por Samuele Bacchiocchi
Muitos sinceros
cristãos creem que a Segunda Vinda de Cristo ocorrerá em duas fases distintas.
A primeira fase é conhecida como “o arrebatamento secreto” da Igreja e pode
ocorrer a qualquer momento. Nessa ocasião, Cristo desce apenas para as
proximidades da Terra para ressuscitar os santos adormecidos e para transformar
e glorificar os crentes vivos. Ambos os grupos são então arrebatados, ou seja,
levados secreta, súbita e invisivelmente, para encontrar no ar o Senhor que
desce. Esse corpo de crentes, chamado de “Igreja”, então subirá para o céu para
celebrar com Cristo por sete anos as bodas do Cordeiro, enquanto os judeus e os
gentios não convertidos permanecerão sobre a Terra para sofrerem os sete anos
finais de tribulação.
Ao final desse período
de sete anos, a segunda fase da Vinda de Cristo, geralmente o Retorno ou
Revelação, terá lugar. Cristo então vem em glória com os santos até a Terra
para destruir Seus inimigos na Batalha do Armagedom, e para estabelecer o Seu
trono em Jerusalém e iniciar seu reino milenial terrestre.
Quanto tempo se espera
que levará para o desaparecimento maciço dos verdadeiros cristãos de todas as
nações? Muitos acreditam que esse evento está iminente porque sua principal
pré-condição, ou seja, o restabelecimento do Estado de Israel e a posse da
antiga Jerusalém, já tiveram lugar. Essa crença é expressa em adesivos de
automóveis como o que declara: “Se o motorista desaparecer, agarre o volante”,
ou “Em caso de arrebatamento este carro ficará desgovernado”.
Segundo os cálculos iniciais
de Hal Lindsey, esse arrebatamento secreto da Igreja já passou do prazo [1]. Em
1970 ele predisse que “em quarenta anos desde 1948 [ano da formação do Estado
de Israel], ou por volta disso, tudo isso poderia ter lugar [2] . Lindsey
calcula os “quarenta anos” da duração bíblica de uma geração e alega, com base
na parábola da Figueira (Mateus 24:32-33) que a formação do Estado de Israel em
1948 assinala o início da última “geração” (Mateus 24:34) que verá
primeiramente o arrebatamento, daí os sete anos de tribulação, e finalmente o
Retorno de Cristo em glória. Sendo que o arrebatamento, de acordo com Lindsey e
a maioria dos dispensacionalistas, ocorre sete anos (Daniel 9:27) antes do
Retorno visível de Cristo em glória, já deveria ter ocorrido em 1981 ou 1982. O
que isso significa é que o tempo já se esgotou para essas predições
sensacionais, porém sem sentido.
A
ASCENÇÃO, EXPANSÃO E DECLÍNIO DO PRÉ-TRIBULACIONISMO
Origem do
Pré-Tribulacionismo. A crença de que a Igreja será arrebatada súbita e
secretamente antes da grande e final tribulação é conhecida como
pré-tribulacionismo. Sua origem é em geral identificada por volta dos anos da
década iniciada em 1830. John N. Darby, pregador anglicano que se tornou
fundador dos Irmãos de Plymouth, é considerado o expositor e promotor mais
influente do arrebatamento pré-tribulacionista. Por suas seis visitas à América
e extensa campanha de literatura do pré-tribulacionismo dos Irmãos de Plymouth,
as ideias pré-tribulacionistas espalharam-se rapidamente.
O período de expansão
máxima e predomínio do pré-tribulacionismo foi a primeira metade do século
vinte. Homens como Arno C. Gaebelein, C. I. Scofield, James M. Gray do
Instituto Bíblico Moody, Reuben A. Torrey, do Instituto Bíblico de Los Angeles,
Harry A. Ironside, da Igreja Memorial Moody, e Lewis Sperry Chafer da Faculdade
Teológica Evangélica (atual Seminário Teológico de Dallas) desempenharam um
importante papel na popularização do arrebatamento pré-tribulacionista. [3] O
fator único mais importante foi a ampla circulação da Bíblia de Scofield,
editada em 1909 e revisada em 1917, que inculcava tal ensino entre as massas
como o único ponto de vista bíblico correto.
Ressurgimento do
Pós-Tribulacionismo. Desde 1950 mais e mais eruditos evangélicos vêm
abandonando o pré-tribulacionismo e retornando ao pós-tribulacionismo histórico
que sustenta que a Igreja passará pela grande tribulação, ao final da qual
Cristo virá para ressuscitar os santos adormecidos e salvar os crentes vivos.
Crédito para o
ressurgimento do pós-tribulacionismo deve ser dado primeiro de tudo à
influência de George E. Ladd, Professor de Novo Testamento do Seminário
Teológico Fuller. Alguns de seus importantes livros sobre este assunto são
Crucial Questions About the Kingdom of God [Questões Cruciais Sobre o Reino de
Deus] (1952), The Blessed Hope [A Bem-aventurada Esperança] (1956) e The Last
Things [As Últimas Coisas] (1978). Sua respeitada erudição associada a sua
dedicação aos princípios evangélicos têm levado muitos eruditos evangélicos a
repensarem suas posições pré-tribulacionistas.
