Ricardo
André
“Seja
a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus, não
considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas
esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E,
sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até à
morte, e morte de cruz! Por isso Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o
nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo
joelho, no céu, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus
Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai” Filipenses 2:5-11, NVI).
Introdução
Este é um dos textos
mais significativos e profundos das Sagradas Escrituras. São considerados pelos
teólogos como dos mais preciosos da Bíblia. Esses versos têm recebido dos
comentaristas títulos diversos tais como o Hino de Kenosis, ou o Hino
do Esvaziamento, da Humilhação, do Autoaniquilamento, do Despojamento de
Cristo. Esse extrato maravilhoso da Palavra de Deus fala do Cristo que
deixou as cortes celestiais, veio a nosso mundo de pecado e assumiu nossa
natureza humana. Foi rejeitado por muitos daqueles a quem veio salvar.
O apóstolo Paulo não
apenas escreveu uma das mais belas passagens bíblicas sobre Jesus, mas nesta
passagem, mostrou aqueles irmãos o exemplo de Cristo. Assim, não basta apenas
conhecer Jesus, é preciso imitá-lo.
Mas qual a razão do
apóstolo Paulo apresentar esse exemplo de Cristo à Igreja de Filipos? Estudo
mais acurado da epístola mostrará que os filipenses enfrentavam o mesmo perigo
que seria enfrentado pelas congregações cristãs no decorrer da história: o
perigo de rivalidades espirituais (desunião) e a exaltação própria (v. 2 e 3).
Paulo sabia que tais
contendas não procediam do Espírito Santo e poderiam destruir a credulidade do
cristianismo. Ele procurava, portanto, elevar os seus leitores num sublime e
quádruplo apelo (v. 1, 2) para unidade, humildade, prestimosidade e semelhança
com Cristo.
A intenção paulina era
persuadir os filipenses a viverem uma vida livre de desunião, falta de harmonia
e ambição pessoal. Se as grandes características da vida de Jesus foram
humilhação, obediência e renúncia de Si mesmo, essas virtudes devem
caracterizar os cristãos, porque eles devem ser como seu Mestre.
A
mente de Cristo (v. 5-7)
O apóstolo Paulo
exorta: “Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus [...]”. A
exortação do apóstolo é que tenhamos a mesma “atitude”, a mesma “mentalidade”,
a mesma “disposição mental”, o mesmo “pensamento de Cristo. Ou seja, uma disposição de altruísmo, de
interesse pelo ser humano, ao ponto mesmo de sofrer, a fim de tornar possível
servir a outros. O contexto mostra que Paulo conclamava seus leitores a que
seguissem o exemplo de Cristo, isto é, Sua humildade.
Em 1847, um médico de
Edimburgo, Dr. James Simpson, descobriu que o clorofórmio podia ser usado para
anestesiar pessoas durante as cirurgias. A descoberta tornou-o famoso. Ano mais
tarde, um de seus alunos na Universidade de Edimburgo lhe perguntou: “O que
considera como a mais valiosa descoberta de sua vida?”
Em vez de referir-se ao
clorofórmio, o Dr. Simpson respondeu: “Minha mais valiosa descoberta ocorreu
quando descobri que sou um pecador e que Jesus Cristo é meu Salvador”.
Esta é a atitude de uma
pessoa humilde. O seu pensamento não se concentra na ambição egoísta e na
presunção, mas dedica atenção e energia à obra do Senhor. Mas, como é possível
ter a mente de Cristo?
Comunhão diária com
Jesus. Preciso envolver-me tanto com Ele que minha mente se confunda com a
dEle. Como resultado, devo pensar como Ele pensa. Praticar a bondade como ele
fazia, perdoar as pessoas tal como Ele fazia.
Divindade
Renunciada (v. 6, 7)
O versículo 6 nos apresenta o Logos ou o Verbo antes de Se ausentar
dos “palácios de marfim” (Sl 45:8), para entrar em nosso poluído e perturbado
planeta. Diz-nos o texto: “[...]Embora sendo Deus, não considerou que
o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se” (NVI). Queremos
destacar a expressão “embora sendo Deus” ou “em forma de Deus” (ALA).
