Teologia

domingo, 19 de junho de 2016

MÚSICA NA BÍBLIA E A DANÇA




Levi de Paula Tavares

Um dia ao ler dois artigos sobre música, fiquei um tanto que incomodado devido a algumas declarações feitas com o objetivo de abonar o uso das danças e dos tambores na adoração. Uma das declarações dizia que a Bíblia se cala quando o assunto é música. Será realmente que a bíblia se cala quando o assunto é a música? Será que a bíblia tem respostas quanto ao uso de danças e tambores na liturgia? Por esta razão pretendo apresentar algumas ideias bíblicas a respeito da música, dança e em especial os tambores usados na adoração.

É óbvio que a Bíblia não se cala a respeito das questões envolvidas no uso da música, principalmente no uso da música na adoração a Deus. Na verdade, desde o cântico dos exércitos celestiais durante a Criação (Jó 38:6-7) até o grande coro dos remidos e dos anjos na majestosa recepção celestial aos salvos (Apocalipse 7:9-17), toda a Bíblia está repleta de citações relativas à música.

A Questão da Dança na Bíblia

Alguns usam até mesmo a Bíblia para afirmar que as danças e os tambores eram comuns na adoração do povo de Israel e que até reis e profetas fizeram uso dos mesmos. Estes argumentos serviriam de base para a justificativa ao uso de tambores e danças na adoração hodierna. Caso estes argumentos estivessem corretos, esta visão faria sentido, uma vez que, sendo Deus imutável em Seus preceitos, podemos seguramente afirmar que os mesmos princípios de adoração válidos para o tempo do Antigo Testamento, são válidos para a igreja atual, guardadas as diferenças de contexto histórico e teológico.

Vamos, então, analisar alguns destes argumentos, à luz do que diz a Palavra de Deus, e ver se eles resistem a uma confrontação com as verdades bíblicas:

Argumento 1 – Miriã, a profetisa, dançou com pandeiros e levou o povo de Israel ao mesmo. (Êxodo 15:20,21)

A pergunta que surge é: Moisés também dançou? Ao lermos atentamente o texto citado, podemos notar que o relato bíblico não autoriza esta conclusão. Na verdade, o argumento é capcioso ao insinuar que todo o povo tenha dançado, uma vez que, de acordo com o relato bíblico, somente as mulheres dançaram.

Se Moisés não dançou, porque não dançou? Devemos notar que o a dança de Miriã e das outras mulheres reproduz uma prática da época. Pode-se argumentar, inclusive, que esta era uma prática oriunda do Egito, de onde haviam acabado de sair. Se tivermos alguma dúvida sobre as origens desta prática, podemos nos perguntar:

De onde as mulheres trouxeram os tambores e adufes? Os tambores e adufes não foram trazidos de outro lugar a não ser do Egito. Afinal de contas, não podem ter sido construídos durante os poucos dias desde que haviam deixado o Egito.

É possível também que este tipo de instrumento fizesse parte da cultura religiosa egípcia. O povo de Israel viveu por mais de 400 anos no Egito, e este período longo foi suficiente para aprenderem e adquirirem certos costumes entre eles até mesmo costumes pagãos usados na adoração a ídolos e deuses egípcios. De fato, “em muitos túmulos dos antigos egípcios encontramos representações de moças dançando em festas particulares ao som de vários instrumentos, de maneira semelhante às modernas dançarinas”. Carl Engel, Music of the Most Ancient Nations, págs. 258 e 259 (citado em "Música em Minha Bíblia", pág. 111).

Outro fator a ser considerado é que o cântico de Miriã nada acrescenta ao cântico litúrgico de Moisés e dos filhos de Israel: "Cantai ao SENHOR, porque gloriosamente triunfou e precipitou no mar o cavalo e o seu cavaleiro." (15:21). Além disso, a dança praticada por Miriã e pelas mulheres não foi um ato de culto e nem foi incorporada no culto do Antigo Testamento.

Depois do estabelecimento do povo de Israel em Canaã, esta prática durou ainda algumas centenas de anos. A Bíblia relata que as mulheres cantavam e dançavam por ocasião de vitórias militares (I Samuel 18:6; 21:11; 29:5; Juízes 11:34). Podemos argumentar que uma prática cultural popular trazida do Egito e posteriormente abandonada, sem jamais ter sido incorporada ao serviço de adoração no templo, seja uma justificativa para o uso da dança nos dias de hoje? Apenas por coerência já teríamos que responder que não, mas, considerando o espírito festivo da dança comemorativa das mulheres daquele tempo com a sensualidade da dança aos pares da atualidade, temos que responder com um enfático “JAMAIS”!

Argumento 2 – Davi “dançou diante do Senhor” (II Samuel 6:14-16)

A pergunta que surge é: Qual era o contexto dessa dança de Davi? Este evento nos autoriza a utilização desta expressão corporal nos nossos cultos de adoração a Deus, nos dias atuais?
A palavra hebraica utilizada neste texto é karar. Esta palavra quer dizer, literalmente, saltar ou pular. De fato, a Bíblia na versão Almeida, Revista e Corrigida descreve o evento da seguinte forma: “E Davi saltava com todas as suas forças diante do Senhor” (verso 14). A partir desta compreensão, podemos entender que o que Davi estava fazendo não era uma dança exibicionista, sensual (como as danças atuais), nem mesmo uma dança ritual ou litúrgica (o que, embora ocorresse entre os povos pagãos cananitas, era completamente desconhecida na liturgia judaica); ele estava simplesmente saltando de alegria, como uma criança que acaba de ganhar um presente esperado há muito tempo.

Porém, antes de continuarmos, devemos levar em conta três pontos: Primeiro, poderia surgir o argumento de que saltar, ao som de música, é a mesma coisa que dançar. Em segundo lugar, muitas versões bíblicas traduzem o termo karar neste verso como “dançou”. E, terceiro, é óbvio que devemos admitir que, embora o contexto de II Samuel 6:14 sugira outra coisa, “dança” é um significado possível para o termo karar. Assim, nos parágrafos que se seguem, admitimos, para fins de argumentação, que Davi tenha dançado de alegria, uma manifestação física espontânea, uma expressão de júbilo diante do Senhor.

Ellen G. White descreve o evento nos seguintes termos: “A música e dança, em jubiloso louvor a Deus, por ocasião da mudança da arca, não tinham a mais pálida semelhança com a dissipação da dança moderna. A primeira tendia à lembrança de Deus, e exaltava Seu santo nome. A última é um ardil de Satanás para fazer os homens se esquecerem de Deus e O desonrarem." (Patriarcas e Profetas, p. 707)

Para compreendermos corretamente esta questão, vamos recapitular toda a história:
Antes da instituição da monarquia em Israel – com a unção de Saul como rei – quando o povo de Israel estava sendo atacado pelos filisteus, em vez de buscar qual seria a vontade do Senhor, eles decidiram por si mesmos, levar a Arca da Aliança para a batalha, confiando no objeto como um talismã, em vez de confiar no Senhor. Os filisteus os derrotaram e tomaram a arca como um troféu de guerra (I Samuel 4:1-11).

Porém, os filisteus só tiveram problemas com a Arca da Aliança, porque o Senhor infligia a eles todo tipo de doenças (I Samuel 5:1-11). Então, eles decidiram devolver a Arca da Aliança. Colocaram-na sobre uma carroça e duas vacas a levaram, sem ninguém precisar dirigi-las, para o povo de Israel, no campo de um homem chamado Josué, na cidade de Bete-Semes. Porém, alguns dos israelitas, por curiosidade, olharam dentro da arca e morreram diante do Senhor (I Samuel 6:1-20). Por causa disso, o pessoal da cidade pediu que a arca fosse levada dali. Ela foi levada para a casa de Abinadabe, na cidade de Quiriate-Jearim e ficou ali por vinte anos (I Samuel 6:21-7:2).

Durante todo o reinado de Saul, a Arca da Aliança ficou em Quiriate-Jearim. Assim que Saul morreu, e Davi foi ungido como rei de Israel, a primeira coisa que ele fez foi conquistar a cidade de Jerusalém, que tornou-se a capital do império (I Crônicas 11:4-9; II Samuel 5:6-13). A segunda coisa que ele fez foi planejar trazer a Arca da Aliança para Jerusalém. É neste ponto que ocorreram os eventos que vamos analisar, para compreender a questão da dança de Davi.

 Este preâmbulo foi necessário, para que pudéssemos compreender a importância deste fato para Davi, pessoalmente, e para a nação Israelita, como um todo. Agora podemos entender porque Davi estava tão feliz, a ponto de saltar de alegria, como destacamos acima.

Não podemos nos esquecer também que Davi sempre havia sido, até este ponto, extremamente zeloso com as coisas de Deus, sempre buscando a Sua vontade e realizando grandes coisas em Seu nome. Porém, no planejamento do transporte da Arca da Aliança, saindo de Quiriate-Jearim, Davi fez planos sem consultar ao Senhor. O relato bíblico de Crônicas (tampouco o de Juízes 6) não menciona Davi consultando a Deus em nenhum momento; seja acerca dos métodos a serem utilizados no transporte, seja acerca da aprovação divina em trazer ou não a arca de volta. Em vez de consultar os sacerdotes, ele consultou seus comandantes (I Crônicas 13:1-2).

