Teologia

sexta-feira, 10 de abril de 2020

A LOUCURA DA CRUZ


Ricardo André

Introdução

Nos dias contemporâneos de Cristo e mesmo depois, a cruz (em grego stauros) era evidentemente a pena mais ignominiosa e que inspirava maior angústia, como entre nós era a forca no período imperial brasileiro (Hb 12:2), de modo, que ser condenado à cruz era incorrer no escárnio e na maior desonra pública. “Os cidadãos romanos nunca eram crucificados, sendo essa uma forma de punição reservada às pessoas completamente desprezadas, como os escravos, os piores criminosos e os não romanos” (Dicionário Bíblico Adventista, p. 320).

Os sofrimentos da crucificação eram extremos, horrorosos, crudelíssimos. Tão terríveis eram que não é possível termos hoje uma ideia real. Os sofrimentos começavam com uma flagelação no Pletório com chicote de couro em cujo extremo haviam esferas de chumbo, sendo que de cada bola saíam pequenas pontas de ferro em todas as direções. Imagine o estrago que esse cruel instrumento fazia na pele e nos músculos da pessoa. Tal era o flagelo que alguns sentenciados morriam antes da crucificação.

Levar a cruz já era um intenso sofrimento moral aos condenados a morrerem nela. Na cruz eram pregados quase nus. Certos condenados eram pregados pelos pulsos. Todo o corpo era violentamente estirado; ficava suspenso das mãos cujas feridas se dilaceravam com o peso do corpo. Havia uma terrível tensão muscular. A circulação do sangue perturbava-se e sobrevinha a sufocação. A febre e a sede pareciam devorar o infeliz crucificado, enquanto a respiração tornava-se difícil e dolorosa. As dores o levavam a mover-se angustiosamente o que aumentavam mais e mais. Conservando a consciência de si, o condenado via-se a morrer aos poucos. Às vezes ficava dois dias na cruz. Outras vezes era queimado na própria cruz para abreviar-lhe os sofrimentos. As vezes era preciso acabar com os crucificados e mesmo as pernas lhes eram quebrada.

A cruz, enfim, era considerada um instrumento de vergonha e tortura infernal. Era olhada com um sentimento de repulsa e horror. A crucificação constituía uma maldição (Gl 3:13; Dt 21:22, 23).

Passada que foi a morte de Cristo, os mais zelosos de seus seguidores consideraram a cruz de modo inteiramente diferente. O apóstolo Paulo gloria-se na cruz de Cristo (Gl 6:14), significando, por este modo, a expiação resultante da Sua morte no Calvário (Ef 2:16; Cl 1:20).

Paulo escrevendo a igreja de Corinto faz uma declaração que deve ter feito muita gente refletir sobre sua conduta diante da cruz de Cristo. Ele nos diz que “a mensagem da cruz é loucura para os que estão perecendo, mas para nós, que estamos sendo salvos, é o poder de Deus” (1 Co 1:18, NVI). Afirma também que a cruz “é escândalo para os judeus e loucura para os gentios” (1 Co 1:23, NVI). Loucura no sentido de que isso é um total contrassenso, contraria todas as aparências. Parece tolice. Dizer que Deus oferece salvação através da cruz de Cristo, e não através da linguagem de sabedoria, é loucura. Os judeus exigiam sinais de legitimação por parte de Deus. Os gregos buscavam, por meio da razão humana, a sabedoria. A essas tentativas de se obter o conhecimento de Deus de maneira segura, Paulo contrapõe a pregação de Cristo como o crucificado, o que para os judeus é um escândalo, uma vergonha, expressão da maldição de Deus; e para os gregos, um absurdo.

