Teologia

sábado, 27 de junho de 2020

A DECISÃO DA HORA UNDÉCIMA: É POSSÍVEL?


Ricardo André

Neste artigo queremos refletir sobre a decisão que muitos fazem de aceitar a Jesus na “hora undécima” da vida. Na parábola dos trabalhadores na vinha, registrada somente em Mateus 20:1-16, Jesus, representado pelo “dono da casa”, chama um grupo de trabalhadores na “hora undécima” para trabalhar na vinha (v. 6). E eles aceitam o chamado. Na contagem judaica do tempo, a “hora undécima”, era “por volta das 17 horas. Os homens que foram trabalhar às 17 horas deveriam trabalhar durante um período curto até que escurecesse [...]” (Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, v. 5, p. 490). Em certo sentido, o Sol se apaga diariamente para milhares de pessoas ao redor do mundo (Is 60:20). Cada vez que morre um ente querido, tenha ele sido brilhante ou não, o Sol se põe nos horizontes da família enlutada. E, muitos deixam para tomar sua decisão de aceitar a Jesus justamente ao pôr do sol da sua vida. O grupo de trabalhadores na parábola de Jesus que aceitaram o chamado na “hora undécima” representa exatamente essas pessoas. É possível alguém tomar a decisão de aceitar a Jesus na última hora da vida? Jesus aceita tal decisão? Vejamos.

Os quatro evangelhos testificam que Jesus não foi crucificado sozinho. “Com ele crucificaram dois ladrões, um à sua direita, e outro à sua esquerda” (Mc 15:27; Mt 27:38; Lc 23:33; Jo 19:17, 18). Por que Jesus foi pendurado entre ladrões? Não sabemos ao certo. Mas, a escritora cristã Ellen G. White lança um lampejo de luz acerca dessa questão ao afirmar que “isso foi feito por instrução dos sacerdotes e principais. A posição de Jesus entre os ladrões indicava ser Ele o maior criminoso dos três. Assim se cumpriu a escritura: ‘Foi contado com os transgressores’ (Is 53:12)” (O Desejado de Todas as Nações, p. 751). Os evangelhos não revelam os nomes tampouco detalhes da vida daqueles ladrões que ladeavam Jesus. Segundo a tradição, o nome do ladrão impenitente ou o “mau ladrão” era “Gestas”, e o ladrão arrependido era “Dimas”, o “bom ladrão”. Sabe-se que estes eram companheiros de Barrabás (Ibdem, p. 741). Sabe-se também que os dois eram considerados bandidos perigosos, o que explica a crucificação, já que as leis romanas reservava esta punição somente aos grandes criminosos e aos escravos. Segundo Mt 27:44, a princípio ambos os ladrões que foram crucificados com Cristo proferiram insultos contra ele. Os dois gritavam palavras rudes, obscenas, concernente ao estilo de vida de Jesus. No meio daquela mortal agonia, ambos blasfemavam dEle. Aquele criminoso endurecido parecia resumir a atitude deles ao escarnecer dizendo: “Você não é o Cristo? Salve-se a si mesmo e a nós” (Lc 23:39, NVI). Ele apoia a zombaria dos príncipes e a lança contra o Salvador moribundo. Imediatamente o outro, que estava extraordinariamente passando por uma transformação interior, o repreende: “Você não teme a Deus, nem estando sob a mesma sentença? Nós estamos sendo punidos com justiça, porque estamos recebendo o que os nossos atos merecem. Mas este homem não cometeu nenhum mal” (Lc 23:40, 41, NVI).

Mas à medida que os torturantes minutos passavam e o tempo escoava dolorosamente com lentidão, o outro ladrão voltou seu coração para Jesus e arrependido de sua vida de crime se entrega a Cristo. Amigo, você consegue visualizá-lo tentando chegar mais perto de Jesus? Dá as costas ao mundo e a uma vida desperdiçada, ao escárnio da multidão de espectadores.

