Ekkehardt
Mueller
Tradução: Hugo Martins
O artigo “Espíritos na
Prisão? Um Estudo de 1 Pedro 3:18-22” (Original em Inglês: “1 Peter 3:18-22”),
por Ekkehardt Mueller, fora publicado, inicialmente, pelo Adventist Biblical
Research Institute. Usado com permissão.
1
Pedro 3:18–22 pertence a lista das passagens mais
difíceis do Novo Testamento. Tem recebido diversas interpretações ao longo da
história da igreja. Alguns têm concluído desta passagem que há uma alma
imortal, que pessoas têm uma segunda chance de salvação após a morte e/ou que
Jesus desceu ao inferno e subiu novamente. Outros têm questionado essas
interpretações.
I.
Contexto
A primeira epístola de
Pedro contém uma forte ênfase no sofrimento. O termo paschō (sofrer) aparece 12
vezes na epístola e o termo pathēmata (sofrimento) 4 vezes. Nenhum documento do
NT usa a família de palavras “sofrimento” com mais frequência do que 1 Pedro. O
tema do sofrimento encontra-se em todos os 5 capítulos. Mas Pedro apresenta,
também, a esperança cristã (e.g., 1:3) e enfatiza a conduta e o comportamento
cristão exemplar (e.g., 2:15; 3:1–2). Ele quer encorajar a sua audiência a
viver uma vida santa apesar do sofrimento, sabendo que os cristãos têm uma
esperança maravilhosa.
A epístola contém
diversas passagens cristológicas que podem motivar os cristãos a seguir a Jesus
mesmo sob circunstâncias difíceis. Em 1 Pe 1:18–19, é-lhes dito que foram
redimidos pelo sangue de Jesus. A passagem de 1 Pe 2:21–25 enfatiza que Jesus
sofreu por eles, carregou o pecado deles e curou-lhes. Agora, Ele é o seu
pastor e bispo. Por conseguinte, eles devem morrer para o pecado e viver para a
justiça. Uma outra perícope cristológica importante é a passagem sob
investigação. Enquanto as duas primeiras passagens enfatizam como Jesus sofreu
e relembra ao leitor que Jesus trouxera a salvação, a terceira passagem aponta
para as consequências profundas da salvação e enfatiza o reinado de Jesus.
II.
Análise Textual
1 Pedro 3:18–22 é
precedida e seguida por um parágrafo que trata do sofrimento. Portanto, é muito
apropriado que Jesus é introduzido como aquele que tem, também, sofrido e foi
morto “para conduzir-vos a Deus.” Jesus é um exemplo de sofrer injustamente.
Ademais, Ele é, também, Salvador e Rei que foi glorificado como Seus seguidores
um dia serão.
1.
Estrutura da Perícope
Porque também Cristo
morreu uma só vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus;
sendo, na verdade, morto na carne, mas vivificado no espírito; . . . o qual,
depois de ir para o céu, está à destra de Deus, ficando-lhe subordinados anjos,
e potestades, e poderes” (1 Pe 3:18, 22). O verso 18 se refere ao sofrimento, à
morte e à ressurreição de Jesus. O verso 21 menciona, novamente, a
ressurreição. O verso 22 continua e relata a ascensão de Jesus e o Seu reino.
Os versos 18, 21 e 22 formam, então, um parêntesis no qual uma outra seção é
inserida. Enquanto o verso 18 enfatiza mais fortemente a parte terrena da vida
de Jesus, os versos 21 e 22 lidam com o aspecto celestial. A inserção menciona
a proclamação de Jesus (vv. 19–20) e a salvação por meio do batismo (verso 21).
Esses conceitos estão ligados por meio dos termos “Noé” e “água”. A passagem
como um todo diz ao crente: desde que Jesus fez muito por você—Ele te salvou e
agora reina—não temas nem se desespere diante do sofrimento. Em Cristo, você
está do lado vencedor.
2.
A Primeira Parte do Parêntesis: A Vida de Jesus na Terra (v. 18)1
O verso 18 contém dois
pares de contrastes: “o justo” versus “o injusto” e “morto na carne” versus
“vivificado no espírito”. O termo “pois” conecta esta passagem aos versos
precedentes e provê a razão a qual os cristãos devem se portar como sugerida no
capítulo 3. O verso 18 conta que, em Jesus, Deus tomou a iniciativa para a
salvação da humanidade. Ele resolveu o problema do pecado. Jesus sofreu pelos
nossos pecados; o justo morreu pelo injusto. Ele tornou-se um substituto para
os humanos, embora Ele era inocente. Jesus sofreu uma vez por todas pelos
nossos pecados. Seu sofrimento e morte são únicos e irrepetíveis.2
Ele foi “morto, sim, na
carne, mas vivificado no espírito.” O que essas expressões “carne” e “espírito”
significam? Elas lembram aos estudantes da Bíblia de 1 Pedro 4:6, Romanos 1:3–4
e 9:5, e 1 Timóteo 3:16: Jesus nasceu como um descendente de Davi de acordo com
a carne. Elas trazem à mente 1 Coríntios 15:44–45: “Semeia-se corpo natural,
ressuscita corpo espiritual . . .” A expressão “carne” fala da esfera terrestre
da existência de Jesus enquanto a expressão “espírito” se refere a sua dimensão
celestial. Jesus morreu de acordo com a Sua existência terrestre, mas Ele
ressuscitou de acordo com a Sua existência celestial. Em ambos os casos, “carne”
e “espírito” descrevem Cristo como um todo visto de perspectivas diferentes.