A influência de Ladd
pode ser vista nos seguintes significativos estudos produzidos por eruditos que
acataram o pós-tribulacionismo e têm escrito em sua defesa: The Greatness of
the Kingdom [A Grandeza do Reino] (1959), de Alva J. McClain, presidente do
Seminário Teológico da Graça, em Winona Lake, Indiana; The Imminent Appearing
of Christ [O Iminente Aparecimento de Cristo] (1962), de J. Barton Payne,
Professor de Velho Testamento na Faculdade Evangélica Trinity; e The Church and
the Tribulation [A Igreja da Tribulação] (1973), de Robert H. Gundry, Professor
de Estudos Religiosos na Faculdade Westmont, California. [4]
Tais estudos têm
influenciado numerosos eruditos dentro de instituições tradicionalmente
pré-tribulacionistas a retornarem ao pós-tribulacionismo histórico. A Igreja
Evangélica Livre da América, por exemplo, que no passado era defensora do
arrebatamento pré-tribulacionista, permitiu que professores da Escola
Evangélica de Divindade Trinity desafiassem o pré-tribulacionismo em sua
conferência ministerial anual em janeiro de 1981. Os desafios e respostas,
publicadas em 1984 como um simpósio intitulado “O Arrebatamento: Pré- Mid- ou
Pós-Tribulacionistas” oferece um debate bastante erudito sobre as questões
relativas ao Arrebatamento.
Um Pressuposto
Equivocado. Mesmo uma leitura superficial da literatura pré-tribulacionista é
suficiente para deixar uma pessoa ciente do fato de que a crença no
arrebatamento secreto repousa muito mais sobre pressuposições subjetivas do que
no ensinamento bíblico. O pressuposto principal é o de que Deus tem um plano
diferente para a Igreja em relação com Israel. Conseqüentemente, presume-se que
a Igreja deve ser removida da Terra antes que Deus possa tratar com os judeus
levando-os à conversão em larga escala mediante a experiência da grande
tribulação.
John F. Walvoord,
destacado campeão do arrebatamento secreto, reconhece explicitamente a
importância desse pressuposto ao escrever: “A questão do arrebatamento é
determinado mais por eclesiologia do que por escatologia”. Em outras palavras,
mais pelo entendimento que se tem sobre a relação entre a Igreja e Israel do
que por ensinos bíblicos concernentes ao fim [5]. C. C. Ryrie, outro
pré-tribulacionista destacado, expressa a mesma convicção, declarando: “A
distinção entre Israel e a Igreja leva à crença de que a Igreja será tomada da
Terra antes do início da tribulação (o que, num sentido mais amplo, diz
respeito a Israel)”.[6]
Hal Lindsey vai ao
ponto de tornar a distinção entre Israel e a Igreja sua “principal razão” para
crer que “o Arrebatamento ocorre antes da Tribulação” [7]. Alega que “se o
Arrebatamento tivesse lugar ao mesmo tempo da segunda vinda, não haveria
mortais deixados que fossem crentes; portanto, não haveria ninguém para ir para
o reino e repovoar a Terra” [8]. Ou seja, uma vez que Lindsey presume que o
Reino messiânico predito pelos profetas do Velho Testamento será estabelecido
por Cristo por ocasião de Seu Segundo Advento como um reino terrestre que
consiste predominantemente de judeus mortais e crentes, então a necessidade do
arrebatamento da Igreja deve ocorrer antes. Como pode Cristo vir estabelecer um
Reino milenial judaico sobre a Terra se todos os crentes estão arrebatados
desta Terra por ocasião de Sua Vinda?
O Segundo Advento
Dividido em Duas Fases. Para solucionar este dilema, os dispensacionalistas
dividem o Segundo Advento em duas fases: Primeiro uma vinda invisível para
arrebatar secretamente a Igreja, e, segundo, uma vinda visível sete anos mais
tarde para destruir os ímpios e estabelecer o Reino Judaico milenial. O
raciocínio por detrás desse arranjo pode parecer correto, mas está errado em
vista de fundamentar-se sobre o incorreto pressuposto de que há uma distinção
radical entre o plano de Deus para Israel e para a Igreja.
Não há base bíblica
para uma distinção radical entre Israel e a Igreja. O Novo Testamento não
retrata o futuro de Israel como um reino político milenial separado na
Palestina, mas como um de bênçãos duradouras compartilhado com todos os remidos
de todas as eras numa nova Terra restaurada.
Desafortunadamente, é
esse pressuposto equivocado que determina a interpretação de textos bíblicos
aduzidos em apoio ao arrebatamento. Argumenta-se, por exemplo, que um certo
texto não pode referir-se à Igreja porque descreve a grande tribulação, que se
supõe aplicar-se apenas a Israel. Esse tipo de raciocínio circular, com base
num pressuposto gratuito, não é o método correto de interpretar textos
bíblicos. As conclusões devem ser extraídas de exegese cuidadosa, não de
pressupostos preconcebidos.
QUATRO
RAZÕES PARA REJEITAR O ARREBATAMENTO SECRETO
Um cuidadoso estudo de
textos bíblicos relevantes quanto ao Retorno de Cristo sugere pelo menos quatro
razões principais para rejeitar o ponto de vista de uma Segunda Vinda de Cristo
em dois estágios.
O Vocabulário do
Segundo Advento.
A primeira razão para rejeitar um arrebatamento secreto que
antecede à tribulação é o fato de que o vocabulário do Segundo Advento não
oferece respaldo para tal ponto de vista. Nenhuma das três palavras gregas
usadas no Novo Testamento para descrever o Retorno de Cristo, ou seja,
parousia-vinda, apokalypsis-revelação, e epiphaneia-aparecimento, sugere um
arrebatamento secreto pré-tribulacional como objeto da esperança cristã no
Advento.
