Teologia

sábado, 10 de dezembro de 2016

QUEM SÃO AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ?



Ricardo André

As Testemunhas de Jeová se constituem num movimento religioso bastante conhecido por sua atividade de pregação dominical, ou mesmo em qualquer outro dia da semana, de casa em casa, mas é também bastante controvertido por sustentar ensinos que não possuem apoio bíblico e práticas esdrúxulas, a exemplo da proibição das transfusões de sangue, a rejeição da doutrina da Trindade ou a proibição de celebrarem-se aniversários. Por conta disso, as igrejas cristãs consideram as Testemunhas de Jeová uma seita religiosa. Este é um movimento religioso que, ainda que pequeno na idade (foi fundado no fim dos anos 1800), exerce influência no mundo religioso de hoje em escala internacional. É, indubitavelmente, um dos movimentos religioso contemporâneo que mais cresce no mundo.  “Segundo o relatório do ano de serviço de 2014, há 24 países com mais de 100 mil Testemunhas de Jeová. Isso inclui a Venezuela, que alcançou esse marco em 2007. No mundo inteiro, há 115.416 congregações das Testemunhas de Jeová e 8.201.545 publicadores” (https://www.jw.org/pt/testemunhas-de-jeova/atividades/pregacao/auge-testemunhas-de-jeova-2014/) Mas, qual é a origem das Testemunhas de Jeová? Em que elas creem?  

Nos anos de 1989, mesmo sendo Adventista do Sétimo Dia, aceitei receber estudo bíblico com uma colega Testemunha de Jeová, no Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco. O livro que estudei foi “Poderá Viver Para sempre no Paraíso na Terra?” Não me tornei TJ porque percebi muitas distorções dos ensinos bíblicos. Todavia, tenho amigos, alunos e colegas de trabalho que fazem parte e os respeito como quaisquer outras pessoas. Embora não concordo com muitas de suas crenças, sempre recebo muito bem as TJ na minha casa, e possuo muitas de suas literaturas. O presente artigo não visa denegrir os adeptos da religião em foco, até porque a maioria dos que fazem parte das Testemunhas de Jeová são pessoas decentes e sinceras, tendo sua busca de Deus e de Sua verdade as motivações para associarem-se à religião. Antes, este artigo pretende apresentar de forma concisa e direta, mas profunda, uma síntese da história desse movimento religioso, bem como de suas principais crenças. Tal texto  merece exame atento por cada Testemunha de Jeová, bem como por todo aquele que tem curiosidade em conhecer melhor esta religião, que é – para muitos – demasiadamente esquisita.

Por considerar não ser importante contar sua história, não encontramos em suas literaturas relatos detalhados concernentes ao como e quando teve origem o movimento. Em decorrência, muitas Testemunhas não conhecem os detalhes da origem de sua organização religiosa. Quando elas são confrontadas com a afirmativa de que são uma nova religião, frequentemente respondem que o seu grupo religioso é o mais antigo de todos, mais antigo que as igrejas católica e protestantes. De fato, o seu livro As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino afirma que "as testemunhas de Jeová têm uma história com quase 6.000 anos de duração, que começa quando o primeiro homem, Adão, ainda estava vivo", que Abel, filho de Adão, foi "a primeira de uma linha ininterrupta de Testemunhas", e que "os discípulos de Jesus também eram todos testemunhas de Jeová". (pp. 8-9)

Obviamente que uma pessoa que não pertence a organização que ouve essas pretensões percebe rapidamente que  a religião apropriou-se simplesmente de todas as personagens citadas na Bíblia como testemunhas fiéis de Deus. Através dessa extrapolação a denominação consegue esticar a sua história até aos começos da família humana - pelo menos aos olhos dos adeptos mais novos que estão dispostos a aceitar esses argumentos. Mas observadores de fora geralmente rejeitam este tipo de retórica e em vez disso reconhecem que as Testemunhas de Jeová surgiram a partir do movimento Milerita, por volta de 1840. Na sua juventude o fundador da religião Charles Taze Russell, que nasceu em 16 de Fevereiro de 1852 em Pittsburgh, Pennsylvania, foi influenciado por Guilherme Miller.