Jesus sofreu para nos guiar até Deus.3
3.
A Inserção (vv. 19–21)
a.
Proclamação aos Espíritos (vv. 19–20)
O verso 19 começa com
en hō traduzido frequentemente por “no qual” ou “pelo qual”. Há quatro
possibilidades para interpretar esta frase: (1) refere-se ao “espírito” no
verso precedente. (2) remete-se ao verso 18 inteiro (“sob essas
circunstâncias”); (3) têm um significado temporal (“sobre qual ocasião”); e (4)
é uma conjunção causal relativa (“a razão pela qual”). Em razão de en hō seguir
tão proximamente “morto, sim, na carne,” é preferível a primeira possibilidade.
Quem são esses
espíritos desobedientes que já viviam no tempo de Noé? As interpretações
variam. Alguns sugerem que eles se referem àqueles que morreram no dilúvio ou
que eles são almas humanas desencarnadas. Outros pensam que são anjos caídos ou
crentes durante os tempos do Antigo Testamento. O termo “espíritos”, no plural,
ocorre 34 vezes no Novo Testamento. Cerca de 20 dessas 34 se referem a
demônios, 2 ou 3 a anjos (todas em Hebreus), 4 aos sete espíritos de Deus De
acordo com o verso 20, esses espíritos eram desobedientes. Por conseguinte,
eles não podem ser espíritos, anjos ou dons espirituais de Deus. Apenas duas
opções restam: demônios ou humanos. Desde que a expressão é predominantemente
usada para demônios, e raramente para humanos, pode-se assumir que os espíritos
são demônios. Há um paralelo interessante em 2 Pedro 2:4–5. Esta passagem fala
de anjos caídos, i.e., demônios, suas moradas, Noé e a salvação no Dilúvio.
Obviamente, os espíritos são anjos caídos.
1 Pedro 3:19 declara:
“Jesus foi.” Alguns concluem que este termo indica que Jesus foi ao inferno aos
demônios, mas o termo grego poreuomai (ir) não indica que Jesus desceu ao
inferno, nem é o conceito de inferno encontrado em 1 Pedro 3. O mesmo termo
poreuomai é usado no verso 22: “Jesus foi para o céu Aquim, dentro da mesma
passagem, fala de Sua ascensão. Portanto, não se deve falar que Jesus desceu ao
Inferno. É melhor compreender o termo do mesmo modo em ambos os versos: Jesus
ascendei ao Céu. Durante Sua ascensão Ele proclamou Sua mensagem.
O que é a prisão?
“Prisão”, na Bíblia, não é somente usado literalmente, mas, também,
simbolicamente. Babilônia se tornou a prisão para cada espírito imundo (Ap
18:2). De acordo com Apocalipse 20, durante o Milênio, o demônio está na
prisão. É, provavelmente, usado em um sentido simbólico, aqui, também.
Simbolicamente, os anjos estão aprisionados e devem aguardar o juízo.
A esses anjos caídos, o
Senhor fala. O termo kērussō, normalmente, se refere à proclamação de Jesus (At
9:20), o evangelho (Mt 9:35), o reino de Deus (At 28:31) e ao chamado ao
arrependimento (Mt 4:17). A combinar de “ir” e “pregar” não se encontra apenas
em 1 Pedro 3:19, mas, também, no Evangelho de Marcos—a comissão em Mateus 10:7
e a Grande Comissão em Marcos 16:5— e em Jonas 1:2 e 3:2 onde Jonas e chamado a
ir e pregar a Nínive uma mensagem de juízo. Jesus levanta da tumba. Em Seu
caminho para o Céu, Ele se dirige aos anjos caídos, os demônios e proclama as
boas novas para os Seus seguidores, mas juízo para o demônios: “Eu, Jesus
Cristo, sou o vencedor. Eu venci” (ver Cl 2:15). Os poderes malignos estão
derrotados. Jesus proclama o Seu triunfo. Aquele que sofrera inocentemente é o
Senhor de tudo e de todos.
b.
Salvação através da Água (vv. 20–21)
Deus, em Sua paciência,
não quis perecer no dilúvio. Mas, embora o povo tivesse o conhecimento
necessário, somente uns poucos entraram na arca. Assim como hoje. Muitos estão
perdidos. Uns poucos estão salvos. Mas a vitória de Jesus é vista quando
pessoas são salvas. Noé e sua família podem ter sofrido com o escárnio e a
zombaria de seus contemporâneos, mas Deus lhes salvou. Os filhos de Deus nunca estão
sozinhos. O tema de 1 Pedro 3:18–22 é encorajar os cristãos que sofrem por
lembrar-lhes: (1) Jesus ressuscitou; (2) Jesus proclama Seu trunfo sobre os
demônios; e (3) Jesus salva.
