Marina
Garner Assis
Algumas pessoas são
extremamente sensíveis. Isso se manifesta claramente quando assistem a um
filme. São as pessoas que choram, que gritam, que usam linguagem corporal e
facial para expressar seu intenso envolvimento com o filme a que estão
assistindo. O mais engraçado é perceber que em alguns momentos essas pessoas
parecem achar que conseguirão influenciar de alguma forma o destino da história
desenvolvida diante delas. Você ouvirá em alguns momentos: “Não faça isso! Como
você é burro!” “Não entre aí, porque o homem que quer lhe matar está dentro
desse quarto!” “Rápido! Rápido! O tempo está acabando!” Todos esses clamores do
espectador basicamente se traduzem em: “Se você soubesse o que eu sei, sua
decisão seria diferente.” Essa situação não é encontrada apenas em cinéfilos,
mas em situações do dia a dia. Vemos alguém tomando uma decisão que temos
certeza de que seria diferente, caso a pessoa tivesse as informações ou a
experiência que nós temos.
O que isso tem a ver
com a discussão atual a respeito da ordenação de mulheres? Muita coisa! Com
este artigo, pretendo mostrar que se os membros da Igreja Adventista do Sétimo
Dia soubessem de algumas nuances e falácias relacionadas com o debate da
ordenação de mulheres, provavelmente a opinião deles seria diferente. Quem sabe
não teríamos tamanha polarização entre leigos, teólogos e administradores da
igreja e, certamente, não encontraríamos tanta má utilização de argumentos
tanto de um lado quanto do outro. Opiniões seriam mais respeitadas e argumentos
seriam mais bem desenvolvidos.
É importante primeiro
entender com o que estamos lidando ao falar sobre a ordenação de mulheres e a
Conferência de 2015. A discussão atual não é se mulheres podem atuar como
pastoras (esse cargo já é reconhecido pela IASD), nem se mulheres podem ser
ordenadas (elas já podem ser ordenadas diaconisas e, em alguns casos, anciãs).
O debate é especificamente sobre a ordenação da mulher ao ministério pastoral.
O motivo pelo qual estou abordando as falácias utilizadas no debate sobre
ordenação de mulheres (em geral) é porque alguns advogam que a ordenação da
mulher, tanto como diaconisa quanto anciã, e a possibilidade de ser ordenada
pastora, deve ser oficialmente abolida.
Mas o que é uma
falácia? Trata-se de um defeito em um argumento que consiste mais do que em
premissas (razões) falsas. Todo argumento é constituído de premissas (razões
para defender uma conclusão) e uma conclusão. Argumentos podem ser tão simples
quanto: “Todo adventista guarda o sábado. Eu sou adventista. Portanto, eu guardo
o sábado.” Tudo o que tentamos defender é seguido de premissas, razões do
porquê defendemos aquilo. Porém, ao desenvolver argumentos, muitas pessoas os
desenvolvem da forma errada, ou com premissas falsas, ou com defeitos no
argumento (falácia). Por exemplo, alguém pode dizer: “Não devemos confiar nas
doutrinas adventistas porque fulano é adventista e tem um caráter nada
exemplar.” Esse argumento, por mais que seja um argumento, é falacioso. Ele cai
na falácia chamada ad hominem (contra o homem), que acontece quando alguém vai
contra um argumento ao abusar verbalmente de outra pessoa. Esse é um defeito no
argumento porque o argumento bíblico/religioso de alguém não é uma pessoa.
Agora que entendemos
melhor o que é uma falácia, antes de comentar aquelas utilizadas no debate
sobre a ordenação da mulher, deixe-me esclarecer algumas questões.
Minha posição no
assunto não importa. Você pode se perguntar como isso é possível, uma vez que
estou escrevendo um artigo a respeito. Apesar disso, o que irei expor a seguir
não é fruto da minha predileção por um posicionamento, mas sim fruto da minha
predileção por argumentos válidos quando se trata de um posicionamento. Sou
formada em teologia pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo. Fui uma
das cinco mulheres que cursaram teologia entre 2006 e 2009, em meio a quase 500
alunos homens. Porém, nunca senti o desejo de ou o chamado para ser ordenada
pastora da Igreja Adventista (apesar de repetidamente ser chamada de
“pastora”). Minha paixão sempre foi e sempre será levar pessoas a Cristo e
disseminar o evangelho correto por onde quer que eu vá. Sempre defendi uma
atuação mais destacada das mulheres no ministério, mas ordenação nunca fez
parte da minha apologia.
Em segundo lugar,
apesar de já ter ouvido pessoas defendendo o contrário, sou contra qualquer
defesa de princípios bíblicos ou eclesiásticos com base em pragmatismo. Ou
seja, “é certo” não implica “qualquer argumento vale”. Pode muito bem ser que a
ordenação da mulher não faça parte do plano de Deus para a Igreja Adventista.
