Quem sou eu?” (2 Samuel
7:18).
A reflexão pessoal
feita por Davi é, de certo modo, um chamado para uma autoanálise. Quer seja o
rei em seu trono, o agricultor em seu arado, o pastor em seu distrito ou um
estudante em busca de conhecimento, é bom que o coração, a mente e o corpo, de
vez em quando, façam uma pausa diante do Todo-Poderoso e se defrontem com a
inquiridora pergunta: Quem sou eu? Seria a resposta: Um minideus? Uma fraude?
Uma máquina?
A História e a
Filosofia têm apresentado muitas respostas: algumas bem longe da verdade, outras
com alguma verdade, porém, inúteis. Vamos analisar três dessas respostas e
chegar a uma conclusão.
O
que diz o filósofo.
“A vida que não é
examinada”, escreveu um antigo filósofo, “não é digna de ser vivida.” Assim, a
Filosofia me desafia a descobrir quem eu sou. Por um lado, a vida me oferece
sabedoria, declarando que eu nasci para ser racional. Saber é poder, e é o
conhecimento que me torna alguém ou me destrói. Então, eu devo aprender a fazer
as perguntas certas, pesquisar nos lugares apropriados e buscar a direção
correta. A vida me convida a subir ao topo da montanha para que eu seja uma
pessoa autêntica.
Por outro lado, a
filosofia secular envolve um sentido de insignificância, considerando os seres
humanos nada mais que partículas minúsculas no vasto Universo – procurando,
tateando, sem nenhum propósito. “Ser ou não ser” torna-se, assim, a grande
paixão da vida. E não faz nenhuma diferença para o Universo se eu sou ou não
sou.
Pego entre a sabedoria
e a insensatez, entre o questionamento otimista e a resignação pessimista,
estou sozinho: confuso e sem esperança.
O
que diz o homem primitivo.
A resposta do homem
primitivo à pergunta: “Quem sou eu?” é uma identificação tribal. Encontro minha
segurança em meu grupo. Minha visão, minha mente, minha esperança, meus
relacionamentos são todos governados por meu espírito de grupo. Como um
primitivo, sou rápido em selar minha identidade com marcas visíveis, como minha
raça, cor, casta, status, sexo, nacionalidade ou religião. As marcas não são
apenas visíveis, mas também tão exclusivas que eu me refugio em meu próprio
mundo, a ponto de criar uma barreira de separação entre “mim” e “eles”. A
separação leva aos seus próprios e extremos fins: na História, um Auschwitz ou
um campo de trabalhos forçados; na ideologia, um muro; na vida comunitária, um
retiro para o nada.
O problema com esse
primitivismo é que nunca vou além da caverna do interesse próprio. Eu me torno
um anão criado por mim mesmo: grande na estatura e de mente curta; músculos
avantajados e de espírito fraco; aumentando cada vez mais a mesquinhez e afastando-me
da nobreza. Atado ao que não é importante, jamais posso me tornar uma pessoa
completa.
O
que diz o mundano
Se eu buscar minha
identidade no que é mundano – seja nos negócios, na política ou na profissão, o
poder se torna o meu foco. No caminho para alcançar o pedestal, eu respondo à
pergunta “Quem sou eu?” com uma afirmação do próprio eu. Nessa frase
relacionada à vida, o sujeito é “Eu”, o verbo é “sou” e o predicativo é “Eu”:
“Eu sou Eu!” Nada mais importa. Qualquer um dos dois serve como ponto de partida;
tudo passa a ser uma ferramenta na aquisição do poder. Uma mentira se torna
verdade, e a verdade é anulada. O amor não tem significado. A misericórdia não
tem espaço. O serviço em prol dos outros passa a ser uma bandeira temporária
para ser arriada assim que o poder for alcançado.
Então eu volto à
pergunta: “Quem sou eu?” O filósofo, o homem primitivo e o mundano não podem
responder satisfatoriamente à pergunta. E ainda assim eu devo respondê-la.
Pois, a não ser que eu saiba qual é a minha identidade, não posso encontrar
descanso ou saber para onde ir. A menos que saiba quem sou eu, não saberei quem
você é, nem vou poder me relacionar ou agir adequadamente na vida.