As águas do dilúvio,
que mataram os ímpios, conduziu a arca e preservou a vida dos oito humanos. Noé
e sua família sofreram eis hēn . . . diesōthēsan di’ hudatos (na qual . . .
foram salvos através da água). De acordo com Blass/Debrunner, frequentemente,
en (em) dever ser lido onde eis (em [para dentro]) se encontra. Em vista disso,
podemos, assim, traduzir: “na qual uns poucos, isto é, oito pessoas, foram
salvas através da água” tratando di’ hydatos (através da água) como
instrumental em vez de locativo. Eles foram salvos através da água. A audiência
de Pedro ouvira sobre os espíritos no verso 19, a saber, os demônios que já
foram desobedientes no passado. No verso 20, esses são contrastados com “almas”
[ACF], isto é, pessoas. Ambos os grupos são afetados pela vitória de Cristo.4
A água é destrutiva,
mas, também, fonte de vida. Enquanto os contemporâneos de Noé foram tragados, a
água salvou a ele e a sua família. Exterminou o que era pecaminoso e purificou
o mundo. Assim é, também, com o batismo. Jesus nos salva através da água do
batismo. E o pecado é destruído. Um novo ser renasce. Se uma pessoa que tem
sido batizada tem de sofrer, e poderia, até mesmo, ser morta, o seu batismo
significa, realmente, vitória sobre a morte e a destruição. Pedro diz: “o
batismo lhes salva.” O batismo é vital. Não podemos imaginar a grandeza do
batismo. Mas não é o batismo em si que deve ser louvado, mas a ação de Deus no
batismo. Logo, Pedro, rapidamente, acrescenta: “por meio da ressurreição de
Jesus Cristo.”
O batismo não é um
sacramento que funciona automaticamente e independente do recebedor. Traz a
salvação por causa da ressurreição de Jesus Cristo. Ademais, o batismo não é
apenas uma cerimônia externa. Através do batismo, o ser humano tem sido elevado
a renovação da vida. Pedro fala sobre uma consciência limpa. O crente tem
encontrado a paz com Deus. O problema do pecado foi resolvido. Ele ou ela
comprometeu-se a si mesmo ou a si mesma ao Senhor. Naquele momento, Deus salvou
Noé pelas águas do dilúvio; hoje Ele nos salva no batismo.
4.
A Segunda Parte do Parêntese: A Vida de Jesus no Céu (vv. 21-22)
Jesus à destra de Deus
não se encontra apenas em 1 Pedro 3:22, mas, também, em Romanos 8:34, onde se
diz que ele intercede por nós. Isso é muito importante para o sofrimento e os
cristãos perseguidos. Eles não só precisam de Senhor glorificado, mas, também,
de um que interceda por eles. A passagem sob investigação atinge o seu clímax
no reino universal de Cristo. Todos os anjos, poderes e autoridades, tanto
negativos como positivos, estão sujeitos a Ele. Ele reina com poder universal,
Ele é o rei.
A ressurreição de
cristo é seguida por Sua ascensão. Esta, por sua vez, é seguida por Sua
entronização. A ascensão é importante para a igreja porque a faz lembrar das
palavras dos anjos que Ele voltará e levará o Seu povo com ele. 1 Pedro 3:18-22
conclui com uma descrição do triunfo Jesus, da vitória e do domínio de Jesus,
um conceito que repetir-se-á em 4:11 e 5:11.
*Ekkehardt
Mueller é diretor associado do Instituto de Pesquisas
Bíblicas da Associação Geral. Antes de se juntar ao instituto, o Pastor Mueller
atuou como Pastor e Ministerial por mais de duas décadas. Atualmente, ele está
muitíssimo envolvido em escrever artigos e lecionar classes ao redor do mundo.
Ekkehardt adora jardinagem e pintura. Boa música é também um elemento
importante no lar de Ekkehardt, sendo
sua esposa Geri uma professora de música. Quando seus filhos, Eike e Eno, estão
em casa, o “quarteto” está completo.
Notas
[1][1]
Comentários que podem ser consultados incluem Paul J. Achtemeier, 1 Peter,
Hermeneia (Minneapolis: Fortress Press, 1996), pp. 239–274; e J. Ramsey. Michaels, 1 Peter. Word Biblical Commentary 49 (Waco:
Word Books, Publisher, 1988), pp. 194–222.
[2][1]
A leitura “sofreu” é preferível à leitura “morreu”, embora ela inclua a morte.
[3][1]
Cp. 1 pedro 4:6, onde uma declaração similar é feita sobre outros seres humanos
referindo-se à sua existência terrena e a seus corpos ressurretos imortais.
[4][1]
Friedrich Blass e Albert Debrunner, A Greek Grammar of the New Testament and
Other Early Christian Literature (Chicago: University of Chicago Press, 1961),
p. 110, declaram: “Nenhum escritor do NT, exceto Mateus. está totalmente isento
em substituir en por eis em um sentido locativo.” Em 1 Pedro 5:12, um segundo
caso encontra-se no mesmo documento.
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