Ricardo
André
“Não julgue para não
ser julgado!” Esta é uma expressão comumente usada em autodefesa por uma pessoa
que encontra-se em erro para outra que está tentando ajudá-la a ver e corrigir
seu erro. Tal atitude me despertou para algo que vejo quase que cotidianamente
na minha trajetória de 17 anos como ancião de igreja, 12 como pai e 21 anos
como professor: nós vivemos num tempo e numa geração especialmente melindrosa,
especialmente arredia quando alguém – um líder religioso, pai ou professor – a
corrige. É claro que, nisso tudo, estão envolvidas várias causas: falta de
habilidade emocional, baixa autoestima, entre outras. Mas, hoje temos um
ingrediente peculiar em nossas relações sociais. Estamos cada vez mais nos
tornando “livres” para pensar e fazer o que quisermos, como quisermos. Estamos
independentes. Claro, talvez a geração dos nossos avós era mais engessada, mas
eu creio que caímos para o outro extremo. Acabamos nos tornando incorrigíveis,
com a desculpa de querermos ser verdadeiros.
Mesmo na igreja, alguém
que é corrigido ou disciplinado (e sabe que a disciplina é prevista na Bíblia
Sagrada, e que, portanto, ela é bênção, pois ela tem um caráter redentivo e não
punitivo) tem dificuldade para receber a correção em sua plenitude. É corrigido
e, subitamente vem o sentimento de incômodo, tristeza e muitas vezes de revolta,
como falou Paulo: “Nenhuma disciplina parece ser motivo de alegria no momento, mas sim de
tristeza. Mais tarde, porém, produz fruto de justiça e paz para aqueles que por
ela foram exercitados” (Hebreus 12:11, NVI).
No atual cenário que vivemos
que descrevi, normalmente quem foi corrigido ataca quem o corrigiu, defendendo-se
com argumentos como “não precisava falar desse jeito”. A primeira reação é
essa, de virar-se contra quem o corrigiu atacando a forma e não o conteúdo!
Ora, eu não estou aqui fazendo a defesa de que se deve falar de qualquer
maneira ou de forma rude. Isso é outro assunto. O que eu quero dizer é que quem
é disciplinado deve, antes de tudo, receber com mansidão a correção, sem se
entregar à tentação de se magoar com quem corrigiu. É por isso que as pessoas
têm dificuldade de corrigir. Ninguém quer se indispor com ninguém. Porém,
aprendemos que a correção é bênção em nossas vidas!
A verdade é que ninguém
gosta de ser corrigido. Todos somos assim, ocorre é que alguns não demonstram.
Mas, muitos que recebem a disciplina chegam à humildade de ouvir e imediatamente
mudam de atitude. Outros, dominados pelo orgulho, não a aceitam.
Faça um exercício de –
ao menos em um primeiro momento – NUNCA se chatear com um líder, um pastor ou mesmo
um amigo que lhe corrige. Quem tem coragem de lhe confrontar para o seu
crescimento não deve ser afastado e, sim trazido mais para perto. Assim se
comportam os sábios. Dizer (ou agir como se) “não gosto que me corrijam” não é
somente um atestado de soberba e infantilidade. É também tolice e insensatez.
Quem não aceita a
correção não cresce. Aprende mais devagar. Fica para trás em tudo: na família,
no chamado, na santidade. Precisamos lidar com nossa fraqueza emocional e receber
as correções para crescer. Honrar quem tem a coragem de nos amar a ponto de nos
corrigir e ser mal interpretados, eventualmente.
Não é sem razão que o
apóstolo Paulo fala ao jovem Timóteo sobre os últimos dias (exatamente esse
nosso tempo), sobre o egoísmo, a presunção e a arrogância dos homens (2Tm 3), e
por isso ouvirão apenas mestres que falam o que eles querem ouvir (2Tm 4), pois
não suportam a correção.
De fato, Jesus afirmou:
“Não
julgueis, para que não sejais julgados” (Mateus 7:1). Significa isto
que não podemos pronunciar julgamento contra o pecado ou disciplinar uma pessoa
que agiu erradamente? O que realmente Jesus quis dizer com essa expressão?
A passagem faz parte do
Sermão da Montanha proferido por Jesus. Obviamente Jesus não pretendia que não
podemos fazer escolhas ou distinções entre o bem e o mal. Nem queria Ele dizer
que devíamos tolerar o pecado ou fechar os olhos para lapsos morais. Pois no verso
6 do mesmo capítulo Ele diz: “Não deis aos cães as coisas santas, nem
deiteis aos porcos as vossas pérolas”. Existem pessoas que não dão
valor algum as coisas de Deus, e agem como cães e porcos, profanando o que é
sagrado. Obviamente para que essa ordem seja obedecida é necessário julgar.
Isso quer dizer que a Bíblia nunca proíbe uma pessoa ou um grupo distinguir entre
o certo e o errado; nem proíbe medida disciplinar contra o que é considerado
errado, pecaminoso ou inaceitável.
Daí, Paulo em I
Coríntios 5 advertir a igreja que trate firmemente “no nome de nosso Senhor
Jesus” com um certo indivíduo que tem estado a viver em pecado aberto e instou:
“Tirai, pois, de entre vós, a esse iníquo” (versos 1-13).
