Teologia

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

O MINISTÉRIO DE CRISTO NO SANTUÁRIO CELESTIAL



Roy Gane*

Tradução: Hugo Martins

A Perspective Digest, detentora dos direitos deste artigo, permitiu a tradução e a publicação da tradução para o nosso site. O original em Inglês encontra-se neste link, hospedado no próprio site da Perspective Digest.

A compreensão adventista do santuário celestial figura como a contribuição singular da igreja para a Teologia.

O quinto ponto doutrinário afirmado pela Sociedade Bíblica Adventista, (SBA) como um ensino das Escrituras e da Igreja Adventista do Sétimo Dia, diz: “A Sociedade crê que há um verdadeiro santuário no céu e o julgamento dos crentes pré-advento a partir de 1844, baseada na visão historicista da profecia e do princípio dia-ano, como ensinado nas Escrituras.”

Este epítome sumariza a 24ª Crença Fundamental da Igreja Adventista do Sétimo Dia e acrescenta uma explícita referência à abordagem hermenêutica historicista, incluindo o reconhecimento do princípio dia-ano, o que torna possível identificar 1844 E.C. como a data em que o juízo pré-advento começa.

Importância do Juízo Pré-Advento

Fora do universo adventista do sétimo dia, alguns cristãos aceitam a realidade do santuário celestial, a mediação sacerdotal de Cristo ali e o juízo dos crentes. Entretanto, o ensino bíblico de um juízo, que segue a este como a fase final da expiação por meio da mediação de Cristo no lugar santíssimo do santuário celestial antes da Sua segunda vinda, iniciando em 1844 e continuando até os dias de hoje, é crucial para a compreensão adventista do sétimo dia. De fato, essa combinação do Grande Conflito com as questões relativas ao santuário englobam a contribuição singular dos adventistas do sétimo dia para a teologia bíblica.

Muitos pretensos adventistas abandonaram sua visão distintiva do juízo pré-advento e foram absorvidos pelas diversas correntes evangélicas. Mas a importância desse ensino do santuário vai muito além do fato histórico que impulsionou o movimento adventista quando alguns desapontados seguidores de Guilherme Miller compreenderam a conexão entre Daniel 8:14 e o ensino bíblico de um templo celestial (Hebreus 8-9, Apocalipse 4-5, etc.). Entender o que Jesus está fazendo por nós agora, durante o estágio final da expiação, ajuda-nos a compreender a iminência de Sua vinda, estar em sintonia com Ele e cooperar com Sua missão no tempo do fim para o mundo.

De Cristo nós recebemos o dom do Espírito Santo (Joel 2; Atos 2) para proclamar o último apelo apelo bíblico durante o tempo do juízo do Criador (Ap 14:6-12).  O poder do Espírito revela-se nas vidas transformadas pelo amor derramado em nossos corações (Rm 5:5) e nas vidas caracterizadas pelo “amor, alegria, paz, …” (Gl 5:22-23) que trarão curas a relacionamentos rompidos (Ml 4:5-6). Assim como os apóstolos receberam o Espírito no Pentecostes, quando agiram mediante a fé em Cristo nos céus no tempo de Sua iniciação sacerdotal [no santuário celeste], os cristãos do tempo do fim receberão o Espírito dEle que está agora [ministrando] no Santo dos Santos celestial.

Descobrir nosso papel na história da salvação enquanto vivendo durante o juízo do tempo do fim, define a identidade adventista e a urgência de nossos ensinos inter-relacionados, tais como A Segunda Vinda de Cristo (em breve!), o Sábado do sétimo dia (o compromisso no tempo do fim com a fidelidade ao Criador) e a imortalidade condicional da “alma”/vida (que necessita da ressurreição e/ou transformação na Segunda Vinda). Nosso contexto do tempo do fim segue a abordagem historicista para [interpretar] as profecias apocalípticas bíblicas, que prevalecera entre os cristãos por muitos séculos. Historicismo refere-se a uma abordagem hermenêutica que entende as profecias apocalípticas de Daniel como apresentando um panorama contínuo da história do tempo do profeta até a segunda vinda de Cristo (capítulos 2, 7, 8, 11, 12).

Base Bíblica para O Juízo Pré-Advento e O Historicismo

Há uma sólida base bíblica para os conceitos interdependentes na declaração da SBA em relação ao juízo pré-advento e ao historicismo.