Conforme a própria religião, “a organização atual das Testemunhas de Jeová começou no fim do século 19. Naquela época, um pequeno grupo de estudantes da Bíblia perto de Pittsburgh, Pensilvânia, Estados Unidos, começou uma análise sistemática da Bíblia. Eles comparavam as doutrinas ensinadas pelas igrejas com o que a Bíblia realmente ensina. Eles começaram a publicar suas conclusões em livros, jornais e na revista que hoje é chamada A Sentinela Anunciando o Reino de Jeová.

“Um dos membros desse grupo de estudantes sinceros da Bíblia era um homem chamado Charles Taze Russell. Embora tenha tomado a dianteira na obra educativa bíblica naquela época e tenha sido o primeiro editor de A Sentinela, Russell não foi o fundador de uma nova religião. O objetivo de Russell e dos outros Estudantes da Bíblia, como o grupo era então conhecido, era divulgar os ensinamentos de Jesus Cristo e seguir o modelo deixado pelos cristãos do primeiro século. Visto que Jesus é o Fundador do cristianismo, nós o consideramos o fundador de nossa organização. — Colossenses 1:18-20”. (https://www.jw.org/pt/testemunhas-de-jeova/perguntas-frequentes/fundador/).

Charles Taze Russell (1852-1916): O fundador da Religião

Russel foi criado originalmente como presbiteriano.  Aos 16 anos uniu-se a Igreja Congregacional no ano 1868, quando passou a ter uma crise de fé. Ele tinha começado a duvidar não só dos credos e doutrinas da igreja, mas também de Deus e da própria Bíblia. Neste momento crítico um encontro acidental restaurou a sua fé e colocou-o sob a influência do pregador milerita Jonas Wendell, pastor da Igreja Cristã do Advento. Quase imediatamente Russell, seu pai e mais outros, formam um pequeno grupo de estudo da Bíblia em Allegheny, Pensilvânia, que haveria de evoluir gradualmente até se tornar esse novo movimento religioso.

Durante alguns anos depois disso Russell continuou a estudar as Escrituras com e sob a influência de vários leigos e clérigos mileritas, especialmente o ministro da Igreja Cristã do Advento George Stetson e o editor do Bible Examiner, George Storrs.  Assim ele se expressou:

“Como que por acaso, certa noite visitei uma sala poeirenta e mal iluminada, onde eu ouvira dizer que se realizavam cultos religiosos, para ver se o punhado de pessoas que se reunia ali tinha algo mais sensato a oferecer do que as crenças das grandes religiões. Ali, pela primeira vez, ouvi algo sobre os conceitos dos adventistas (Igreja Cristã do Advento), sendo o Sr. Jonas Wendell o pregador… Assim, reconheço estar endividado com os adventistas e com outras denominações. Embora a exposição bíblica feita por ele não fosse inteiramente clara, …foi o suficiente, sob a orientação de Deus, para restaurar minha abalada fé na inspiração divina da Bíblia e para mostrar que os escritos dos apóstolos e dos profetas estão indissoluvelmente vinculados. O que ouvi me fez voltar à minha Bíblia para estudá-la com mais zelo e cuidado do que nunca antes, e serei sempre grato ao Senhor por esta orientação; pois, embora o adventismo não me tenha ajudado em nenhuma verdade específica, ajudou-me grandemente a desaprender erros, e assim me preparou para a Verdade." - Testemunhas de Jeová” (Proclamadores do Reino de Deus, p. 43 e 44).

Ele reuniu-se localmente numa base regular com um pequeno círculo de amigos para discutir a Bíblia, e este grupo de estudo informal passou a encará-lo como o seu líder ou pastor. Estes membros passaram a ser conhecidos como "Estudantes Internacionais da Bíblia". Em 1931, numa reunião, no Estado de Ohio, Rutherford (2º Presidente da Organização) propôs que o grupo passasse a ser chamado de “As Testemunhas de Jeová”.