Os pré-tribulacionistas
alegam que a palavra parousia-vinda é usada por Paulo em 1 Tessalonicenses 4:15
para descrever o arrebatamento secreto. Mas em 1 Tessalonicenses 3:13 Paulo
emprega a mesma palavra para descrever “a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo
com todos os Seus santos”-uma descrição, segundo os pré-tribulacionistas, da
segunda fase do Retorno de Cristo. Novamente, em 2 Tessalonicenses 2:8, Paulo
emprega o termo parousia-vinda em referência à Vinda de Cristo que causará a
destruição do anticristo-um evento que, de acordo com os pré-tribulacionistas,
supostamente ocorrerá na segunda fase da Vinda de Cristo.
Semelhantemente, as
palavras apokalypsis-revelação e epiphaneia-aparecimento, são utilizadas para
descrever tanto o que os pré-tribulacionistas chamam de arrebatamento (1 Coríntios
1:7; 1 Timóteo 6:14) e o que chamam de Retorno, ou segunda fase da Vinda de
Cristo (2 Tessalonicenses 1:7-8, 2:8). Destarte, o vocabulário da Bendita
Esperança não propicia base alguma para uma distinção do Retorno de Cristo em
duas fases, uma vez que seus termos originais são empregados
intercambiavelmente para descrever o mesmo evento. Mais importante ainda é o
fato de que cada um desses três termos é claramente empregado para descrever o
Retorno de Cristo pós-tribulacional, o que é visto como objeto da esperança do
crente.
A parousia, por
exemplo, é indisputavelmente pós-tribulacional em Mateus 24:27, 38, 39 e em 2
Tessalonicenses 2:8. O mesmo é verdade de apokalypsis-revelação, em 2
Tessalonicenses 1:7 e de epiphaneia-aparecimento em 2 Tessalonicenses 2:8.
Portanto, o vocabulário da Bendita Esperança exclui a possibilidade de uma
Vinda Secreta de Cristo para arrebatar a Igreja, seguida de uma tribulação de
sete anos e da Vinda gloriosa, visível para estabelecer o Reino Judaico
milenial. Os termos usados claramente apontam a um Advento de Cristo único,
indivisível, pós-tribulacional para trazer salvação aos crentes e retribuição
aos descrentes.
Nenhum Arrebatamento da
Igreja.
Uma segunda razão para rejeitar um arrebatamento pré-tribulacional
secreto da Igreja é o fato de que não há qualquer indício no Novo Testamento de
um arrebatamento instantâneo da Igreja. A descrição mais notória do Segundo
Advento encontrada em 1 Tessalonicenses 4:15-17, sugere exatamente o oposto
quando fala que o Senhor desce do céu “dada a Sua palavra de ordem, ouvida a
voz do arcanjo, e ressoada a trombeta de Deus” . . . “os mortos em Cristo
ressuscitarão primeiro; depois nós, os vivos, os que ficarmos, seremos
arrebatados juntamente com eles, entre nuvens, para o encontro do Senhor nos
ares”.
O clamor, a trombeta e
o grande ajuntamento dos vivos e santos ressurretos dificilmente sugeriria um
evento secreto, instantâneo e invisível. Pelo contrário, como freqüentemente se
tem assinalado, esta talvez seja a passagem mais barulhenta da Bíblia. A
referência a um ressoar “da trombeta” e paralelamente ao texto de Mateus 24:31
e 1 Coríntios 15:52, que falam de fortes sons de trombeta, corroboram a
visibilidade e natureza pública do Segundo Advento. Nenhum traço de um
arrebatamento secreto pode ser encontrado em qualquer destas passagens.
Nenhuma Remoção da
Igreja da Grande Tribulação.
Uma terceira razão para rejeitar a noção de um
arrebatamento secreto pré-tribulacional da Igreja é o fato de que tal noção não
tem apoio das passagens que tratam da tribulação. Por exemplo, em seu discurso
no Monte das Oliveiras, Jesus fala da “grande tribulação” que imediatamente
precederá a Sua vinda e promete que “por causa dos escolhidos tais dias serão
abreviados” (Mateus 24:21-22, 29). Alegar que “os eleitos” são apenas os
crentes judeus, e não membros da Igreja, representa ignorar que Cristo está se
dirigindo a Seus apóstolos que representam não só o Israel nacional, mas a
Igreja em escala ampla. Isto é confirmado pelo fato de que tanto Marcos quanto
Lucas fazem referência ao mesmo discurso para a Igreja gentílica (Marcos 13;
Lucas 21).
É também digna de nota
a grande semelhança entre a descrição que Cristo faz do arrebatamento da Igreja
em Mateus 24:30, 31 e a de Paulo em 1 Tessalonicenses 4:16, 17. Ambos os textos
mencionam a descida do Senhor, a trombeta que soa, os anjos acompanhantes e a
reunião do povo de Deus. Tais semelhanças sugerem que ambas as passagens
descrevem o mesmo evento. Contudo, em Mateus o arrebatamento de Cristo é
explicitamente situado “após a tribulação” (Mateus 24:29), ao tempo da Vinda de
Cristo “com poder e grande glória” (vs. 29, 30). O paralelismo entre as duas
passagens indica claramente que o arrebatamento da Igreja não precede, mas,
pelo contrário, segue-se à grande tribulação.
Cristo nunca prometeu a
Sua Igreja um arrebatamento pré-tribulação deste mundo. Antes, prometeu
proteção em meio à tribulação. Em Sua petição ao Pai, Ele disse:
“Não peço que os tires
do mundo, mas que os livres do mal” (João 17:15).