Segundo o Comentário Bíblico Adventista, v. 7, p. 139
e 140, a palavra grega traduzida como “forma” é morphê, que indica aqui
todas as características e os atributos essenciais de Deus. Nesse sentido, o
termo morphê se refere ao modo pelo
qual as qualidades eternas e as características de Deus se manifestaram.
Independentemente da forma que essa manifestação assumiu, foi por meio de
Cristo, que já existia como Deus”. Portanto, para o apóstolo Paulo, Cristo não
era apenas aparência de Deus, mas possuía as características essenciais e os
atributos de Deus. Ele era Deus em forma essencial, inalterável e imutável. Era
o Deus encarnado (Jo 1:1-4, 14).
Então, o que Paulo
tinha em mente, ao fazer tal declaração, é que embora Cristo fosse
indiscutivelmente igual a Deus. Ele esvaziou-se de todas as prerrogativas
divinas e se fez carne (homem). Em outras palavras, não pensou que que a
igualdade com Deus fosse algo de que não devesse abrir mão, mas
voluntariamente, a deixou por amor da humanidade. Ele revestiu-se da humanidade
para salvar os perdidos. Aqui, Paulo nos ensina que Jesus não pensou mais em si
mesmo. Ele pensou nos outros. Ele pensou em mim e em você. Enquanto Satanás e o
homem pecador quer ser igual a Deus, Jesus abriu mão desse privilégio para
usá-lo em nosso favor. Nos garantir a salvação e as bênçãos da vida eterna.
Embora fosse Deus,
Jesus tomou sobre Si as desvantagens e as debilidades da natureza humana para
demonstrar que seres humanos dependentes podem refletir o sentimento de Deus.
Graças a Deus por esse desprendimento altruísta de Cristo!
O
Servo voluntário (v. 7)
No versículo 7 nos
deparamos com o fenômeno mais impressionante do plano da salvação. Lemos que
Cristo “esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos
homens”. Eu diria que esta é a frase mais significativa desses versos. Do
que Jesus Se esvaziou, de acordo com o versículo 7? De acordo o a nota de
rodapé da Bíblia de Jerusalém, p. 2207, a
expressão original traduzida por “esvaziou-Se” é o termo grego kénosis,
cujo sentido é que Cristo despojou-se livremente não da Sua natureza
divina, “mas a glória que por direito ela lhe conferia, glória que ele possuía
na sua preexistência (Jo 17:5) e que deveria normalmente resplandecer sobre a
sua humanidade (Mt 17:1-8). Ele preferiu privar-se dela para recebe-la apenas
do Pai (Jo 8:50, 54), como preço do seu sacrifício (vv. 9-11)”.
Já a Bíblia de Estudo Andrews, p. 1545 e
1546, afirma que a expressão “se
esvaziou” significa que “Cristo abriu mão da igualdade com o Pai, deixando
de lado seus poderes divinos durante a encarnação, sem nunca deixar de ser
Deus”.
Em artigo na Review and Herald, de 15 de junho de
1905, Ellen G. White afirmou: “Pondo de lado Suas vestes e coroa reais, Cristo
vestiu Sua divindade com a humanidade, para que os seres humanos pudessem
erguer-se de sua degradação e ser colocados em posição de superioridade. Cristo
não podia ter vindo à Terra com a glória que possuía nas cortes celestes. Seres
humanos pecadores não suportáveis vê-Lo. Ele velou Sua divindade com a
roupagem da humanidade; porém, não Se desfez de Sua divindade. Salvador
divino-humano, Ele veio para colocar-Se à frente dos seres caídos, e
compartilhar a experiência deles desde um meninice até uma varonilidade. Para
que os seres humanos puderam participar da natureza divina, Ele veio à Terra e
vive em perfeita obediência” (citado em Questões
Sobre Doutrinas, p. 76).
Ellen White, ainda
escreveu: “Cristo tomou sobre Si a humanidade, a fim de alcançar a humanidade.
