacchiocchi, Imortalidade ou Ressurreição? A Biblical
Study on Human Nature and Destiny (Berrien Springs, MI: Biblical Perspectives, 1997), 173 e 174.

[2] A. B. Christianini, Subtlezas do Erro, 1a. ed. (Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1981), 257.

[3] Pedro Apolinário, Explicação de Textos Difíceis da Bíblia,
4a. ed. (São Paulo, SP: Seminário Latino Americano de Teologia, 1990), 138 a 140.

[4] Ellen G. White, O Grande Conflito, 36a. ed. (Tatuí, SP: Casa
Publicadora Brasileira, 1988), 673.

[5] White, 668.

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