Teologia

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

QUANDO O DEUS DE AMOR DERRAMA LÁGRIMAS





Ricardo André

Teciliane Maria estava a menos de quatro meses de seu 17º aniversário quando sua mãe, familiares e amigos receberam a indesejável notícia de que ela havia falecido. Ela era bem jovem e estudava no Colégio Estadual Sílvio Romero. A enfermidade de Teciliane era linfoma, uma enfermidade grave. Enquanto escrevo, vem a minha memória o sofrimento terrível de Teciliane desde que descobriu a doença. Lutou contra o câncer vários meses. Infelizmente as inúmeras tentativas em vencer a doença não produziram os resultados esperados, vindo assim a falecer na tarde do dia 28 de julho de 2014.


Por que Teciliane Maria sofreu tanto? Por que inocentes sofrem? Poderíamos aceitá-lo se o sofrimento só afetasse malfeitores, mas gente boa sofre. Por quê? É a vontade de Deus?

Deveria a mãe de Teciliane, demais parentes e amigos dar ouvidos àqueles que sugerem que seu linfoma e sua consequente morte foi a vontade de Deus? Ao atribuírem sua doença à vontade de Deus, estão indicando que Deus a quis doente e, depois morta. Dizer: "É a vontade de Deus" é simplesmente outro modo de dizer: "Deus o deseja."

Estamos sempre prontos a culpar alguém pela dor, pelo sofrimento e miséria do mundo ao nosso redor. E geralmente culpamos a Deus – é quase automático. Quando vemos alguém passando por alguma dor, perguntamos: “Por que Deus permitiu isso?” Se somos nós que sofremos, a pergunta é a mesma: “Por que Deus permitiu?”

Por que culpamos a Deus?  Seria Ele o responsável pelo mal?

Segundo Hebreus 10:7, Jesus assim falou do propósito de Sua encarnação: "Vim para fazer, ó Deus, a Tua vontade." Jesus veio para fazer o que Deus queria  - ou desejava.

E que fez Jesus? Infectou Ele alguém com lepra? Feriu Ele alguém com cegueira? Não, em diversas ocasiões Ele abriu os olhos do cego. Fez Ele as pessoas ficarem surdas? Não, Ele curou os surdos.

Num sábado Jesus encontrou uma mulher aleijada na sinagoga. Durante 18 anos essa mulher tinha estado entrevada. Jesus parou no meio do sermão e contemplou-a com dó e disse: "Não se devia livrar deste cativeiro em dia de sábado esta filha de Abraão, a quem Satanás trazia presa há dezoito anos?" (Lucas 13:16).

Você notou a quem Jesus culpou pela condição da mulher? Satanás a tinha aleijado durante 18 anos. Mas Jesus veio para mostrar-nos o que Deus quer. E Ele curou a mulher.

Certamente podemos garantir a mãe de Teciliane e seus parentes e amigos que Deus é a fonte de toda boa dádiva, mas Ele, decididamente não é a causa de coisas más. Como poderemos jamais detestar a miséria que achamos em nosso planeta se continuarmos a lançar sobre Deus a causa de tudo?

Aqueles a quem Deus ama Ele disciplina

Cristãos bem intencionados têm dito a pessoas como Teciliane: "Você deve ser muito especial para Deus. Deus não desperdiça Seus esforços em material inútil. Deus quer aperfeiçoá-la. Quando seu Pai celeste tiver completado Sua obra, você será como ouro provado no fogo."

Eliú, um amigo de Jó, disse praticamente o mesmo. Deus, segundo Eliú, envia o sofrimento não como castigo (como os outros amigos tinham insistido) mas como disciplina (ver Jó 33:15-22, 29-30).

Que tal?

A mãe de Teciliane, certamente tinha notado imperfeições nela, e como todos os bons pais e mães a tinham disciplinado para que crescesse para ser uma honra ao nome da família e um benefício para a sociedade. É isto o que Deus está fazendo para Teciliane enquanto sofria com sua doença?

Suponhamos por um momento que o linfoma de Teciliane tenha aperfeiçoado a sua alma. É esta uma causa apropriada para o efeito desejado? Ellen White escreveu certa vez: "Deve o corpo ser mantido em estado saudável a fim de a alma estar sã."1

Sendo este o caso, como pode o linfoma de Teciliane aperfeiçoar sua alma? Um corpo doentio não é o caminho para a santificação.

Se o linfoma de Teciliane veio como uma disciplina divina, por que devia ela submeter-se à quimioterapia numa tentativa de curá-la? Longe da mãe de Teciliane contrariar a disciplina divina na vida de sua filha! Não devem agir contrariamente ao propósito divino. Com efeito, se desastre, doença ou morte vêm para nos aperfeiçoar, todo cristão sincero, em vez de aliviar a dor, devia ajudar Deus em Sua obra de aperfeiçoamento causando dor sempre que possível!

Será que Teciliane quando estava viva conseguiu amar mais profundamente essa espécie de Deus? Soa, porém, como a espécie de Deus em cuja existência Satanás gostaria que crêssemos. Afinal, que melhor maneira de torcer nosso conceito de Deus do que retratá-Lo como um pai abusivo!

Apanhados na grande experiência

Parece tudo tão sem sentido, tão absurdo. Mas em face desta loucura, os defensores de Deus têm proposto a metáfora de uma experiência cósmica entre o bem e o mal como modo de fazer sentido daquilo que parece incrivelmente sem sentido.

Teciliane sabia que Deus não criou o mal; Ele criou só aquilo que é bom. Lúcifer (também conhecido como o diabo, ou Satanás, em seu estado após a Queda) inventou o mal. O seu coração se rebelou contra Deus, trazendo então o pecado ao mundo (Ez 28:13-15; Is 14:13, 14).E ela compreendeu que segundo o conceito do grande conflito cósmico, Deus poderia ter destruído Lúcifer ao primeiro sinal de rebelião, mas então o Universo teria servido a Deus por temor  -  não por amor. Assim Ele permitiu que Lúcifer embarcasse numa grande experiência de maldade.

Teciliane cria que quando o Universo todo se convencer de que Deus tem razão e que Satanás está errado, então Deus porá fim à experiência. Entrementes ela e milhões de outros penam uma existência torturada neste globo  - como muitos ratos brancos num laboratório.

O que está acontecendo dentro deste laboratório não é agradável, mas contribui para algum bem maior.

Sim, ela reconheceu tudo isso, mas pode você imaginar como tudo soou a Teciliane enquanto vivia? Provavelmente algo assim: Deus dispôs-Se a provar algo - Ele mesmo. Satanás disse que Deus é egoísta, arbitrário, exigente, não realmente bom. Assim Deus dá a Satanás a oportunidade de Se defender.

E a verdadeira natureza de Satanás torna-se visível. Vêmo-lo nos desastres, nas doenças e nas mortes ao nosso redor.

Claramente, o tema do grande conflito tem muita capacidade explanatória. De todas as explicações para a existência do sofrimento, é provavelmente a mais convincente. Mas não devemos permitir que ela nos faça complacentes.

Se aceitamos o tema do grande conflito como uma das melhores explicações para o mal que tem infectado nosso planeta, não podemos ignorar o sofrimento experimentado por Teciliane como algo aceitável porque apoia uma boa causa -  a vindicação do caráter de Deus.

Além disto, parece egoísmo da parte de Deus permitir todas as atrocidades deste mundo infligidas a bilhões de Suas criaturas por milhares de anos somente para provar que Ele tem razão e que Satanás está errado. Que espécie de Deus permitiria o que se passou nas últimas 24 horas - para não dizer nos últimos 6.000 anos - simplesmente para demonstrar que Ele - não outro - tem razão?

Quando apelamos à grande controvérsia para vindicar a Deus em face de doenças como a que matou Teciliane, simplesmente não podemos passar por alto este sofrimento com um palavreado floreado. Se o fizermos, estaremos usando de métodos diabólicos, fazendo a obra do diabo.