[...] Eram necessários tanto o divino como o humano para trazer a salvação para
o mundo” (O Desejado de Todas as Nações,
p. 296)”.
Portanto, ao assumir a
natureza humana, Cristo deixou de lado Seus atributos e de certas prerrogativas
divinas. Ele privou-se de Sua glória, se Sua coroa e trono, de agir como Deus,
o que está longe de significar que em algum momento Ele tenha deixado de ser
Deus. Afinal, não poderia perder aquilo que Ele é em essência. No entanto, a
fim de submeter-se a todas as condições da vida humana, ele privou-se
temporariamente de Seus atributos divinos. Não se despojou de Sua divindade;
apenas decidiu não utilizá-la.
Isso não é tão simples
como pode parecer, pois existe algo mais incrível por trás deste gesto de
esvaziamento, que é a intencionalidade
do processo. Ele foi voluntário. Essa autolimitação do Deus criador foi uma
decisão Sua. Algo de iniciativa própria. Deus escolheu voluntariamente ignorar
Suas qualidades celestiais criadoras. Recusou a utilização do Seu próprio poder
intrínseco, Sua glória, para que pudesse ser como nós.
Na realidade,
encontramo-nos diante de um grande mistério que ocupará o nosso pensamento e
suscitará a nossa gratidão por toda a eternidade.
Para o cumprimento do
plano da salvação, o Messias, que resgataria o homem do pecado, teria de vir
como o homem antes do pecado, isto é, como Adão. Essa identificação de Cristo
com o homem nos ajuda a entender a sinceridade das Suas palavras, segundo João 5:30, quando disse: “Eu nada posso
fazer de Mim mesmo”. A vida de Jesus aqui na Terra foi uma vida de dependência
do Pai. Cristo “não veio para viver como Deus, mas para viver em obediência a
Deus como ser humano e vencer onde Adão e Eva caíram”.
“O apóstolo afirma que
Cristo Se esvaziou e tomou os atributos básicos de um escravo. Uma
característica externa do escravo é prestar obediência inquestionável. Como ser
humano, o Filho decidiu obedecer ao Pai (Hb 5:8)” (Comentário Bíblico Adventista, v. 7, p. 140). Esta obediência livre
o levou à morte de cruz.
Cristo desceu muito
baixo para tomar a forma de escravo separado do lar celestial, veio a um mundo
hostil para ser vendido por trinta moedas de prata e para morrer sobre a cruz
infamante – punição reservada para os piores criminosos e considerada tão
bárbara que nenhum cidadão romano podia ser crucificado sem a ordem direta do
imperador. Jesus Se tornou menos para que nós pudéssemos se tronar mais.
Esvaziou-se para encher sua vida.
Sobre isso, Ellen G. White escreveu: “Cristo foi tratado como nós merecíamos, para que pudéssemos receber o tratamento a que Ele tinha direito. Foi condenado pelos nossos pecados, nos quais não tinha participação, para que fôssemos justificados por Sua justiça, na qual não tínhamos parte. Sofreu a morte que nos cabia, para que recebêssemos a vida que a Ele pertencia. "Pelas Suas pisaduras fomos sarados." Isa. 53:5” (O Desejado de todas as Nações, p. 25).
Sobre isso, Ellen G. White escreveu: “Cristo foi tratado como nós merecíamos, para que pudéssemos receber o tratamento a que Ele tinha direito. Foi condenado pelos nossos pecados, nos quais não tinha participação, para que fôssemos justificados por Sua justiça, na qual não tínhamos parte. Sofreu a morte que nos cabia, para que recebêssemos a vida que a Ele pertencia. "Pelas Suas pisaduras fomos sarados." Isa. 53:5” (O Desejado de todas as Nações, p. 25).
Quando Adão cedeu à
tentação, vendeu-se a Satanás, que o enganara, tornando-se escravo seu. Rendera
a sua liberdade, e coisa alguma podia fazer para se libertar. Satanás aqui
colocou seu trono e instalou-se como governador deste planeta. Mas a Divindade
idealizou um plano para redimir o mundo. Cristo desceria e tomaria a posição de
escravo, salvando assim o homem.
