Roy
Gane*
Tradução: Hugo Martins
A Perspective Digest,
detentora dos direitos deste artigo, permitiu a tradução e a publicação da
tradução para o nosso site. O original em Inglês encontra-se neste link,
hospedado no próprio site da Perspective Digest.
A
compreensão adventista do santuário celestial figura como a contribuição
singular da igreja para a Teologia.
O quinto ponto
doutrinário afirmado pela Sociedade Bíblica Adventista, (SBA) como um ensino
das Escrituras e da Igreja Adventista do Sétimo Dia, diz: “A Sociedade crê que
há um verdadeiro santuário no céu e o julgamento dos crentes pré-advento a
partir de 1844, baseada na visão historicista da profecia e do princípio
dia-ano, como ensinado nas Escrituras.”
Este epítome sumariza a
24ª Crença Fundamental da Igreja Adventista do Sétimo Dia e acrescenta uma
explícita referência à abordagem hermenêutica historicista, incluindo o
reconhecimento do princípio dia-ano, o que torna possível identificar 1844 E.C.
como a data em que o juízo pré-advento começa.
Importância
do Juízo Pré-Advento
Fora do universo
adventista do sétimo dia, alguns cristãos aceitam a realidade do santuário
celestial, a mediação sacerdotal de Cristo ali e o juízo dos crentes.
Entretanto, o ensino bíblico de um juízo, que segue a este como a fase final da
expiação por meio da mediação de Cristo no lugar santíssimo do santuário
celestial antes da Sua segunda vinda, iniciando em 1844 e continuando até os
dias de hoje, é crucial para a compreensão adventista do sétimo dia. De fato,
essa combinação do Grande Conflito com as questões relativas ao santuário
englobam a contribuição singular dos adventistas do sétimo dia para a teologia
bíblica.
Muitos pretensos
adventistas abandonaram sua visão distintiva do juízo pré-advento e foram
absorvidos pelas diversas correntes evangélicas. Mas a importância desse ensino
do santuário vai muito além do fato histórico que impulsionou o movimento
adventista quando alguns desapontados seguidores de Guilherme Miller
compreenderam a conexão entre Daniel 8:14 e o ensino bíblico de um templo
celestial (Hebreus 8-9, Apocalipse 4-5, etc.). Entender o que Jesus está
fazendo por nós agora, durante o estágio final da expiação, ajuda-nos a
compreender a iminência de Sua vinda, estar em sintonia com Ele e cooperar com
Sua missão no tempo do fim para o mundo.
De Cristo nós recebemos
o dom do Espírito Santo (Joel 2; Atos 2) para proclamar o último apelo apelo
bíblico durante o tempo do juízo do Criador (Ap 14:6-12). O poder do Espírito revela-se nas vidas
transformadas pelo amor derramado em nossos corações (Rm 5:5) e nas vidas
caracterizadas pelo “amor, alegria, paz, …” (Gl 5:22-23) que trarão curas a
relacionamentos rompidos (Ml 4:5-6). Assim como os apóstolos receberam o
Espírito no Pentecostes, quando agiram mediante a fé em Cristo nos céus no
tempo de Sua iniciação sacerdotal [no santuário celeste], os cristãos do tempo
do fim receberão o Espírito dEle que está agora [ministrando] no Santo dos Santos
celestial.
Descobrir nosso papel
na história da salvação enquanto vivendo durante o juízo do tempo do fim,
define a identidade adventista e a urgência de nossos ensinos
inter-relacionados, tais como A Segunda Vinda de Cristo (em breve!), o Sábado
do sétimo dia (o compromisso no tempo do fim com a fidelidade ao Criador) e a
imortalidade condicional da “alma”/vida (que necessita da ressurreição e/ou
transformação na Segunda Vinda). Nosso contexto do tempo do fim segue a
abordagem historicista para [interpretar] as profecias apocalípticas bíblicas,
que prevalecera entre os cristãos por muitos séculos. Historicismo refere-se a
uma abordagem hermenêutica que entende as profecias apocalípticas de Daniel
como apresentando um panorama contínuo da história do tempo do profeta até a
segunda vinda de Cristo (capítulos 2, 7, 8, 11, 12).
Base
Bíblica para O Juízo Pré-Advento e O Historicismo
Há uma sólida base
bíblica para os conceitos interdependentes na declaração da SBA em relação ao
juízo pré-advento e ao historicismo.
Um Santuário Celestial
Real. Deus tem um santuário/templo real, centro da administração divina,
localizado no céu pelo menos desde os tempos do Antigo Testamento (Sl 11:4).