Assim, onde posso
encontrar uma resposta?
Eu
me volto para a Cruz
Lá eu vejo qual é a
minha real situação: um pecador resgatado por Deus. Quando eu olho para a Cruz,
vejo duas pessoas: “o Filho de Deus que me amou e Se entregou por mim” (Gálatas
2:20), e eu. Se não fosse pelo meu pecado, Jesus não teria ido para a Cruz. Ele
morreu em meu lugar (Romanos 5:18) para que eu pudesse viver. Ele tomou para Si
a morte que era minha para que eu pudesse ter a vida que era dEle. Ele me
livrou da escravidão do pecado e de suas consequências. Não sou um pecador,
simplesmente, mas um pecador resgatado por Deus. Eu posso aceitar viver em um
relacionamento com Ele. “Essas relações entre Deus e cada pessoa são tão
particulares e íntimas, como se não existisse nenhuma outra por quem Ele
houvesse dado Seu bem-amado Filho.”1
Com base nessa
perspectiva, posso afirmar que não sou um acidente cósmico no Universo. Não sou
um paradigma de um longo processo evolutivo. Não sou um dente de engrenagem
numa máquina gigantesca movendo-se no espaço através de milênios sem fim, em um
ciclo sem qualquer sentido. Não, eu sou um filho de Deus, que se desviou, sim,
mas insistentemente resgatado pelo infinito amor de Deus. Nessa busca divina
que custou a morte de Seu Filho, descubro qual é o meu valor e dignidade.
William Temple afirmou certa vez: “A minha dignidade está em que eu sou digno
para Deus; e isso é algo maravilhoso, pois Cristo morreu por mim.”2
A Filosofia pode me
ensinar a ser racional. A Sociologia pode me orientar a viver em comunidade. O
Humanismo pode me convidar a descobrir a relevância das dinâmicas interpessoais.
A Psicodinâmica pode fazer com que eu olhe para dentro de mim, para a
realização pessoal. Tudo isso tem o seu lugar e o seu valor, mas, no final de
tudo, eu fico numa encruzilhada, desesperado, e clamo como Paulo: Eu sei o que
eu devo ser, mas não sou; eu sei o que não devo ser, mas sou. Estou numa
dicotomia irreconciliável: entre o ideal e o real, entre o sou e o devo ser.
Estou em uma guerra comigo mesmo, e o meu clamor alcança o seu Nadir, o ponto
de maior desesperança: “Quem me libertará?” (Romanos 7:24).
Entretanto, no momento
em que eu me volto para o Calvário, encontro perdão; encontro reconciliação,
encontro liberdade. Estou em paz. Descubro que não sou de mim mesmo. Fui
comprado por um grande preço (1 Coríntios 6:19, 20). Verdadeiramente, na Cruz
eu descubro que a questão mais importante não é quem eu sou, mas de Quem eu
sou. É essa entrega do eu para o Homem da Cruz que conduz à verdadeira
descoberta de si mesmo. Não foi o próprio Jesus o exemplo dessa entrega? Seu
relacionamento com o Pai foi tal que a batalha do Getsêmani e a fúria da Cruz
se transformaram em momentos de afirmação da vontade de Seu Pai.
A Cruz me ajuda a
compreender que, da mesma maneira que vou a Cristo em total entrega, eu passo
da morte para a vida, do nada para a total certeza. Eu sei de Quem eu sou.
Daqui em diante, não pertenço a mim mesmo. Não posso lidar com meu corpo ou
meus sentimentos, minhas posses ou meus empreendimentos, minha origem ou meu
destino da forma que me apraz.
Devo prestar contas a
Jesus: Ele é a minha prioridade, o propósito e o sentido para a minha vida.
John
M. Fowler é o editor da Diálogo
Citação
Recomendada
John M. Fowler,
"Quem sou Eu?," Diálogo 31:2 (2019): 3-4
NOTA
E REFERÊNCIAS
1. Ellen G. White,
Caminho a Cristo (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2003), p. 100.
2. William Temple,
Citizen and Churchman, p. 74. Citado em John Stott, The Cross of Christ
(Bombay: Gospel Literature Service, 1990), p. 282.
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