Ricardo
André
Há mais de dois mil
anos, Jesus encontrava-se perante Pilatos como criminoso condenado. Por quê?
Jesus explicou que o motivo disso — e de fato, a própria razão pela qual havia
vindo à Terra e empreendido o seu ministério — tinha que ver com uma única
coisa: a verdade. Ele disse: “Para isso nasci e para isso vim ao mundo, a
fim de dar testemunho da verdade.” (João 18:37).
A réplica de Pilatos
foi a pergunta memorável: “Que é verdade?” (João 18:38) Será
que ele queria uma resposta? Provavelmente não. Jesus era capaz de responder
qualquer pergunta sincera, mas ele não respondeu essa. E a Bíblia diz que
depois de fazer a pergunta, Pilatos não esperou para ouvir a resposta. Ele saiu
logo da sala de audiência e foi embora. (João 18:33–38). O governador romano
provavelmente fez a pergunta num tom de ironia, com cínica descrença, como se
dissesse: “Verdade, o que é isso? A verdade não existe!” Quantas vezes não
olhamos para Jesus e fazemos a mesma pergunta, O que é a verdade? Como se nunca
ouvimos falar desse Deus Salvador, desprezamos sua morte de cruz, não esperamos
resposta e damos as costas a Ele.
O conceito cético de
Pilatos sobre a verdade não é incomum no mundo atual. Há uma vertente do
pensamento contemporâneo, especialmente no Ocidente, que advoga a ideia de que
não existe verdade absoluta. Ela é vista por muitos como algo relativo,
condicional e cultural, de forma que, o que uma pessoa considera como verdade
pode não ser a verdade para outra, de modo que ambas podem estar “certas”. Essa
crença é tão difundida que há uma palavra para defini-la: “relativismo”.
Mas esse conceito não é
bíblico. Minha verdade tem que ser a mesma que a de todos no mundo,
simplesmente porque “verdade” é algo universal. Ela não pertence a ninguém em
particular, mas a toda a humanidade, quer todos os seres humanos a reconheçam
ou não.
Em um mundo pós-moderno
que nega que a verdade possa ser conhecida, a questão é mais importante do que
nunca para responder. “O
que é a verdade? De acordo com
os dicionários, verdade é tudo aquilo que está em conformidade com o que é real.
São as coisas exatas, certas, consistentes e fiéis. Aliás, também encontrei
essa definição com palavras similar no dicionário da Bíblia de Estudo Almeida,
publicado pela Sociedade Bíblica do Brasil.
Entretanto, embora essa
definição esteja correta, a Bíblia Sagrada vai nuito mais além quando
transforma o significado abstrato da palavra verdade num significado bem real e
concreto. Para uma resposta, nos volvemos a Jesus. Ele deu uma definição da
verdade inteiramente diferente, nunca dantes feita neste planeta: “Eu
sou (...) a verdade” (João 14:6), disse Ele. Esta pretensão chocante
leva a algumas afirmações sobre a verdade.
1.
A Verdade é transcendental
A realidade última é
achada fora do universo e não dentro de sua unidade estrutural e funcional.
Isto não quer dizer que não podemos apreender alguns elementos da verdade
através do uso de nossas faculdades racionais. Podemos obter algum
conhecimento. Contudo, conhecimento não é algo que criamos mas algo que
descobrimos. Esse conhecimento é fragmentado. A fim de que seja realmente
significativo, tem de ser posto dentro de um sistema de coordenadas maior,
provido pela verdade última.
Essa perspectiva nos é
inacessível porque requer que transcendamos o universo. Isso é simplesmente
impossível. Mas a verdade desceu até nós, entrou em nosso mundo na forma de uma
pessoa, e disse: “Eu sou (...) a verdade”. Sou o único capaz de integrar tudo
dentro de um todo significativo; porque “por Mim todas as coisas foram criadas, no
céu e na Terra, visíveis e invisíveis. Sou antes de todas as coisas, e em Mim
tudo subsiste” (Colossenses 1:16,17).
Esta afirmação de Jesus
era um golpe penetrante ao que os gregos chamavam de autárkeia ou suficiência
própria. Eles criam que a verdade era a manifestação da eterna, imóvel e
imutável essência das coisas e que os homens podiam descobri-la mediante
análise racional. A verdade última era localizada no mundo imaterial de ideias,
que era formado por abstrações racionais da mente humana. Em oposição a isto,
Jesus proclamou que a verdade está além do alcance da mente humana por si só; é
uma revelação.