Nesta passagem, e em outras, “santuário” não é apenas um símbolo; nem se refere
a todo o céu. O santuário terrestre foi
moldado de acordo com o templo celeste pré-existente (Ex 25:9).
Quando Cristo ascendeu
aos céus após a Sua ressurreição, Ele foi iniciado como Sacerdote para
continuar a sua obra de expiação derramando as dádivas de Sua morte sacrificial
para todo aquele que crê (Hb 4:14-16). Esta mediação é uma parte essencial da
expiação de Cristo, assim como as atividades ritualísticas realizadas por um
sacerdote israelita, que resultavam da morte de um animal inocente, eram uma
parte integral do processo sacrificial (Lv 1, 4).
O sacrifício de Cristo
na terra e a mediação sacerdotal no santuário celestial, iluminados pelo modelo
dinâmico do antigo sistema ritualístico israelita, nos mostram como Deus salva
a humanidade por conceder misericórdia sem comprometer a Sua justiça, o outro
lado do amor (Ex 34:6-7). Os serviços do santuário bíblico nos ensinam uma
visão contrabalanceada da expiação, que é tanto “jurídica”, por anular a nossa
condenação (Lv 4:31; 5:1 e 6), como “experiencial”, por dar aos pecadores
arrependidos a experiência de receberem a graça transformadora de Deus (Lv
4:27-29).
O Juízo dos Crentes. Há
uma fase do juízo relacionada àqueles que tiveram uma conexão com Deus, ao
menos pela crença nominal nEle (Hb 10:30). No santuário do Antigo Testamento, a
segunda etapa, e afinal, da expiação no Yom Kippur [Dia da Expiação], envolvia
o juízo entre os israelitas fiéis e infiéis.
O ritual de purificação do santuário reafirmava aqueles que eram fiéis a
Deus (16:29-31), mas os infiéis não recebiam quaisquer benefícios e eram
condenados (Lv 23:29-30).
A purificação do
santuário, o local da administração de Deus, representava Sua
justificação/vindicação como Juiz. Era necessária porque Ele condenava os
infiéis, mas concedia o perdão aos culpados quando eles aceitavam o sacrifício
expiatório durante o ano (Levítico 4, 5), o que um juiz justo normalmente não
faria (Dt 25:1; 1 Rs 8:32). Vindicar o Juiz, por ter salvo os fiéis, mostrava que Ele estava certo em tê-los
perdoados. Para os fiéis, cuja
misericórdia e conexão com Deus era reafirmada, o juízo trazia boas novas.
Similarmente, o juízo
do tempo do fim em Daniel 7:9-14 é concedido aos fiéis. Na profecia paralela
correspondente de Daniel 8, o mesmo evento é derradeiro, o Dia da Expiação, o
qual o santuário de Deus é justificado/vindicado (v. 14). Esse evento é as boas
novas para aqueles que permanecem leais a Deus.
O juízo não intenta
descobrir quem pecou. Deus não precisa de um juízo para isso. Nem para Sua
própria ciência, porque Ele já sabe de todas as coisas. O propósito do juízo é
mostrar o universo dos seres criados por Deus que Seu amor (= justiça +
misericórdia) não está comprometido quando Ele salva o justificado porque o
sacrifício de Cristo assim O faz quando Ele justifica aqueles que nEle creem
(Rm 3:26). Isso significa que eles aguardam a esperança, como mostrado pelo
fato que a fé deles atua pelo amor (Gl 5:6).
As obras são relatadas no juízo (Ec 12:14) como evidência de fé.
O Local do Juízo no
Santuário Celestial. O juízo dos crentes
toma lugar no santuário celestial de Deus, onde “um como o Filho do Homem”
(Cristo) dirigiu-se ao divino “Ancião de Dias” para receber o Seu reino por
meio de um juízo que determina quem serão os Seus súditos (Dn 7:9-14). Por
causa do juízo ser um evento do tempo do fim, o santuário por meio do qual se é
justificado em Daniel 8:14 não pode ser o templo terrestre em Jerusalém, que
foi destruído há muito tempo atrás (em 70 E. C.).
Juízo antes da Segunda
Vinda de Cristo. O juízo dos crentes ocorro antes da vinda de Cristo na terra
novamente. O uso de livros/registros (Dn
7:10) indica investigação ou demonstração de evidência antes do anúncio e da
execução do veredito. A destruição final do arqui-inimigo humano de Deus
(simbolizado como o “chifre pequeno” em Daniel 7-8), que cuida “de mudar o
tempo e a lei” (Dn 7:25) há de acontecer na segunda vinda de Cristo. Portanto,
a fase investigativa/demonstrativa do juízo precede a segunda vinda de Cristo.
