James
J. Londis
Os médicos que tratam
pacientes crônicos ou terminais sempre os ouvem perguntar: “Por que isso
aconteceu comigo?” Esta é uma pergunta impossível de responder porque ela
começa com um “porquê” e não “como”. O “Como” é respondido pela ciência,
enquanto o “porque” parece procurar uma explicação religiosa.
Estou sendo alvo de
forças que não posso controlar? Estou sendo punido por Deus por algo que eu
fiz? Os Bem-intencionados confortadores podem oferecer suas próprias respostas:
“Deus está lhe ensinando alguma coisa”, ou “seja grato pelo que você está
enfrentando uma vez que este é o método de Deus para purificar você no fogo
purificador”. Essa empatia é mais ofensiva do que útil. E também reencarna a
heresia que Jesus combateu em Seu ministério:
“E passando Jesus, viu
um homem cego de nascença. Perguntaram-lhe os seus discípulos: Rabi, quem
pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego? Respondeu Jesus: Nem ele
pecou nem seus pais; mas foi para que nele se manifestem as obras de Deus”
(João 9:1-3). Jesus é claro: A ninguém aqui está sendo “ensinada uma lição”.
No funeral de um jovem
pai um proeminente pastor sugeriu à sua viúva que ela “precisava aprender que
Deus estava tentando ensiná-la” através desta tragédia. Semanas depois, quando
ela e eu nos sentamos para conversar, educadamente ela esbravejou: “Eu sou tão
burra que Deus tem que matar o meu marido para me ensinar alguma coisa?”
Nosso desejo de pensar
que Deus está por trás de tudo o que acontece tem uma linhagem clara: Nós
precisamos acreditar que Deus está “no controle”, assumimos que o que nós
fazemos causa o que acontece conosco. Se nós somos “bons”, nossas colheitas
crescem e nossas famílias são protegidas. Se somos “maus”, todas as apostas são
encerradas, como se costuma dizer. Esta abordagem oferece algum conforto aos
crentes. Se, por nossa fidelidade ou a falta dela podemos agradar ou desagradar
a Deus, temos um grau de controle sobre o que nos acontece, alguma razão. A
proteção de Deus é reservada para aqueles que a merecem. Mais pagão do que cristão
este ponto de vista não deixa de ser atraente. O pensamento de que podem
ocorrer eventos que Deus não controla ou que as imperfeições do comportamento
humano podem causar tragédias é muito preocupante para muitos.
Alimentando tais
atitudes, na minha opinião, estão algumas más interpretações de determinadas
promessas bíblicas de proteção. Por exemplo: “Deus é o nosso refúgio e
fortaleza, socorro bem presente na angústia. Pelo que não temeremos, ainda que
a terra se mude, e ainda que os montes se projetem para o meio dos mares; ainda
que as águas rujam e espumem, ainda que os montes se abalem pela sua braveza”
(Salmo 46:1-3); “Mil poderão cair ao teu lado, e dez mil à tua direita; mas tu
não serás atingido” (Salmo 91:7).
“Não serás atingido” é
pensado ser uma quase garantia de que os crentes serão poupados dos prédios em
ruínas do terremoto no Haiti ou dos ventos e inundações do Katrina. Se
pensarmos que essas promessas se aplicam em todos os casos, o que podemos dizer
para a mãe que geme: “Eu orei todos os dias pela segurança do meu filho, mas
ele foi morto por um motorista bêbado”. Tais tragédias podem nos tentar a
questionar a providência divina e o poder da oração.
Surpresas
desagradáveis
Devemos aceitar o fato
de que a vida é cheia de surpresas desagradáveis. Nós planejamos um casamento
feliz, mas ele acaba em um amargo divórcio. Nós oramos e planejamos por
crianças saudáveis, mas todos os anos milhares de pais dão à luz bebês cujas
deficiências criam um fardo ao longo da vida. Se aqueles que sofrem agarram-se
à crença que Deus controla tudo o que lhes acontece, que estas coisas sempre
estão de acordo com os planos de Deus, porque Deus planeja todas as coisas,
elas são obrigadas a sentir que Deus as está alvejando, por algum propósito
divino inescrutável. Um dos meus alunos declarou em sala de aula “Se Deus me
envia uma doença debilitante, Ele deve ter uma razão, e eu devo tentar aprender
qual é”.