Mesmo assim, o intento de Davi é colocado em ação. Aparentemente tudo está correto! Um carro novo (último tipo!!!) é escolhido para o transporte, a orquestra improvisada toca música “harpas, e com saltérios, e com tamboris, e com pandeiros, e com címbalos” (II Samuel 6:5; ver também I Crônicas 13:8), Davi e todo o povo vibram em excitação e o rei é aclamado por seu feito religioso e heróico. Até que o imprevisível acontece. Os bois tropeçaram, a arca quase caiu e Uzá, um mero mortal, toca a arca e morre, fulminado pela ira do Altíssimo. O evento da morte de Uzá parece uma mensagem fortíssima ao rei de Israel; e este, inspirado pelo Espírito Santo, faz uma declaração não menos poderosa e cheia de compreensão do sinal de Deus: "Temeu Davi ao Senhor naquele dia, e disse: Como trarei a mim a arca de Deus?"(II Samuel 6:9; ver também I Crônicas 13:12).

Davi poderia ter blasfemado contra Deus ou exasperando-se contra o povo: "Infiéis! Desobedecestes a ordem de Deus e tocastes a arca! Deixai-me passar, eu mesmo levo isso! É a mim que Deus ungiu!". Mas não! Davi compreendeu plenamente a mensagem de Deus implícita naquela morte tão pesarosa e percebeu logo que algo estava muito errado. Sendo assim, preferiu Davi parar a procissão, para que, em oração, pudesse permitir que Deus sondasse seu coração em busca de alguma mancha de pecado ou erro E assim, a arca repousou na casa de Obede-Edom por três meses.

Três meses depois, Davi juntou o povo para buscar a arca da casa de Obede-Edom. Davi faz nova convocação ao povo e discursa sobre a velha missão, agora com nova perspectiva. "Ninguém pode levar a arca de Deus, senão os levitas; porque o Senhor os elegeu, para levar a arca de Deus, e o servirem para sempre" (I Crônicas 15:2).

Não só Davi reconheceu seu erro no primeiro transporte da arca, como o corrigiu, assentindo com a vontade de Deus. Davi percebeu a lição que Deus a ele queria mostrar, deixando de lado a intenção egoísta de levar a arca apenas para sua promoção pessoal (para que o povo o aclamasse como rei de Israel). Ao invés disso, invocou a Deus, orou sem cessar, ouviu a voz do Altíssimo e atendeu-Lhe o pedido (ou a ordem). Não seria para a promoção do rei, por maior e mais "bem intencionado" que este fosse; porém sim para a glória de Deus, que a arca seria levada. Houve alegria, mas ao contrário da primeira tentativa, desta vez a orquestra não teve tambor, mas harpas, alaúdes e címbalos (I Crônicas 15:16). Dessa vez sim, o transporte deu certo.

Davi era inclinado a expressar fisicamente seu estado de espírito. Mesmo com a música mais branda sem tambores e com menos instrumentos, ele dança no segundo transporte. Mas é bom notar que da primeira viagem se diz ele dançava com todo o Israel, e na segunda se diz que ele dançava, parecendo que o fazia sozinho (ver II Samuel 6:16 e I Crônicas 15:29).

Creio que o ponto mais importante desses textos é a possibilidade de extrair daí o princípio da música reverente. Embora Davi tenha dançado na segunda viagem – e parece que sozinho – a música do templo não favoreceu mais a expressão física, visto que essa prática não é comum desse momento para frente, ficando restrita a celebrações populares.

Davi dançou "diante do Senhor", contudo, não foi autorizado por Deus a introduzir a dança no culto. Davi não abriu espaço para dança e instrumentos de percussão quando planejou o serviço musical elaborado que seria realizado no templo que Salomão construiria em Jerusalém (I Crônicas 23:2 a 26:32).

É importante notar que Davi, que é considerado por muitos como o exemplo principal para a dança religiosa na Bíblia, nunca deu instruções aos levitas com respeito a quando e como dançariam no Templo. Se Davi cresse que a dança deveria ser um componente na adoração divina, sem dúvida teria dado instruções relativas a ela aos músicos levitas que designou para se apresentarem no templo. Sua omissão da dança na adoração divina dificilmente pode ser considerada como um lapso. Ao contrário, ela nos fala da distinção que Davi fez entre a música sacra, executada na Casa de Deus e a música secular tocada fora do Templo para o entretenimento.

Aquele episódio de dança foi um ato de máxima e santa excitação pela glória de Deus presente na arca. Santidade de um homem que, sem sombra de dúvidas, sabia da função da arca dentro do templo, ou do santuário. Foi um ato único, espontâneo e imediato, nascido diretamente da alegria suprema diante de certeza da aceitação de Deus a todos os preparativos feitos anteriormente para o transporte da relíquia sagrada. Esta manifestação não se repetiria mais em toda a narrativa Bíblica, mesmo nos mais exaltados momentos de júbilo (e muito menos na liturgia do Templo).

Embora Deus não tenha rejeitado o culto e as manifestações de louvor, feitas ao estilo das celebrações populares por parte dos israelitas, ele deu claras evidências de que a música de adoração no templo deveria ser diferente da música secular. Desvinculada das danças e das celebrações populares, a música do templo se tornou um padrão para Israel, tendo sido assimilada pela igreja cristã no período do Novo Testamento.

Quando o povo adorou a Jesus na Sua entrada triunfal em Jerusalém, estenderam suas roupas e ramos de árvores, clamando que Ele era o Filho de Davi (Mateus 21:8 e 9). Nessa ocasião em específico, não há relato sobre danças ou qualquer outra manifestação do gênero.

A questão a ser respondida é: a menção de um costume mantido ou praticado pelos servos de Deus no passado é suficiente para autorizar o mesmo costume para todos os tempos e lugares? A resposta clara é "não". Pois, os servos de Deus no passado, sob a influência da cultura prevalecente, usaram bebida forte, tiveram mais de uma mulher e mantiveram escravos, entre outras coisas. Da mesma forma que a revelação posterior, corroborada por estudo e reflexão, iluminou esses fatos que aos poucos foram sendo eliminados. A questão da música também deve ser objeto de estudo para compreensão e juízo acertados.

A dança relacionada com o ritual sagrado, sempre foi característica de primitivismo, em quase todas as religiões pagãs, e mesmo nas semi-cristãs. Como manifestação de jubilo sacro, não deixa de ter a mesma feição. Quando Davi saltou de alegria quando trazia a arca, não deixa de ser manifestação de relativo primitivismo e simplicidade que não se verificaria, nem se verificou, em seu filho Salomão, quando a arca veio para o templo (I Reis 8:1-11). E, mesmo assim, dada a diferença entre a espontânea e inocente coreografia do rei-salmista com a prática sensual em que se tornou a dança, não podemos torná-la uma prática livremente aceitável.

Falando sobre a diferença entre a dança religiosa e a profana, o Seventh day Adventist Bible Dictionary afirma que "a dança na Bíblia está sempre ligada com regozijo. A natureza desse regozijo pode ser religiosa, festiva, ou meramente uma expressão de alegria, que não tem nenhuma semelhança com as danças da moderna civilização ocidental. De acordo com as Escrituras, a dança era geralmente praticada por mulheres, mas em raras ocasiões os homens também participavam. Entretanto, mesmo nessas ocasiões, não há qualquer evidência de contato físico entre ambos os sexos" (Siegfried H. Horn, rev., Seventh day Adventist Bible Dictionary (Washington, DC: Review and Herald, 1979), págs. 262 e 263.)

"A dança de Davi em júbilo reverente, perante Deus, tem sido citada pelos amantes dos prazeres para justificarem as danças modernas da moda; mas não há base para tal argumento. Em nosso tempo a dança está associada com a extravagância e as orgias noturnas. A saúde e a moral são sacrificadas ao prazer. Para os que frequentam os bailes, Deus não é objeto de meditação e reverência; sentir-se-ia estarem a oração e o cântico de louvor deslocados, na assembleia deles.

"Esta prova deve ser decisiva. Diversões que tendem a enfraquecer o amor pelas coisas sagradas e diminuir nossa alegria no serviço de Deus, não devem ser procuradas por cristãos. A música e dança, em jubiloso louvor a Deus, por ocasião da mudança da arca, não tinham a mais pálida semelhança com a dissipação da dança moderna. A primeira tendia à lembrança de Deus, e exaltava Seu santo nome. A última é um ardil de Satanás para fazer os homens se esquecerem de Deus e O desonrarem." (Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, pp.313 e 314).

Argumento 3 – Os textos de Salmos 149:3 e 150:4 mandam louvar ao Senhor com danças.

Realmente, à primeira vista, estes dois textos parecem dar o aval divino para a utilização de danças no louvor. Porém, este argumento não se sustém diante de um estudo mais aprofundado.

A palavra hebraica utilizada nestes textos é machowl. Este termo tem o sentido primário de “dar voltas”, “voltear”. Devido a isto, o sentido da tradução é dúbio e vários estudiosos têm argumentado que, em tais textos, a palavra hebraica deveria ser traduzida por um instrumento musical, provavelmente um tipo de corneta ou trombeta que dava voltas ou era retorcida, ao invés de se referir a uma dança propriamente dita.