Em Janeiro de 1876, quando tinha 23 anos, Russell recebeu uma cópia de The Herald of the Morning, uma revista adventista publicada por Nelson H. Barbour, de Rochester, Nova Iorque. Uma das características distintivas do grupo de Barbour naquele tempo era a crença de que Cristo tinha voltado invisivelmente em 1874, e este conceito que era apresentado no The Herald prendeu a atenção de Russell. Significava que este grupo dissidente não tinha ficado derrotado, ao contrário de outros, quando Cristo não apareceu em 1874 como os líderes adventistas tinham predito; de algum modo este pequeno grupo tinha conseguido agarrar-se àquela data afirmando que o Senhor tinha de fato voltado no tempo designado, mas de forma invisível.

Era este pensamento apenas um reflexo dos seus desejos, ligado à sua recusa obstinada em admitir o erro de cálculos cronológicos falhados? Talvez, mas Barbour tinha alguns argumentos a oferecer em apoio das suas afirmações. Em particular, ele arranjou uma base para reinterpretar a Segunda Vinda como um evento invisível. Na Emphatic Diaglott, tradução do Novo Testamento de Benjamin Wilson, a palavra traduzida "vinda" na King James Version em Mateus 24:27, 37, 39 é em vez disso traduzida como "presença". Isto serviu de base para o grupo de Barbour advogar, além dos seus cálculos envolvendo datas, uma presença invisível de Cristo (Ver Aproximou-se o reino de Deus de Mil Anos, p. 187).

Embora a ideia agradasse ao jovem Charles Taze Russell, o público leitor aparentemente recusou-se a acreditar na história de uma Segunda Vinda invisível, com o resultado de a publicação de N. H. Barbour The Herald of the Morning estar a falhar financeiramente. No verão de 1876 o endinheirado Russell pagou a viagem de Barbour a Filadélfia e encontrou-se com ele para discutir tanto crenças como finanças. O resultado foi que Russell tornou-se o apoiante financeiro da revista e o seu nome foi acrescentado ao cabeçalho como Editor Assistente. Ele contribuiu com artigos para publicação bem como dádivas em dinheiro, e o pequeno grupo de estudo de Russell também passou a estar afiliado com o grupo de Barbour.

Russell e Barbour acreditavam e ensinavam que a volta invisível de Cristo em 1874 seria seguida pouco tempo depois, mais especificamente na primavera de 1878, pelo Arrebatamento  - a transferência corporal dos crentes para o céu. Quando este aguardado arrebatamento não ocorreu no tempo previsto em 1878, o Sr. Barbour, editor do The Herald, apareceu com "nova luz" sobre esta e outras doutrinas. Russell, porém, rejeitou algumas das ideias novas e persuadiu outros membros a oporem-se-lhes. Por fim, Russell desistiu de pertencer à equipe da revista e começou a sua própria revista. Chamou-lhe Zion's Watch Tower and Herald of Christ's Presence (Torre de Vigia de Sião e Arauto da Presença de Cristo) e publicou o primeiro número com a data de Julho de 1879. No princípio tinha a mesma lista de subscritores que o The Herald of the Morning e foi devotado espaço considerável a refutar esta publicação nos pontos em que havia desacordo, tendo Russell levado consigo uma cópia da lista dos assinantes quando renunciou ao cargo de editor assistente.

Nesta altura Charles Russell já não se queria considerar a si mesmo um Millerita. Mas continuava a encarar Miller e Barbour como instrumentos escolhidos por Deus para conduzir o Seu povo no passado. A formação de uma denominação distinta à volta de Russell foi um desenvolvimento gradual. A sua ruptura imediata era, não com o adventismo, mas antes com a pessoa e as políticas de N. H. Barbour.