“A “palavra da cruz” é a mensagem da salvação por meio da fé no Senhor crucificado. Tal mensagem parecia o cúmulo da loucura para os gregos e para os judeus inclinados ao ritualismo” (Comentário Bíblico Adventista, v. 6, p. 733). Como poderia uma pessoa de mente sadia adorar como deus um homem morto, justamente condenado como criminoso e submetido à forma mais humilhante de execução? Os cristãos poderiam ter escolhido a pomba, que foi o formato do Espírito Santo quando desceu do céu no batismo de Jesus, como símbolo do cristianismo, o cálice onde Jesus tomou a última ceia com seus discípulos, a estrela que brilhou ao nascer Jesus, a manjedoura onde o bebe foi posto, o tumulo vazio, um peixe ou mesmo o pão, elementos presentes na grande multiplicação. Mas resolveram escolher a cruz, escândalo para os judeus e loucura para os gentios.

Para o cristianismo a cruz não mais é um símbolo de ignomínia, vergonha e castigo. Antes, é um símbolo de vitória e perdão. De sacrifício e redenção. De sofrimento e alegria. Mas, por que a cruz de Cristo é “escândalo” para os que perecem e o “poder de Deus” para os cristãos? O que quis o apóstolo Paulo com essas palavras?

De acordo com a Palavra de Deus, a mensagem da cruz causa dois tipos de reação nos homens: há os que se perdem ao desprezá-la e enxergá-la como loucura; e há os que são salvos ao enxergá-la como sabedoria e poder de Deus para a salvação.

Por que a Cruz é um escândalo?

1) Porque revela que somos pecadores por causa do sangue de Cristo.

De fato, não há nada mais repulsivo do que o sangue, mas Deus nos mostra quão terrível é o pecado quando olhamos para os sacrifícios dos animais no santuário.

No Sinai, Deus instituiu sistema sacrifical instituído por Deus que Israel devia observar; e que se realizava primeiro, no santuário; depois, no templo. A partir daí, a cada manhã e a cada tarde o sacrifício contínuo havia oferecido um cordeiro sem defeito pelos pecados inconscientes do povo. A cada dia, sacrifícios de expiação pela culpa ou delito contra o próximo. Uma vez ao ano, no Dia da Expiação, o sacrifício eliminava o registro da culpa (Nm 28:3, 4; Lv 4:2, 27-30; Lv 16; Nm 29:11).  

Esse sistema sacrifical era uma forma de ensinar aos israelitas e, por meio deles, ao mundo, a verdade da salvação. Naqueles dias cada pecado cometido por um israelita era cobrado com a morte de um cordeiro inocente. Cada cordeiro morto, tanto nos serviços diários como no anual, apontavam para a obra salvadora de Cristo, sua morte na cruz. O autor de Hebreus afirma que o santuário e seus serviços eram “uma ilustração para os nossos dias” (Hebreus 9:9). Por essa maneira era mostrado ao pecador arrependido que seus pecados haviam de afinal tirar a vida inocente do Filho de Deus. Todo o cerimonial ritualístico do Velho Testamento encontra agora em Jesus o seu cumprimento final. 

Ao Jesus morrer na cruz do Calvário, o sacrifício do inocente cordeiro não mais era necessário. O Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (João 1:29), oferece-se uma vez para sempre (Hebreus 9:28) para lavar e purificar os pecados de toda a humanidade, a fim de “que todo o que nEle crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3:16, NVI). Isto é amor universal; isto é graça em sua aplicação totalmente eficaz.

Talvez não entendamos quão vil é realmente o pecado. A dívida do mundo para com Deus por causa do pecado era tão grande que só o próprio Deus poderia pagá-la. “Só na cruz podemos ver como o pecado realmente é terrível, porque foi necessário algo tão extremo, tão incrível como a cruz para expiá-lo. [...] Assim, nada revelou tanto o horror e a gravidade do pecado como a cruz, onde Deus, “em Cristo”, sofreu as consequências mais graves do pecado a fim de não termos que sofrê-las por nós mesmos” (Lição da Escola Sabatina, 1º Trimestre 2005, ed. do Professor, p. 102).

