Teologia

domingo, 20 de outubro de 2019

HISTÓRIA DE DUAS IMAGENS


Heyssen J. C. Maravi*

A estátua de ouro de Nabucodonosor projeta acontecimentos do tempo do fim

Desde o Gênesis até o Apocalipse, o tema da adoração é parte notável no desenvolvimento das Sagradas Escrituras. A primeira batalha travada neste mundo girou em torno do tema da adoração (Gn 4:4-8, cf. 1Jo 3:12). Será esse também o tema da última batalha (Ap 14:9-12). O livro de Daniel não é alheio a essa peculiaridade bíblica.

Os primeiros versos desse livro mostram claramente esse conflito: “No terceiro ano do reinado de Jeoaquim, rei de Judá, Nabucodonosor, rei da Babilônia, veio a Jerusalém e a sitiou. E o Senhor entregou Jeoaquim, rei de Judá, nas suas mãos, e também alguns dos utensílios do templo de Deus. Ele levou os utensílios para o templo do seu deus na terra de Sineara e os colocou na casa do tesouro do seu deus” (Dn 1:1, 2). Esse fato se constitui um símile do grande conflito através da História, no qual Babilônia ataca o povo de Deus, Jerusalém.1 O fato de que os jovens hebreus tivessem que se abster dos alimentos no palácio real (Dn 1:8) também envolvia adoração (cf. 1Co 6:19). Segundo José Luís Santa Cruz, o livro de Daniel é marcado pela adoração, no contexto do grande conflito,2 pois esse é dos seus principais temas.3

Apesar disso, especialmente Daniel 3 apresenta um quadro interessante que não deve ser passado por alto, pois registra o tema da adoração na atitude dos três jovens hebreus: Sadraque, Mesaque e Abedenego, diante do sonido ameaçador que assinalava o momento em que todos deveriam se curvar diante da imagem de ouro erguida por Nabuconosor.4 Esse incidente torna real o conflito entre a verdadeira adoração desafiada por Babilônia, quando o confrontamos com a escatológica “imagem da besta” mencionada em Apocalipse 13.

Indubitavelmente, o capítulo 3 do livro de Daniel está cheio de lições envolvendo coragem, fidelidade e destemor dos adoradores em contraposição à necessidade de um homem egoísta e à idolatria de seus seguidores.

A imagem de ouro

Uma possível data para esse evento seria o ano 594 a.C., quando Zedequias, como rei de Judá, foi chamado a se apresentar em Babilônia (Jr 51:59), muito provavelmente para a dedicação da estátua de ouro.5 Tendo como base o sonho que lhe foi dado por Deus e que foi interpretado por Daniel, Nabucodonosor havia compreendido que seu reino teria fim (Dn 2). Porém, por causa do orgulho humano natural, alimentado em razão da prosperidade do reino, ele resolveu mudar a História, motivo pelo qual Daniel escreveu sobre a imagem de ouro.6

A palavra hebraica para imagem (tselem), em Daniel 3, é a mesma palavra utilizada no capítulo 2, o que torna evidente a atitude rebelde do rei contra os desígnios de Deus, considerando que, no sonho do capítulo 2, o reino babilônico representado pelo ouro se limitava à cabeça da imagem. Porém, no capítulo 3, os desejos e planos que pretendia realizar na História, da cabeça aos pés, a estátua foi construída com ouro.

Jacques B. Doukhan menciona que a estátua, medindo 60 côvados de altura por seis de largura, era a própria imagem de Nabucodonosor. A extrema altura encontra eco na arrogância de um rei que buscava impressionar súditos e visitantes de seu reino. Embora no simbolismo babilônico o número 60 representasse a noção de unidade, o rei procurou cumprir sua vontade unindo o reino à religião.7

Podemos inferir que Nabucodonosor estivesse ansioso, obstinado mesmo, para que seu reino se tornasse eterno, o que seria possível caso fosse conseguida a unidade política e religiosa em Babilônia. Então, conseguiu reunir esses dois polos na estátua de ouro.
 A Bíblia assinala expressamente que o rei “convocou os sátrapas, os prefeitos, os governadores, os conselheiros, os tesoureiros, os juízes, os magistrados e todas as autoridades provinciais, para assistirem à dedicação da imagem que mandara erguer” e, na cerimônia de dedicação da estátua, o arauto anunciou: “Esta é a ordem que lhes é dada, ó homens de todas as nações, povos e línguas: Quando ouvirem o som da trombeta, do pífaro, da cítara, da harpa, do saltério, da flauta dupla e de toda espécie de música, prostrem-se em terra e adorem a imagem de ouro que o rei Nabucodonosor ergueu. Quem não se prostrar em terra e não adorá-la será imediatamente atirado numa fornalha em chamas” (Dn 3:4-6).

Há dois assuntos envolvidos nessa narrativa: (1) Uma convocação estatal para que todos os líderes políticos e militares tomassem parte ativa em assuntos religiosos, e (2) uma terrível ameaça a todo aquele que desconsiderasse o decreto. Apesar disso, é aqui no âmago do tema, que os verdadeiros adoradores tiveram a fé extremamente provada no fogo.