As causas do arrependimento do ladrão

O que teria levado esse criminoso a se arrepender na “hora undécima” (última hora da sua vida) e a clamar a Cristo, reconhecendo-O como Salvador, enquanto seu colega continuava blasfemando contra Ele? Ellen G. White lança alguma luz acerca dessa questão, ao escrever que ele “não era um criminoso endurecido; extraviara-se por más companhias, mas era menos culpado que muitos dos que ali se achavam ao pé da cruz, injuriando o Salvador. Vira e ouvira Jesus, e ficara convencido, por Seus ensinos, mas dEle fora desviado pelos sacerdotes e príncipes” (Ibdem, p. 749). Porém, sua consciência o perturbava. E à semelhança de muitos envolvidos em graves casos de culpa, ele ultrapassou os limites cometendo pecados cada vez piores até que, finalmente, arrastado pelos crime, foi preso e sentenciados à morte. Mas agora as coisas estavam tomando seu devido lugar. A cena da sala do julgamento, a tentativa feita por Pilatos para soltar a Jesus, as palavras daqueles que seguiam ao longo do caminho até ao Gólgota. Tudo se ajustava a um modelo. Ele e seu companheiro de crime estavam para findar sua carreira para sempre. Nada mais havia para temer de qualquer ser humano.

Pendente da cruz, o ladrão arrependido lembra-se de tudo o que ouvira de Jesus e, iluminado pelo Espírito Santo, se convence que Cristo era o Filho de Deus. Agora chegara o momento de decidir. Apesar da tremenda dor, dirigiu-se a Jesus. Ele sabia que necessitava do Salvador. Com um fio de esperança em seu coração, faz ao Salvador o comovente apelo: “Jesus, lembra-te de mim quando entrares no teu Reino” (Lc 23:42, NVI). Esse pedido em tom enternecedor foi um “raio de conforto” para Cristo, após sofrer tanta injúrias e zombarias (Ibdem, p. 749). Jesus morria ao seu lado, mas Ele viria em Seu reino. Seria Rei! E o ladrão moribundo pediu para ser parte desse reino.

E dos lábios feridos de Cristo vem a promessa: “Eu lhe garanto: Hoje você estará comigo no paraíso” (Lc 23:43, NVI).  “Quando Jesus garantiu ao ladrão um lugar com Ele no “paraíso”, estava Se referindo às “muitas moradas” da casa de Seu Pai e ao momento em que receberia os Seus ali (Jo 14:1-3)” (Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, v. 5, p. 969). Jesus deu ênfase ao momento da Sua promessa. Ele queria dizer: “Neste dia da minha humilhação, você revela fé na Minha exaltação. Neste dia, quando todos os outros Me abandonam, você Me chama Salvador. Neste dia em que você chegou ao limite da sua vida, quando você lança a sua alma impotente sobre um Salvador moribundo, Eu lhe prometo. Hoje, declaro como mum decreto real a partir da cruz, como se fosse de um trono: Você estará comigo no Paraiso!”

Jesus sentiu que o ladrão prestes a morrer havia tomado sua decisão para o tempo e a eternidade. Ele podia não compreender tudo o que era possível saber sobre o Seu reino, mas Jesus prometeu-lhe um lugar no paraíso por ocasião da ressurreição, quando Ele voltar (1Co 15:20-23).

Enquanto os discípulos, temerosos, haviam fugido, exclamando com desânimo: “E nós esperávamos que era ele que ia trazer a redenção a Israel” (Lc 24:21, NVI), este homem rude e cruel, de modo inesperado, manifestou sua fé no Filho de Deus, dele recebendo a certeza da salvação eterna. Uma coroa o aguarda. Ela será dele quando Jesus estabelecer o Seu reino. É este o triunfo da fé.

As lições da experiência do ladrão arrependido

Hoje, podemos aprender algumas relevantes lições com esse ladrão.