Onde Satanás
estabelecera seu trono, Cristo ergueu Sua cruz. Trouxe a luta para o território
ocupado pelo inimigo e salvou o homem das garras deste mortal adversário.
Readquiriu-nos a liberdade tornando-se Ele mesmo escravo e demonstrou ao
Universo o Seu imensurável amor.
Vale ressaltar que a
comunhão que Jesus manteve com Deus serve de exemplo para todos nós e nos
mostra que é possível obter o mesmo poder. Foi assim com os discípulos que,
após a ascensão, cheios do Espírito Santo, curavam doentes e ressuscitavam
mortos, como Jesus fazia.
Ellen G. White declarou:
“A humanidade do Filho de Deus é tudo para nós. É a corrente de ouro que liga
nossa alma a Cristo, e por meio de Cristo a Deus. Isto deve constituir nosso
estudo. Cristo foi um homem real; deu prova de Sua humildade, tornando-Se
homem. Entretanto, era Ele Deus na carne. Quando abordamos este assunto, bem
faremos em levar a sério as palavras dirigidas por Cristo a Moisés, junto à
sarça ardente: "Tira as sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é
terra santa." Êxo. 3:5. Devemos aproximar-nos deste estudo com a humildade
de um discípulo, de coração contrito. E o estudo da encarnação de Cristo é
campo frutífero, que recompensará o pesquisador que cave fundo em busca de
verdades ocultas” (Mensagens Escolhidas,
v. 1, p. 244).
Conclusão
Encontramos o clímax do
ministério de obediência de Jesus à Deus o Pai, quando Ele foi pregado numa
cruz. Com esse ato de amor, Jesus conseguiu o que queria – nossa salvação. Por
causa de Sua voluntária humilhação, “Deus o exaltou à mais alta posição e lhe
deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo
joelho, no céu, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus
Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai” (v. 10, 11).
O que mais impressiona
é que a vida de Jesus não foi como a dos perseguidos cristãos primitivos. Sua
morte foi, à semelhança dos mártires, como a de uma vítima indefesa. Esses não
tinham condições de lutar nem poder para evitar a dor. Mas com Jesus foi
diferente. Ele poderia ter escapado. Desde as pedras do deserto até à montanha
do Calvário. Ele poderia agir poderosamente. Poderia ter matado a fome, assim
como poderia ter descido da cruz. Mas esse não era o plano do Pai. Essa não era
a condição do nosso resgate.
Impressiona-nos tamanho
espetáculo de amor e submissão. Quando observamos esta realidade de limites
práticos na vida de Cristo Jesus, somos levados a aceitar Seu imenso exemplo de
autocontrole e humildade.
A vida de sacrifício
que Jesus viveu na Terra não pode ser tomada como exemplo a ser aclamado. Mais
do que isso. Seu exemplo precisa ser imitado. Diante do esvaziamento divino,
somos impulsionados a reagir e viver como Ele viveu. A maior luta de Cristo tem
de ser a nossa luta: permanecer rendidos aos propósitos divinos. Aceitar os
planos de Deus e jamais buscar independência dEle. O abandona de si mesmo,
exemplificado por Jesus, deve ser o modelo para o abandono do nosso próprio eu.
Diante da humilde
obediência vivida por nosso Salvador, devemos permitir despertar em nós um
sentimento de entrega total e absoluta. É a realidade de uma vida dependente de
Deus. Um ser humano que vê sua própria vontade ser dissolvida perante o divino
Salvador. Como cristãos, não podemos permanecer iludidos de que estamos
crescendo espiritualmente, enquanto continuamos satisfazendo nossos impulsos
naturais.
Caro amigo leitor, o
que Deus requer de nós é a mesma atitude de Cristo quando trilhou o mesmo
caminho pelo qual passamos agora. O Senhor requer uma entrega total e uma
renúncia de nosso próprio eu. Enquanto permanecermos confiantes, nos braços
divinos, vazios de nossa autossuficiência egoísta, o Senhor cumprirá em nós e
através de nós, Seu plano salvador.
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