Egolatria

Dá-se o nome de egolatria à adoração de uma pessoa a si mesma. O primeiro ególatra foi Lúcifer, que se encantou com a própria beleza, perfeição e os privilégios que havia recebido no Céu. Por isso, nutriu desejo de ser Deus, querendo ser adorado como Deus e se sentar no trono divino (Ez 28:17; cf. Is 14:13, 14). Nabucodonosor havia reconhecido o Deus de Daniel como “Deus dos deuses e Senhor dos reis” (Dn 2:47). Porém, mostrou-se mais do que néscio ao fazer caso da revelação que lhe havia sido feita: “Depois de ti surgirá um outro reino” (Dn 2:39).8

Semelhantemente, foi o orgulho que levou o querubim cobridor a deflagrar um grande conflito. Deus, e mais ninguém, é o único ser merecedor de adoração. A egolatria é atitude contrária ao ensinamento bíblico.

Em nossos dias, com o apogeu do pós-modernismo, no esforço de criar autoestima saudável, há o perigo de cairmos em terreno movediço, ao superestimarmos a capacidade humana, com ensinamentos que transmitem a ideia de que há poder inerente no ser humano. A superação pessoal é boa e interessante, porém, à parte de Deus, ecoa a reivindicação satânica.

Servos idólatras

Ao longo de toda a Bíblia existem numerosas passagens em que homens adoram ídolos e imagens feitos de materiais diversos, embora, na sua maioria, eles não pertencessem ao escolhido povo de Deus. Desde muito cedo na História, a idolatria foi praticada. Os antepassados imediatos de Abraão “prestavam culto a outros deuses” (Js 24:2). Os patriarcas se dedicaram à adoração monoteísta de Jeová, porém, às vezes, familiares deles foram influenciados pela idolatria (Gn 31:30, 32-35; 35:1-4). O paganismo canaanita era popular, por causa de suas baixas normas éticas, em contraste com os elevados padrões da religião hebraica. Por isso, a religião mais exigente não raro era trocada pela adoração mais fácil a Baal.

O problema da idolatria era tão grave na antiguidade que os primeiros dois mandamentos do Decálogo se ocupam dessa fase da vida religiosa (Êx 20:3-6). O segundo mandamento ordena: “Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa no céu, na Terra, ou nas águas debaixo da terra. Não te prostrarás diante deles nem lhes prestarás culto, porque Eu, o Senhor, o teu Deus, sou Deus zeloso, que castigo os filhos pelos pecados de seus pais até a terceira e quarta geração daqueles que Me desprezam, mas trato com bondade até mil gerações aos que Me amam e obedecem aos Meus mandamentos” (Êx 20:4-6).

Satanás sempre buscou desviar as pessoas da verdadeira adoração, que é “em espírito e em verdade” (Jo 4:24). Tudo o que não agrada a Deus agrada a Satanás. Portanto, adorar e venerar estátuas e imagens de preferências próprias significa desobediência à ordem de Deus em Sua Palavra e, por extensão, passa a ser obediência a Satanás.

Em Daniel 3 é evidenciado um marcante contraste entre os servos de Deus e os servos de um homem que acreditava ser deus. Os primeiros foram encontrados fiéis e aprovados na prova de fogo; os segundos, como adoradores de uma imagem, por temor ao fogo, ou provavelmente por escolha própria. Esses idólatras estão sempre à espreita dos fiéis adoradores, não para seguir o exemplo deles, mas para acusá-los e desejar que sejam julgados com a pena mais dura, ignorando que serão eles mesmos os que finalmente experimentarão o fogo voraz (Dn 3:8-12, 22; Ap 21:8).

Assim, está evidente, em Daniel 3, o contraste entre a adoração ao verdadeiro Deus e a idolatria.9 Há um marcante conflito entre a verdadeira e a falsa adoração; a adoração prestada por Sadraque, Mesaque e Abedenego contraposta à adoração idólatra de todos os que se prostraram diante da imagem de ouro. Com a resistência que ofereceram à ordem do rei, aqueles verdadeiros adoradores não se deixaram intimidar pelo risco de morrer. Porém, sua atitude não foi um ato de loucura, mas de fé em um Deus que podia livrá-los. Caso não o fizesse, ainda assim eles não retrocederiam. Mais que a preservação da própria vida, a eles importava a absoluta fidelidade a Deus.

