Entrevista
com Raymond Franz*
prof.
Azenilto G. Brito**
A exclusão de Raymond
Franz da sociedade religiosa Torre de Vigia, a que pertenceu por quase toda a
vida, foi considerada a uma excomunhão do Colégio de Cardeais da Igreja
Católica, em artigo de página inteira do semanário internacional Time (22 de
fevereiro de 1982). Ele havia ocupado privilegiada posição por nove anos como
um dos 17 membros do exclusivo “Corpo Governante” dessa entidade até demitir-se
do cargo, sendo mais tarde desligado da religião. Dita organização, com sede em
Brooklyn, N.Y., EUA, comanda as atividades mundiais das “testemunhas de Jeová”.
Nesta entrevista
exclusiva ao repórter de Correio Cristão, Raymond Franz indica algumas das
razões que o levaram a não só retirar-se da liderança daquela sociedade, que
alega ser “teocrática”, mas produzir dois livros em que oferece provas
irrefutáveis dos erros e equivocada metodologia das “testemunhas de Jeová” ao
ensinarem a Bíblia.
Entre outras
importantes atribuições que Raimund Franz ocupou no seio da Sociedade Torre de
Vigia de Bíblias e Tratados destaca-se o seu papel de membro da comissão
executiva da organização, ou o seu “Corpo Governante”—na época composto de 17
membros rigorosa e cuidadosamente selecionados. Ele é sobrinho de Frederick
Franz, presidente mundial e principal “teólogo” dentre as “testemunhas de
Jeová” até seu falecimento em dezembro de 1992 e foi encarregado de coordenar
parte do material para o livro Aid to Bible Understanding [atualmente chamado
Insight on the Scriptures em inglês, e Estudo Perspicaz das Escrituras, em
português], tipo de encicoplédia bíblica que se tornou a obra mais erudita
produzida pelas enormes gráficas daquela sociedade religiosa. Ele foi
responsável pela pesquisa do verbete mais longo do livro, que trata sobre
“Cronologia”.
Na pequena comunidade
de Winston, a cerca de 30 milhas a noroeste de Atlanta, estado da Georgia, EUA,
ao longo da rodovia que conduz à divisa com o Alabama, foi onde contactamos
esse ex-líder entre os jeovaístas numa fria noite de março de 1993. eu fizera
arranjos com ele por telefone para uma entrevista. A princípio ele demonstrou
hesitação em ter uma entrevista gravada: não quer que as “testemunhas de Jeová”
interpretem suas declarações como uma adesão a seus ensinos; após deixar a
seita ele decidiu não se ligar formalmente a qualquer igreja em particular, mas
participa com freqüência de estudos bíblicos com outros ex-”testemunhas”. Sendo
que não fez objeções a tomarmos notas por escrito de suas declarações, chegamos
a um consenso para a entrevista.
Raymond Franz fora um
dedicado membro da seita das “testemunhas de Jeová” por mais de 40 anos e um
dos seus 144.000 “ungidos” (os únicos a irem para o céu para viver para sempre
com Jesus, enquanto os demais—da “grande multidão”—ficam sobre a Terra
renovada, numa espécie de “salvação de segunda”, conforme os ensinos da Torre
de Vigia). Ele inclusive atuou como missionário, enfrentando pobreza, doença e
perseguição ao trabalhar na República Dominicana e outros países
latino-americanos. Entre vários idiomas que fala fluentemente, o seu espanhol é
impecável.
Quando na sede
internacional da Sociedade Torre de Vigia circularam rumores de que ele
discordava de alguns pontos básicos da religião, chegou a ser tratado de modo
quase brutal por membros do Corpo Governante, recorda ele, em atitudes
desconcertantes de investigações secretas, gravações não autorizadas de
conversas telefônicas, insinuações malévolas por publicações da seita e várias
outras formas de pressão psicológica, vendo-se forçado a renunciar a sua
posição.
Mas o ostracismo a que
foi lançado permitiu-lhe mais tempo para refletir sobre o sentido de tudo por
que havia passado nos últimos tempos, bem como por toda a sua vida como ativo
membro do que o artigo de Time chama de “uma seita apocalíptica”, que
reivindica ser o exclusivo canal da verdade de Deus sobre a Terra.