De fato, na tradução de João Ferreira de Almeida, versão Revista e Atualizada, 2ª edição, o texto de Salmos 149:3a é “Louvai ao seu nome com flautas”. Outras traduções seguem a mesma linha de pensamento, como a Bíblia na Linguagem de Hoje, e a Edição Contemporânea de Almeida, publicada pela Editora Vida. Esta também é a versão de rodapé fornecida pela conhecida versão inglesa King James (KJV). O Salmo 149:3 declara: “Louvem-lhe o nome com danças” [ou “com órgão”, no rodapé da KJV]. Em Salmos 150:4 lemos: “Louvai-O com adufes e com danças” [ou “órgão”, rodapé da KJV]. Evidentemente, órgão, neste caso, não se refere aos grandes instrumentos de tubos acionados por teclado que conhecemos hoje, mas a uma flauta de tubos paralelos, como uma flauta Pã existente na atualidade, utilizada especialmente na música tradicional da região andina.

Pelo contexto, machowl parece ser uma referência a um instrumento musical, uma vez que em ambos os textos, Salmos 149:3 e 150:4, o termo ocorre no contexto de uma lista de instrumentos a serem usados no louvor ao Senhor. No Salmo 150 a lista possui oito instrumentos: trompete, saltério, harpa, adufes, instrumentos de corda, órgãos, címbalos sonoros, címbalos retumbantes (KJV). Como o salmista está listando todos os instrumentos a serem usados no louvor do Senhor, é plausível assumir que machowal também seja um instrumento musical, seja qual for a sua natureza.

Porém, outros estudiosos rejeitam esta interpretação e indicam que o significado “voltear” de machowl deve ser aplicado a danças. Para fins de argumentação, devemos considerar estas opiniões. Mesmo que esta interpretação esteja correta, não podemos nos esquecer de que não há certeza entre os historiadores bíblicos a respeito da cronologia dos Salmos e que, portanto é plausível afirmar que Davi pode ter escrito estes versos antes de Deus lhe haver dado orientações claras sobre os instrumentos, música e danças no contexto da adoração musical. Essas orientações somente foram dadas no período da estruturação do santuário por Davi e, posteriormente, por Salomão.

Quanto à compreensão correta dos salmos, deveríamos ter em mente o princípio da hermenêutica bíblica que diz que sempre deveríamos considerar o estilo literário do conteúdo em estudo. É uma narrativa histórica? É uma parábola, uma declaração profética? Estas perguntas devem ser feitas pelo estudioso diligente de forma que, a partir de suas respostas, possa buscar uma interpretação coerente. Os salmos devem ser compreendidos como fazendo parte do estilo literário poético e como tais não deveriam ser interpretados como sendo literais.

O Dr. Samuele Bacchiocchi, em seu livro “O Cristão e a Música Rock” concorda com este ponto de vista, destacando a linguagem figurativa desses dois salmos, a qual, dificilmente dá margem a uma interpretação literal de dança na Casa de Deus. O Salmo 149:5 encoraja o povo a louvar o Senhor nos “leitos”. No verso 6, o louvor é feito com “espadas de dois gumes” nas mãos. Nos versos 7 e 8, o Senhor é louvado por castigar os povos, pôr os reis em cadeias, e os seus nobres em grilhões de ferro. É evidente que a linguagem é figurativa porque é difícil acreditar que Deus esperaria que as pessoas O louvassem estando em pé ou saltando sobre as camas ou enquanto brandem uma espada de dois gumes.

O mesmo se aplica ao Salmo 150, que fala em louvar a Deus, de modo altamente figurativo. O salmista chama não somente o povo de Deus, mas todo ser que respira, ou seja, toda a criação animada, para louvar o Senhor “pelos seus poderosos feitos” (verso 2) em todo lugar possível e com todo instrumento musical disponível. Noutras palavras, o salmo menciona o lugar onde louvar o Senhor, particularmente, “no Seu santuário” e “no firmamento do Seu poder”; a razão citada para louvar o Senhor, é por “Seus atos poderosos, conforme a excelência da sua grandeza”. (verso 2); e os instrumentos a serem usados citados para louvar ao Senhor são os oito listados acima.

O verso 6 nos diz que instrumentos não podem, eles próprios, ser um canal de louvor. Somente coisas que têm fôlego podem adorar. Somente almas viventes podem louvar ao Senhor. À luz disto, o salmo somente faz sentido quando entendido como um salmo ricamente figurativo, usando os tons característicos dos vários instrumentos para descrever as diferentes emoções da verdadeira adoração.

O Dr. Samuele Bacchiocchi conclui dizendo: “Este salmo só faz sentido se considerarmos a linguagem como sendo altamente figurativa. Por exemplo, não há nenhuma possibilidade do povo de Deus poder louvar o Senhor “no firmamento do Seu poder”, porque eles vivem na terra e não no céu. O propósito do salmo não é especificar o local e os instrumentos a serem usados na música de louvor na igreja. Nem se pretende dar permissão para dançar para o Senhor na igreja. Antes, seu propósito é convidar todo aquele que respira ou emite sons para louvar ao Senhor em todos os lugares. Interpretar o salmo como sendo uma permissão para dançar, ou tocar tambores na igreja, é interpretar de forma incorreta a intenção do Salmo e contradizer as regras que o próprio Davi deu com respeito ao uso de instrumentos na Casa de Deus.” (Bacchiocchi, O Cristão e a Música Rock, p. 223-224).

Argumento 4 – Profetas em Israel profetizavam ao som de tambores. (I Samuel 10:5)

Vamos analisar este argumento à luz do texto bíblico indicado. I Samuel 10:5 diz o seguinte: “Então chegarás ao outeiro de Deus, onde está a guarnição dos filisteus; e há de ser que, entrando ali na cidade, encontrarás um grupo de profetas que descem do alto, e trazem diante de si saltérios, e tambores, e flautas, e harpas; e eles estarão profetizando.”

Nem o texto indicado nem o contexto imediato mencionam qualquer manifestação física acompanhando o som destes instrumentos. Nem danças, nem saltos, nem volteios ou rodopios. Isto parece sugerir que a música executada, embora utilizasse tambores, não era caracterizada por um ritmo destacado de forma marcante. Isto pode ser presumido com certa segurança porque sabemos que, “de todos os elementos musicais é o ritmo que provoca a mais forte reação física” (Filosofia Adventista de Música, 1972). Portanto, na falta desta reação física, é apropriado presumirmos que o estímulo não estava presente.

Outro ponto a considerar é que o tambor, em suas diversas formas, sempre fez parte da música folclórica e popular hebraica. Porém, quando Davi, por ordem divina, planejou e, posteriormente, Salomão instituiu o serviço levítico no Templo, nenhum instrumento de percussão foi admitido na adoração. O evento descrito em I Samuel 10 ocorre muitos anos antes de Davi haver estabelecido essas orientações. E, mesmo depois dessas orientações, o povo continuou usando esses instrumentos em suas manifestações musicais fora do Templo.

 Com relação especificamente ao uso de tambores, entraremos em maiores detalhe posteriormente, quando abordaremos os instrumentos usados no Templo.

Argumento 5 – A filha de Jefté dançou diante do pai com adufes. (Juizes 11:34) Além disso, as mulheres de Israel dançavam diante de Saul e de Davi com adufes. (I Samuel 18:6; 21:11).
Uma importante distinção deve ser feita entre música religiosa tocada para o entretenimento social e a música sacra executada para adoração no Templo. Não devemos nos esquecer que toda vida dos Israelitas era orientada pela religião. O entretenimento era provido, não por concertos ou apresentações em um teatro ou num circo, mas pela celebração de eventos religiosos ou festivais, frequentemente através de danças folclóricas, com homens ou mulheres em grupos separados.

A dança era essencialmente uma celebração social de eventos especiais, como uma vitória militar, um festival religioso, ou uma reunião familiar. Era praticada principalmente por mulheres e crianças ou grupos específicos. A recepção aos heróis era celebrada com cânticos, tocando tamborins e danças. Repetidamente encontramos cenas na Bíblia onde um grupo de mulheres ou moças celebra a vitória ou os vitoriosos desta forma.

Assim, vemos que, na vida cultural e recreacional da nação não eram incomuns as manifestações de dança. Os estudiosos nos dizem que a dança em rodopios ou volteios dos hebreus era uma atividade popular nas vilas, especialmente entre as crianças e adolescentes. Era completamente distanciada da dança de contato físico e de estimulação à sexualidade, dos nossos dias, e tinha um legítimo lugar nos grandes festivais cívicos.

Nenhuma dança de orientação romântica ou sensual, realizada por casais, jamais ocorreu no antigo Israel. A maioria das pessoas que recorrem à Bíblia para justificar a dança romântica moderna não está nem um pouco interessada na dança dos povos mencionados na Bíblia, onde não havia nenhum contato físico entre os homens e as mulheres. A Bíblia não apoia o tipo de dança romântica ou sensual que é popular em nossos dias. Nada na Bíblia indica que homens e mulheres tivessem dançado juntos, de forma romântica, em pares. Cada grupo de homens, mulheres, e crianças realizavam seu próprio “espetáculo”, que na maioria das vezes era um tipo de marcha com cadência rítmica.

Porém, mesmo admitindo a prática da dança nos festejos populares e nacionais, também somos obrigados a admitir que nenhum tipo de dança foi admitido na adoração no Templo. Nenhum texto bíblico autoriza supormos que houve qualquer manifestação de expressões físicas na adoração levítica no Templo. Se Davi cresse que a dança deveria ser um componente na adoração divina, sem dúvida teria dado instruções relativas a ela aos músicos levitas que designou para se apresentarem no templo.