Ellen G. White escreveu: “O imaculado Filho de Deus pendia da cruz, a carne lacerada pelos açoites; aquelas mãos tantas vezes estendidas para abençoar, pregadas ao lenho; aqueles pés tão incansáveis em serviço de amor, cravados no madeiro; a régia cabeça ferida pela coroa de espinhos; aqueles trêmulos lábios entreabertos para deixar escapar um grito de dor. E tudo quanto sofreu — as gotas de sangue a Lhe correr da fronte, das mãos e dos pés, a agonia que Lhe atormentou o corpo, e a indizível angústia que lhe encheu a alma ao ocultar-se dEle a face do Pai — tudo fala a cada filho da família humana, declarando: É por ti que o Filho de Deus consente em carregar esse fardo de culpa; por ti Ele destrói o domínio da morte, e abre as portas do Paraíso” (O Desejado de todas as Nações, p. 755, 756).

Portanto, a nossa salvação dependia totalmente da vinda do Salvador à Terra, para morrer na cruz do Calvário e tirar-nos do lamaçal de pecado onde estávamos mergulhados. Isso é o que significa “loucura” para os homens “naturais” (2 Co 2:14). Dizer que a mensagem da cruz é loucura significa que aos olhos dos sábios deste mundo a proclamação do Cristo crucificado não faz qualquer sentido. Como alguém que foi castigado e morto da forma mais cruel e humilhante diante os homens, pode ser Senhor e Salvador de alguém? Sim, parece que não há nada de racional e muito menos sábio nisso. Sob os conceitos filosóficos humanos, essa ideia de fato é loucura.

2) A cruz é uma ofensa para o mundo porque é o poder de Deus para a reconciliação da humanidade com Deus.

O apóstolo Paulo diz aos coríntios que Deus “nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação, ou seja, que Deus em Cristo estava reconciliando consigo o mundo, não lançando em conta os pecados dos homens, e nos confiou a mensagem da reconciliação” (2 Coríntios 5:18, 19, NVI).

Aos cristãos romanos escreveu: “Se quando éramos inimigos de Deus fomos reconciliados com ele mediante a morte de seu Filho, quanto mais agora, tendo sido reconciliados, seremos salvos por sua vida!” (Romanos 5:10, NVI). Ele revela aos efésios que formos reconciliados “em um só corpo com Deus, por intermédio da cruz (Ef 2:16). Portanto, a plenitude desta mensagem de que, através da morte de Jesus, Deus tornou possível o perdão do pecado e “reconciliou consigo o mundo” (2 Co 5:19), está absolutamente além da compreensão humana. Era por isso que os judeus consideravam a cruz um escândalo, e os gentios a considerava loucura (1 Co 1:23).

Ainda hoje a cruz continua sendo considerada loucura. A lógica humana não a pode explicar. A razão não a pode compreender. A ciência não a pode demonstrar. Podem as três unir-se em zombaria: “Como a morte de um homem na cruz pode obter perdão e produzir reconciliação?” Esta pergunta formulada milhares de vezes, é parte do plano de Satanás para confundir o assunto. É importante que se diga que não estamos falando aqui de um mero homem. Estamos falando de Deus, que “esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até à morte, e morte de cruz!” (Filipenses 2:7,8, NVI).

A cruz de Cristo é o instrumento de Deus para tratar o problema do pecado e efetuar a reconciliação de um mundo arruinado pela rebelião contra Deus. “Como Jesus crucificado com os ladrões, foi posto "no meio", assim foi Sua cruz colocada no meio de um mundo a perecer no pecado” (O Desejado de Todas as Nações, p. 751).

Assim como Deus está além da compreensão humana, também se encontram Seus caminhos de criação e redenção. Jesus morrendo por nós é o cerne da mensagem cristã, é o meio de reconciliação usado por Deus. Não há outro caminho. O caminho é estreito. O caminho da cruz é um só. Cristo foi positivo. Ele usa as coisas loucas deste mundo para convencer os sábios.

A escritora cristã Ellen G. White escreveu: “[...] Contemplem-no pendurado na cruz durante aquelas horríveis horas de agonia, a ponto de os anjos velarem o rosto para ocultá-lo da horrorosa cena, e o Sol esconder sua luz, recusando-se a contemplá-la. Pensem nessas coisas, e então perguntem: É o caminho demasiado estreito? Não, não” (Testemunhos Seletos, v. 1, p. 82).

Por que a Cruz é o Poder de Deus?