Semelhantemente à
Igreja de Filadélfia, Cristo promete:
“Eu te guardarei da
hora da provação que há de vir sobre o mundo inteiro, para experimentar os que
habitam sobre a Terra” (Apocalipse 3:10)
Se a Igreja estivesse
ausente desta Terra durante a hora de prova, não haveria necessidade de
proteção divina.
Nenhum Arrebatamento
Pré-Tibulação nas Escrituras.
Por último, a noção de um arrebatamento secreto
pré-tribulacional é negada por Paulo e pelo livro de Apocalipse. Em suas
admoestações aos tessalonicenses, Paulo explica que os crentes terão “alívio”
da tribulação desta era presente
“quando do céu se
manifestar o Senhor Jesus Cristo com os anjos do Seu poder, em chama de fogo,
tomando vingança contra os que não conhecem a Deus (. . .)” (2 Tessalonicenses
1:7-8)
Em outras palavras, os
crentes experimentarão libertação dos sofrimentos desta era, não mediante um
arrebatamento secreto, mas por ocasião da revelação pós-tribulacional de
Cristo.
No segundo capítulo
Paulo refuta as concepções errôneas que prevaleciam entre os tessalonicenses de
que o dia do Senhor havia vindo. Para refutar esse equívoco ele cita dois
eventos principais que deveriam dar-se antes da Vinda do Senhor, ou seja, a
rebelião e o aparecimento do “homem da iniquidade” (2 Tessalonicenses 2:3) que
perseguiria o povo de Deus.
O que é crucial nesta
passagem é que Paulo não faz menção de um arrebatamento pré-tribulacional como
um precedente necessário para a Vinda do Senhor. Contudo, este seria o
argumento mais forte que Paulo poderia apresentar para provar aos
tessalonicenses que o dia do Senhor não poderia possivelmente ter vindo, uma
vez que o seu arrebatamento para fora deste mundo ainda não tivera lugar. A
omissão de Paulo desse argumento vital sugere fortemente que Paulo não cria num
arrebatamento pré-tribulacional da Igreja.
Esta conclusão também é
apoiada pela menção por Paulo do aparecimento do anticristo-um evento indiscutivelmente
tribulacional que os crentes verão antes da vinda do Senhor. Se Paulo esperasse
que a Igreja fosse arrebatada deste mundo antes da tribulação causada pelo
aparecimento do anticristo, ele dificilmente teria ensinado que os crentes
veriam tal evento antes da vinda do Senhor. Que interesse os tessalonicenses
teriam no aparecimento do anticristo, juntamente com a tribulação que o
acompanharia, se devessem ser arrebatados para longe desta Terra antes de esses
eventos terem lugar? Assim, tanto por sua omissão quanto por sua afirmação,
Paulo nega o ponto de vista de um arrebatamento pré-tribulacional da Igreja.
Nenhum Arrebatamento
Pré-Tribulacional no Apocalipse. O livro de Apocalipse trata em maiores
detalhes do que qualquer outro livro do Novo Testamento dos eventos associados
com a grande tribulação, tais como o soar das sete trombetas, o aparecimento da
besta que inflige uma terrível perseguição sobre os santos de Deus, e o
derramamento das sete últimas pragas (Apocalipse 8 a 16). Conquanto João
descreva em grande detalhe os eventos tribulacionais, ele nunca menciona ou
sugere um Advento de Cristo secreto e pré-tribulacional para levar embora a
Igreja. Isto surpreende muito, em vista de que o expresso propósito de João é
instruir as Igrejas com respeito aos eventos finais.
João explicitamente
menciona uma incontável multidão de crentes que passarão pela grande
tribulação.
“São estes os que vêm
da grande tribulação, lavaram suas vestiduras, e as alvejaram no sangue do
Cordeiro” (Apocalipse 7:14)
Os pré-tribulacionistas
argumentam que esses crentes são somente da raça judaica, supostamente em vista
de que a Igreja em Apocalipse 4 a 19 não mais está sobre a Terra, mas no céu.
Tal raciocínio perde o seu crédito, primeiramente pelo fato de que em parte
alguma João diferencia entre os santos na tribulação que sejam judeus ou
gentios.
João explicitamente
declara que os crentes vitoriosos da tribulação vêm de
“toda nação, tribo,
língua e povo” (Apocalipse 7:9)
Esta frase ocorre
repetidamente no Apocalipse para designar não exclusivamente os judeus, mas
inclusivamente todo membro da família humana (Apocalipse 5:9; 10:11; 13:7;
14:6). O Cordeiro, por exemplo, é louvado pelos 24 anciãos por ter resgatado
homens
“de toda tribo e língua
e povo e nação” (Apocalipse 5:9)
Obviamente, Cristo não
resgatou somente judeus, mas pessoas de todas as raças.