Assim o texto de Mateus 7:1 não pode ser compreendido
como se significasse que nós como indivíduos ou um grupo de crentes não
devêssemos condenar o pecado ou disciplinar os que erram — seja na igreja, na
escola ou em família. Nem devia o dito de Jesus ser interpretado como se seres
humanos não tivessem o direito de julgar. Se ninguém pudesse julgar a outros,
não haveria tribunais, nem um julgamento por quebrar a lei, nenhuma justiça e
nenhum castigo. Uma sociedade sem a habilidade de julgar seus membros por
violação de sua lei mergulharia no caos e acabaria se destruindo. Mesmo dentro
da limitação do conhecimento e da compreensão de humanos, há necessidade de
julgamento.
Então, o que Jesus
pretende nessa passagem? Segundo o Comentário
Bíblico Adventista, v. 5, p. 369, “Jesus se refere em especial ao fato de
julgar as intenções de outra pessoa, não ao fato de julgar se seus atos são
certos ou errados. Somente Deus pode julgar as intenções, pois só Ele pode ler
o pensamento [...]. Jesus não se refere à percepção por meio da qual o cristão
deve distinguir entre o certo e o errado (Ap 3:18), mas sim ao hábito da
crítica e da censura, em geral, injusta”.
Portanto, o que Jesus
proíbe não é julgamento, mas o hábito de julgar — aquela atitude arrogante pela
qual a pessoa assume um ar de superioridade sobre outros, deleitando-se
habitualmente em crítica de outros enquanto ignora a mesma falta em si, aquela
hipocrisia que vê um argueiro no olho de um irmão enquanto é cego à trave em
seu próprio olho (verso 3). Ellen White chama de farisaico este espírito de
crítica, e aconselha: “Não vos ponhais como norma. Não façais de
vossas opiniões, vossos pontos de vista quanto ao dever, vossas interpretações
da Escritura, um critério para outros, condenando-os em vosso coração se não
atingem vosso ideal. Não critiqueis a outros, conjeturando os seus motivos, e
formando juízos” (O Maior Discurso de Cristo, pág. 124).
Embora devamos nos
resguardar do espírito de crítica, não devemos deixar de proteger a saúde moral
e espiritual do corpo de Cristo, que inclui a nós também. É por isso que Jesus
advertiu em Mateus 7: “Acautelai-vos [...] dos falsos profetas [...]. Por seus
frutos os conhecereis” (versos 15-20). Proteger-se de falsos profetas e
examinar a natureza dos “frutos” que as pessoas produzem envolve um
discernimento espiritual que é diferente do hábito de criticar e censurar. Uma
linha clara precisa ser traçada entre avaliação ética e crítica motivada, entre
censura visando condenação e disciplina visando redenção.
Jesus ainda nos adverte
contra sermos juízes zelosos sobre outros. A Bíblia frequentemente usa as
palavras julgar ou julgamento em termos da salvação final de um ser humano.
Somos excluídos dessa área. “Não julgueis” certamente nos proíbe pronunciar
julgamento quanto à salvação final de um indivíduo, não importa quão pecaminoso
ele seja. A qualificação de uma pessoa para a vida eterna é algo que será
decidido somente por Deus.
Como
devemos julgar os erros dos nossos irmãos em Cristo?
Os seres humanos não
são perfeitos, e nem mesmo os cristãos mais dedicados estão isentos de cometer
erros. Como os cristãos devem reagir se um irmão cair em algum comportamento
pecaminoso? Paulo nos ensina exatamente como proceder nessa situação:
“Irmãos, se alguém for
surpreendido em algum pecado, vocês, que são espirituais deverão restaurá-lo
com mansidão. Cuide-se, porém, cada um para que também não seja tentado” (Gálatas
6:1, NVI).
Segundo o apóstolo
Paulo, as pessoas que em algum momento de debilidade ou de descuido espiritual,
baixou a guarda, e foram surpreendidas em pecados, devem ser restauradas com
mansidão. “Aqueles que permaneciam “espirituais” não deveriam tomar a atitude
arrogante em relação ao irmão que tinha caído diante dos ataques da tentação.
Não deveriam desanimá-lo nem induzi-lo mediante críticas ou censuras a ceder
ainda mais diante das “obras da carne” [...]. Ele necessitava muito de uma mão
solidária que o ajudasse a sair do poço de pecado em que tinha caído.
Desapontado e desiludido, ele precisava de alguém que se aproximasse dele com
paciência, bondade e mansidão (v. 22, 23); alguém que compreendesse que ele
mesmo poderiam algum dia ser vencido pela tentação e necessitar de ajuda
semelhante” (Comentário Bíblico Adventista, v. 6, p. 1090).
Concluindo, o
julgamento em muitas situações é necessário, porém o julgamento deve ter
propósitos bem definidos: preservar as verdades bíblicas e exortar alguém
ajudando-o a concertar o que está errado, promovendo desse modo, a restauração.
Assim como não abandonaríamos uma pessoa que caísse e quebrasse uma perna, como
membros do corpo de Cristo, devemos bondosamente cuidar de nossos irmãos e
irmãs em Cristo que podem tropeçar e cair, enquanto trilhamos juntos o caminho
para o reino de Deus. Portando, qualquer julgamento com intenção egoísta e
soberba, não é aprovado por Deus. Se alguém ainda não se convenceu que o
julgamento correto é legítimo e necessário, saiba que o simples ato de dizer a
alguém “não julgueis” já é um tipo de julgamento.
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