1) A cruz põe fim a velha vida (Gl 2:20)

Mas se por um lado para muitos a mensagem da cruz é loucura, por outro lado para os que “estão sendo salvos” a mensagem da cruz é poder de Deus e sabedoria de Deus. Para os salvos, a mensagem da cruz é sabedoria poderosa; é incomparável a qualquer filosofia produzida pela sabedoria humana. “Esse poder é demonstrado pela transformação do caráter que ocorre quando o pecador aceita a graça. O evangelho é muito mais que uma declaração de doutrina ou um relato do que Jesus fez pela humanidade quando morreu na cruz. É o poder de Deus atuando no coração e na vida do pecador crente arrependido, fazendo dele uma nova criatura (Rm 1:16; 2 Co 5:17)” (Comentário Bíblico Adventista, v. 6, p. 733).

O apóstolo Paulo, é um clássico exemplo da manifestação do poder de Deus. Ele era um adversário da igreja no seu início. Mas, foi alcançado, quando vagava perdido em sua sabedoria apreendida aos pés de Gamaliel, pelo Cristo crucificado. Aquele que perseguia aos seguidores da cruz, passou a ser perseguido por seu amor a mensagem da Cruz. A vida antiga dele tinha como centro o eu, como se dá com todos os descrentes (“os que se perdem”). Todos os seus planos, todas as suas esperanças, todos os seus motivos se ligavam com a sua própria pessoa.

Mas essa vida findou, e de uma maneira notável. Ele diz: “Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gálatas 2:20, NVI). E nós, hoje, também temos o mesmo privilégio de contemplar o fim judicial de toda a nossa vida pecaminosa na cruz de Cristo. Quando isso acontece? Quando nos movimentamos em direção a Deus, e entregamos-nos incondicionalmente a Ele.

2) A cruz marca o início de uma nova vida

Quando nós vamos a Jesus, Ele nos aceita como somos, perdoa nossos pecados, nos declara justo e transforma nossa vida, implantando dentro de nós Sua natureza (Rm 3:23-25; 1 Co 5:17). A partir desse momento começa a nossa experiência de vida com Ele. Paulo escreveu essa experiência de maneira extraordinária: “[...] Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gálatas 2:20, NVI).

Caro amigo leitor, existe algo maravilhoso por trás de tudo isto. Jesus não quer viver apenas ao nosso lado como o fez com Seus discípulos. Ele quer habitar em nós, através do Seu Espírito Santo.

Quando Cristo vive em nós através do Espírito Santo, Ele santifica nossa vontade pecaminosa. Longe de Jesus a nossa vontade não passa de uma pobre vontade pecaminosa que nunca poderá enfrentar a tentação com sucesso. O máximo que conseguirá será vitórias ocas, aparência externa e nada mais.

Você quer conseguir vitórias autênticas? Então só tem um caminho. Correr aos braços de Cristo, permanecer nEle, permitir que Ele habite em você através de Seu Espírito Santo e santifique sua vontade. Sua vontade santificada pela presença do Espírito Santo é onipotente. Você será vitorioso. Não por causa de sua força de vontade, mas por causa de sua comunhão permanente com Jesus que crucifica sua vontade. Por isso Paulo diz: “Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim”.

Somente fracassam na vida aqueles que perdem o contato com a fonte da vida. Quem se estriba na fé (na linguagem da cruz) tem ao seu dispor a luz infinita, a energia inesgotável, a alegria de viver, feliz para sempre.

Querido amigo, não quer você depor a sua velha vida pecaminosa aos pés de Cristo, permitindo que o poder desta cruz transforme o seu viver?

Para mim e para você a cruz de Cristo, deve ser um símbolo de alegria e vitória. Jesus morreu numa cruz de forma humilhante sim, mas ao terceiro dia Ele ressuscitou, e hoje está no santuário celestial, como nosso Sumo Sacerdote intercedendo por nós, e todos quanto O aceitarem tem a vida eterna (Hb 8:1, 2; 7:25; Jo 3:16). Então se você é sábio ainda convido ser louco e receber Jesus Cristo como Salvador.
  






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