Êxtase de João, Não
Arrebatamento da Igreja. O argumento de que a Igreja em Apocalipse 4 a 19 está
no céu baseia-se num falso pressuposto de que a ordem a João, “Sobe para aqui,
e te mostrarei o que deve acontecer depois destas cousas” (Apocalipse 4:1) refere-se
supostamente ao arrebatamento da Igreja no céu. Esta é uma interpretação sem
fundamento, porque o texto não fala do arrebatamento da Igreja, mas da experiência
visionária extática de João. Até mesmo John F. Walvoord, destacado
pré-tribulacionista, reconhece abertamente que “não há autoridade para ligar o
arrebatamento com esta expressão”. [9]
As semelhanças entre as
admoestações dadas nas cartas às sete Igrejas e as que são dadas aos santos que
enfrentam a tribulação sugerem que os dois são essencialmente o mesmo povo. Por
exemplo, quatro vezes nas sete cartas a necessidade para “suportar” é realçada
(Apocalipse 2:2, 3, 19; 3:10), e se espera a mesma qualidade dos santos que
passam pela tribulação (Apocalipse 13:10; 14:12). Semelhantemente, a
necessidade de “vencer”, expressa sete vezes nas cartas às Igrejas (Apocalipse
2:7, 11, 17, 26; 3:5, 12, 21), é o próprio atributo dos santos na tribulação
“que venceram a besta e
sua imagem” (Apocalipse 15:2)
Dificilmente se conceberia que João tencionava
atribuir as mesmas características a dois grupos diferentes de pessoas.
A Igreja Sofre a
Tribulação, Mas Não a Ira Divina. Em Apocalipse 22:16 Jesus reivindica ter
enviado o Seu anjo a João “para testificar estas cousas à Igreja”. É difícil
ver como as mensagens dadas pelo anjo a João poderiam ser um testemunho para as
Igrejas, se a Igreja não está diretamente envolvida na maior parte dos eventos
descritos no livro (Apocalipse 4 a 19).
O ponto básico da
questão é que a Igreja em Apocalipse sofrerá perseguição por poderes satânicos
durante a tribulação final, mas não sofrerá a ira divina. A ira divina, que é
retratada pelas sete pragas apocalípticas, não é derramada indiscriminadamente
sobre todos, mas seletivamente sobre aqueles que são “portadores da marca da
besta e adoradores da sua imagem” (Apocalipse 16:2; cf. 14:9-10).
Tal como os antigos
israelitas desfrutaram da proteção de Deus durante as dez pragas (Êxodo 11:7),
assim o povo de Deus será protegido quando Sua ira divina cair sobre os ímpios.
Essa divina proteção é representada em Apocalipse por um anjo que sela os
servos de Deus em suas testas (Apocalipse 7:3) de modo a que sejam poupados
quando a ira de Deus sobrevir sobre os impenitentes (Apocalipse 9:4). Por fim,
o povo de Deus será resgatado pelo glorioso Retorno de Cristo (Apocalipse
16:15; 19:11-21). Destarte, a Revelação não retrata um arrebatamento
pré-tribulacional da Igreja, mas um Retorno pós-tribulacional de Cristo.
Conclusão
À luz das
razões acima discutidas, concluímos que o ensino popular de uma Vinda Secreta
de Cristo para arrebatar a Igreja antes da tribulação final é um sinal errado
do Tempo do fim destituído de qualquer respaldo bíblico. Tal crença torna a
Deus culpado de chocante discriminação, por dar tratamento preferencial à
Igreja que é removida da Terra antes da tribulação final reservada aos judeus.
As Escrituras ensinam que a Segunda Vinda de Cristo é um evento único que ocorre
após a grande tribulação e será experimentada pelos crentes de todas as eras e
de todas as raças. Esta é a Bendita Esperança que une
“toda nação, e tribo, e
língua e povo” (Apocalipse 14:6)
Referências:
1. Hal Lindsey, The Rapture: Truth or Consequences
(New York, 1983), p. 24.
2. Hal Lindsey, The Late Great Planet Earth (Grand
Rapids, 1970), p. 54.
3. Para uma pesquisa
breve, mas informativa, do desenvolvimento do pré-tribulacionismo, ver Richard
R. Reiter, “A History of the Development of the Rapture Position,” The Rapture.
Pre-, Mid-, or
Post-Tribulational Symposium (Grand Rapids, 1984), pp. 24-34.
4. Ver também Norman F. Douty, Has Christ’s Return Two
Stages? (New York, 1956); Alexander Reese, The Approaching Advent of Christ
(Grand Rapids, 1975).
5. John F. Walvoord, The Rapture Question (Grand
Rapids, 1957), p. 50.
6. C. C. Ryrie, Dispensationalism Today ( Chicago,
Moody Press, 1965), p. 159.
7. Hal Lindsey, The Late Great Planet Earth (Grand
Rapids, 1970), p. 143.
8. Ibid.
9. John F. Walvoord, The Revelation of Jesus Christ
(Chicago, 1966), p. 103.
ADENDO:
O CONCEITO DE ISRAEL NO NOVO TESTAMENTO
O material abaixo foi
extraído de outro artigo do Dr. Bacchiocchi mais completo e profundo sobre a
campanha do “Left Behind”. Trata em maior detalhe sobre um importante aspecto
nessa discussão, o papel de Israel nas profecias. Contudo, eis algumas
reflexões sobre esta questão do papel de Israel nas profecias:
Avaliação do Ponto de
Vista dos “Dois Povos”. É o conceito de uma distinção radical entre o plano de
Deus para Israel e para a Igreja um ensino bíblico válido ou um pressuposto
infundado? Acaso o ponto de vista neotestamentário para a Igreja é o de um povo
diferente e separado do povo do “Israel natural”? A resposta é abundantemente
clara. O Novo Testamento considera a Igreja, não como uma “intercalação”
temporária, mas como continuação do verdadeiro Israel de Deus. Para verificar
esta última posição, breve alusão será feita a algumas sigificativas
declarações de Cristo, Pedro e Paulo.
O Ajuntamento do
Verdadeiro Israel por Cristo. Ao chamar e ordenar doze discípulos como Seus
apóstolos, Cristo manifestou a intenção de reunir o remanescente messiânico das
doze tribos de Israel num novo organismo, chamado a Igreja (Mateus 16:18-19).