Dizendo: “Eu
sou (...) a verdade”, Jesus rejeitou qualquer tentativa de definir a
origem, a natureza e o destino da raça humana de uma perspectiva natural.
Ademais, Ele Se arrogava
a verdade absoluta. Ele não disse: “Sou uma dimensão da verdade, um aspeto da
verdade, um elemento da verdade”. Aquele que falou era o Eterno “Eu sou”, Deus
em forma humana (Êx 3:14; Jo 8:58; Rm 9:5). NEle todo conhecimento encontra seu
centro e significado. Ele é a fonte e o fundamento de toda a verdade.
A Bíblia afirma que a
verdade ou sabedoria só pode ser obtida se a pessoa está disposta a reconhecer
que “O
temor do Senhor é o princípio da sabedoria” (Provérbios 1:7). A Bíblia
rejeita autárkeia como um caminho à verdade. À pessoa imatura tentada a ser
autônoma, vem o conselho: “Confia no Senhor de todo o teu coração, e
não te estribes no teu próprio entendimento” (Provérbios 3:5). Isto é
realmente difícil para a pessoa autossuficiente.
2.
A Verdade é uma Pessoa
Dizer que a verdade
final está localizada além da esfera da ação humana, é afirmar algo que não é
popular ou facilmente aceito. A natureza transcendental da verdade põe limite a
nosso orgulho e tende a nos deixar incomodados. Mas talvez ainda mais
perturbadora à lógica humana é a afirmação de Jesus de que nEle reside a
verdade — a verdade é uma Pessoa.
A filosofia busca a
verdade em termos de abstrações, identificando a essência atrás do que
experimentamos pelos sentidos. Mas Jesus contradiz tais noções dizendo que a
verdade não é uma coleção de conceitos abstratos ou universais que podemos usar
para integrar os fenômenos que observamos. Ele sugere que tudo que veio à
existência foi o resultado da atividade da Pessoa da qual todas as outras
pessoas derivam sua personalidade. O que mantém o universo coerente é uma Pessoa
— não uma lei, não um princípio, não uma simples força.
A verdade como uma
Pessoa significa que a verdade é racional e inteligível. Sua apreensão não
requer rejeição das faculdades racionais. Ao contrário, através de nossa
racionalidade podemos ter contato com a verdade. Isto é possível porque Jesus
Se colocou à nossa disposição. Portanto, precisamos desenvolver nossas
capacidades racionais ao máximo e fazê-lo dentro da esfera da verdade provida
por Aquele que disse: “Eu sou a verdade”.
A verdade como uma
Pessoa também significa que o universo não funciona de uma maneira mecânica,
controlado por leis impessoais. Sim, há leis que governam todos os fenômenos,
visíveis e invisíveis. Mas essas leis são a expressão da vontade e poder da
Pessoa que é a verdade, que mantém o universo coerente. “Só Tu és Senhor, Tu fizeste o
céu, o céu dos céus, e todo o seu exército, a Terra e tudo quanto nela há, os
mares e tudo quanto há neles; e Tu os preservas a todos” (Neemias 9:6).
O verbo traduzido “preservar” pode também ser traduzido por “manter em vida”. A
vida é preservada pela vida; vida inteligente é preservada pelo poder e a
própria fonte de vida inteligente. A realidade última cuida daquilo que existe;
somente pessoas cuidam.
Verdade como Pessoa revela
a natureza da realidade última: Deus é a verdade. Esta verdade humilhou-Se a Si
mesmo de modo misterioso e entrou em nosso mundo na forma de um ser humano (ver
Filipenses 2:5-11). A realidade última não é mais exclusivamente transcendental
porque Ele esteve e está entre nós. João diz que nós O vimos “cheio
de graça e verdade” (João 1:14). Assim a verdade se expressa em
humildade. Ele assume a forma do necessitado e do humilde, e embaraça nosso
orgulho e suficiência própria.