A Bíblia não ensina que
Deus envia danos ou bebês deficientes para certos pais para refiná-los através do
sofrimento ou castigá-los por suas más ações. Um dia, ouvi um pregador de rádio
dizer à sua congregação que haveria momentos em que Deus iria colocá-los no
“fogo purificador”. Eles iriam pedir por ajuda divina, mas nenhuma viria. Deus
iria deixá-los no fogo por um tempo até Seus propósitos para eles serem
realizados. Em seguida, ele citou o seguinte trecho para apoiar a sua visão:
“Filho meu, não
desprezes a correção do Senhor, nem te desanimes quando por ele és repreendido;
pois o Senhor corrige ao que ama, e açoita a todo o que recebe por filho. É
para disciplina que sofreis; Deus vos trata como a filhos; pois qual é o filho
a quem o pai não corrija? Mas, se estais sem disciplina, da qual todos se têm
tornado participantes, sois então bastardos, e não filhos. Além disto, tivemos
nossos pais segundo a carne, para nos corrigirem, e os olhávamos com respeito;
não nos sujeitaremos muito mais ao Pai dos espíritos, e viveremos? Pois aqueles
por pouco tempo nos corrigiam como bem lhes parecia, mas este, para nosso
proveito, para sermos participantes da sua santidade. Na verdade, nenhuma
correção parece no momento ser motivo de gozo, porém de tristeza; mas depois
produz um fruto pacífico de justiça nos que por ele têm sido exercitados”
(Hebreus 12:5-11).
Devemos concluir a
partir destes versos e das declarações do pregador que todas as experiências
dolorosas são parte da disciplina de Deus para nós, pessoalmente ou
coletivamente? A metáfora primária na passagem de Hebreus é a parentalidade e o
disciplinamento das crianças. O princípio central de tal ensino é que ele está
conectado especificamente ao comportamento ou defeito de caráter que preocupa o
pai. Além disso, o contexto da passagem refere-se a resistir ao pecado, como
fez Jesus. O escritor está nos exortando a sermos testemunhas fiéis da obra
redentora de Deus em Cristo, mesmo quando confrontados com a perseguição.
Sofrer por amor do evangelho fortalece-nos no serviço e nos disciplina para os
desafios ainda não enfrentados. Estamos endurecidos, no bom sentido do termo,
contra o medo paralisante quando proclamamos a salvação de Deus para o mundo.
Isso é muito diferente de argumentar que o tumor do cérebro do meu filho ou o
meu câncer do fígado é uma disciplina de Deus que eu deveria dar as
boas-vindas.
É
todo sofrimento uma correção?
Quando Jesus chamou
Seus discípulos, Ele os avisou que teriam de enfrentar a perseguição e o
sofrimento físico para a proclamação do evangelho. Ele não disse que todo e
qualquer sofrimento que experimentariam indicaria “disciplina” de Deus para
eles. Sofrer por amor do evangelho certamente refina nosso caráter e
fortalecer-nos na obediência. Nós não estamos sendo punidos para sermos
purificados; somos purificados porque somos perseguidos por causa de Cristo.
Ainda assim, muitos
cristãos se sentem mais confortáveis procurando dentro deles a resposta de seu
sofrimento “Deus não pode fazer nada errado, portanto eu devo ter feito algo de
errado para este infortúnio me atacar”.
Tal pensamento é
semelhante a um padrão psicológico descrito em crianças vítimas de abusos que
sofrem nas mãos de seus pais. Elas quase sempre assumem que provocaram o abuso
sobre elas. Eu suspeito que de uma forma semelhante, é mais fácil pensar que
Deus “envia” o sofrimento ou porque nós o mereçamos ou porque ele faz parte do
“plano” de Deus para nossas vidas, do que pensar que estamos à mercê de uma
existência um pouco aleatória. Queremos sentir que Deus é sempre responsável
por tudo o que acontece em nossas vidas. Se isso não é verdade, então não
podemos encontrar um significado em nosso sofrimento, mas eu vou argumentar que
podemos dar sentido ao nosso sofrimento.