Este não é um organismo independente designado a repor Israel temporariamente
mas um rebanho que reúne tanto as “ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mateus
10:6; cf. 15:24; Atos 1:8) como as ovelhas perdidas do mundo gentílico.
Referindo-se à profecia
de Isaías com respeito à reunião dos gentios, Cristo anunciou:
“Ainda tenho outras
ovelhas, não deste aprisco; a Mim Me convém conduzi-las; elas ouvirão a Minha
voz; então haverá um rebanho e um pastor” (João 10:16; cf. Isaías 56:6-8).
Como pastor messiânico,
Cristo veio reunir o remanescente de Israel e gentios, não em dois rebanhos
separados, mas num só rebanho.
Quando elogiando a fé
do centurião, Jesus disse:
“Digo-vos que muitos
virão do Oriente e do Ocidente e tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e
Jacó no reino dos céus. Ao passo que os filhos do reino serão lançados para
fora, nas trevas”. (Mateus 8:11-12)
É digno de nota que
Cristo não promete o Reino de Deus a uma futura geração de judeus, como alguns
dispensacionalistas mantêm, mas a crentes de todas as nações, “do Oriente e do
Ocidente”.
Uma Realidade Presente.
O reino messiânico prometido no Velho Testamento é visto por Cristo não como um
evento futuro envolvendo a restauração territorial e política de Israel, mas
como uma realidade presente que raiou mediante Seu ministério vitorioso sobre o
pecado, Satanás e a morte.
“Se, porém, Eu expulso
demônios, pelo Espírito de Deus, certamente é chegado o reino de Deus sobre
vós” (Mateus 12:28)
O reino de Cristo é
composto, não por dois povos separados, Israel e a Igreja, mas por um povo, o
“Novo Israel”, consistindo de judeus e gentios crentes.
Aos discípulos Jesus
declarou:
“Não temais, ó
pequenino rebanho; porque vosso Pai Se agradou em dar-vos o Seu reino” (Lucas
12:32)
Notem que o prometido
Reino messiânico é dado não a uma futura geração de judeus (Mateus 11:29;
13:38; 8:11-12). F. F. Bruce comenta adequadamente: “O chamado de Jesus por
discípulos para estarem junto a Si a fim de formarem o ‘pequenino rebanho’ que
receberia o Reino (Lucas 12:32; cf. Dan 7:22, 27) O assinala com o fundador do
Novo Israel”.
Os profetas falam de
Israel como rebanho ou ovelha de Deus (Isaías 40:11; Jeremias 31:10; Ezequiel
34:12-14). Ao chamar Seus discípulos de “pequenino rebanho” ao qual Deus estava
dando o Reino, está inegavelmente identificando Seus discípulos quanto ao
verdadeiro remanescente de Israel. Ademais, ao comissionar Seus apóstolos para
“fazer discípulos de todas as nações” (Mateus 28:19), Cristo revelou que a
missão profética do Israel nacional (Isaías 49:6; 60:3) estava sendo cumprida
por Seu rebanho messiânico, a Igreja, que consiste de discípulos procedentes de
todas as nações. Israel prossegue existindo, não à parte da Igreja, mas como
parte dela.
A Descrição do Novo
Israel por Pedro. Pedro, à semelhança de Cristo, via a Igreja como cumprimento
das promessas feitas ao antigo Israel. No dia de Pentecoste, Pedro declarou que
a profecia de Joel concernente à restauração messiânica de Israel (Joel
2:28-32) se estava cumprindo através do derramamento do Espírito Santo sobre a
Igreja (Atos 2:16-21).
Para Pedro, a Igreja
não é uma entidade não-predita no Velho Testamento, nem uma interrupção
temporária do plano divino para Israel; antes, é o cumprimento do remanescente
escatológico de Israel. Se o início da Igreja é visto por Pedro como
cumprimento de uma profecia concernente a Israel, temos razões em crer que os
eventos finais da Igreja devem também representar o cumprimento de certas
profecias do Velho Testamento relativas a Israel.
A Igreja é o Novo
Israel. É digno de nota que Pedro aplica à Igreja aqueles títulos do Velho
Testamento que designam a Israel:
“Vós, porém, sois raça
eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a
fim de proclamardes as virtudes Daquele que vos chamou das trevas para a sua
maravilhosa luz, vós, sim, que antes não éreis povo, mas agora sois povo de
Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas agora alcançastes
misericórdia” (1 Ped. 2:9-10)
Esta descrição da
Igreja é uma combinação de três passagens veterotestamentárias (Êxodo 19:6;
Isaías 43:20-21; Oséias 1:6, 9; 2:1) que caracterizam o povo de Deus. Pedro
reúne a visão de Israel do Velho Testamento e proclama seu cumprimento na
Igreja. Em palavras bastante claras, Pedro demonstra que a “raça escolhida” não
é mais exclusivamente os judeus étnicos, mas tanto crentes judeus quanto gentios.
A Igreja é o novo Israel que cumpre as promessas feitas ao Israel do Velho
Testamento.