Negligência não parece ser a razão para a exclusão da dança do culto divino, porque observamos que foram dadas instruções claras com respeito ao ministério da música no templo. Instrumentos de percussão como tambores e adufes, geralmente usados para executar música dançante, foram claramente proibidos. O motivo para esta proibição foi porque estes instrumentos estavam associados à adoração e à cultura pagãs, ou porque eles eram tocados, costumeiramente, por mulheres, para o entretenimento. Este fato demonstra que havia uma distinção entre a música sacra, tocada dentro do Templo e a música secular tocada do lado de fora, nas comemorações populares.

A falta de instruções por parte da Davi com relação à dança, juntamente com a proibição aos instrumentos de percussão no Templo sugerem fortemente que a música do templo não era de caráter dançante e que, portanto, não há base bíblica que sustente a utilização de danças nos momentos de adoração. O que foi verdade no Templo também foi verdade para a sinagoga e mais tarde para a igreja apostólica. Nenhuma dança ou entretenimento musical jamais foi permitido na Casa de Deus.

Conclusão

Ao analisarmos os principais argumentos utilizados pelos defensores da dança na adoração, vimos que eles não se sustentam diante da Palavra de Deus e do conhecimento que temos da história e dos costumes do Israel do Antigo Testamento, e que, portanto, não podem ser usados por cristãos sérios e comprometidos com a vontade de Deus na defesa de danças na adoração atual.

Os princípios bíblicos de música esboçados acima são especialmente relevantes hoje, quando a igreja e o lar estão sendo invadidos por vários estilos de música mundana, sensual e excitante, que descaradamente rejeitam os valores morais e as convicções religiosas abraçadas pelo Cristianismo. Em uma época em que a distinção entre música sacra e secular é vaga e imprecisa, e muitos estão promovendo versões modificadas de música popular secular para uso na igreja, precisamos nos lembrar que a Bíblia nos conclama a “adorar o Senhor na beleza de Sua santidade” (I Crônicas 16:29; cf. Salmos 29:2; 96:9).

BATERIA E A MÚSICA DO TEMPLO

Tanto a presença quanto a ausência do tambor em circunstâncias bíblicas específicas ajudam a compreender a questão do uso da bateria na adoração a Deus. Já vimos que na condução da arca de Quiriate-Jearim até a casa de Obede-Edom, houve música com tambores e Davi dançou e se alegrou, ao ritmo da banda (II Samuel 6:5; e I Crônicas 13:8).

As perguntas que surgem são O que aconteceu após este evento? Quais foram os desenvolvimentos da música sacra depois disto, principalmente na música para adoração no Templo? Acrescentaremos a esta análise o fato de que Davi, que dançou na condução da arca, foi quem planejou e instituiu o serviço levítico.

Recapitulando nossas considerações anteriores, vimos que, por ocasião da primeira tentativa de transporte da arca, tudo deu errado, porque foram desconsideradas as instruções divinas, inclusive a respeito dos instrumentos a serem utilizados no louvor. “O ritmo da festa e da música fez Davi esquecer que só os levitas podiam conduzir a arca, e Uzá ignorar que não podia tocá-la. Os bois tropeçaram, a arca quase caiu e Uzá morreu ferido pelo Senhor (I Crônicas 13:9-10). Davi temeu e se perguntou: ‘Como trarei a mim a arca de Deus?’ (Crônicas 13:12) . Três meses depois, o rei juntou o povo para buscar a arca da casa de Obede-Edom, desta vez, ele orientou que ninguém conduziria a arca, senão os levitas (I Samuel15:16). Houve alegria mas, ao contrário da primeira tentativa, desta vez a banda musical não teve tambor, mas somente harpas, alaúdes e címbalos (I Crônicas 15:16).” (Vanderlei Dorneles, Cristãos em Busca do Êxtase, pp. 192-193).

Após a estabilização de Davi no poder, com todas as questões políticas e territoriais resolvidas, o rei Davi sabia que não viveria muito tempo para desfrutar esta paz. As batalhas, os problemas e suas muitas labutas o tinham envelhecido.

Assim, ele desejou fazer uma casa para o Senhor (II Samuel 7:1-3; I Crônicas 17:1-2; 22:7; 28:2). Mas Deus não o permitiu (II Samuel 7:4-17; I Crônicas 17:3-15). O motivo desta negativa foi o fato de Davi ter sido um homem de guerra, que havia derramado muito sangue (I Crônicas 22:8; 28:3). A casa de Deus deveria ser um lugar de paz, desde o projeto.

Entretanto, a Davi foi concedido o privilégio de fazer todos os preparativos para a construção do templo. Ele preparou todo o material de construção, os artífices, os líderes da obra (I Crônicas 22:2-5; 14-17). Ele entregou tudo nas mãos de Salomão e deu-lhe instruções de como o templo deveria ser construído (I Crônicas 22:6-13; 28:1-21).

Além destes preparativos, Davi, seguindo as instruções divinas, também instituiu o serviço levítico para o futuro templo. Em I Crônicas 23:2-5 lemos: “E reuniu a todos os príncipes de Israel, como também aos sacerdotes e levitas. E foram contados os levitas de trinta anos para cima; e foi o número deles, segundo as suas cabeças, trinta e oito mil homens. Destes havia vinte e quatro mil, para promoverem a obra da casa do Senhor, e seis mil oficiais e juízes, e quatro mil porteiros, e quatro mil para louvarem ao Senhor com os instrumentos, que eu fiz para o louvar, disse Davi.”

Pelo texto acima, podemos notar que, dentre as diversas funções dos levitas na supervisão e manutenção do trabalho no Templo, estava a música de adoração. Inclusive, é curioso notar que o próprio Davi havia criado instrumentos apropriados para a adoração.

 De acordo com o relato bíblico, os instrumentos usados pelos levitas com esta finalidade eram divididos em quatro categorias:

1 – Voz (cânticos) (I Crônicas 15:16, 22, 27; II Crônicas 5:12,13; 9:11)

A voz era, evidentemente, o instrumento de destaque. Os levitas eram acima de tudo, cantores. Em II Crônicas 5:12, primeira parte, a Escritura diz: “E os levitas, que eram cantores, todos eles, (...)” ( ver também I Crônicas 9:33; 15:16, 19, 27). Em I Crônicas 25:1-7, o número total de músicos era de 288, dos quais cerca de 260 formavam o coral.

O coro levítico era acompanhado, normalmente, somente por instrumentos de corda de diferentes modelos, tamanhos e tessituras (ver I Crônicas 15:20-21). Na verdade, podemos inferir, pela leitura dos textos acima (especialmente I Crônicas 15:16 e II Crônicas 5:12), que, normalmente, os cantores acompanhavam a si mesmos, cantando e tocando suas harpas.

2 – Címbalos (instrumentos de sinalização) (I Crônicas 15:19; 16:5, 42; 25:1, 6; II Crônicas 5:12,13

Os címbalos de metal eram constituídos por dois pequenos discos de metal, com suas beiras dobradas. Quando golpeados verticalmente, produziam um toque agudo, como um tinido, cuja sonoridade era ouvida a grandes distâncias. Alguns apelam para o uso dos címbalos (que são, portanto, instrumentos de percussão) para argumentar que a música do templo tinha uma batida rítmica e, por conseguinte, a Bíblia não proíbe instrumentos de percussão na igreja hoje. Tal argumento ignora o fato de que, como explica Kleinig (John W. Kleining, The Lord’s Song: The Basis, Function and Significance of Choral Music in Chronicles (Sheffield, England, 1993) p. 82-83), “os címbalos não eram usados pelo cantor-mor na condução do cântico, batendo o ritmo da música, mas sim para anunciar o começo de uma estrofe ou de um cântico. Uma vez que eles eram usados para introduzir o cântico, eram brandidos pelo líder do coro em ocasiões ordinárias (I Crônicas 16:5) ou pelos três líderes dos grupos em ocasiões extraordinárias (I Crônicas 15:19)”. E estes três líderes estavam “sob a supervisão do rei” Davi (I Crônicas 25:6). De modo semelhante, Curt Sachs em Rhythm and Tempo (Nova York, 1953), p. 79) explica que “A música no templo incluía címbalos, e o leitor moderno poderia concluir que a presença de instrumentos de percussão indicaria ritmos precisos. Mas há pouca dúvida de que os címbalos, como em qualquer outro lugar, marcavam o fim de uma linha e não o ritmo dentro de um verso.”

Observe também as explanações de John Kleinig e A. Z. Idelssohn, sobre como os címbalos eram utilizados: "Os címbalos não eram usados pelo cantor para conduzir os cânticos mediante a marcação do ritmo da canção, mas para anunciar seu início ou estrofe." John Kleinig, A Canção do Senhor, pág. 82. "Os instrumentos de percussão eram reduzidos a um címbalo, que não era empregado na música propriamente, mas simplesmente para marcar pausas e intervalos." A. Z. Idelssohn, A Música Judaica em Seu Desenvolvimento Histórico, pág. 17.

Vemos, desta forma, que, apesar de os címbalos serem, verdadeiramente, instrumentos de percussão, não é apropriado afirmar que estes instrumentos fossem utilizados como utilizamos os instrumentos de percussão atualmente, ou seja, para marcação rítmica. A sua função era de sinalização, assim como as trombetas (que veremos adiante); com a diferença que as trombetas sinalizavam para o povo e os címbalos eram utilizados como sinalização para os cantores e instrumentistas, quase da mesma forma que um regente faz sinais corporais para os músicos de uma orquestra na atualidade, indicando as entradas dos diversos instrumentos.