Também não foram erigidas imediatamente barreiras em relação ao protestantismo em geral. Os novos leitores que obtinham assinaturas da Zion's Watch Tower eram frequentemente membros das igrejas que viam a revista como um ministério para igreja, não como uma alternativa anti igreja. Russell viajava por vários sítios, falando dos púlpitos de igrejas protestantes bem como para ajuntamentos dos seus próprios seguidores. Em 1879, ano do seu casamento com Maria Frances Ackley e também ano em que começou a publicar a Zion's Watch Tower, Russell organizou cerca de trinta grupos de estudo ou congregações espalhados desde Ohio até à costa da Nova Inglaterra. Cada "classe" ou eclésia local passou a reconhecê-lo como "Pastor", embora a geografia e as atividades de escrita e editoriais de Russell impedissem mais que uma visita pastoral ocasional em pessoa.

Inevitavelmente, os ensinos cada vez mais divergentes de Russell obrigaram os seus seguidores a separarem-se de outros grupos das igrejas e a criar uma denominação própria. Tendo começado, como começou, num pequeno ramo do milerismo que foi ao extremo de estabelecer datas específicas para a volta de Cristo e o Arrebatamento, Russell foi ainda mais longe em 1882 ao rejeitar abertamente a doutrina da Trindade. O seu anterior mentor Nelson H. Barbour era um trinitarista, tal como também o outro editor assistente da The Herald of the Morning, John H. Paton, que se juntou a Russell quando este se afastou de Barbour para começar a Zion's Watch Tower. Os escritos de Barbour e Paton que Russell tinha ajudado a publicar ou a distribuir eram trinitaristas na sua teologia. E a própria Zion's Watch Tower a princípio era vaga e não se comprometia no assunto. Só foi depois de Paton cortar relações com ele em 1882, e deixar de ser mencionado no cabeçalho, que Russell começou a escrever contra a doutrina da Trindade.

Quando morreu, Charles Taze Russell tinha viajado mais de um milhão de milhas e tinha pregado mais de 30.000 sermões. Tinha escrito obras totalizando cerca de 50.000 páginas impressas, e cerca de 20.000.000 de cópias dos seus livros e folhetos tinham sido vendidas.

Mas ele viveu o suficiente para ver o fracasso de várias datas que tinha predito para o Arrebatamento, e morreu finalmente em 31 de Outubro de 1916, mais de dois anos depois da data em que era suposto o mundo ter acabado, de acordo com os seus cálculos, no início de Outubro de 1914. Os seus discípulos, no entanto, viram a Guerra Mundial que então decorria como uma razão para crer que "o fim" ainda era iminente.

Joseph Franklin Rutherford (1869-1942)

Segundo instruções que Russell deixou, o seu sucessor na presidência partilharia o poder com uma comissão editorial e com a diretoria da empresa Torre de Vigia, que Russell tinha nomeado "vitaliciamente". Mas o vice-presidente Joseph Franklin ("Juiz") Rutherford depressa começou a concentrar toda a autoridade organizacional nas suas próprias mãos. Sendo um advogado habilidoso que tinha servido como principal conselheiro legal de Russell, ele combinava a capacidade legal com o que os oponentes indubitavelmente viam como uma abordagem maquiavélica à política interna da empresa. Assim, ele usou uma brecha na nomeação deles para desalojar a maioria dos diretores da Torre de Vigia sem convocar uma votação dos membros. E até usou um subordinado para chamar a polícia aos escritórios da sede da Sociedade em Brooklyn para interromper a reunião da diretoria e expulsá-los do local. (Faith on the March [A Fé em Marcha, 1957] de A. H. Macmillan, pp. 78-80)

Depois de se apoderar do complexo da sede e das entidades empresariais da religião, Rutherford voltou a sua atenção para o resto da organização. Substituindo gradualmente os anciãos eleitos localmente por homens nomeados por ele próprio, conseguiu transformar um grupo disperso de congregações semiautónomas governadas democraticamente numa máquina organizacional coesa controlada a partir do seu escritório. Algumas congregações locais separaram-se, formando grupos russellitas dissidentes como os Chicago Bible Students (Estudantes da Bíblia de Chicago), os Dawn Bible Students (Estudantes da Bíblia da Aurora), e o Laymen's Home Missionary Movement (Movimento Missionário Lar do Leigo), todos eles continuando a existir ainda hoje. Mas a maioria dos Estudantes da Bíblia continuaram sob o controle de Rutherford, e ele mudou-lhes o nome para "Testemunhas de Jeová" em 1931, para os distinguir de todos os outros grupos de Estudantes da Bíblia.