Então, qual é a última palavra sobre o mal?

É preciso reconhecer que a existência do sofrimento é tão inexplicável como a existência do pecado. A maioria dos cristãos crê que o desastre, a doença e a morte de algum modo seguem ao pecado. Não é fácil detectar uma relação direta de causa e efeito entre comer um simples pedaço de fruta no Éden e os eventos calamitosos que diariamente mancham a existência em nosso planeta. Mas se há uma relação  - como a tradição afirma  -  então a resposta à pergunta: Por que o pecado? devia lançar alguma luz sobre a questão: Por que o sofrimento?

O problema é que o pecado não tem uma explicação lógica. É por isso que as Escrituras o chamam um mistério - o mistério da iniquidade (II Tessalonicenses 2:7). "O pecado é um intruso, por cuja presença nenhuma razão se pode dar (...) Se para ele se pudesse encontrar desculpa, ou mostrar-se causa para a sua existência, deixaria de ser pecado."3 Com efeito, o mal físico ao nosso redor é tão bizarro como o mal moral que tem devastado nosso planeta. Queiramos ou não, nosso planeta tornou-se um teatro do absurdo. Se somos honestos conosco, com outros e com as Escrituras, precisamos admitir que nossas explicações carecem de convicção. O mal é um enigma que desafia explicação.

Quando Deus derrama lágrimas

Mas o que dizer sobre o Deus da Bíblia? Onde estava Ele durante o tempo de sofrimento trágico de Teciliane? Que estava Ele fazendo?

Temos uma pista na experiência de Maria e Marta quando seu irmão Lázaro morreu. Onde estava Jesus? Vêmo-Lo de pé junto ao sepulcro de Lázaro. E "Jesus chorou" (João 11:35).


À porta do sepulcro de Lázaro, Deus (em Jesus) uniu-Se a Maria e Marta, seus vizinhos e conhecidos derramando lágrimas. Encontramos conforto em saber que, quando se pôs à sepultura de Seu amigo Lázaro, “Jesus chorou”.  Um dos versículos mais curtos da Bíblia tem um enternecedor significado. Mas, por que Jesus chorou? “Seu coração pungiu-se pelas penas da família humana de todos os tempos e em todas as terras. Pesavam-Lhe fortemente sobre a alma as misérias da pecadora raça. E rompeu-se-Lhe a fonte das lágrimas no anelo de lhes aliviar todas as aflições”2

Achamos a mesma situação no Antigo Testamento. "Então Se arrependeu o Senhor de ter feito o homem na Terra, e isso Lhe pesou no coração" (Gênesis 6:6).

Isaías registra que "em toda angústia deles foi Ele angustiado" (Isaías 63:9).

Jeremias registra a mesma reação da parte de Deus: "Por isso uivarei por Moabe, sim gritarei por todo o Moabe; pelos homens de Qir-Heres lamentarei; chorarei por ti, como Jazer chora" (Jeremias 48:31-32).

Não só nossa aflição comove a Deus, mas também somos encorajados a lançar "sobre Ele toda a vossa ansiedade; porque Ele tem cuidado de vós" (I Pedro 5:7). E Paulo é enfático: "Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem vida, nem anjos, nem principados, nem coisas do presente, nem do porvir, nem poderes, nem altura, nem profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor" (Romanos 8:38-39).

A doença de Teciliane não significa que Deus a abandonou. Em sua dor não deveria imaginar que Deus estava aborrecido. "Frequentemente vosso espírito se poderá nublar por causa do sofrimento. Não busqueis pensar então. Sabeis que Jesus vos ama. Ele compreende vossa fraqueza. Podeis fazer Sua vontade com o simples repousar em seus braços."3

Vendo Teciliane sofrer, Deus mesmo derramou lágrimas. Jesus chora por todos nós que sofremos em várias ocasiões e por muitos motivos. As lágrimas de Jesus junto à sepultura de Lázaro são apenas um microcosmo da dor que Ele tem experimentado ao obsevar a sofredora raça humana. Assim, se você, caro amigo, está passando agora por um momento difícil, lembre-se das lágrimas de Jesus. Ele suportou a cruz a fim de poder sentir empatia e compaixão por você.