3 – Harpas, Saltérios, Alaúdes, Cítaras e Liras (instrumentos de cordas; a nomenclatura depende da tradução empregada) (I Crônicas 15:20-21;16:5; 25:1,6).

Suas origens são assaz remotas: antes do dilúvio já se menciona a Jubal, o qual “foi o pai de todos os que tocam harpa e flauta” (Gênesis 4:21). Há razões para supor que em realidade se tratava de liras e flautas rudimentares, respectivamente.

Existem palavras diferentes nos textos originais para designar os instrumentos de cordas, como kinnor, nebel, asor e sabekka. Porém, não existe um conceito entre os eruditos sobre como seria, exatamente, cada um destes instrumentos.

 As versões em português citam principalmente as harpas e os saltérios (outras traduções falam em alaúdes, liras e cítaras) – mas qualquer uma das palavras pode representar uma variedade enorme de instrumentos. Por exemplo: as harpas variavam de tamanho e estilo. Algumas talvez fossem enormes, mas a maioria era pequena e bem leve. Salmo 137:2 fala de pendurar as harpas nos salgueiros, indicando que elas não eram instrumentos grandes. Normalmente a harpa podia ser tocada enquanto era levada em procissões ou marchas (ver I Samuel 10:5; I Crônicas 13:7-7; Isaías 23:16). Os instrumentos eram tocados tangendo-se as cordas com os dedos ou com um plectro, nunca com arco, que era completamente desconhecido naquela época e região, conforme a The International Standard Bible Enclyclopedia. Os saltérios também possuíam muitas variedades. O Salmo 33:2 parece indicar que alguns saltérios tinham dez cordas – provavelmente uns tinham mais e outros menos.

Enquanto Israel usava uma variedade de instrumentos na vida comum, na adoração eram utilizados somente os instrumentos autorizados por Davi, principalmente harpas, liras e címbalos (Ver I Crônicas 25:6 e 7, e também 15:16). De fato, em algumas ocasiões, somente cordas são mencionadas (Ver Salmos 92:3; 33:2; 108:2). No contexto da cultura bíblica, isso significava que a adoração regular era acompanhada por suave som de cordas com uns poucos címbalos (provavelmente um par, tangido pelo guia), usados para propósito de sinalização. Garen Wolf explica: “Instrumentos de cordas eram usados extensivamente para acompanhar os cânticos, desde que não cobrissem a voz ou a ‘palavra de Jeová’ que estava sendo cantada.” Garen Wolf, A Música da Bíblia na Perspectiva Cristã, pág. 287.

No Livro dos Salmos, vemos que harpas e saltérios eram os instrumentos básicos para o acompanhamento dos salmos cantados. O Salmo 92 fornece um exemplo desta instrução. O título ou cabeçalho do salmo diz que era 'Um Salmo e Cântico para o Dia do Sábado'. Ele devia ser cantado (verso 3) com um instrumento de dez cordas, o saltério, e a 'harpa com um som solene'.

Os seguintes salmos também estabelecem a regra que salmos eram para ser cantados ao som de harpas e saltérios: Salmo 33, 43, 49, 57, 71, 92, 108, 144 e 147. Nos Salmos 4 e 55 os títulos mencionam instrumentos de corda, e no Salmo 12 o título prescreve uma lira (um tipo de harpa) de oito cordas. Com estes instrumentos modestos e apropriados o canto era acompanhado na adoração.

Trombetas, Cornetas, Buzinas (instrumentos de sopro; a nomenclatura depende da tradução empregada) (I Crônicas 16:6; II Crônicas 15:14)

Na verdade, havia apenas dois instrumentos básicos:
a) As grandes trombetas de prata (chatsotserah), construídas de acordo com as instruções específicas de Deus a Moisés (Números 10:2), comunicavam as várias atividades do acampamento, tais como reuniões, montagem do acampamento, assembléias, guerra, bem como festas e celebrações (Números 10:3-10). Como uma lei perpétua, era permitido apenas aos sacerdotes tocarem as trombetas (Números 10:8). Deviam ser tocadas em festas especiais e no começo do mês durante a queima das ofertas, para lembrar o povo da natureza da sua libertação histórica. Geralmente, o número de trombetas usadas em ocasiões especiais continuou a ser de duas (I Crônicas 16:6).

b) O schofar (trombeta de chifre de carneiro) também era limitado a papéis específicos, tais como a sinalização da guerra e dos eventos de culto. O shofar ocupa um lugar de destaque entre os instrumentos de Israel. Cercado de simbolismo religioso e espiritual, a história de seu uso é traçada pela tradição até o sacrifício de Isaque. Este pequeno, mas poderoso instrumento aparece no sexto capítulo do livro de Josué, quando trombetas foram sopradas e as muralhas de Jericó ruíram.

Excepcionalmente, em grandes ocasiões solenes, as trombetas eram tocadas juntamente com os outros instrumentos (II Samuel 6:15; I Crônicas 13:8; 15:28; 16:42; II Crônicas 5:12-13).

Os músicos não tocavam qualquer instrumento, à sua escolha: Davi não instituiu apenas o tempo, o lugar, e as músicas para a apresentação do coro levítico, mas também “fez” os instrumentos musicais para serem usados no seu ministério (I Crônicas_23:5; II Crônicas_7:6). É por isso que eles são chamados “os instrumentos de Davi” (II Crônicas_29:26-27). Além das trombetas que o Senhor tinha ordenado por Moisés (Números 10:2), Davi acrescentou címbalos, alaúdes, e harpas (I Crônicas_15:16; I Crônicas_16:5-6). A importância desta combinação de instrumentos como sendo uma ordem divina é indicada pelo fato de que esta combinação foi respeitada por muitos séculos, até a destruição do Templo. (II Crônicas_29:25)

Digno de nota é a ausência de qualquer instrumento de percussão da classe dos membranofones, ou seja, instrumentos que produzem som a partir da vibração de uma membrana (normalmente uma pele de animal esticada sobre um aro). Não que estes instrumentos não fossem conhecidos na época, nem que fossem estranhos a Davi, conforme vimos em nossas considerações anteriores sobre a dança . O tamboris ou adufes (toph) foram utilizados pelo próprio Davi na primeira tentativa de trazer a arca a Jerusalém (II Samuel 6:5; I Crônicas 13:8).

Na verdade, o substantivo toph é um termo genérico para tamborins e tambores médios (os instrumentos de percussão mais comuns nos tempos antigos), dos quais foram encontrados exemplares em escavações no Egito e na Mesopotâmia. Este instrumento era parecido com o pandeiro brasileiro, ou seja, era um tambor de mão composto por uma armação de madeira, em volta da qual uma única pele era esticada. Era usado para acompanhar, ritmadamente, a música e a dança, nas festividades e nos cortejos.

A falta de instruções com relação à utilização de instrumentos de percussão, para marcação rítmica na música do Templo dificilmente pode ser creditada a negligência ou esquecimento por parte de Davi, uma vez que as instruções relativas a esta instrumentação estavam “conforme ao mandado de Davi e de Gade, o vidente do rei, e do profeta Natã; porque este mandado veio do Senhor, por mão de seus profetas” (II Crônicas 29:25).

O Dr. Samuele Bacchiocchi, em seu livro “O Cristão e a Música Rock”, pp. 207-208, complementa da seguinte forma:
“Alguns estudiosos argumentam que instrumentos como tambores, tamboril (que era um pandeiro), flautas, e o dúlcimer, foram banidos do Templo, porque estavam associados à adoração e à cultura pagãs, ou porque eles eram tocados, costumeiramente, por mulheres, para o entretenimento. Este bem poderia ser o caso, mas isso apenas mostra que havia uma distinção entre a música sacra, tocada dentro do Templo e a música secular tocada do lado de fora.”
“Uma restrição foi colocada aos instrumentos musicais e às expressões artísticas usadas na Casa de Deus. Deus proibiu vários instrumentos, os quais eram permitidos fora do templo nas festividades nacionais e no prazer social. A razão não é que certos instrumentos de percussão fossem maus per se. Os sons produzidos por quaisquer instrumentos musicais são neutros, como uma letra do alfabeto. Em vez disso, a razão é que estes instrumentos eram comumente usados para produzir música de entretenimento, a qual era imprópria para a adoração na Casa de Deus. Através da proibição desses instrumentos e de estilos de música, como a dança, associados ao entretenimento secular, o Senhor ensinou ao Seu povo uma distinção clara entre a música sacra, tocada no templo, e a música secular, de entretenimento, usada na vida social.”

O Prof. Vanderlei Dorneles sustenta que “A exclusão do tambor no templo pode indicar que Deus não quis o instrumento na música de adoração por causa de sua relação direta com o misticismo e por sua influência no sentido de excitar as danças e embotar a consciência e o juízo.” (Cristão em Busca do Êxtase, páginas 193 e 194).

Dr. Wolfgang Stefani considera que o ritmo, produzido mais propriamente pelo tambor, é a característica mais eminente e essencial da música africana, já amplamente relacionada com as experiências de transe e possessão. (Cristãos em Busca do Êxtase – Pág. 193).