1) A graça de Cristo pode salvar o mais vil pecador. Ninguém está além do alcance da graça de Cristo. Ninguém está numa situação tão ruim que não possa ser alcançado pelo evangelho. As Sagradas Escrituras dizem que somos justificados pela fé em Jesus, ou seja, no momento em que nos arrependemos dos nossos maus caminhos, todos os nossos pecados são perdoados (Rm 3:21-25; 5:1). Isso é fantástico! Para muitos essa preciosa verdade do evangelho soa como um absurdo, como um escândalo. É por isso que o apóstolo Paulo afirmou que “a palavra da cruz” ou a mensagem do evangelho “é loucura para os que não se perdem” (1 Co 1:18). Essa é a maravilhosa graça de Deus. Que bom que é assim, pois todos somos pecadores e necessitados dessa misericórdia divina. É confortante sabermos que apesar das nossas transgressões, Deus sempre dá uma chance para nos arrependermos e buscarmos refúgio nEle. Na hora em que a revelação de Deus entra dentro de nós, não mais nos importamos com o que vai acontecer conosco nesse mundo, pois já fomos crucificados para este mundo juntamente com Cristo (Gl 2:20). Não somos deste mundo, estamos apenas de passagem por aqui. Temos que ter a certeza absoluta de que todas as nossas dívidas já foram pagas na Cruz do calvário. A cruz simboliza a reconciliação de Deus para conosco. É um novo e vivo caminho que se abre para todos, basta nos arrependermos dos maus caminhos e confessarmos Jesus como nosso Salvador, só isso! A obediência a Ele vem como consequência (Ef 2:8-10).

2) Não podemos escapar das consequências temporais da vida de pecado. Cristo lhe prometeu vida eterna, o que indica que os seus pecados foram perdoados. Mas não o mandou descer da cruz. Os crimes pelos quais havia sido condenado teriam de ser pagos. É como se Cristo lhe tivesse dito: “Olha, Dimas, como você se arrependeu, Eu pago, na Minha cruz, as consequências eternas dos seus crimes e pecados. Mas as consequências temporais, você terá de pagar, na sua cruz!” Dimas, portanto, não ficou impune.

3) A salvação oferecida por Cristo vale enquanto o coração bater. À semelhança do “bom ladrão”, muitos aceitarão a Cristo e sua graça na “hora undécima” da sua vida, quando o sol estiver se pondo, ou seja, na última hora da sua vida. Eles são representados pelos trabalhadores que foram chamados na “hora undécima” (17h00) pelo “dono de casa” (Jesus), da parábola dos trabalhadores na vinha. No Céu teremos muitas surpresas. Uma delas, é justamente ver pessoas que julgávamos que nunca entrariam no reino de Deus por terem vivido no lamaçal de pecados, mas que nos últimos instantes de suas vidas se arrependeram deles e clamaram a Jesus como Salvador. Pela graça de Deus, elas estarão lá. Podemos ver com os olhos da imaginação Jesus, ainda hoje, inclinado sobre doentes, nos instantes finais, atento ao mínimo sinal de aceitação. Apenas um dedo levantado na direção do Céu, um olhar para Ele são suficientes para que Cristo entenda que esses doentes terminais estão aceitando-O como seu Salvador pessoal.

Ainda que essas pessoas sejam chamadas no final de suas vidas, elas são para Deus tão importantes quanto aquelas que serviram na obra durante muitos anos. Devemos nos lembrar de que lá encontraremos tanto o ladrão que se arrependeu prestes a morrer ao lado de Jesus na cruz, como também Timóteo que trabalhou na obra desde a sua infância (2Tm 3:15).

Caro amigo leitor, enquanto há vida, há esperança. Contudo, procrastinar a decisão de se entregar a Cristo para o derradeiro momento da vida é muito arriscado, pois para milhões de pessoas a morte chegou subitamente e essa decisão não foi possível. É um erro querer ser salvo nos mesmos termos do “bom ladrão”. Os mesmos princípios básicos – a salvação pela fé mediante a graça – são válidos para todos. Mas seria errado procurar ser salvo exatamente como o ladrão foi. Nós não estamos morrendo numa cruz. Ele foi crucificado! Portanto, devemos nos volver a Ele hoje. Jesus está perto para auxiliar-nos agora. Concede-nos perdão e poder para viver por Ele em nossa vida de cada dia. Isso é absolutamente verdadeiro. Você pode contar com isso.

 

 

 

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