A melhor maneira de
entender tudo isso, creio eu, não é dizer: “Esta tragédia é uma parte do plano
de Deus”, mas sim: “Agora que isso aconteceu, Deus tem um plano.” Se por minha
própria imprudência ou algum acidente trágico acabo um tetraplégico, minhas
esperanças (e esperança em Deus) para a minha vida não vão acabar, mas serão drasticamente
alteradas. Deus trabalhará comigo e com minha família para nos ajudar a
reconstruir a história da minha vida. Porque isso aconteceu, Deus me ajudará a
desenvolver um plano e dar sentido à minha nova realidade.
Quando atingido pela
doença de Parkinson, o ator Michael J. Fox lutou para encontrar significado em
seu infortúnio. Sua cruzada contra esta terrível doença tornou sua família mais
unida e resultou através de sua fundação, na disponibilização de mais fundos
para a pesquisa de Parkinson do que qualquer outra no mundo! Ele reformulou os
pedaços quebrados de sua vida em algo esplêndido. Em sua autobiografia ele
insiste que não iria querer voltar a ser a pessoa que era antes do Parkinson o
ferir. O sofrimento, segundo ele, o mudou para melhor. Devemos então concluir
que Deus enviou a doença a ele, a fim de mudar sua vida e melhorar as perspectivas
de cura do mal de parkinson? Fox não acredito nisso. Ele acredita (como eu) que
ele foi vítima de forças que não o tinham como alvo.
Significado
na Oração
Quer isto dizer que as
orações por proteção ou cura são sem sentido? Nem um pouco. Deus pode e
responde tais orações, mas não devemos nos fiar nelas para a cura ou proteção
de todas as contingências. Podemos sempre contar com a presença amorosa e
reconfortante de Deus para estar conosco, às vezes através de entes queridos e
fiéis companheiros, às vezes em momentos de silêncio que acalentamos durante a
oração e a meditação. Podemos ser curados da insignificância, autopiedade,
solidão e frustração quando ficamos diante de um novo futuro. Os adventistas
nunca acreditaram que temos garantias nesta vida que nos impeça de sofrer ou
morrer. Nossa garantia está no futuro, quando tudo o que nos aterroriza agora
será para sempre banido. “Quanto tempo devo viver” ou “Será possível que agora
eu tenha uma vida normal?” não são perguntas adequadas para os cristãs fazerem,
a pergunta adequada, como a professora Margaret Mohrmann da faculdade de
Medicina da Virgínia tão bem coloca, é: “Como eu vou viver a vida que eu
tenho?” – isto é, a vida que Deus vai nos ajudar a viver ao máximo,
independentemente dos obstáculos que enfrentamos.
Dentro
do Plano de Deus
Enquanto Deus não
planeja tudo o que acontece, nada do que acontece está fora do plano de Deus.
Nenhum script divino está programando nossos dias. Liberdade (e, em grande
medida, contingência), definem a vida humana. O “Plano” de Deus pode ser
resumido como seu desejo primordial de que cada um de nós faça escolhas em
harmonia com o amor e a verdade, e que exercitemos nossa liberdade
corajosamente a fim de que possamos desfrutar de mais liberdade ainda.
Deus não precisa enviar
o sofrimento para nos ensinar uma lição, porque Ele sabe que o sofrimento vai
nos encontrar, não importa o que fazemos para evitá-lo. Não importa o que nos
acontece, o plano final de Deus para nós não pode ser frustrado, o plano de
Deus é restaurar-nos à vida novamente. Quando o apóstolo Paulo diz: “E
sabemos que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus,
daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Romanos 8:28), Ele
não está dizendo que tudo que nos acontece é bom porque Deus o enviou para a
nossa edificação. Ele está dizendo que porque nós amamos e somos amados por
Deus, todas as coisas, mesmo as tragédias têm o potencial para tecer uma teia
de significado e bênção para nossas vidas. A sabedoria e o poder de Deus
transformará a desordem em nossas vidas de forma que irá restaurar a nossa
confiança de que tudo está em Suas mãos.
FONTE: Adventist Review
de 16 de setembro de 2010.
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