A música de adoração após o Santuário

A música utilizada no Templo de Jerusalém seguiu, através dos séculos, as instruções deixadas por Davi, conforme explica o Dr. Samuele Bacchiocchi, em seu livro “O Cristão e a Música Rock”, p. 208:

“A restrição no uso desses instrumentos deveria ser uma regra válida para as futuras gerações. Quando o Rei Ezequias reavivou a adoração do Templo em 715 A.C., ele seguiu meticulosamente as instruções dadas por Davi. Nós lemos que o rei “estabeleceu os levitas na Casa do Senhor com címbalos, alaúdes e harpas, segundo mandado de Davi. . . porque este mandado veio do Senhor, por intermédio de seus profetas”. (II Crônicas 29:25).”

“Dois séculos e meio mais tarde quando o Templo foi reconstruído sob a liderança de Esdras e Neemias, a mesma restrição foi aplicada novamente. Nenhum instrumento de percussão foi permitido para acompanhar o coro levítico ou tocar como uma orquestra no Templo (Esdras 3:10; Neemias 12:27, 36). Isto confirma que a regra era clara e válida por muitos séculos. O canto e a música instrumental no templo deveriam diferir daquela usada na vida social do povo.”

Já vimos que a música e os instrumentos usados para louvar a Deus fora do Templo, durante as celebrações das festas eram bem diferentes da música tocada dentro do Templo. Instrumentos como tambores, flautas, oboés, e o dúlcimer não podiam ser usados no Templo por causa de sua associação com o entretenimento secular. O mesmo princípio também foi respeitado na sinagoga e na igreja apostólica.

A função da música na sinagoga diferia da música no Templo, principalmente porque as duas instituições tinham propósitos diferentes. O Templo era, primariamente, o lugar onde eram oferecidos sacrifícios em nome de toda nação e dos crentes individualmente. A sinagoga, por outro lado, apareceu provavelmente durante o exílio babilônico como o lugar onde eram oferecidas orações e as Escrituras eram lidas e ensinadas. Esta diferença de funções também se refletia nos diferentes papéis que a música desempenhava nessas duas instituições. Enquanto a música no templo era predominantemente vocal, com instrumentos de cordas que ajudavam no canto, a música na sinagoga era exclusivamente vocal, sem qualquer instrumento. A única exceção era o shofar (trombeta feita de chifre de carneiro) que servia como um instrumento sinalizador.

Além desta diferença de funções, existem outras explicações para a proibição ao uso de instrumentos na sinagoga judaica e, posteriormente, na igreja apostólica. As que possuem maior consenso entre os eruditos são: (1) por oposição à pressão e à influência das religiões pagãs, com suas práticas orgiásticas, as quais estavam presentes nas comunidades judaicas dispersas; (2) a falta de músicos treinados, como os levitas que serviam no Templo; (3) depois da destruição do Templo de Jerusalém pelos romanos, os rabinos baniram completamente o uso de instrumentos na sinagoga, como uma expressão de lamentação pela destruição do templo.

A música de adoração na Igreja Apostólica

O cristianismo apostólico emergiu, desenvolveu-se e organizou-se principalmente dentro do contexto da sinagoga. Portanto, era natural para os primeiros cristãos que mantivessem o que conheciam da música da sinagoga em sua própria adoração. É evidente que a comunidade cristã copiou o estilo do culto da sinagoga, pondo ênfase no ensino da Palavra e na oração. O ensino chegou a ser sua maior característica na medida que se criava uma separação entre aqueles judeus “ciumentos da lei”, que continuavam com os costumes da lei, dos que se “convertiam” de coração a Cristo (Atos 21:20-21). Os cultos eram conduzidos de maneira informal, por pessoas leigas liderando a oração, leitura, cânticos, e exortação.

Quanto à música para esses primeiros cultos, o cristianismo continuou a fazer uso de certos elementos do culto judaico, ou seja, preservou o que era tradicional. Essa tradição musical podia ser encontrada na leitura dos textos sacros, os quais eram lidos em forma de cantochão – o que ainda ocorre até os nossos dias nas sinagogas judaicas. Encontrava-se ainda no canto congregacional responsorial dos refrões nos Salmos e nas vocalizações feitas com várias notas no final das frases (como a forma ornamental do canto da última vogal a da palavra aleluia). Os cristãos também adotaram o Livro dos Salmos como o livro de orações da igreja. Os estudiosos ressaltam a familiaridade com que os novos cristãos utilizavam os Salmos da tradição.

O zelo dos novos conversos pela "doutrina dos apóstolos" também legitimava afastar de seu meio aquilo que era praticado nos ambientes pagãos. Embora aparentemente representasse um retrocesso, o banimento dos instrumentos musicais do culto cristão, na época bastante usados nas festas pagãs, era uma forma de expressar este zelo, conforme já vimos acima, com relação à sinagoga. Um outro fator que pode ter sido importante para a proibição ao uso de instrumentos é que, muitas vezes, os cultos eram feitos às escondidas, às vezes em catacumbas, devido às perseguições romanas.

Outro fator que ajuda a moldar o estilo musical de uma comunidade tem a ver com o tipo de arquitetura. Ambientes grandes e imponentes induzem a um estilo de música semelhantemente grandiosa. Não foi o caso da nova comunidade cristã, pois herdou da sinagoga o costume de uma reunião mais íntima em construções pequenas e domésticas. Além disso, o culto espiritualizado, descrito por João e embasado por Mateus, prestou-se bem a esse tipo de ambiente. A comunidade reunida nas casas dos crentes permitiu atitudes menos formais, que foram traduzidas em hinos espontâneos e no abandono do uso dos instrumentos musicais que eram característicos do culto mais formal. Era, portanto, necessário adequar os cânticos a ambientes menos formais, para assembleias informais.

Porém, apesar das questões levantadas acima, falar sobre um ministério de música no Novo Testamento pode parecer completamente fora de propósito. Isto pode parecer estranho a nós, que estamos acostumados a ter e incentivar um ministério musical rico e espiritualmente frutífero, mas a verdade é que o Novo Testamento faz silêncio sobre qualquer cargo “musical” na igreja. Com exceção do livro do Apocalipse, no qual a música faz parte de um rico drama escatológico, apenas uma dúzia de passagens se refere à música.

Nenhuma destas passagens, entretanto, dá-nos um retrato claro do papel que a música desempenhava nos cultos na igreja durante o período do Novo Testamento. Isto não surpreende, porque os crentes deste período não viam seus grupos de adoração como sendo muito diferentes dos da sinagoga, conforme vimos acima. Ambos eram conduzidos de maneira informal, por pessoas leigas liderando a oração, leitura, cânticos, e exortação. A diferença fundamental entre os dois era a proclamação messiânica que estava presente apenas na adoração Cristã.
Das doze referências à música no Novo Testamento, cinco se referem a ela metaforicamente (Mateus 6:2; 11:17; Lucas 7:32; I Coríntios 13:1; 14:7-8) e, por conseguinte, não são relevantes ao nosso estudo. As sete restantes derramam luz importante, especialmente quando são vistas dentro do contexto mais abrangente da adoração na sinagoga, a qual era conhecida e praticada pelos cristãos.

São encontradas quatro referências à música nos Evangelhos. Duas mencionam música instrumental e dança em conjunção com o luto pela morte de uma menina (Mateus 9:23) e com a celebração no retorno do Filho Pródigo (Lucas 15:25). Duas passagens são paralelas e mencionam Cristo cantando um hino com os Seus discípulos no final da Última Ceia (Mateus 26:30; Marcos 14:26). Muito provavelmente esta era a segunda porção do Aleluia judaico, cantado na conclusão da Páscoa. Consistia dos Salmos 113 a 118.

Um texto se refere a Paulo e Silas que cantavam enquanto estavam em prisão (Atos 16:25). Não temos como saber se eles cantaram salmos ou hinos cristãos compostos recentemente. Os exemplos acima nos falam que a música acompanhava várias atividades na vida social e religiosa do povo, mas não nos informam sobre o papel da música na igreja e, portanto não serão consideradas em maiores detalhes.

São encontradas poucas instruções relativas à música para a igreja nas Epístolas. Tiago afirma que, se uma pessoa está alegre, “Cante louvores”. (Tiago 5:13). A implicação é que o canto deveria brotar de em um coração alegre. Presumivelmente os cânticos de louvores não aconteceriam apenas reservadamente em casa, mas também publicamente na igreja. Outros textos sugerem que cantar hinos de louvor fosse uma característica do serviço da igreja.

Informação mais específica nos vem através de Paulo, proporcionando uma maior percepção no papel da música no serviço de adoração do Novo Testamento. No contexto de suas advertências com respeito às manifestações arrebatadoras na igreja de Corinto, Paulo pede equilíbrio na elaboração da música, aconselhando que o canto seja feito com a mente e também com o espírito: “cantarei com o espírito, mas também cantarei com o entendimento”. (I Coríntios 14:15). Aparentemente alguns cantaram em êxtase, sem que a mente tomasse parte. O cântico sem sentido é como o discurso sem sentido. Ambos desonram a Deus. Como diz Paulo: “porque Deus não é de confusão, e sim de paz”. (I Coríntios 14:33).

A advertência de Paulo para se cantar com a mente, ou com o entendimento, é relevante para nós hoje, numa época em que o canto realizado em algumas igrejas carismáticas consiste de explosões emocionais de gritos extáticos que ninguém pode entender. Nosso canto deve ser feito com o entendimento porque Deus espera de Suas criaturas inteligentes “uma adoração racional” (Romanos 12:2–“logike”, ou seja, lógica, no grego).