Isto é confortador, mas é isto tudo que Deus faz? É Ele um Deus compassivo mas impotente que torce Suas mãos em frustração ao chorar em simpatia? Não.

Volvamos a Maria, Marta e Lázaro. Disse Jesus: "Tirai a pedra" (João 11:39). Então depois de breve oração, Jesus, que é Deus encarnado, comandou: "Lázaro, vem para fora!" (verso 43).

E "saiu aquele que estivera morto" (verso 44).

Deus não só derramou lágrimas. Ele repeliu a morte.

Nossas aflições comovem a Deus, mas também O movem a revelar Seu propósito. Nem sempre veremos a evidência de Seu poder hoje ao enfrentarmos desastre, dor e morte. Podemos, ao contrário, apenas sentir Suas lágrimas. Não obstante, o Novo Testamento torna claros os propósitos de Deus. Por fim, Deus fará novas todas as coisas (Apocalipse 21:5).

Ela morreu, mas levou consigo a ESPERANÇA de ser ressuscitada na manhã da ressurreição, pois ela era cristã Adventista do Sétimo Dia, Bairro Estação. O apóstolo Paulo, na sua carta aos Tessalonicenses 4:13-18 nos consola com a agradável esperança de uma reunião feliz e eterna com aqueles que morreram, a exemplo de Teciliane, quando o Senhor Jesus aparecer em glória. Na ocasião, ocorrerão dois dos acontecimentos mais esperados pelos cristãos de todas as eras: a ressurreição dos santos mortos e a transformação dos santos vivos. Como é bom ser cristão adventista e crer na volta de Jesus. O quadro pintado por Paulo será a concretização de todos os que creram e que creem em Jesus e que, vivos ou mortos, aguardam ansiosos por Sua segunda vinda à Terra. Para eles, a morte não é o fim de todas as coisas; é simplesmente um sono de espera pela ressurreição e a vida eterna.

Teciliane está dormindo no Senhor agora. Esta separação que nos causa tanta dor não será eterna. Quando nosso querido Jesus voltar em glória e Majestade poderemos reencontrá-la, se crermos em Jesus. Esta ESPERANÇA está baseada sobre um sólido e indestrutível fundamento... Sim, ela se baseia na realidade de um Cristo vivo (v.14). A ressurreição do Senhor é o fundamento de nossa esperança (I Ped. 1:3. 2). Assim como Deus, o Pai, trouxe Jesus, nosso Salvador, dentre os mortos na manhã de Sua ressurreição no jardim, fora dos muros de Jerusalém, assim com Ele também trará nossos queridos mortos à vida novamente, quando voltar a segunda vez. Ela também está fundamentada no prometido e esperado retorno do Senhor à Terra (I Tes. 1:10; Atos. 1:10, 11).

Haverá, então uma feliz e eterna reunião! Viveremos por toda a eternidade sem fim com todos os remidos de todos os tempos. No Mundo do Amanhã que Deus trará para todos os que crerem nele não haverá mais morte. Ele nos promete: “Ele enxugará de seus olhos toda lágrima; e não haverá mais morte, nem haverá mais pranto, nem lamento, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas." (Ap 21:4).

E ao enxugar Deus as lágrimas de nossos olhos, imagino que Ele enxugará os Seus uma vez mais. Então o Deus que derrama lágrimas jogará fora para sempre Seu lenço divino.

 Referências:

1.     White, Evangelismo (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1978), pág. 261.

2.     White, O Desejado de Todas as Nações (Tatuí, SP: Casa publicadora Brasileira, 2004), p. 534.

3.     White, A Ciência do Bom Viver (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1990), pág. 251.



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