Entretanto, ele mudou a ênfase da religião do "desenvolvimento do carácter" individual para um vigoroso trabalho de testemunho público, distribuindo a literatura da Sociedade de casa em casa. Em 1927 esta distribuição de porta a porta tinha-se tornado uma atividade essencial requerida de todos os membros.

A literatura consistia primariamente das séries de ataques incessantes de Rutherford contra o governo, contra a proibição [de bebidas alcoólicas], contra o "alto comércio" e contra a Igreja Católica Romana. Ele também forjou uma enorme rede radiofônica e lançou-se nas ondas de rádio, explorando os sentimentos populistas e anticatólicos para atrair milhares de convertidos adicionais. Os seus ataques vitriólicos, que saíam de forma estridente de fonógrafos portáteis levados até às portas das pessoas e de altifalantes montados em carros de som estacionados em frente das igrejas, também trouxeram sobre as Testemunhas violência de multidões e perseguição dos governos em muitas partes do mundo.

Tal como Russell, Rutherford experimentou fazer profecias e predisse que os patriarcas bíblicos Abraão, Isaque e Jacó seriam ressuscitados em 1925 para governar como príncipes sobre a terra. (Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão, 1920, pp. 110-112) Eles não apareceram, claro, e Rutherford desistiu de predizer datas. De fato, referindo-se a esse falhanço profético ele mais tarde admitiu: "Eu me fiz de tolo". (Despertai!, 22 de Setembro de 1987, p. 19)

O Vice-Presidente Nathan Homer Knorr herdou a presidência quando Rutherford morreu em 1942, mas deixou os assuntos doutrinais principalmente nas mãos de Frederick W. Franz, que se juntara à religião nos tempos de Russell e tinha servido na sede de Brooklyn desde 1920. Não tendo o magnetismo pessoal e o carisma de Russell e de Rutherford, Knorr focou a devoção dos seguidores na organização "Mãe" em vez de nele próprio.

Depois de décadas a publicar livros e folhetos assinados pelos seus presidentes Russell e Rutherford, a Sociedade Torre de Vigia começou a produzir literatura que era escrita sob anonimato. Mas não era impessoal, visto que a própria organização era praticamente personificada, e os leitores eram orientados a "mostrar o nosso respeito pela organização de Jeová, pois ela é a nossa mãe e a amada esposa do nosso Pai celestial, Jeová Deus". (The Watchtower [A Sentinela], 1 de Maio de 1957, p. 285 [em inglês])

Nathan Homer Knorr (1905-1977)

Knorr mudou o foco da religião de liderança dinâmica para participação dinâmica dos membros. Ele iniciou programas de treinamento para transformar membros em recrutadores eficazes. Em vez de carregar um fonógrafo portátil de casa em casa, tocando discos dos discursos do "Juiz" Rutherford nos degraus das casas das pessoas, a Testemunha de Jeová típica começou a receber instrução sobre como falar de forma persuasiva. Homens, mulheres e crianças aprenderam a fazer sermões às portas sobre uma variedade de assuntos.

Entretanto Fred Franz trabalhava nos bastidores para restaurar a fé nos cálculos cronológicos da religião, um assunto largamente ignorado a seguir ao falhanço profético de Rutherford em 1925. A cronologia revista estabelecia a volta invisível de Cristo como tendo ocorrido em 1914 em vez de 1874 e, durante a década de 1960, as publicações da Sociedade começaram a apontar para o ano 1975 como o tempo provável do Armagedom e do fim do mundo.

A crença prevalecente entre as Testemunhas de Jeová hoje é que a Sociedade nunca predisse "o fim" para 1975, mas que alguns membros com excesso de zelo leram equivocadamente isso na mensagem. No entanto, a predição oficial está bem documentada. Veja por exemplo, o artigo intitulado "Por Que Está Aguardando 1975?" na Sentinela de 15 de Fevereiro de 1969, páginas 110-117. Admitindo uma pequena margem de erro, conclui uma longa discussão com este pensamento: "Devemos presumir, à base deste estudo, que a batalha do Armagedom já terá acabado até o outono de 1975 e que o reinado milenar de Cristo, há muito aguardado, começará então? Possivelmente, mas, nós esperamos para ver quão de perto o sétimo período de mil anos da existência do homem coincide com o reinado milenar de Cristo [...] A diferença talvez envolva apenas semanas, ou meses, não anos." (p. 115, § 30)

Os programas de Knorr para o proselitismo e as projeções apocalípticas de Franz para 1975 combinaram-se para produzir um crescimento rápido no número de membros, tendo a taxa de aumento anual alcançado um máximo de 13,5% em 1974. Tudo isto elevou a assistência às reuniões nos Salões do Reino das Testemunhas de Jeová de cerca de 100.000 pessoas em 1941 para cerca de 5 milhões em 1975. O crescimento desde então tem sido mais lento, mas razoavelmente constante na maioria dos anos, com o resultado de cerca de 11,5 milhões se terem reunido nos Salões do Reino na primavera de 1992 para a comunhão anual das Testemunhas ou serviço de Memorial comemorando a morte de Cristo com pão não fermentado e vinho tinto.

O Pr. Arnaldo B. Christianini, em poucas palavras, caracterizou adequadamente a liderança de cada uma destes três presidentes jeovaistas:

“Russel possuía imaginação fertilíssima, elaborando muitos esquemas proféticos que culminavam em datas definidas para certos eventos bíblico-históricos. Alguns foram retificados, e outros abandonados totalmente. Rutherford era menos imaginoso, porém, mais culto e sagaz, timbrava em modernizar as teorias russelitas. Knorr pouca coisa acrescentou às bases doutrinárias da seita, e seu empenho é mais no sentido de arranjar bases científcas ou fundamento nas línguas bíblicas originais para o Jeovismo” (Radiografia do Jeovismo, p. 104)

Corpo Governante das Testemunhas de Jeová em 1975

Durante a década de 1970 ocorreram mudanças na sede da Torre de Vigia no que diz respeito ao poder presidencial. Primeiro, aceitou-se em teoria que a Igreja Cristã (que as Testemunhas de Jeová acham ser a sua organização) não devia estar sob o controlo de um homem, devia em vez disso ser governada por um coletivo similar aos doze apóstolos. A diretoria de 7 membros da Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados de Pennsylvania tinha sido retratada anteriormente como cumprindo esse papel, mas em 1971 foi criado um Corpo Governante alargado com um total de 11 membros, incluindo os sete Diretores. O objetivo era demonstrar que a liderança derivava a sua autoridade de uma fonte apostólica, e não da lei que regulava as empresas da Pennsylvania.

Este novo Corpo Governante foi exibido como mais uma evidência de que as Testemunhas de Jeová se constituía na religião verdadeira, mas na realidade Nathan Knorr continuou a governar as Testemunhas de Jeová tanto como Russell e Rutherford tinham feito antes dele. Isto é, até 1975, quando membros do Corpo Governante começaram a insistir em exercer os poderes que lhes eram conferidos em teoria,  mas que na prática nunca lhes tinham sido dados. Passando por cima das objecções de Fred Franz, o Corpo que ele tinha sido instrumental em criar começou de fato a governar, de modo que quando Nathan Knorr morreu em 1977, Franz herdou uma presidência esvaziada de poderes.

Franz também herdou uma organização com problemas de descontentamento por causa do óbvio fracasso das suas profecias sobre o fim do mundo no outono de 1975. Mesmo na sede de Brooklyn pequenos grupos que se encontravam em privado para o estudo da Bíblia começaram a questionar não só a cronologia baseada em 1914 que tinha produzido a data limite de 1975, mas também o ensino relacionado de que a "chamada celestial" de crentes terminou em 1935, sendo os novos convertidos depois dessa data consignados a um paraíso terrestre como sua recompensa eterna.

Frederick William Franz (1893-1992)

A organização religiosa que até esta altura tinha crescido rapidamente começou a perder membros pela primeira vez em décadas, à media que as pessoas que tinham esperado o Armagedom em 1975 se foram desiludindo. Quando as perdas de membros ascenderam a centenas de milhares  -  um fato ocultado pelas novas conversões nos números publicados pela Sociedade, mas relatado num artigo de investigação do Los Angeles Times de 30 de Janeiro de 1982 (pp. 4-5) -  o presidente Franz e a maioria conservadora do Corpo Governante tomaram ação. Na primavera de 1980 iniciaram ações disciplinares contra os dissidentes, desmantelando os grupos independentes de estudo da Bíblia na sede, e formando "comissões judicativas" para pôr aqueles que eram vistos como cabecilhas em julgamento sob acusações de "deslealdade" e "apostasia".

Quando esta purga culminou na renúncia forçada e subsequente desassociação de Raymond V. Franz, sobrinho do presidente e, tal como ele, membro do Corpo Governante (um desenvolvimento que a revista Time achou merecer um artigo de página inteira na edição de 22 de Fevereiro de 1982, p. 66), uma mentalidade de estado de sítio apoderou-se da organização em todo o mundo. Mesmo Testemunhas que saíram discreta e voluntariamente por razões pessoais foram denunciadas como desleais e ordenou-se que fossem evitadas, sendo os seus anteriores amigos proibidos de lhes dizer nem que fosse "um simples olá".

Assim, embora Frederick W. Franz tenha servido como o principal teólogo da religião durante cerca de cinquenta anos  - desde o princípio da presidência de Knorr em 1942 até à sua própria morte em 22 de Dezembro de 1992 -  o fato de ele ter sobrevivido às suas falsas profecias durante mais de quinze anos exigiu que impusesse uma mini inquisição sobre os membros para poder manter em vigor o seu quadro doutrinal e cronológico durante o resto da sua vida.

Milton G. Henschel (1920-2003)

A escolha de Milton G. Henschel como quinto presidente da Torre de Vigia em 30 de Dezembro de 1992 é verdadeiramente significativa para os 13 milhões que agora frequentam os Salões do Reino. À primeira vista, a escolha de um conservador firme para o lugar pode parecer garantir uma continuação do status quo, com poucas mudanças no futuro próximo para as Testemunhas de Jeová. Mas um olhar mais detido revela que esta nomeação é a última posição da velha guarda conservadora  -  uma indicação de que são iminentes mudanças radicais na liderança e nas doutrinas da organização.

Aos 72 anos Henschel tornou-se o segundo membro mais novo do Corpo Governante, e foi selecionado para liderar por homens vários anos mais velhos que ele. (Tanto a média como a mediana das idades na altura da nomeação de Henschel eram cerca de 82 anos.) Com membros nos seus oitenta e poucos anos a dormirem durante as reuniões e a votarem nas matérias depois de serem acordados (veja o relato de Raymond Franz no seu livro Crise de Consciência, p. 40), o Corpo está a perder a sua capacidade de providenciar uma liderança com objetivos e decisiva. Henschel foi sem dúvida escolhido em parte devido a ter vitalidade que falta a outros. Obviamente, estes líderes envelhecidos não poderão manter as rédeas do poder durante muito mais tempo. Os homens que participaram na construção da Torre de Vigia até torná-la naquilo que é hoje deixá-la-ão em breve para trás para outros administrarem.

Nas décadas que se seguiram à morte do fundador Charles Taze Russell, o seu sucessor J. F. Rutherford viu-se obrigado a rescrever muitas das doutrinas principais da religião. Pode-se esperar o mesmo quando as Testemunhas de Jeová de uma nova geração herdarem as posições atualmente ocupadas por Milton Henschel e pelos outros membros idosos do Corpo Governante. Quando os novos líderes assumirem o controle, abandonarão a proibição de transfusões de sangue? Só o tempo o dirá. Mas, mesmo que o façam, isso não fará diferença para aqueles que já morreram, nem para aquelas Testemunhas que continuam a morrer enquanto o ensino continua em vigor.