A natureza da verdade
foi revelada não só na encarnação, mas igualmente na cruz. A Verdade morreu a
fim de preservar em vida os fenômenos, o mundo criado. Aquele que mantém o
universo coerente morreu, e não obstante o universo não entrou em colapso e não
morreu com Ele! Uma vez mais o inesperado aconteceu, e foi revelado que a
verdade pode Se sacrificar pela criatura e continuar ao mesmo tempo a manter o
universo coerente.
A verdade como Pessoa
revela ademais a realidade sublime que no centro mesmo do Ser divino só podemos
achar amor, amor desinteressado (ver I João 4:8). Na cruz a mentira foi
desmascarada: a imagem de Deus e de Seu amor criada por Satanás foi claramente
demonstrada falsa. A verdade conquistou a mentira de Satanás.
3.
A Verdade deve ser apropriada
Quando Jesus disse: “Eu
sou a verdade”: Ele esperava uma
resposta. Visto que Jesus é a verdade, devemos nos relacionar com Ele não em
termos de objetividade científica, mas em termos de um relacionamento pessoal.
Compreendemos as pessoas sendo envolvidas em suas vidas, participando com elas
na experiência de sermos vivos; mediante koinonia. Podemos ter comunhão com a
Verdade porque ela é uma pessoa. NEle está localizada a origem, alvo e natureza
de nossa existência e de todo mundo. É nEle que uma visão global correta deve ser
achada, porque é Ele que deu coerência e significado ao universo.
O que é necessário é
disposição de render a Ele nossa autárkeia. Isto é de fato liberdade. “Conhecereis
a verdade e a verdade vos libertará” (João 8:32). Somos escravos do
pecado que se manifesta em nossa pretensão à suficiência própria. A mentira
consiste na crença de que podemos achar nosso caminho no universo, que podemos
descobrir significado permanente para nossas vidas mediante pesquisa
científica, tecnológica ou filosófica. Submissão à verdade nos liberta da
estreiteza da suficiência própria e nos integra na comunhão dAquele que disse:
“Eu sou a verdade”.
A verdade é apreendida
não só mediante um encontro pessoal com o Senhor, mas também através de Sua
Palavra. A verdade pode ser conceptualizada, codificada e encarnada em
palavras. Deus usa linguagem humana apesar de suas limitações, como um veículo
válido para a comunicação da verdade. Isto ocorre sob a revelação e inspiração
de Deus. Portanto, Paulo diz: “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil
para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça,
a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda
boa obra”(II Timóteo 3:16,17). Para conhecermos bem a verdade
precisamos conhecer bem a Jesus. E para conhecer bem a Jesus é necessário
conhecer bem a Palavra de Deus, pois disse Jesus; “São elas mesmas [as Escrituras]
que testificam de mim” (Jo 5:39).
A verdade determina não
só nossa compreensão da realidade e do mundo ao nosso redor, mas também o modo
como vivemos. Toda compartimentalização da verdade em termos de ética e
religião, ciência e fé, é uma rejeição do fato de que a verdade é uma Pessoa e
de que é Ele que integra todo conhecimento numa só totalidade significativa.
Devemos viver segundo a verdade (ver I João 1:6). Precisamos exibir a verdade
tanto na conversação como na conduta.
Conclusão
A pergunta que Pôncio
Pilatos fez séculos atrás precisa ser reformulada a fim de ser completamente
precisa. A observação do governador romano,"Que é a verdade?", ignora
o fato de que muitas coisas podem ter a verdade, mas só uma coisa pode
realmente ser a Verdade. A verdade deve se originar de algum lugar. A dura
realidade é que Pilatos estava olhando diretamente à Origem de toda a Verdade
naquela manhã mais de dois mil anos atrás. Não muito tempo antes de ser preso e
levado para o governador, Jesus tinha feito a simples declaração: "Eu sou
a verdade" (João 14:6) – o que foi bastante incrível. Como poderia um mero
homem ser a verdade? Ele não podia ser, a menos que fosse mais que um homem,
que é exatamente o que afirmava ser. O fato é que a afirmação de Jesus foi
validada quando ressuscitou dos mortos (Romanos 1:4).
Sua declaração põe
limites à nossa suficiência própria, porque a verdade é transcendental,
revelatória e pessoal. E podemos apreender aquela verdade mediante uma comunhão
pessoal com Ele, e seguindo-O em obediência.
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