Mas isso não nos autoriza a utilizar argumentos inválidos e falácias para
defender essa posição. E vice-versa. A união da igreja é de crucial importância
quando se trata dessa questão, mas não deveria levar ninguém a utilizar meios
desonestos para chegar a tal fim. Como dizem, o fim não justifica os meios.
Finalmente, este artigo
não busca ser um esclarecimento exegético (bíblico) do assunto. A defesa dos
dois lados está disponível na internet para qualquer um que tenha interesse em
conhecê-los (www.adventistarchives.org/ordination). Há, inclusive, um livro de
edição e autoria evangélica chamado Two Views on Women in Ministry [Dois pontos
de vista sobre mulheres no ministério] (Grand Rapids: Zondervan, 2005),
organizado por Stanley Gundry e James
Beck. Ele oferece um bom panorama tanto da base bíblica quanto das implicações
para os igualitários (aqueles que são a favor) e os complementaristas (os que
são contra). O que eu acredito abertamente é: existem versos bíblicos bons e
dentro do contexto para ambas as visões sobre a ordenação de mulheres, em
geral, e de pastoras, em especial. É por essa razão que tenho a tendência de
concordar com a posição de que, por não existir forte base bíblica para
qualquer um dos lados, cada Divisão mundial da Igreja Adventista deveria ter a
liberdade de decidir a favor ou contra, levando em conta assuntos como a
aceitação da cultura e a necessidade urgente de auxílio pastoral. Meus motivos
contra a ordenação se caracterizam mais como pragmáticos do que bíblicos.
Para deixar claro como
o sol: meu objetivo não é defender uma posição ou provocar conflitos, mas,
simplesmente, apontar as falácias utilizadas nesse debate (principalmente do
lado complementarista) e ajudar a promover uma compreensão mais objetiva do que
é um bom argumento e do que não é. Vídeos e textos em defesa da visão
complementarista podem ser facilmente encontrados na internet. Também não estou
alegando que todos os que participam dessa conversa utilizam esses argumentos,
mas todos já foram escutados ou lidos por mim em algum meio de comunicação.
Sem mais delongas,
vamos ao assunto do título: falácias e a ordenação da mulher.
Falácia
da rampa escorregadia
Ao lermos o que se diz
contra a ordenação da mulher, encontramos repetidas vezes argumentos
semelhantes a estes:
Se aceitarmos a
ordenação de mulheres, em seguida teremos que mudar todo o nosso método de
interpretação bíblica, e isso vai mudar doutrinas adventistas com o tempo.
Depois disso, aceitaremos a agenda social do homossexualismo. Uma coisa
certamente levará a outra! Se fosse só uma questão de ordenação da mulher, tudo
bem, mas é mais do que isso. Tudo vai mudar depois disso. Essa será uma decisão
destrutiva para a interpretação bíblica da Igreja Adventista.
Essa falácia é
conhecida como “falácia da rampa escorregadia” (ou “bola de neve”). Ou seja,
ela ocorre quando a conclusão de um argumento se baseia em uma suposta reação
em cadeia e não existe razão suficiente para pensar que essa reação irá, de
fato, acontecer.
Muitos filhos
reconheceriam essa falácia por já terem ouvido da boca da mãe: “Filho(a), se
você sair hoje com aquele menino(a), você vai virar um delinquente. Amanhã você
estará usando drogas, depois vai começar a roubar e daqui a pouco tempo estará
na prisão, onde certamente você vai morrer. Ou vai sair da prisão e morrer!”
O exemplo foi
exagerado, mas demonstra bem o erro do argumento. É difícil compreender como a
ordenação de mulheres pode desencadear uma cadeia de eventos tão desastrosa, e
certamente não existe razão suficiente para pensar que ela de fato acontecerá.
Falácia
da falsa dicotomia
Outro argumento
utilizado e que pode ser colocado de maneira formal é o seguinte:
1. Ou a Bíblia tem uma
mistura de mandamentos universais e mandamentos culturais e é uma mistura de
verdade e erros, ou todos os seus mandamentos são universais.
2. A Bíblia não é uma
mistura de verdade e erros.
3. Portanto, todos os
mandamentos da Bíblia são universais.
Ou:
Uma igreja que segue a
Bíblia e a Jesus Cristo não ordenaria mulheres. Devemos ser a igreja de Jesus,
o “povo da Bíblia”, o que sempre nos consideramos.
A falácia que aparece
nesses dois argumentos é chamada de “falsa dicotomia”. Ela é cometida quando o
argumentador apresenta duas alternativas pouco prováveis como se elas fossem as
únicas disponíveis. O argumentador então elimina a alternativa menos desejada,
deixando-nos com a que ele prefere. Você se lembra de alguém que já tenha lhe
falado: “Ou você concorda comigo sobre esse assunto ou você vai se perder eternamente”?
Talvez não tenham lhe falado isso abertamente, mas implicitamente.