Um Santuário Celestial Real. Deus tem um santuário/templo real, centro da administração divina, localizado no céu pelo menos desde os tempos do Antigo Testamento (Sl 11:4). Nesta passagem, e em outras, “santuário” não é apenas um símbolo; nem se refere a todo o céu.  O santuário terrestre foi moldado de acordo com o templo celeste pré-existente (Ex 25:9).

Quando Cristo ascendeu aos céus após a Sua ressurreição, Ele foi iniciado como Sacerdote para continuar a sua obra de expiação derramando as dádivas de Sua morte sacrificial para todo aquele que crê (Hb 4:14-16). Esta mediação é uma parte essencial da expiação de Cristo, assim como as atividades ritualísticas realizadas por um sacerdote israelita, que resultavam da morte de um animal inocente, eram uma parte integral do processo sacrificial (Lv 1, 4).

O sacrifício de Cristo na terra e a mediação sacerdotal no santuário celestial, iluminados pelo modelo dinâmico do antigo sistema ritualístico israelita, nos mostram como Deus salva a humanidade por conceder misericórdia sem comprometer a Sua justiça, o outro lado do amor (Ex 34:6-7). Os serviços do santuário bíblico nos ensinam uma visão contrabalanceada da expiação, que é tanto “jurídica”, por anular a nossa condenação (Lv 4:31; 5:1 e 6), como “experiencial”, por dar aos pecadores arrependidos a experiência de receberem a graça transformadora de Deus (Lv 4:27-29).

O Juízo dos Crentes. Há uma fase do juízo relacionada àqueles que tiveram uma conexão com Deus, ao menos pela crença nominal nEle (Hb 10:30). No santuário do Antigo Testamento, a segunda etapa, e afinal, da expiação no Yom Kippur [Dia da Expiação], envolvia o juízo entre os israelitas fiéis e infiéis.  O ritual de purificação do santuário reafirmava aqueles que eram fiéis a Deus (16:29-31), mas os infiéis não recebiam quaisquer benefícios e eram condenados (Lv 23:29-30).

A purificação do santuário, o local da administração de Deus, representava Sua justificação/vindicação como Juiz. Era necessária porque Ele condenava os infiéis, mas concedia o perdão aos culpados quando eles aceitavam o sacrifício expiatório durante o ano (Levítico 4, 5), o que um juiz justo normalmente não faria (Dt 25:1; 1 Rs 8:32). Vindicar o Juiz, por ter salvo os fiéis,  mostrava que Ele estava certo em tê-los perdoados.  Para os fiéis, cuja misericórdia e conexão com Deus era reafirmada, o juízo trazia boas novas.

Similarmente, o juízo do tempo do fim em Daniel 7:9-14 é concedido aos fiéis. Na profecia paralela correspondente de Daniel 8, o mesmo evento é derradeiro, o Dia da Expiação, o qual o santuário de Deus é justificado/vindicado (v. 14). Esse evento é as boas novas para aqueles que permanecem leais a Deus.

O juízo não intenta descobrir quem pecou. Deus não precisa de um juízo para isso. Nem para Sua própria ciência, porque Ele já sabe de todas as coisas. O propósito do juízo é mostrar o universo dos seres criados por Deus que Seu amor (= justiça + misericórdia) não está comprometido quando Ele salva o justificado porque o sacrifício de Cristo assim O faz quando Ele justifica aqueles que nEle creem (Rm 3:26). Isso significa que eles aguardam a esperança, como mostrado pelo fato que a fé deles atua pelo amor (Gl 5:6).  As obras são relatadas no juízo (Ec 12:14) como evidência de fé.

O Local do Juízo no Santuário Celestial.  O juízo dos crentes toma lugar no santuário celestial de Deus, onde “um como o Filho do Homem” (Cristo) dirigiu-se ao divino “Ancião de Dias” para receber o Seu reino por meio de um juízo que determina quem serão os Seus súditos (Dn 7:9-14). Por causa do juízo ser um evento do tempo do fim, o santuário por meio do qual se é justificado em Daniel 8:14 não pode ser o templo terrestre em Jerusalém, que foi destruído há muito tempo atrás (em 70 E. C.).

Juízo antes da Segunda Vinda de Cristo. O juízo dos crentes ocorro antes da vinda de Cristo na terra novamente.  O uso de livros/registros (Dn 7:10) indica investigação ou demonstração de evidência antes do anúncio e da execução do veredito. A destruição final do arqui-inimigo humano de Deus (simbolizado como o “chifre pequeno” em Daniel 7-8), que cuida “de mudar o tempo e a lei” (Dn 7:25) há de acontecer na segunda vinda de Cristo. Portanto, a fase investigativa/demonstrativa do juízo precede a segunda vinda de Cristo.