O Início do Juízo em
1844, Mostrado pelo Princípio Historicista Dia-Ano. Cronometrando o juízo
pré-advento mais precisamente, ele se inicia em 1844, no fim dos 2300 anos
profetizados em Daniel 8:14. O historicismo reconhece que Daniel inclui algumas
predições de longos períodos de tempo, as quais as expressões para “dias”
representam anos (Dn 8:14; 12:11-12). Embora o princípio dia-ano, ou ano-dia,
não deva ser aplicado indiscriminadamente, vários fatores apoiam a
possibilidade de “anos” e requerem este significado nesses contextos. Os
seguintes fatores são os mais relevantes para Daniel 8:14:
1. O termo hebraico
para “dias” [yāmîm] pode, também, significar “anos” (1 Sm 27:7).
2. Períodos de anos
correspondendo ao mesmo número de dias aparecem em um outro lugar na Bíblia (Nm
14:34).
3. Em Daniel 9:24-27,
“setenta semanas” devem ser semanas de anos, isto é, setenta ciclos de anos
sabáticos de sete anos cada (cp. Lv 25) = 490 anos. Elas não podem ser semanas
de dias literais porque o período abrange uma longa parte da história: Vai do
decreto persa, em 457 E.C, para a restauração de Jerusalém como a capital civil
dos judeus (Dn 9:25) até a vinda do Messias no início da sexagésima nona
“semana.” Confirmando que “semanas” são “anos” e identificando Jesus como o
Messias, Ele começou Seu ministério público em 27 E.C. (Lucas 3:1 — décimo
quinto ano de Tibério, seguindo, inclusive, o reconhecimento judaico e sem
nenhum ano zero entre A.E.C e E.C. Esse é o cumprimento preciso no período
romano, depois, até mesmo, do tempo de Antíoco Epifanes IV, em que preteristas
dizem que Daniel foi escrito, valida a profecia preditiva real.
4. Em Daniel 8:14, as
2300 tardes e manhãs são “dias” que devem representar 2300 anos: Eles cobrem o
período da “visão” de Daniel (Dn 8:13), que começa simbolizando o império
Medo-Persa (vv. 1-14, 20), continua durante o domínio grego/macedônico por
Alexandre O Grande e seus sucessores (vv. 5-8, 21) e segue adiante passando
pelo governo opressivo de um subsequente poder do “chifre pequeno” (vv. 9-12,
23-25). Se os “dias” fossem literais (por volta de 6 anos e meio), Daniel não
teria ficado tão preocupado, visto que ele entendia que, tão somente, a dominação
de 70 anos dos judeus por uma força estrangeira poderia prolongar-se.
5. Em Daniel 9:22-27, o
anjo Gabriel responde a angústia de Daniel, sobre a “visão” das 2300 tardes e
manhãs no capítulo 8, explicando que a sua primeira etapa
(“cortadas”/”determinadas”; 9:24) diz respeito ao futuro próximo do povo Judeu,
que dura “setenta semanas.” Se elas são semanas de anos, então o período mais
longo de 2300, o qual elas pertencem, devem, também, consistir de anos. Sendo
que a secção das “setentas semanas” começaram em 457 A.E.C., os 2300 começaram
ao mesmo tempo e durou (sem ano zero) até 1844 E.C.[1]
Concluímos que a
interpretação de Daniel 8:14, em seu contexto, coloca 1844 como o início da
justificação do tempo do fim do santuário celestial mediante o juízo
pré-advento. Portanto, 1844 não é uma doutrina à parte baseada em um único
texto; é uma doutrina singular que diz respeito a um evento bem fundamentado
nas Escrituras. É importante para o povo de Deus saber quando juízo começa para
que eles possam cooperar com Ele (Ap 14:6-12), assim como os israelitas antigos
precisavam saber quando o Dia da Expiação [Yom Kippur] começava para que eles
pudessem participar (Lv 16:29-31).
[1] Para mais
informação acerca do significado e da cronologia do juízo pré-advento, ver Roy
Gane, Who’s Afraid of the Judgment? The Good News About Christ’s Work in the Heavenly Sanctuary (Nampa,
Idaho: Pacific Press Publ. Assn., 2006) e outras obras citadas
ali.
*Roy
Gane,
Ph.D., é Professor de Hebraico Bíblico, Línguas do Antigo Oriente Médio e
Diretor do Curso de Doutorado em Religião
no Seminário Teológico Adventista da Andrews University em Berrien
Springs, Michigan. Autor de
diversos artigo e livros como “In the
Shadow of the Shekinah: God’s Journey with Us” e “God’s faulty heroes”.
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