Em sua nova condição de
ex-líder religioso e “renegado” da fé, Franz escreveu dois livros, somando mais
de 1.000 páginas de material onde detalha o funcionamento um tanto secreto do
Corpo Governante e outros setores da sua antiga religião. A primeira obra se
intitula Crise de Consciência e foi lançada no Brasil pela Editora Vida.
Quem espera encontrar
expressões de amargura e denúncias sensacionais em suas obras se desapontará.
Franz não trata os que lidaram com ele na mesma medida em que foi tratado.
Antes, procura ressaltar os aspectos positivos daqueles homens como pessoas
sinceras e dedicadas, e atribui o comportamento descaridoso e nada diplomático
deles a seu respeito às exigências do sistema a que dedicam inabalável
fidelidade, bem como à insegurança que tal sistema propicia, com suas freqüentes
mudanças de interpretação doutrinária, sobretudo as “datas marcadas” (predições
“bíblicas”) de acontecimentos que nunca se materializaram: 1914, 1915, 1918,
1920, 1925, 1941, 1975, entre outras.
Explica Franz que sua
pesquisa para o preparo do livro Aid foi o fator inicial para abrir-lhe a mente
para problemas sérios na exegese e cronologia “bíblica” das TTJ.
Entre os pontos
sensíveis levantados na pesquisa está a falta de fundamentação histórica para a
data 607 AC como ano em que Jerusalém foi desolada, a partir de onde teriam
começado os 70 de cativeiro de Israel sob Babilônia. Essa data é crucial para a
cronologia que levaria ao ano de 1914, extremamente importante na interpretação
bíblica das “testemunhas de Jeová”. Assim, se a data 607 AC estiver errada, a
cronologia a que serve de base estará errada. E se a cronologia estiver errada,
a teologia estará errada.
Franz conta que levou o
problema da falta de fundamento para tal data básica a seus pares durante uma
reunião do Corpo Governante. Pesquisa realizada por ele e seu secretário em
todas as bibliotecas da área de Nova York, e outras informações que lhe
chegaram de um ancião TJ na Suécia (Carl O. Jonsson, que, independentemente de
suas próprias investigações preparara um estudo detalhado sobre o assunto)
convenceram-no de que tal data realmente era infundada. Posteriormente, Jonsson
também abandonou a seita, tendo escrito uma obra erudita discutindo a falsa
cronologia bíblica das TTJ, intitulada The Gentile Times Reconsidered
[Reavaliação dos Tempos dos Gentios].
Ele lembra como o
assunto causou grande celeuma entre seus companheiros dirigentes das
“testemunhas de Jeová”. Finalmente, puseram em votação as alternativas de
reconhecer e corrigir o erro, segundo os dados históricos admitidos pelo
consenso de historiadores de gabarito (a data correta seria 586 AC), ou manter
a tradição interpretativa. Pelo levantar da mão daqueles chefes religiosos,
decidiu-se que Jerusalém teria sido desolada quase 20 anos antes da data real
para o acontecimento, ou seja, optaram pela tradição!
Perguntei a Franz se o
voto majoritário de seus antigos pares tinha sido motivado por estudos
profundos empreendidos por eles que contrariavam o consenso de historiadores e
arqueólogos a respeito da data correta, ou por alguma nova pesquisa
arqueológica em que eles próprios teriam se engajado ou sido informados a
respeito. Ele apenas sorriu, como resposta.
Entre os fatos
marcantes de sua experiência à frente da organização jeovaísta, Franz lembra a
grande perseguição a que as “testemunhas” foram submetidas no Maláui, pequeno
país do sudeste africano, devido à recusa por eles em adquirir um cartão do
partido único do governo ditatorial daquele país. A literatura das
“testemunhas” não se cansava de ressaltar a grande injustiça e o sofrimento
desses religiosos, sujeitos a todo tipo de preconceito, estupros e maus tratos.
Muitos tiveram que abandonar o país sob condições penosas para nações vizinhas,
e os textos bíblicos que falam de perseguição aos fiéis seguidores de Cristo
nunca deixavam de ser citados nas revistas A Sentinela e Despertai! ao se
referirem ao caso.