O Início do Juízo em 1844, Mostrado pelo Princípio Historicista Dia-Ano. Cronometrando o juízo pré-advento mais precisamente, ele se inicia em 1844, no fim dos 2300 anos profetizados em Daniel 8:14. O historicismo reconhece que Daniel inclui algumas predições de longos períodos de tempo, as quais as expressões para “dias” representam anos (Dn 8:14; 12:11-12). Embora o princípio dia-ano, ou ano-dia, não deva ser aplicado indiscriminadamente, vários fatores apoiam a possibilidade de “anos” e requerem este significado nesses contextos. Os seguintes fatores são os mais relevantes para Daniel 8:14:

1. O termo hebraico para “dias” [yāmîm] pode, também, significar “anos” (1 Sm 27:7).

2. Períodos de anos correspondendo ao mesmo número de dias aparecem em um outro lugar na Bíblia (Nm 14:34).

3. Em Daniel 9:24-27, “setenta semanas” devem ser semanas de anos, isto é, setenta ciclos de anos sabáticos de sete anos cada (cp. Lv 25) = 490 anos. Elas não podem ser semanas de dias literais porque o período abrange uma longa parte da história: Vai do decreto persa, em 457 E.C, para a restauração de Jerusalém como a capital civil dos judeus (Dn 9:25) até a vinda do Messias no início da sexagésima nona “semana.” Confirmando que “semanas” são “anos” e identificando Jesus como o Messias, Ele começou Seu ministério público em 27 E.C. (Lucas 3:1 — décimo quinto ano de Tibério, seguindo, inclusive, o reconhecimento judaico e sem nenhum ano zero entre A.E.C e E.C. Esse é o cumprimento preciso no período romano, depois, até mesmo, do tempo de Antíoco Epifanes IV, em que preteristas dizem que Daniel foi escrito, valida a profecia preditiva real.

4. Em Daniel 8:14, as 2300 tardes e manhãs são “dias” que devem representar 2300 anos: Eles cobrem o período da “visão” de Daniel (Dn 8:13), que começa simbolizando o império Medo-Persa (vv. 1-14, 20), continua durante o domínio grego/macedônico por Alexandre O Grande e seus sucessores (vv. 5-8, 21) e segue adiante passando pelo governo opressivo de um subsequente poder do “chifre pequeno” (vv. 9-12, 23-25). Se os “dias” fossem literais (por volta de 6 anos e meio), Daniel não teria ficado tão preocupado, visto que ele entendia que, tão somente, a dominação de 70 anos dos judeus por uma força estrangeira poderia prolongar-se.

5. Em Daniel 9:22-27, o anjo Gabriel responde a angústia de Daniel, sobre a “visão” das 2300 tardes e manhãs no capítulo 8, explicando que a sua primeira etapa (“cortadas”/”determinadas”; 9:24) diz respeito ao futuro próximo do povo Judeu, que dura “setenta semanas.” Se elas são semanas de anos, então o período mais longo de 2300, o qual elas pertencem, devem, também, consistir de anos. Sendo que a secção das “setentas semanas” começaram em 457 A.E.C., os 2300 começaram ao mesmo tempo e durou (sem ano zero) até 1844 E.C.[1]

Concluímos que a interpretação de Daniel 8:14, em seu contexto, coloca 1844 como o início da justificação do tempo do fim do santuário celestial mediante o juízo pré-advento. Portanto, 1844 não é uma doutrina à parte baseada em um único texto; é uma doutrina singular que diz respeito a um evento bem fundamentado nas Escrituras. É importante para o povo de Deus saber quando juízo começa para que eles possam cooperar com Ele (Ap 14:6-12), assim como os israelitas antigos precisavam saber quando o Dia da Expiação [Yom Kippur] começava para que eles pudessem participar (Lv 16:29-31).

[1] Para mais informação acerca do significado e da cronologia do juízo pré-advento, ver Roy Gane, Who’s Afraid of the Judgment? The Good News About Christ’s Work in the Heavenly Sanctuary (Nampa, Idaho: Pacific Press Publ. Assn., 2006) e outras obras citadas ali.

*Roy Gane, Ph.D., é Professor de Hebraico Bíblico, Línguas do Antigo Oriente Médio e Diretor do Curso de Doutorado em Religião  no Seminário Teológico Adventista da Andrews University em Berrien Springs, Michigan. Autor de diversos artigo e livros como  “In the Shadow of the Shekinah: God’s Journey with Us” e “God’s faulty heroes”.



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