A Visão de Paulo do
“Israel de Deus”. À semelhança de Cristo e Pedro, Paulo também via a Igreja
como o verdadeiro Israel. Falando aos judeus reunidos na sinagoga em Antioquia
da Pisídia, Paulo afirmou:
“Nós vos anunciamos o
evangelho da promessa feita a nossos pais, como Deus a cumpriu plenamente a
nós, seus filhos, ressuscitando a Jesus” (Atos 13:32-33)
Neste discurso Paulo
explica que as promessas de Deus aos pais foram cumpridas na ressurreição de
Cristo. O cumprimento não resulta no estabelecimento de um reino judaico
durante o milênio, mas no “perdão dos pecados” concedido mediante Cristo a
“todo o que crer” (Atos 13:38-39). As promessas feitas a Israel são, portanto,
cumpridas na Igreja do Novo Testamento, não mediante uma restauração política
dos judeus étnicos, mas através de uma redenção espiritual de todos os crentes.
Na epístola aos gálatas
Paulo emprega a frase “o Israel de Deus” inclusive tanto de judeus quanto de
gentios:
“Nem a circuncisão é
cousa alguma, nem a incircuncisão, mas o ser nova criatura. E a todos quantos
andarem de conformidade com esta regra, paz e misericórdia sejam sobre eles e
sobre o Israel de Deus” (Gálatas 6:15-16)
Alguns
dispensacionalistas mantêm que a frase “o Israel de Deus” refere-se
exclusivamente aos judeus crentes. Eles traduzem a palavra grega kai como “e”,
significando “adicionalmente a”. Destarte, “o Israel de Deus” refere-se
exclusivamente aos cristãos judeus que Paulo supostamente distingue da igreja
como um todo, porque deixaram o legalismo para seguirem a regra de Cristo.
Unidade de Judeus e
Gentios. Esta interpretação, contudo, ignora tanto o contexto imediato de
Gálatas quanto a ênfase teológica mais ampla. O contexto imediato fala de
“quantos andarem de conformidade com esta regra” e deve incluir os crentes
judeus e gentios, uma vez que é dito que tanto a circuncisão quanto a
incircuncisão nada representam. Assim, o “Israel de Deus” é uma descrição
adicional de ambos os grupos que andam “de conformidade com esta regra”. O
contexto mais amplo realça a unidade que ambos os grupos compartilham em
Cristo:
“Não pode haver judeu
nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois
um em Cristo Jesus. E, se sois de Cristo, também sois descendentes de Abraão, e
herdeiros segundo a promessa” (Gálatas 3:28-29)
À luz do contexto
imediato e mais amplo, o “Israel de Deus” não pode ser um grupo distinto de
judeus crentes, à parte dos gentios crentes. Alegar assim representa destruir a
própria unidade que Paulo se empenha em estabelecer. Antes, a frase “Israel de
Deus” foi empregada por Paulo como uma maneira explicativa para qualificar
adicionalmente “quantos andarem em conformidade com esta regra”. Ou seja,
pessoas crentes judeus e gentios.
A Integração dos
Gentios no Israel, por Paulo. Paulo ensina repetidamente a integração de
gentios em Israel como herdeiros das promessas de Deus. Em Efésios claramente
explica que os gentios que outrora estavam “sem Cristo, separados da comunidade
de Israel, e estranhos às alianças da promessa” (Efésios 2:12), não mais são
“estranhos às alianças da promessa . . . mas . . . não mais estrangeiros e peregrinos,
mesmo concidadãos dos santos”, membros da “família de Deus” (Efésios 2:19).
Essa integração de
gentios à “comunidade de Israel” e “às alianças da promessa” tiveram lugar
mediante Jesus Cristo que uniu tanto os judeus quanto os gentios
“para que dos dois
criasse em si mesmo um novo homem, fazendo a paz, e reconciliasse ambos em um
só corpo com Deus, por intermédio da cruz, destruindo por ela a inimizade”
(Efésios 2:15-16)
O pensamento de um
propósito separado para crentes judeus na presente era ou num futuro milênio é
aqui totalmente excluído por Paulo. De fato, tal pensamento destruiria a
própria unidade de judeus e gentios que Cristo realizou. Paulo explica aos
efésios que foi pela revelação de Deus que se tornou conhecida a ele este “mistério”
de como “os gentios são co-herdeiros, membros do mesmo corpo e co-participantes
da promessa em Cristo Jesus por meio do evangelho” (Efésios 3:5-6). Três vezes
Paulo ressalta aqui que os gentios compartilham com Israel a promessa da
aliança. Qualquer sistema teológico que divida o que Deus ajuntou está operando
contra o propósito divino.
A Imagem Paulina da
Oliveira. Em Romanos 9-11 Paulo descreve a integração de gentios em Israel
utilizando a imagem efetiva do enxerto de ramos bravos de oliveira (gentios) à
única oliveira do Israel de Deus (Romanos 11:17-24). Observem que para Paulo a
salvação dos gentios não resulta no brotar de uma nova oliveira, mas em
enxertar os gentios na mesma oliveira.
A árvore de Israel não
é arrancada por causa de descrença, mas é podada, ou seja, reestruturada
mediante o enxerto de ramos gentios. A Igreja vive da raiz e tronco do Israel
do Velho Testamento (Romanos 11:17-18). Por meio dessa expressiva imagem, Paulo
descreve a unidade e continuidade que existe no plano redentor de Deus para
Israel e a Igreja.
Interrelação Entre
Israel e a Igreja. Os dispensacionalistas apelam a Romanos 11:25-26 para
argumentar em favor de uma futura conversão da nação de Israel,
independentemente da Igreja. A passagem assim reza:
“Porque não quero,
irmãos, que ignoreis este mistério, para que não sejais presumidos em vós
mesmos, que veio endurecimento em parte a Israel até que haja entrado a
plenitude dos gentios. E assim todo o Israel será salvo” (Romanos 11:25-26)
Os dispensacionalistas
explicam esta passagem como ensinando uma conversão em larga escala da nação de
Israel após a reunião da plenitude dos gentios estar completa, pouco antes do
tempo do Retorno de Cristo.
Essa interpretação
ignora quatro importantes observações. Primeiro, a frase “todo Israel será
salvo” dificilmente se refere apenas à última geração de judeus, uma vez que
esta seria apenas uma fração de todos os judeus que viveram. Em segundo lugar,
o texto não está discutindo a sucessão temporal, mas a maneira pela qual Israel
será salvo. O texto não diz “e então [após a reunião dos gentios] todo Israel
será salvo”. Antes, declara: “E assim [desse modo, pelo fato de os israelitas
serem movidos por ciúmes pela salvação dos gentios] todo Israel será salvo”. Em
terceiro lugar, os judeus estão sendo salvos por serem reenxertados na mesma
oliveira em que os gentios também estão. Assim, a salvação dos judeus não
ocorre independentemente da dos gentios, mas concomitantemente a isso.
Por fim, se a reunião
de um número pleno de gentios tem lugar ao longo da história, há razão para
duvidar que o mesmo também seja verdadeiro quanto à reunião dos judeus. De
fato, no vs. 31 Paulo especificamente declara que os judeus “agora foram
desobedientes, para que igualmente eles alcancem misericórdia, à vista da que
vos foi concedida”. Essas observações claramente indicam que Paulo aqui não
está apresentando uma ordem de dispensações sucessivas, mas uma promessa de
inter-relação dinâmica entre a salvação de Israel e a da Igreja.
O equivocado
pressuposto de dois povos com dois destinos procede em grande parte de uma
teologia de desprezo aos judeus, antes que do ensino bíblico de um rebanho, um
pastor, e um destino. O Novo Testamento frequentemente fala dos judeus em
cotejo com os gentios, mas nunca ensina ou deixa implícito que Deus tenha em
mente um futuro separado para Israel, distinto daquele planejado para os
gentios. Há uma unidade existente entre Israel e a Igreja. Na Nova Jerusalém
estão inscritos tanto os nomes das doze tribos de Israel quanto os nomes dos
doze apóstolos, os primeiros nas doze portas e os últimos nos doze fundamentos
(Apocalipse 21:12, 14). A Igreja e Israel assim compartilham não só da mesma
salvação presente, mas também da mesma glorificação e restauração finais. O
futuro de Israel é visto no Novo Testamento, não em termos de um reino milenial
político na Palestina, mas em termos de bênção eterna compartilhada com os
remidos de todas as eras numa nova terra restaurada.
Conclusão. À luz das
considerações precedentes concluímos que o ensino popular promovido por Left
Behind [deixados para trás, um popular filme religioso e série de livros de
ficção escatológica] de um desaparecimento súbito de milhões de cristãos,
deixando para trás uma massa de judeus descrentes e pessoas inconversas, é uma
ficção enganosa e não uma verdade bíblica. A popularidade desse engano pode ser
atribuída à falsa premissa de que os crentes serão poupados de sofrer a
tribulação final.
Numa época em que as
pessoas engolem toda sorte de analgésicos para evitar ou aliviar a dor, não
surpreende que muitos estejam dispostos a engolir também o engano de um
Arrebatamento pré-tribulacional—um ensino que promete às pessoas isenção do
sofrimento da tribulação final. Tal ensino atraente, contudo, não carece apenas
de suporte bíblico, mas é também incriminatório do caráter de Deus. Retrata a
Deus como um Ser discriminador que dá tratamento preferencial à Igreja
removendo-a de sobre a Terra, antes de despejar a tribulação final sobre os que
são deixados para trás.
Left Behind [deixados
para trás] posiciona a conversão de muitos descrentes durante a tribulação—um
ensino alheio à Bíblia. Repetidamente o Apocalipse afirma que os que
experimentam as pragas finais
“não se arrependeram de
sua obras” (Apocalipse 16:11; 16:9)
Ademais, destrói a unidade e finalidade da
Vinda de Cristo, apresentada nas Escrituras como um evento único que ocorre
após a Grande Tribulação. Nessa ocasião os santos adormecidos serão
ressuscitados, os santos vivos serão transformados, os crentes de todas as eras
se reunirão com o Senhor, e aqueles que são deixados para trás
“sofrerão penalidade de
eterna destruição, banidos da face do Senhor” (2 Tessalonicenses 1:9)
Não haverá segunda
chance para os que são deixados para trás quando Cristo vier, porque o fogo
purificador de Sua presença consumirá todo o vestígio de pecado e pecadores:
“Virá, entretanto, como
ladrão o dia do Senhor, no qual os céus passarão com grande estrondo e os
elementos se desfarão abrasados; também a terra e as obras que nela existem
serão atingidas” (2 Pedro 3:10)
Nossa bendita esperança
repousa não sobre a ficção de desaparecer subitamente no espaço, mas na
promessa do retorno de Cristo para criar
“novos céus e uma nova terra nos quais habita
a justiça” (2 Pedro 3:13)
__________
* O Prof. Samuele Bacchiocchi atuou como
professor de História Eclesiástica e Teologia na Universidade Andrews até
jubilar-se. Ele é conferencista internacional e autor de vários livros de sua
área de especialidade, tendo sido o primeiro não-católico a doutorar-se pela
Pontifícia Universidade Gregoriana, ligada ao Vaticano.
FONTE: Blog Sétimo Dia
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