Qualquer ato de
perseguição contra pessoas por convicções políticas ou religiosas é decerto
condenável e lamentável. O que o público nunca soube, porém, é que enquanto se
requeria estrita adesão às ordens da Sociedade Torre de Vigia das “testemunhas
de Jeová” do Maláui para não rebaixarem as normas aceitando a ordem
governamental (o que contrariaria sua posição de absoluta neutralidade ante os
governos humanos), no México as “testemunhas” eram instruídas a obterem um
documento de isenção de serviço militar mediante um ato ilegal: o suborno!
O escritório regional
das “testemunhas” no México, em busca de orientação sobre como agir no caso,
escrevera à Torre de Vigia, em Brooklyn, Nova York, explicando que a prática de
obter os documentos de isenção do serviço militar por propinas era comum no
país, mas reconhecidamente aética. Explicava que as “testemunhas” de sexo masculino
praticavam o mesmo que muitos outros de seus concidadãos mexicanos—pagavam “la
mordida” aos chefes militares para não terem problemas, não serem presos, etc.
A orientação da sede
mundial das “testemunhas” foi simplesmente incrível: sendo que o dinheiro pago
a esses militares corruptos não seria encaminhado para beneficiar a máquina de
guerra do país, e sendo que o pagamento de propinas já era algo enraizado na
cultura local, que os jovens “testemunhas” pagassem a tal taxa para obter o seu
documento de isenção do serviço militar, ilegalmente ou não, e se livrassem do
problema!
Dois pesos, duas
medidas! Franz documenta em seu livro tudo isso em detalhes, com fotocópias da
correspondência trocada entre o escritório do México e a sede mundial da seita.
Franz não foi logo
“excomungado” ao desligar-se de seu posto na organização. Mudou-se para
Gadsden, Alabama, onde foi morar com um amigo que ainda pertencia à religião.
Pouco depois, este também apresentou objeções a aspectos doutrinários da seita
e foi excluído como membro em sua congregação local que Franz também frequentava.
Na época ficou decidido pelo Corpo Governante que uma antiga regra de
ostracismo aos afastados da religião seria restabelecida: a de proibir qualquer
membro ativo a sequer saudar à distância um “apóstata”, ainda que desligado a
seu próprio pedido.
Ao ser visto por uma
pessoa do Salão do Reino em Gadsden comendo num restaurante em companhia de seu
amigo excluído da religião, a tecnicalidade legal foi encontrada para também
excluí-lo, e à esposa, da comunhão das “testemunhas de Jeová”. No artigo do
Time acima referido, uma irônica legenda sob a foto de Franz sintetiza o
absurdo de tal medida. Diz a revista: “Losing heaven over one restaurant meal”
[perdendo o céu em função de uma refeição num restaurante).
*Raymond Victor Franz foi um membro do Corpo Governante do movimento religioso Testemunhas de Jeová de 20 de outubro de 1971 até 22 de maio de 1980, e serviu na sede mundial da organização por quinze anos, de 1965 até 1980.Nasceu em 8 de maio de 1922, Cincinnati, Ohio, EUA, e faleceu em 2 de junho de 2010.
*Raymond Victor Franz foi um membro do Corpo Governante do movimento religioso Testemunhas de Jeová de 20 de outubro de 1971 até 22 de maio de 1980, e serviu na sede mundial da organização por quinze anos, de 1965 até 1980.Nasceu em 8 de maio de 1922, Cincinnati, Ohio, EUA, e faleceu em 2 de junho de 2010.
**O autor da entrevista,
Prof. Azenilto G. Brito, é autor do
livro O Desafio da Torre de Vigia
que tem o prefácio do erudito pastor e autor evangélico Rev. Caio Fábio
d'Araújo Filho. Em seu prefácio ele declara que que "O livro O Desafio da
Torre de Vigia, de Azenilto Guimarães
Brito, é sem dúvida o mais forte em provas,
o mais denso em argumentos e o
mais preciso em dados históricos que já foi escrito no Brasil a respeito da
questão das 'Testemunhas de Jeová'".
FONTE: Ministerio Sola
Scriptura
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