Crenças Fundamentais das Testemunhas de Jeová

No que diz respeito à verdade religiosa, as Testemunhas de Jeová desenvolveram um sofisticado sistema de crença que acreditam ser “a verdade” do Evangelho. Convictas de que tem a verdade, elas vão de casa em casa apresentar a outros o que elas consideram que são os fatos necessários que se deve saber para que alguém também venham para “a verdade”. Elas explicitam suas convicções religiosas em suas literaturas, a exemplo de seus livros e as revistas Sentinelas e Despertai. Vamos aqui elencar alguns pontos fundamentais de suas crenças. Quais sejam:

1) Elas acreditam que o Reino de Deus foi estabelecido nos Céus ao fim dos “tempos dos gentios”, que segundo seus cálculos proféticos, ocorreu em outubro de 1914, sendo proclamado por eles, únicos que possuem “os olhos do entendimento”.

2) São unitaristas. Negam a divindade absoluta e singular de Jesus Cristo. Não creem que Jesus seja Deus, mas a primeiro ser criado por Jeová Deus.

3) Não creem na ressurreição corporal de Cristo, mas sim que ressuscitou como um espírito.

4) São irreconciliáveis inimigos da doutrina bíblica da Trindade. Ensinam que a doutrina da Trindade se constitui num ensino pagão.

5) Negam a personalidade e divindade do Espírito Santo. O Espírito Santo é descrito em suas literaturas como sendo a “força ativa de Jeová”, como uma força impessoal.

6) Ensinam que a transfusão de sangue é uma violação da lei de Deus, por isso não aceitam o uso dessa técnica médica, mesmo ao custo de sua vida.

7) Negam a volta de Jesus  de forma visível, real e pessoal. Acreditam que Ele já voltou de forma invisível em 1914. Nessa data Ele é entronizado no Céu como Rei, dando início ao Seu Reino Teocrático.

8) Outra característica sui generis das Testemunhas de Jeová é o desprezo pela formação em nível superior de seus jovens. Estes são desaconselhados pelos pais e líderes da religião a ingressarem nas Universidades.

9) Ensinam que o Armagedom é a batalha que dentro em breve será ganha pelo povo de Jeová, ajudada por Ele contra as religiões organizadas, os poderes políticos e comerciais.



10) Defendem o  estabelecimento dramático do Reino de Deus na Terra através da Batalha final do Armagedom. Acreditam que Cristo reinará na Terra durante o Milênio, durante o qual terá lugar a ressurreição e o julgamento.


11) Chamam as leis e os governos terrestres de organizações do diabo. Dizendo-se súditos de Jeová não podem ser súditos de governos terrestres. Por isso, recusam-se a prestar homenagem à bandeira, servir às forças armadas e a votar em eleições políticas.

12) Ensinam que existem duas esperanças para os cristãos: A celestial e a terrestre. Segundo eles, somente os 144.000 de Apocalipse 7 e 14 têm esperança celestial, ou seja, acreditam que o número 144 mil seja literal e que somente esses habitarão com Cristo no Céu. Os demais farão parte da “Grande Multidão” que morarão no Paraíso terrestre que Jeová irá construir.

13) São proibidas de celebrarem aniversários, por acreditarem ser isso uma prática pagã.

Nossa intenção aqui não é analisar à luz das Escrituras Sagradas cada um desses pontos das crenças dos Testemunhas de Jeová, mas apenas relatar e descrever sua origem histórica e suas principais crenças. Em nosso Blog “A Verdade Como é em Jesus”, pode-se encontrar a refutação de muitas dessas crenças estranhas, com base nas Sagradas Escrituras.

REFERÊNCIAS:

APOLINÁRIO, Pedro. As Pretensiosas testemunhas de Jeová. 3ª ed. São Paulo: IAE, 1981.

BRITO, Azenilto G. O Desafio da Torre de Vigia. 1ª ed. Tatuí, São Paulo: CPB, 1992.

CHRISTIANINI, Arnaldo B. Radiografia do Jeovismo, 1ª ed. São Paulo: CPB, 1975.




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