Cantar deveria ser para a edificação espiritual e não para excitação física. Paulo diz: “Quando vos reunis, um tem salmo, outro, doutrina, este traz revelação, aquele, outra língua, e ainda outro, interpretação. Seja tudo feito para edificação”. (I Coríntios 14:26). O ponto importante é que o canto, como todas as partes do serviço da igreja, era para edificar a congregação. O princípio bíblico, então, é que a música na igreja deveria contribuir para a edificação espiritual dos crentes.

Os dois textos paulinos restantes (Efésios 5:19 e Colossenses 3:16) são os mais informativos acerca da música no Novo Testamento. Paulo encoraja os efésios, “enchei-vos do Espírito, falando entre vós com salmos, entoando e louvando de coração ao Senhor com hinos e cânticos espirituais”. De modo semelhante, o apóstolo aconselha os Colossenses: “Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração”.

Ambas as passagens proveem a indicação mais antiga de como a igreja apostólica fazia diferença entre salmos, hinos e cânticos espirituais. É difícil fazer distinções firmes e rápidas entre estes termos. A maioria dos estudiosos concorda que os três termos se referem, livremente, às várias formas de composições musicais usadas no culto de adoração.

A frase “aconselhai-vos mutuamente (...) com salmos, e hinos, e cânticos espirituais,” sugere que o canto fosse interativo. Presumivelmente uma parte do cântico era responsiva, com a congregação respondendo ao líder do cântico. O canto devia ser feito com “gratidão” e “de todo o coração”. Através de seus cânticos, os cristãos expressavam sua gratidão incondicional “ao Senhor” por Sua maravilhosa provisão em salvá-los.

Nenhuma das referências sobre música no Novo Testamento examinadas acima faz qualquer alusão a instrumentos musicais usados pelos cristãos do Novo Testamento para acompanhar o canto. Aparentemente os cristãos seguiam a tradição da sinagoga proibindo o uso de instrumentos musicais nos cultos da igreja por causa de sua associação pagã.

Paulo entendia, indubitavelmente, que a música poderia ser um recurso efetivo para ajudar a igreja a cumprir as tremendas tarefas da evangelização dos Gentios. Ele sabia o que funcionaria para atrair as pessoas. Porém, ele buscava alcançar as pessoas, não lhes dando o que elas queriam, mas pregando-lhes aquilo que elas necessitavam. “Mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios; mas para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus”. (I Coríntios 1:23-24).

Ao contrário da atual filosofia reinante atualmente, de que os estilos e os instrumentos característicos da música popular secularizada e profana de nossos dias poderiam ser adotados e adaptados para alcançar a sociedade secular, os primeiros cristãos se distanciavam não apenas das canções seculares, mas também dos instrumentos musicais usados para o entretenimento secular e adoração pagã.

 A igreja apostólica reconhecia o perigo de trazer para a igreja a música e os instrumentos que foram associados com um estilo de vida pagão, bem como entendia a verdade fundamental de que a adoção da música pagã, e dos instrumentos usados para produzi-la, poderiam, eventualmente, corromper a mensagem Cristã, sua identidade, e seu testemunho, além de tentar as pessoas a voltar aos seus estilos de vida pagãos.

Eventualmente isto foi o que aconteceu. A partir do quarto século, quando o cristianismo se tornou a religião do império, a igreja tentou alcançar os pagãos adotando algumas de suas práticas, incluindo sua música. O resultado tem sido a secularização gradual do cristianismo, num processo que continua ainda hoje. A lição da história é clara. Evangelizar as pessoas com sua linguagem secular, no final das contas resultará na secularização da própria igreja.

Concluindo, vimos que em todo Novo Testamento os adufes e tambores não são mencionados nenhuma vez e as danças são mencionadas somente em celebrações seculares e familiares, sem qualquer conotação com a adoração, tanto na sinagoga, quanto na igreja apostólica. Assim, os eventos posteriores ao santuário parecem indicar que a adoração em Israel e, depois na igreja cristã, afastou-se cada vez mais dos costumes profanos e se concentrou no padrão pretendido por Deus.

A música de adoração no Apocalipse

Um quadro musical exuberante, no Novo Testamento, aparece apenas no livro do Apocalipse, em relação com as visões apocalípticas de João sobre o céu e o futuro estabelecimento do reinado eterno de Deus. Em suas visões, João relata aspectos da adoração a Deus pelos seres celestiais e pelo coro de anjos (Apocalipse 5:8-14). A adoração é feita no contexto do santuário celestial, no qual Jesus ministra como Messias e Sumo Sacerdote. A música é feita com harpas e um cântico que envolve toda a criação. Em Apocalipse 7:9-12; 14:1-3; e 15:2-4, vemos uma apresentação escatológica do grupo daqueles que foram redimidos, agora adorando a Deus com cânticos de louvor e música de harpas. Eles ficam em pé junto ao mar de vidro, na Sião celestial, e cantam o Cântico de Moisés e o Cântico do Cordeiro.

Quando expressamos adoração a Deus pela música, somos privilegiados em unir-nos àquela sinfonia de louvor. "A música faz parte do culto de Deus, nas cortes celestiais, e devemos esforçar-nos, em nossos cânticos de louvor, por nos aproximar tanto quanto possível da harmonia dos coros celestiais. (...) O cântico, como parte do culto religioso, é um ato de adoração, tanto como a prece. O coração deve sentir o espírito do cântico, a fim de dar a este a expressão correta." – Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, pág. 594.

Um estudo cuidadoso dos vários hinos do Apocalipse revela que, apesar de todas as referências ao sofrimento do povo de Deus, o livro ainda consegue provar-se como sendo uma das composições mais felizes já escritas. Mesmo assim, na adoração celestial como descrito no livro de Apocalipse, o único instrumento musical citado é a harpa (e.g., Apocalipse 5:8.)

A música triunfante de Apocalipse é inspirada, não pela pulsação hipnótica de instrumentos de percussão, mas pela revelação maravilhosa dos feitos redentores de Deus por Seu povo. Conforme os adoradores do santuário celestial são privilegiados em revisar a forma providencial pela qual Cristo, o Cordeiro que foi morto resgatou pessoas de todas as nações, eles cantam com uma excitação dramática no seu louvor doxológico à Divindade.

Líderes da adoração que estão insistindo no uso de baterias, contrabaixos, guitarras rítmicas para dar uma pulsação de rock à música de suas igrejas, deveriam notar o fato que tanto no Templo de Jerusalém quanto no santuário celestial, nenhum instrumento de percussão foi permitido. O único instrumento usado pelos coros celestiais é um conjunto de harpas (Apocalipse 5:8; 14:2). É de se notar que o apoio instrumental não suplanta a importância das palavras do texto nem contém uma mistura de instrumentos diversos.

Em Apocalipse os que saíram da grande tribulação são vistos em pé diante do trono de Deus, enquanto cantam um novo cântico que diz: “Ao nosso Deus, que se assenta no trono, e ao Cordeiro, pertence a salvação”. (Apocalipse 7:10). Cantar louvores a Deus é uma experiência que começa nesta vida e continuará no mundo por vir.

Os Adventistas do Sétimo Dia consideram Apocalipse 14:6-12 como um texto chave acerca do culto e adoração na igreja do fim dos tempos, num contexto de crise escatológica. O autêntico culto está centralizado na pregação e no louvor, não há dicotomia entre louvor e proclamação. “Vi outro anjo voando pelo meio do céu, tendo o evangelho eterno para proclamar aos que habitam sobre a terra e a toda nação, e tribo, e língua, e povo, dizendo com grande voz: Temei a Deus, e dai-lhe glória, porque é chegada a hora do seu juízo. E adorai aquele que fez o céu, a terra, o mar e as fontes das águas.” Apocalipse 14.6-7.

No descerrar das cortinas do drama apocalíptico, onde as nações serão induzidas a uma falsa adoração, Satanás não vai depender só das ideologias políticas, dos acordos econômicos, da força e de distorcidas interpretações teológicas para reunir condições em que possa organizar e integrar socialmente o mundo para o ato final de adoração. À medida que se aproxima o tempo do fim, Satanás intensifica cada vez mais seus esforços contra Deus e Seu povo, porque sabe que pouco tempo lhe resta (Apocalipse 12:12). Seus ataques são dirigidos especialmente para a igreja remanescente (Apocalipse 12:17), procurando afastar seus membros de Cristo. Para atingir este propósito, seus vastos conhecimentos musicais são grandemente úteis. Mais do que ninguém, ele conhece o efeito que diferentes estilos de música podem exercer sobre o corpo e a mente. Porque através da música, “Satanás sabe que órgãos excitar para animar, absorver e seduzir a mente, de maneira que Cristo não seja desejado.” Ellen G. White, Testemunhos para a Igreja, vol. I, p. 496

O chamado das Três Mensagens Angélicas para sairmos da Babilônia espiritual, pela rejeição de sua falsa adoração, poderia muito bem incluir também a rejeição da música secular mundana de Babilônia. Logo o mundo inteiro será ajuntado para o conflito final na antitípica planície apocalíptica de Dura e “todo tipo de música” será tocada para levar os habitantes da terra a “adorar a besta e sua imagem” (Apocalipse 14:9). É digno de nota que, no Apocalipse, o resultado do conflito envolva o silenciar dos instrumentos de música da Babilônia. “Com igual ímpeto será lançada Babilônia, a grande cidade, e nunca mais será achada. E em ti não se ouvirá mais o som de harpistas, de músicos, de flautistas e de trombeteiros.” (Apocalipse 18:21-22)

A adoração é o tema do conflito entre Cristo e Satanás. Apocalipse 14 é a mais solene convocação para adorar o único Deus, Criador e Redentor. Mas é, ao mesmo tempo, a mais séria advertência sobre o que implica a falsa adoração. A convocação deve ser anunciada nos termos do “evangelho eterno”, isto é, a pura revelação da obra de Deus em Cristo. O resultado da aceitação da mensagem do evangelho é uma vida de fé e obediência ao Senhor (Apocalipse 14:12).

