Teologia

sábado, 16 de julho de 2016

QUEM CHORA É MAIS FELIZ



Ricardo André

Quando nascemos, a primeira coisa que fazemos é chorar; e quando nos despedimos do mundo, aqueles que nos amam choram por sentirem nossa ausência.

O choro, infelizmente, começou a existir com a entrada do pecado neste mundo. Ele é uma expressão de dor, de tristeza profunda, de sofrimento. Pode ser uma dor física ou dor no coração, dor de sentimento. Há lágrimas que deslizam pela face, e outras não reveladas, que correm pelo coração. Porém, de uma forma ou de outra, há muito coração doído, quebrantados e muitas espécie de choro. Há choro por incompreensão, por rejeição, por solidão, de saudade, de perda, pela ingratidão, pelo castigo, pelo insucesso, e até pelo inconformismo.

Sei que quando a dor toca a vida de uma família, todas as pessoas sentem-se imersas em sombras. Ninguém entende nada. Tudo parece escuro. Nessas horas, vem o choro. Lembro-me do dia que recebi a notícia da morte de minha querida mãe, no dia 26 de junho de 2004. Foi triste e doloroso receber a notícia por telefone do falecimento dela. Chorei copiosamente naquele dia triste. Chorei durante um ano pela sua ausência. E ainda continuo chorando quando me lembro dela 12 anos após seu falecimento. Quantas lágrimas! Disse alguém que se juntássemos todas as lágrimas que já foram vertidas teríamos um volume igual ao do rio Amazonas; e este é o maior do mundo em volume de água!

Quem não é tocado, de vez em quando ou frequentemente, por um sentimento como esse? Estudos feitos mostram que tanto homens como mulheres choram igualmente. Essa história de que “homem não chora” não passa de um condicionamento social, até nocivo. Hoje se sabe que o choro é algo bom e saudável; equilibra as emoções. Encontrar um ombro amigo no qual chorar, expressar a dor e compartilhar sentimentos é parte vital no processo de superação do pesar. É o que aconselham muitos conselheiros cristãos.

No Antigo Testamento, perdas trágicas eram normalmente acompanhadas por choro e lamentos dramáticos. O profeta Jeremias é algumas vezes chamado de “profeta chorão” (Jr 9:1; 8:18-22; 9:6, 7; 13:15-17). Na visão do Céu, João chorou muito por não haver homem ou anjo capaz de abrir o livro do destino da humanidade (Ap 5:4-9). Em Gênesis 42:24 afirma-se que José chorou. Lágrimas de José! Quantas e quantas vezes este moço chorou! Chorou enquanto suplicava aos irmãos para que não lhe fizessem mal. Chorou quando se transformou em escravo e contemplou pela última vez as colinas onde vivia seu amado pai e onde passava dias felizes. Chorou ao ser encerrado num cárcere. E agora chorou ao se encontrar com seus irmãos.

Jesus Cristo era um homem normal; o mais normal que já viveu. Não há relato que Ele tenha dado gargalhadas em público. Mas os evangelhos afirmam que Ele chorou em público algumas vezes. Chorou diante do túmulo de Seu amigo Lázaro (Jo 11:33-37). Chorou quando olhou para a cidade de Jerusalém, perto do fim da Sua jornada terrena. Lemos de Seus sentimentos pelos judeus que recusaram a salvação: “Jerusalém, Jerusalém, você, que mata os profetas e apedreja os que lhe são enviados! Quantas vezes eu quis reunir os seus filhos, como a galinha reúne os seus pintinhos debaixo das suas asas, mas vocês não quiseram” (Mateus 23:37, NVI; Lc 19:41, 42).