Nabucodonosor e a besta

Para muitos intérpretes, a imagem de ouro de Daniel 3 pode ser relacionada à imagem da besta apresentada em Apocalipse 13. Na história dessa última imagem, há uma correspondência essencial com o relato dos três jovens em Babilônia. Assim como a edificação da imagem de ouro representativa de Nabucodonosor foi precedida por um decreto estatal para que ela fosse adorada, com ameaça de morte para os que se recusassem a fazê-lo, de acordo com o relato apocalíptico, isso se repetirá em âmbito universal no tempo do fim: “Foi-lhe dado poder para dar fôlego à imagem da primeira besta, de modo que ela podia falar e fazer que fossem mortos todos os que se recusassem a adorar a imagem” (Ap 13:15). É importante reconhecer a tipologia essencial entre Daniel 3 e Apocalipse 13.10

Nesse sentido, a imagem de ouro é similar à imagem da besta. As medidas marcadas pelo número seis nos fazem perceber a presença de um moderno anticristo babilônico, que obrigará o mundo a prestar adoração à besta e sua imagem (Ap 13:11-18).11

Com respeito à imagem erguida na planície de Dura, descreveu o profeta: “Então o arauto proclamou em alta voz: ‘Esta é a ordem que lhes é dada, ó homens de todas as nações, povos e línguas: Quando ouvirem o som da trombeta, do pífaro, da cítara, da harpa, do saltério, da flauta dupla e de toda espécie de música, prostrem-se em terra e adorem a imagem de ouro que o rei Nabucodonosor ergueu. Quem não se prostrar em terra e não adorá-la será imediatamente atirado numa fornalha em chamas’” (Dn 3:4-6).

Utilizando linguagem semelhante, João escreveu sobre o chamado para submissão à besta: “Foi-lhe dado poder para dar fôlego à imagem da primeira besta, de modo que ela podia falar e fazer que fossem mortos todos os que se recusassem a adorar a imagem. Também obrigou todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e escravos, a receberem certa marca na mão direita ou na testa, para que ninguém pudesse comprar nem vender, a não ser quem tivesse a marca, que é o nome da besta ou o número do seu nome” (Ap 13:15-17). O apóstolo continuou: “Um terceiro anjo os seguiu, dizendo em alta voz: ‘Se alguém adorar a besta e a sua imagem e receber a sua marca na testa ou na mão, também beberá do vinho do furor de Deus que foi derramado sem mistura no cálice da sua ira. Será ainda atormentado com enxofre ardente na presença dos santos anjos e do Cordeiro’” (Ap 14:9, 10).

Desse modo, a profecia bíblica assinala claramente que, nos últimos dias, no cenário da história terrestre, surgirá outro poder, representado pela imagem da besta que, à semelhança de Nabucodonosor tentará conseguir unidade religiosa no mundo. Nesse contexto, estarão arregimentados poderes religiosos, políticos e militares. A substituição do sábado pelo domingo será a marca visível dessa união. Os fiéis que se recusarem a adorar essa imagem serão ameaçados com penalidades e decreto de morte. “Quando as principais igrejas dos Estados Unidos, ligando-se em pontos de doutrinas que lhes são comuns, influenciarem o Estado para que imponha seus decretos e lhes apoie as instituições, a América do Norte protestante terá então formado uma imagem da hierarquia romana, e a aplicação de penas civis aos dissidentes será o resultado inevitável.”12

De tudo o que vimos até aqui, nunca é demais que tenhamos em mente alguns pontos para reflexão: A fidelidade dos três amigos de Daniel deve ser exemplo para todo cristão, em todo tempo, em demonstração de que é mais importante obedecer a Deus do que aos homens (At 5:29). A promessa de Deus, no sentido de estar conosco sempre (Js 1:9; Mt 28:20) jamais falhará. O Senhor não apenas estará conosco, mas também intervirá extraordinariamente para nosso livramento no momento mais grave. Morte eterna no fogo que arde com enxofre será a consequência da falsa adoração. Vida eterna no reino celestial será o galardão dos fiéis.

*Heyssen J. C. Maravi, Coordenador de pequenos grupos na escatologia Missão Oriente Peruana

Referências:

1. Merling Alomía, Daniel: o Varón Muy Amado de Dios (Lima: Theologika, 2004), v. 1, p. 190.

2. José Luís Santa Cruz, O conflito entre a falsa e a verdadeira adoração no livro de Daniel e sua relevância escatológica (Tese doutoral em Teologia: Universidad Peruana Unión, Lima, Peru, 2003), p. 42.

3. Desmond Ford, Daniel (Nashville, TN: Southern Publishing House, 1978), p. 76.

4. Daniel Oscar Plenc, El Culto que Agrada a Dios (Buenos Aires: ACES, 2007), p. 131.

5. Gerhard Pfandl, Lecciones Para la Escuela Sabática (Buenos Aires: ACES, 2004), p. 30.

6. Jacques B. Doukhan, Secretos de Daniel. Sabiduría y Sueños de um Príncipe Hebreo em el Exilio (Buenos Aires: ACES, 2007), p. 44.

7. Ibid., p. 46

8. Ángel Manuel Rodriguez, Fulgores de Gloria (Buenos Aires: ACES, 2001), p. 124.

9. Merling Alomía, Daniel el Profeta Mesiánico (Lima: Theologika, 2007), v. 2, p. 83.

10. Hans LaRondelle, Las Profecias del Fin (Buenos Aires: ACES, 2000), p. 313.

11. Merling Alomía, Daniel, el Profeta Mesiánico, v. 2, p. 85.

12. Ellen G. White, O Grande Conflito, p. 445.


FONTE: Revista Ministério, Março/Abril 2013, p. 21-23

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