Conselhos de Ellen White

“Vi que todos devem cantar com o espírito e com o entendimento também.(...) E quanto mais perto o povo de Deus se puder aproximar do canto correto, harmonioso, tanto mais Ele é glorificado, a igreja beneficiada e os incrédulos favoravelmente impressionados”. Evangelismo, p. 508.

“A música pode exercer uma grande influência para o bem; mesmo que não estejamos fazendo o máximo para este setor da adoração. O canto é geralmente praticado por impulso ou para atender casos especiais, e em outras vezes, aqueles que cantam são deixados a persistir no erro, e a música perde seu efeito próprio sobre a mente dos ouvintes presentes. A música deveria ter beleza, sentimento e poder. Que as vozes se elevem em cânticos de louvor e de devoção. Traga em seu auxílio, se possível, instrumentos musicais, e deixe a harmonia gloriosa ascender a Deus, em agradável oferenda.” Testemunhos para a Igreja, vol. IV, p. 71.

“Exibição não é religião nem santificação. Não há nada mais ofensivo à vista de Deus que o exibicionismo de música instrumental, quando os que tomam parte não são consagrados e não fazem melodia em seus corações ao Senhor. A oferenda mais doce e aceitável aos olhos de Deus é um coração humilde obtido pela recusa própria, pelo levantar a cruz e seguir a Jesus. Não temos tempo para gastar agora na procura de coisas que somente distraem a mente.” Review and Herald vol. 76 nº 46 de 14-11-1899.

“Escolha-se um grupo de pessoas para tomar parte no serviço de canto. E seja este acompanhado por instrumentos de música habilmente tocados. Não nos devemos opor ao uso de instrumentos musicais em nossa obra. Esta parte do serviço deve ser cuidadosamente dirigida; pois é o louvor de Deus em cântico. Nem sempre o canto deve ser feito apenas por alguns. Permita-se o quanto possível que toda a congregação dele participe. (...)” Obreiros Evangélicos p. 357 e 358.

“Como posso eu suportar a ideia de que a maioria da juventude nesta época vai perder a vida eterna? Oh, se o som dos instrumentos de música cessasse, e os jovens não esbanjassem tanto o seu precioso tempo em agradar as suas próprias fantasias e caprichos.” Testemunhos para a Igreja, vol. II, p. 144.

“Eu me senti alarmada quando testemunhei por toda parte a frivolidade de moços e moças que professam crer na verdade. Deus não parecia estar em seus pensamentos. Suas mentes estavam cheias de tolices, insensatez. Sua conversação era vazia e inútil. Possuíam ouvidos afinados para música, e Satanás sabia que órgão excitar para estimular, controlar e fascinar a mente, de tal maneira que Cristo não fosse desejado. Os desejos espirituais de suas almas, para um conhecimento divino, para um crescimento na graça, eram deficientes.” Testemunhos para a Igreja, vol. I, p. 496.

“A mim me foi mostrado que a juventude deve tomar uma posição mais elevada, e fazer da palavra de Deus a fonte de suas consultas e seu guia. Solenes responsabilidades repousam sobre os jovens, as quais eles voluvelmente observam. A introdução da música em seus lares, em vez de estimular para a santidade e espiritualidade, tem sido o meio para distrair suas mentes da verdade. As canções frívolas e as músicas populares de hoje parecem agradar seus corações. Os instrumentos de música têm absorvido o tempo que deveria ser devotado à oração. A música, quando é empregada para bons fins, é uma grande benção; mas quando mal empregada é uma terrível maldição." Testemunhos para a Igreja, vol. I, p. 497.

“As coisas que descrevestes como ocorrendo em Indiana, o Senhor revelou-me que haviam de ocorrer imediatamente antes da terminação da graça. Demonstrar-se-á tudo quanto é estranho. Haverá gritos com tambores, música e dança. Os sentidos dos seres racionais ficarão tão confundidos que não se pode confiar neles quanto a decisões retas. E isto será chamado operação do Espírito Santo.”

“O Espírito Santo nunca Se revela por tais métodos, em tal balbúrdia de ruído. Isso é uma invenção de Satanás para encobrir seus engenhosos métodos para anular o efeito da pura, sincera, elevadora, enobrecedora e santificante verdade para este tempo. É melhor nunca ter o culto do Senhor misturado com música do que usar instrumentos músicos para fazer a obra que, foi-me apresentado em janeiro último, seria introduzida em nossas reuniões campais. A verdade para este tempo não necessita nada dessa espécie em sua obra de converter almas. Uma balbúrdia de barulho choca os sentidos e perverte aquilo que, se devidamente dirigido, seria uma bênção. As forças das instrumentalidades satânicas misturam-se com o alarido e barulho, para ter um carnaval, e isto é chamado de operação do Espírito Santo.” Mensagens Escolhidas, vol. II, p. 36

Bibliografia

- Araújo, Dario Pires - Música, Adventismo e Eternidade (Publicação independente. Disponível na Internet em http://www.musicaeadoracao.com.br/livros/index.htm, com autorização do autor)

- Bacchiocchi, Dr. Samuele - O Cristão e a Música Rock (Não publicado em portugês. Disponível na Internet em http://www.musicaeadoracao.com.br/livros/index.htm, com autorização do autor)

- Dorneles, Vanderlei - Cristãos em Busca do Êxtase - Para compreender a Nova Liturgia e o Papel da Música na Adoração Contemporânea (Unaspress - Imprensa Universitária Adventista - 2003.)

- Grauman, Helen G. - Música em Minha Bíblia (Casa Publicadora Brasileira - 1968)

- McCommon, Paul - A Música na Bíblia - (Editora JUERP - 1982)

- Osterman, Eurydice V. - O Que Deus Diz Sobre a Música (Unaspress - Imprensa Universitária Adventista - 2003)

- White, Ellen G. - Música - Sua Influência na Vida do Cristão (Casa Publicadora Brasileira - 2005)

Artigos On-line

Os artigos listados abaixo forneceram importantes subsídios para elaboração teste texto e podem servir de fonte de pesquisa para o leitor que busca mais detalhes sobre o assunto.


- A Bateria à Luz da Antropologia e da Bíblia - Vanderlei Dorneles

- A Dualidade Divina para a Música e Adoração - Adrian Theodor

- A Escolha da Música é Realmente Importante? - Marvin L. Robertson

- A Música na Igreja - Parcival Módolo

- A Música na Igreja - Vandir Rudolfo Schaffer

- A Música na Igreja de Cristo - Walter Andrade Campelo

- A Música no Grande Conflito entre Cristo e Satanás - Carlos A. Steger

- Artimanhas Evangelísticas: A Loucura da Pregação ou a Pregação da Loucura - Samuel Koranteng-Pipim

- As Influências do Culto do Antigo Testamento na Liturgia - Gerard Van Groningen

- Batuque à Beira-Mar - Adrian Theodor

- Considerações para a Avaliação da Música na Igreja: Uma Abordagem Bíblica - Vernon E. Andrews

- Dança na Bíblia - Samuele Bacchiocchi

- Davi nos Aprova a Dança? - Adrian Theodor
- Devemos Dançar? - O. E. Allison

- Fogo Estranho Diante do Altar - Gerson Pires de Araújo

- Melodia, Ritmo e Harmonia - Pr. Jorge Mário de Oliveira

- Metais, Cordas e Percussão? - Dr. Peter Masters

- Música na Igreja - Questão de Princípios - Elias Tavares

- Música no Novo Testamento - Reinaldo Siqueira

- Música Sacra para a Igreja de Hoje - Levi de Paula Tavares

- Música: do Divino ao Maligno - João Wilson Faustini

- O Evangelho do Entretenimento - Ciro Sanches Zibordi

- O Papel da Música na Adoração - Elias Tavares e Levi de Paula Tavares

- Palavras para Dança nas Escrituras Sagradas - Pr. Jorge Mario de Oliveira

- Por Que o Adventista Não Pode Cantar e Dançar Como Davi? - Dario P. Araújo

- Shows Cristãos: Culto, Entretenimento ou Mundanismo?- Pr. Douglas Reis

- Uma Filosofia Bíblica da Música Cristã - Dr. Thomas Cassidy

Artigos disponívelis em http://www.musicaeadoracao.com.br/artigos/adoracao/index.htm 
- A Adoração e a Bíblia - Miguel Angel Darino

- A Teologia da Música Sacra - Gerald A. Klingbeil

- Adoração Bíblica - Arival Dias Casimiro

- Bases Bíblicas Para Uma Teologia de Música e Adoração - Levi de Paula Tavares


- Perguntas Sobre Música - Pr. Jorge Mario de Oliveira

- Música: Moralmente Neutra? - Dr. Wolfang Hans Martin Stefani, Ph.D


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