No Seu “Sermão do Monte” Jesus Cristo afirmou: “Bem-aventurados os que choram, pois serão consolados” (Mateus 5:4, NVI). A primeira coisa que Ele falou nesse texto é que quem chora pode ser considerado um “bem-aventurado”, que significa verdadeiramente feliz. Sem dúvida, esse é mais um paradoxo, dentro dessa séria que inicia o chamado “Sermão da Montanha”, no qual Cristo deu algumas receitas estranhas, mas profundamente verdadeiras. Essa bem-aventurança contraria a sabedoria e método do mundo pós-moderno. As pessoas do mundo consideram tal declaração como absolutamente ridícula.

Na sociedade moderna, demonstrações públicas de pesar geralmente são vistas como impróprias. O lema do mundo pós-moderno não é “bem-aventurado ou felizes os que choram”, mas “bem-aventurados e felizes são aqueles que estão livres da necessidade de chorar”. O pranto é algo que o mundo procura evitar com todas as suas forças através da indústria do entretenimento, dos prazeres, da TV que é, em grande escala, um narcótico visual ou tranquilizante.

A filosofia do mundo é: “esqueça seus problemas”; “faça o seu melhor para fugir de problemas”. Mas tal “sabedoria” não é a de Jesus. Bem-aventurado ou felizes os que choram. Como em todas as bem-aventuranças, Jesus desafia as convenções do mundo. Ele apresenta o ideal cristão como o oposto daquele do mundo não convertido. A pessoa cristã é diferente do mundo no nível mais profundo.

A pergunta que surge de pronto é: Como podemos ser felizes com as faces banhadas de lágrimas?

O Significado das lágrimas mencionadas na Segunda Bem-Aventurança

O que significam o pranto e as lágrimas mencionadas na segunda bem-aventurança? A fim de encontrar a resposta, deve-se considerar a íntima relação entre a primeira bem-aventurança, que fala sobre os que são espiritualmente pobres, ou seja, profundamente necessitados e a segunda, que fala dos que choram. Esta bem-aventurança como a primeira encontra o pleno significado quando se aplica a vida espiritual.

A expressão “choram”, em Mateus 5:4, é a palavra mais forte para pranto na língua grega. É a palavra usada para prantear os mortos. Como tal, é um ardente lamento por alguém amado. No Antigo Testamento grego é a palavra escolhida para expressar a dor de Jacó quando acreditou que seu filho José estava morto (Gn 37:34). Ela reflete dor profunda. Por isso, o teólogo William Barclay amplia a segunda bem-aventurança assim: “Bem-aventurado é o homem que chora como alguém que chora pelos mortos”.

Contudo, apesar do choro pelos mortos reproduzir a intensidade da experiência de Mateus 5:4, não reflete seu significado pleno. A profunda experiência da segunda bem-aventurança é explicado pela escritora cristão Ellen G. White: “O pranto aqui apresentado é a sincera tristeza de coração pelo pecado” (O Maior Discurso de Cristo, p. 9).

Na realidade, é a compreensão da extrema necessidade espiritual, da insuficiência e desvalia de uma pessoa que a leva a sentir profunda tristeza e chorar por suas imperfeições e pecados. É o choro por ter praticado algo errado, com consequências, que desejaríamos de todo o coração poder sustar e até mesmo reparar os danos provocados.

É lamentar que eu seja pecador e voltar-se para Deus em busca de perdão (Rm 7:24; 7:18, 19). Essa não é uma experiência superficial. É sincera e profunda. É como a tristeza que se sente quando alguém morre. Mas com o pranto vem a esperança: “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para perdoar os nossos pecados e nos purificar de toda injustiça” (1 João 1:9, NVI).

Ellen G. White escreveu este lindo pensamento: “Muitas vezes, teremos de nos prostrar e chorar aos pés de Jesus, por causa de nossas faltas e erros, mas não devemos desanimar. Mesmo quando somos vencidos pelo inimigo, não somos rejeitados, nem abandonados por Deus. Não; Cristo está à direita do Pai, fazendo intercessão por nós” (Caminho a Cristo, p. 64).