No primeiro argumento
acima, a falácia está em não apresentar uma terceira alternativa, certamente
mais equilibrada, de que a Bíblia possui, sim, mandamentos culturais e universais,
mas isso não quer dizer que ela seja uma mistura de verdade e erro! O que fazer
com o mandamento do ósculo santo (1Co 16:20)? Quem está solteiro não deve
procurar esposa (1Co 7:27)? Por que dizer que tudo o que foi escrito na Bíblia
é para nós, no século 21, obedecermos? Onde está o respeito para com o contexto
cultural em que os autores estavam inseridos? Essa é uma das principais regras
da interpretação bíblica.
Em primeira instância,
Deus falou com os profetas e o povo daquele tempo. Em segunda instância, essa
mensagem é aplicada a nós. Não estou dizendo com isso que aquilo que nos deixa
desconfortáveis deva ser descartado e aquilo que se ajusta às nossas ideias
deva ser incorporado em nossa vida. Jamais! Mas devemos utilizar instrumentos
de interpretação bíblica para ter o discernimento entre comandos culturalmente
embasados e comandos universais.*
No segundo argumento, é
fácil ver qual é a falsa dicotomia: ou somos o povo da Bíblia ou ordenamos
mulheres. Não há terceira alternativa e não há como unificar as duas ideias.
Isso é falacioso.
Falácia
do apelo ao medo
O medo leva muitas
pessoas a fazerem e decidirem coisas que, do contrário, não fariam ou
decidiriam. Muitos defensores do complementarismo recorrem a essa falácia, como
vemos no seguinte argumento:
Se permitirmos a
ordenação da mulher na Igreja Adventista, logo as pessoas perguntarão por que
guardamos o sábado. Pois se fizermos o primeiro por questões culturais, por que
não seguimos a norma cultural em relação ao segundo?
Ao seguirmos a cultura
do mundo, estamos deixando os princípios da Bíblia.
A “falácia de apelo ao
medo” é autoexplicativa. O argumentador recorre ao medo da audiência a fim de
convencê-la da conclusão. Se existe algo que fomenta o medo de qualquer adventista
é ser “do mundo”, a igreja se “secularizar”, se tornar “pós-moderna”. Esses, de
fato, são problemas, e a igreja tem feito esforços formidáveis para fugir da
tendência de nos adequarmos ao “mundo”. Porém, muitas vezes, “cultura” se torna
uma palavra que produz arrepios, e não um fenômeno que sempre existiu e sempre
nos influenciará, não necessariamente para o mal.
A implicação dessa
falácia é simples: não sei qual é a relação entre a guarda do sábado e a
ordenação de pastoras, mas se eu conseguir convencê-lo de que existe uma
relação estreita entre os dois assuntos, o medo prevalecerá.
Falácia
da supressão de evidência
A Bíblia é claramente
contra a autoridade da mulher sobre o homem. Portanto, não devemos ordenar
mulheres (nem pastoras).
A “falácia da supressão
de evidência” ocorre quando um argumento ignora uma premissa importante que, se
levada em consideração, provavelmente modificaria a conclusão. Isso é utilizado
comumente em comerciais como, por exemplo: “Use este desodorante e tenha
mulheres caindo aos seus pés!” O comercial deixou de mencionar que as mulheres
não vêm “junto com o pacote” do desodorante, mas que, a fim de ter mulheres
caindo aos seus pés, você provavelmente também terá que ser apresentável.
No argumento
aparentemente bíblico colocado acima, o argumentador ignora uma premissa
importante que poderia mudar a conclusão: a Bíblia também apresenta mulheres em
posição de liderança (At 1:12-14; 18:24-26; 21:7-9; Rm 16:1-16).
Falácia
do apelo à ignorância
Não existe evidência
bíblica para a ordenação de mulheres. Portanto, mulheres não devem ser
ordenadas.
Esse é um argumento
muito comum na discussão. A “falácia do apelo à ignorância” acontece quando as
premissas de um argumento afirmam que nada foi provado sobre algo, e a
conclusão então faz uma afirmação definitiva sobre o assunto.
Essa falácia se torna
complicada quando o assunto é ordenação de mulheres, porque não existe uma
declaração absoluta para nenhum dos lados. Nenhum verso bíblico diz: “Mulheres
não devem ser ordenadas para o ministério”, ou: “Mulheres devem ser ordenadas
para o ministério.” Fazer uma dessas declarações é errôneo e implica esperar
algo da Bíblia que não está lá.
Pode-se pensar que
estou desviando a atenção do estudo da Bíblia a fim de utilizar métodos filosóficos
para discutir a questão. Muito pelo contrário. Creio que somos e devemos
continuar sendo o “povo da Bíblia”. Porém, creio que devemos sê-lo de forma
responsável.
Meu desejo é que
continuemos a orar pelos líderes da igreja a fim de serem dirigidos por Deus
neste ano, não somente na decisão sobre a ordenação de mulheres, mas também no
desenvolvimento e no uso de argumentos a favor ou contra.
(Marina Garner Assis é
formada em Teologia pelo Unasp e mestranda em Filosofia da Religião pela
Trinity International University, nos EUA)
FONTE: www.criacionismo.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário