Pedro
Apolínário*
Infelizmente, membros
de Igrejas Evangélicas e até estudantes de Teologia de certas faculdades creem
firmemente que a lei se opõe à graça.
Anote estas
declarações:
“Pondo o assunto em seu
devido lugar, somente quando a lei é feita um meio de salvação, entra ela em
choque com os princípios da graça. A lei destina-se a revelar o pecado; a graça
destina-se a salvar do pecado. Nenhum conflito pode existir entre ambas.”1
Os dispensacionalistas,
contrariando o ensino bíblico, têm defendido duas épocas distintas: dispensação
da lei – Velho Testamento e dispensação da graça – Novo Testa mento.
A finalidade deste
estudo é harmonizar a lei com a graça, colocando cada uma em seu devido lugar.
Comentários Gerais
I.
Que é Lei?
Na Bíblia, a palavra é
empregada com múltiplos significados.
a) Designa o
Pentateuco. Luc. 24:44.
b) A lei dada a Moisés
no Monte Sinai. Rom. 5:13; Gál. 3:17,19.
c) É empregada no
sentido de expressão da vontade de Deus e do Seu caráter justo e santo. Rom.
3:20; 7:12; I Tim. 1:8; Tiago 1:25.
Em outras palavras: é a
expressão do caráter de Deus em termos humanos.
Como igreja cremos
nesta tríplice finalidade da lei.
1º) Ela nos mostra o
pecado ou convence-nos de que somos pecadores. “Pela lei vem o pleno
conhecimento do pecado.” Rom. 3: 20.
2º) Guia o pecador a
Cristo. Efés. 4:24-25.
3º) Será a norma do
juízo. Tiago 2:12.
As leis são as normas
estabelecidas por Deus para que por elas pautemos a nossa vida.
II.
O que é Graça?
a) Favor imerecido.
Dádiva a que se não faz jus.
b) É uma qualidade intrínseca
de Deus, que brota do Seu amor por nós, levando-o a fazer tudo em nosso favor a
fim de que possamos ser salvos.
c) É a fonte de nossa
salvação. “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós,
é dom de Deus.” Efés. 2:8.
d) “Graça é a mão de
Deus que se estende em direção a Terra. Fé é a mão do homem que se ergue para
pegar a mão de Deus.” – Dicionário Adventista.
e) É a aceitação do
homem por parte de Deus.
“A graça divina, eis o
grande elemento do poder salvador; sem ela, todo o esforço humano é inútil.” –
CPPE, pág. 487.
f) Elemento divino que
nos dá poder para obedecer á lei de Deus.
“Sem a graça de Cristo
é impossível dar um passo em obediência à lei de Deus.” – Selected Messages,
vol. 1, pág. 372.
g) “A graça é uma qualidade
que dá ao homem a força de executar as exigências de Deus.” Lutero.
Os
Adventistas e a Lei
Como igreja já fomos
acusados de crermos na justificação pela obediência à lei.
É uma realidade
inegável, que antes de 1888 nossos pregadores encareciam muito a lei de Deus,
mas após a Conferência Geral de Mineápolis graças à atuação segura de Ellen G.
White e os estudos dos pastores Waggoner e Jones passamos a encarecer a
Justificação pela Fé.
A acusação de crermos
que somos salvos pela guarda dos mandamentos é infundada. Ninguém poderá provar
através de nossos sermões e de nossa literatura esta idéia antibíblica.
A rica bibliografia
adventista confirma que jamais atribuímos à lei uma função salvadora. Nossa
posição quanto aos Dez Mandamentos é esta: São grandes preceitos morais,
imutáveis, obrigatórios a todos os homens, em todas as épocas. Êxo. 20:1-17.
Aceitamos a declaração
do eminente teólogo batista, Strong,
em sua Teologia Sistemática, pág. 538:
“A lei de Deus é, por
conseguinte, simplesmente uma expressão da natureza divina, em forma de
reivindicações morais.”
No parágrafo oitavo,
das Crenças Fundamentais dos Adventistas do Sétimo Dia se encontra:
“O homem é justificado,
não pela obediência da lei, mas pela graça que há em Cristo Jesus. Aceitando a
Cristo, é ele reconciliado com Deus, justificando por seu sangue quanto aos
pecados cometidos no passado e salvos do poder do pecado pela permanência de
Sua vida nele.”
A seguinte declaração
de Santo Agostinho é oportuna: “Pela lei tememos a Deus, pela graça confiamos
nele.”
O
Legalismo e a Guarda dos Mandamentos
Nos dias de Paulo havia
três erros concernentes à lei e à graça, erros esses que têm perdurado até os
nossos dias. Esses erros são:
1º) O Legalismo – É o
ensino que somos salvos pelas obras, observando cerimônias e preceitos da lei.
O livro de Romanos refuta esse erro.
2º) O Antinomianismo –
Ensina que se somos salvos pela graça, não faz diferença alguma como vivemos e
nos conduzimos.
A epístola de Tiago é
uma resposta a este erro doutrinário.
3º) O galacianismo – É
o ensino que somos salvos pela graça, mas, após isto, somos guardados pela lei.
Em outras palavras: Somos salvos pela fé e obras. Paulo guiado pelo Espírito
Santo escreveu a carta aos Gálatas combatendo esta heresia. Ver Novo Testamento
Interpretado, de Russel Norman Champlin, 4º vol. pág. 435.
Deploravelmente, há
muita gente entre nós não sabendo distinguir o legalismo da guarda dos
mandamentos. Legalismo não é guardar a lei, obedecer a Deus, mas guardar a
letra da lei para obter méritos diante de Deus. Legalismo é o mau uso da lei.
A obediência é
necessária, mas depender de nossa obediência para a salvação é totalmente
contrária ao espírito do evangelho.
Os judeus afirmavam que
Jesus não interpretou bem a lei, quando sabemos que Ele é o verdadeiro
intérprete da lei.
Nossa atitude para com
a lei deve ser a que Cristo teve, como está relatada na profecia messiânica de Isaías
42:21 – “Foi do agrado do Senhor, por amor de sua própria justiça, engrandecer
a lei e fazê-la gloriosa.”
Hal Lindsey na obra Satan is Alive and Well on Planet
Earth, pág. 163, escreveu:
“Se procurarmos ser
justificados como crentes pela obediência a qualquer lei, negamos o poder de
Cristo em nossa vida. Isto é o que Paulo afirma em Gál. 5:1-5.
“Obediência é o
resultado de um relacionamento espiritual com Cristo e não o meio para alcançar
esse relacionamento.”
Ellen
G. White escreveu:
“Há dois perigos contra
os quais os filhos de Deus – particularmente aqueles que só há pouco aceitaram
Sua graça – devem, especialmente, evitar. O primeiro. . . é o de considerar as
próprias obras, confiando em qualquer coisa que se possa fazer, a fim de se
colocar em harmonia com a vontade de Deus. Aquele que procura se tornar santo
por suas próprias obras, guardando a lei, tenta o impossível. Tudo que o homem
possa fazer sem Cristo está poluído de egoísmo e pecado. (...).
“O erro oposto e não
menos perigoso é o de que a crença em Cristo isenta o homem de guardar a lei de
Deus, considerando que somente pela fé é que nos tornamos participantes da
graça de Cristo e que as obras nada têm que ver com nossa redenção.” – Caminho
a Cristo, págs. 59-60.
O Bispo Hopkins
ensinou:
“Pregar a justificação
pela lei, como um concerto, é legalismo e torna sem efeito a morte e os méritos
de Jesus Cristo. Mas pregar a obediência à lei como regra, é evangélico.”
Paulo
e a Lei
Há algumas expressões
paulinas que são mal compreendidas porque não são explicadas de acordo com uma
exegese correta.
Paulo escrevendo a
Timóteo (I Tim. 1:8) expôs a sua concepção sobre a lei. “Sabemos, porém, que a
lei é boa se alguém dela se utiliza de modo legitimo.” A tradução da The New
English Bible transmite bem a idéia do original: “A lei é uma excelente coisa,
contanto que a consideremos como lei”.
I. “Morrer para a Lei”
Em Rom. 7:4-6 ele
declara que morremos para a lei e fomos dela libertados.
Em Gálatas 2:19 afirma: “Porque
eu, mediante a própria lei, morri para a lei, a fim de viver para Deus.(...)”
O contexto e outros
princípios exegéticos nos informam que as expressões: “morrer para a lei” e
“ser libertados da lei” significam o seguinte: O laço que nos ligava à lei como
caminho para ser aceito por Deus tem que ser quebrado.
Notem a declaração do
comentarista Stamm: “A morte para, a lei significa deixar de obedecer á lei como
meio que nos assegura a boa vontade divina.”
Morrer para a lei,
jamais quis significar que não temos mais a obrigação de guardar a lei, mas sim
morrer para a lei como meio de justificação.
“Quem procura alcançar
o céu por suas próprias obras, guardando a lei, tenta uma impossibilidade.” –
Mensagens Escolhidas, livro 1, pág. 364.
Os fariseus ensinavam
que a “Torah” encerra os elementos da vida dos judeus; todos quantos lhe
obedecessem viveriam, e aqueles que lhe fossem desobedientes morreriam. (Ver
Deut. 30:11-20)./
Com a expressão “morrer
para a lei” Paulo fazia referências ao rompimento da crença que a guarda da lei
era o caminho para nossa aceitação perante Deus.
II. “Não estais debaixo
da lei”
Muitos evangélicos
citam a expressão de Paulo: “não estamos debaixo da lei” (Rom. 6: 14-15; Gál.
5:18), querendo significar que a lei moral foi abolida.
Os adventistas ensinam
que “debaixo da lei” significa “debaixo da condenação da lei”. Não estar
debaixo da lei não quer dizer estar desobrigado de cumpri-la, mas sim não ser
culpado de sua transgressão. A única maneira de não estarmos debaixo da lei é
cumpri-la. Se transgredimos uma lei, incorremos em multa, prisão, ou qualquer
punição enfim.
A lei nos informa o que
devemos fazer, a graça nos lembra que devemos aceitar a Cristo, porque Ele nos
capacita a cumprir as exigências da lei. A graça divina não erradica a lei
dando ao homem licença para pecar. Isto é amplamente expresso em Romanos 6-8.
O que Paulo fez foi
condenar terminantemente crenças errôneas dos judeus como as seguintes: a lei
para ele era equivalente ao plano divino para a salvação do mundo; o homem era
aceito por Deus guardando os seus mandamentos.
III. “Sem
lei se manifestou a justiça de Deus” Rom. 3:21.
Com esta declaração
Paulo tinha em mente a justiça independente das obras da lei, dos méritos
humanos.
IV. “O Sábado findou na
cruz”
O Sr. Walter Martin, no livro The Truth About
Seventh Day Adventism afirma que o sábado como lei se cumpriu, não sendo mais
obrigatório aos cristãos. Na página 161 ele afirma: “Em mais de um lugar, o
Novo Testamento comenta desfavoravelmente sobre a prática de qualquer tipo de
observância legalista de dias”, acrescentando mais adiante que “o apóstolo
Paulo ensinou que o sábado, assim como a lei se cumpriu na cruz e não era
obrigatório aos cristãos.”
Em defesa de suas
afirmações cita textos do Novo Testamento, sendo o primeiro deles Col. 2:13-17.
Poucos versos do
próprio Paulo são suficientes para provar que ele jamais foi contra a lei.
Rom. 3:31 – “Anulamos,
pois, a lei, pela fé? Não, de maneira nenhuma, antes confirmamos a lei.”
Rom. 7:12 – “Por
conseguinte, a lei é santa; e o mandamento, santo e justo e bom.”
A.
R. Vidler, em seu livro Natural Law, pág. 25, escreveu:
“A lei é de utilidade
aos crentes como um padrão de obediência a Deus, na vida de fé, por meio da
qual os frutos do Espírito possam surgir.”
Aparente Contradição de
Paulo
“O objetivo da Epístola
aos Romanos, comparado com o da Epistola aos Gálatas, explica uma aparente
contradição entre as duas cartas: Numa, é permitida a observância dos dias
(Rom. 14:5); noutra, é proibida (Gál. 4:10-11). A permissão é a favor dos
judeus convertidos, que tinham escrúpulos de consciência com respeito a pôr de
parte certos preceitos da Lei em que tinham sido educados. A proibição é para
os gentios convertidos, aos quais os judaizantes ensinavam que só podiam ser
salvos praticando o ritual judaico. Essa observância, com o fim de salvação,
devia ser, portanto, condenada.”2
Se aqueles que creem
que Paulo se opõe à lei moral em Gálatas (4:9-11) atentassem para o contexto
desta carta jamais chegariam a esta conclusão. O contexto de Gálatas é claro em
informar-nos que Paulo a escreveu porque membros das igrejas da Galácia,
influenciados por mestres judaizantes pensavam que poderiam ser salvos
cumprindo as obras e minúcias do judaísmo (Gál. 2:16; 3:1-6). Paulo insiste que
ninguém pode ser salvo por suas próprias ações, desde que a salvação é dom
gratuito de Deus.
The Interpreter’s Bible,
vol. X, págs. 429-443,
na Introdução ao Livro de Gálatas, “salienta que Paulo queria livrar os crentes
do conceito errado de que eles poderiam ser salvos observando a lei mosaica;
esclarecendo-os também de que não deveriam guardar a lei dos Dez Mandamentos
visando conquistar méritos diante de Deus para sua salvação.”
Paulo dá ênfase a esta
verdade fundamental: já lhes mostrei que ensinamentos da lei, visando dirigir a
atenção dos homens para a vinda de Cristo, e tendo este cumprido Sua missão,
não deveriam mais ser observados na dispensação cristã.
Antes de concluir são
úteis ainda mais alguns pensamentos esclarecedores:
“Sob o Evangelho
ficamos libertos do jugo da lei cerimonial e da maldição da lei moral. (...) A
lei moral não foi senão para a localização da ferida, e a lei cerimonial serviu
como sombra precursora do remédio: Cristo, porém, é o fim de ambas.”3
“A graça não importa em
liberdade para pecar, mas numa mudança de senhores, e uma nova obediência e
serviço. A graça não anula a santa lei de Deus, mas unicamente a falsa relação
do homem para com ela.”4
A graça não elimina a
obediência, mas antes torna-a imperiosa (Rom. 1:5 e 6:17)5
Paulo prevê esta
objeção à doutrina da salvação pela graça por meio de nossa fé em Cristo. Se a
salvação é “à parte da lei”, então a lei é inútil. A resposta de Paulo é esta:
A função da lei não é livrar do pecado, mas revelar o pecado.
Definindo a relação
entre a lei e a graça disse Agostinho:
“A Lei é dada para que
a Graça possa ser exigida; a Graça é concedida para que a Lei possa ser
cumprida.”
Strong
diz com convicção:
“A graça, contudo, não
deve ser entendida como se ab-rogasse a lei, mas sim como reafirmando-a e
estabelecendo-a (Rom. 3:21).”
Para a nossa salvação
devemos aceitar a graça de Deus, e pelo nosso viver devemos exaltar a Sua Santa
Lei.
Referências:
1. Our Hope – Ray C. Stedman. Citado
no Ministério Adventista, julho/agosto, 1962, pág. 20.
2. História, Doutrina e
Interpretação da Bíblia, Joseph Angus, pág. 150.
3. Comentários das
Escrituras de Mateus Henry (autor presbiteriano).
4. Word Studies in the New Testament, vol. III,
pág. XI. Vincent.
5. Comentário de
Russell Norman Champlin sobre Efés. 2:8 em O Novo Testamento Interpretado
Versículo por Versículo.
*Extraído do Livro
“Explicação de Textos Difíceis da Bíblia” do extinto Pedro Apolinário. Ele foi
Professor de Grego e Crítica Textual no Seminário Adventista Latino-Americano
de Teologia
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