Podemos citar o apóstolo Pedro, como um belo exemplo de choro. Durante o julgamento de Jesus, ele O negou, dizendo que nem O conhecia (Mt 26:69-75). Depois, caiu em si e “chorou amargamente”. Pedro tomou consciência de que tinha ferido uma pessoa amada, seu Mestre, e derramou lágrimas desesperadas. Após a ressurreição, Jesus manteve diálogo com ele e o consolou. Este é o choro mais importante.

É claro, também, que a mensagem da segunda bem-aventurança é um consolo para aqueles que choram em face dos desenganos, da perda de um ente querido ou das dores físicas advindas das doenças ou acidentes. “Felizes os que choram, pois Deus os consolará”.

Caro amigo leitor, aqui está a beleza da mensagem da segunda bem-aventurança para o nosso coração. O Consolador, Aquele que enxuga nossas lágrimas, que fortalece nossa alma, que reanima nossa vida é Jesus. Ele entende de dores, de angústia, de decepções, de traições, pois já passou por todo esse caminho e foi vencedor. É Ele que agora, junto a Deus o Pai, intercede por nós.

A fim de experimentar o consolo de Deus em meio as tristezas, devemos ter em mente que, assim como o carpinteiro está sempre próximo à madeira, o oleiro está sempre junto ao barro, e o ferreiro não está distante do metal, assim Cristo está sempre próximo a nós, para nos encorajar e nos confortar. Diz a Bíblia: “Não sobreveio a vocês tentação que não fosse comum aos homens. E Deus é fiel; ele não permitirá que vocês sejam tentados além do que podem suportar. Mas, quando forem tentados, ele lhes providenciará um escape, para que o possam suportar” (1 Coríntios 10:13, NVI). Portanto, não precisamos nos desesperar, desanimar ou perder a fé. Deus nunca vai permitir que nós sejamos provados mais do que podemos suportar.

O choro não é eterno (Salmo 30:5)

Amigo, quando estiver envolvido em problemas físicos, morais ou espirituais que lhe afligirem a alma e lhe fizerem escapar dos olhos algumas lágrimas sentida, lembre-se das palavras do Salmo 30:5, que são uma promessa maravilhosa para os que creem em Jesus: “(...) o choro pode persistir uma noite, mas de manhã irrompe a alegria” (Salmos 30:5, NVI).

O verso bíblico nos assegura que o choro não é eterno. Ele é passageiro. Quando você não enxergar mais nada, porque tem os olhos marejados de lágrimas, Deus está do seu lado, planejando dias melhores para você. Ele está juntando todas as suas lágrimas no seu reservatório e dizendo: “Não temas, ‘o choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã’”.

Mas o paradoxo do evangelho é que esse choro (pela morte de um ente querido, bem como pelos pecados que ferem o coração de Jesus) é o caminho para a alegria. Os que choram são consolados diariamente por Jesus; mas acharemos mais conforto ainda quando nos encontrarmos com o amado Senhor nas nuvens do Céu.

Querido (a) amigo (a), por certo você já teve ou tem passado períodos tristes em sua vida. Nem sempre Deus interfere para impedir que o mal nos sobrevenha, mas ele ainda está no controle. Vivemos em um mundo onde coisas ruins acontecem a pessoas boas. Na guerra entre o bem e o mal ocorrem muitas baixas. Embora ainda permita que o mal siga seu curso, Ele está em meio ao sofrimento. Ele está presente para consolar os que choram, para animar os desanimados, fortalecer os fracos e para dar esperança ao desalentado. Creia que Deus não o esqueceu e a alegria tornará a vir, tão certo como após cada noite há um dia claro. Essa é a promessa divina.

Em meio à dor, pela fé, podemos segurar a Sua mão, deixar que Sua luz penetre a escuridão que nos envolve, e que suas promessas tragam alento ao nosso coração. Podemos, sim, esperar por dias melhores.

Oração: Querido Deus e bom Pai que está no Céu, ajuda-nos a compreender o que significa chorar como Cristo chorou.

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