Teologia

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

A CIÊNCIA E A FÉ COMO PARCEIRAS


H. Thomas Goodwin*

A ciência proporciona um meio de adquirir o conhecimento testável sobre a natureza – um método que promove o contínuo acúmulo de conhecimentos, dentro de certos paradigmas, assim como a revolução científica ocasional em que um paradigma substitui o outro. Como as crenças cristãs nos ajudam a entender essa forma de conhecimento?

A fé e a ciência podem conviver como parceiras? Eu acredito que sim e espero convencer você a respeito de três pontos. Em primeiro lugar, as crenças fundamentais da igreja apresentam uma visão crítica do poder e limites da ciência como forma de conhecimento. Em segundo lugar, o conhecimento científico frequentemente enriquece as crenças teológicas, especialmente as crenças sobre Deus como Criador, e os seres humanos como criaturas formadas à imagem de Deus. Em terceiro lugar, embora os conhecimentos científicos às vezes venham a desafiar as crenças adventistas, esses desafios não deveriam nos surpreender, pois oferecem oportunidades para o crescimento científico, teológico e ético. Em suma, este artigo tentará mostrar que a ciência e a fé podem atuar como parceiras – que se apoiam, mas, às vezes, desafiam uma à outra.

Embora a analogia da parceria honesta proporcione interpretações úteis, ela possui limites: os adventistas não abordam o diálogo ciência e fé com neutralidade. Reconhecemos a Bíblia como “o autorizado revelador de doutrinas e o registro fidedigno dos atos de Deus na História”1, e esse compromisso é o que molda a nossa compreensão da natureza.

Definição da natureza da ciência sob a perspectiva da fé adventista

Antes de explorar a relação entre as crenças bíblicas e a ciência, precisamos esclarecer o que é ciência e a maneira em que ela atua. A grosso modo, a ciência é o meio de adquirir conhecimento sobre a natureza, procurando descrever e explicar os fenômenos do mundo material de modo que outros cientistas possam testá-los empiricamente.
Por sua própria natureza, o conhecimento científico é dinâmico e está sempre mudando, impulsionado pela contínua interação de três elementos centrais do pensamento científico (Fig. 1): dados, teorias e princípios que o moldam.2 Os dados representam as observações, as contagens e medições que os cientistas registram e gostariam de explicar. As teorias são as ideias que os cientistas desenvolvem para dar sentido e interpretar seus dados. Moldar princípios corresponde ao que está por trás das crenças, dos compromissos e valores que, inevitavelmente, influenciam o trabalho de um cientista, muitas vezes inconscientemente. Os membros de determinada comunidade científica geralmente compartilham um amplo conjunto de teorias e princípios moldados que orientam fortemente o seu trabalho: os tipos de dados que procuram os tipos de explicações que propõem, e assim por diante. Thomas Kuhn3, um notável filósofo da ciência, refere-se a esses conjuntos de teorias e princípios moldados e amplamente compartilhados como paradigmas.

Grande parte desse dinamismo no pensamento científico é impulsionada pela interação de dados e teorias, à medida que os cientistas procuram encontrar melhor ajuste entre o que eles observam na natureza e suas teorias sobre ela. Às vezes, a mudança ocorre porque uma teoria frutífera incentiva o acúmulo de novos dados. Um bom exemplo é o aumento exponencial de dados da sequência do genoma na última década, alimentado por teorias modernas da genética e por novos métodos de sequenciamento do DNA. Em outros casos, a mudança ocorre porque novos dados nos forçam a rever ou até mesmo substituir uma teoria existente.

De acordo com Kuhn, o conhecimento científico às vezes assume uma forma mais holística e abrangente. Sob esse ponto de vista, os cientistas normalmente não questionam seus paradigmas; eles os consideram como sendo verdadeiros e, consequentemente, estão em conformidade com a ciência. No processo, no entanto, os cientistas descobrem, ocasionalmente, coisas que não se encaixam nas expectativas do paradigma. Se essas descobertas forem suficientemente graves ou numerosas, a disciplina científica vai experimentar uma crise, enquanto os cientistas se esforçam para que os dados anômalos façam sentido. Durante uma crise, um cientista brilhante pode aparecer até com uma forma totalmente nova de ver a disciplina – chegando a um novo paradigma. Se o novo paradigma funciona bem ao longo do tempo, a comunidade vai “mudar” do antigo para o novo, e uma revolução científica irá ocorrer.  Kuhn mencionou que tais episódios representam acontecimentos importantes na história da ciência porque eles abrem novas perspectivas de pesquisa, geram teorias novas e mais abrangentes, e estimulam os cientistas a estudar uma nova gama de fenômenos. As ideias de Kuhn podem ser simplificadas, mas oferecem noções úteis sobre como o pensamento científico evoluiu ao longo do tempo.

Todas as disciplinas científicas compartilham um compromisso com a capacidade de teste empírico, mas as disciplinas variam na forma como coletam os dados e testam as teorias. Correndo o risco de simplificação, as ciências experimentais (por exemplo, a física, a química e muitas áreas da biologia) tipicamente testam hipóteses, fazendo vários experimentos controlados e em condições diferentes. Em contraste, geralmente não é possível para as ciências históricas (como a paleontologia e a arqueologia) testarem hipóteses causais diretamente pela experiência. Em vez disso, elas procuram decifrar as causas do passado (por exemplo, causa da extinção dos mamutes no final da Era do Gelo), propondo múltiplas e competitivas hipóteses e procurando evidências físicas que discriminarão entre essas hipóteses4 – uma forma de teste de hipóteses.

Para recapitular, entendo que a ciência seja um meio de adquirir o conhecimento testável sobre a natureza – um método que promove o contínuo acúmulo de conhecimentos, dentro de certos paradigmas, assim como a revolução científica ocasional em que um paradigma substitui o outro. Como as crenças cristãs nos ajudam a entender esta forma de saber? Vamos agora explorar o que as crenças cristãs podem nos dizer sobre o poder e os limites da ciência.

O poder da ciência. A ciência é uma forma poderosa de adquirir conhecimento sobre a natureza, um poder que é demonstrado por dois fatos. Em primeiro lugar, as teorias científicas, muitas vezes, unificam as diversas observações de maneira elegante e simples, e geralmente fazem previsões surpreendentes sobre a natureza, que acabam sendo válidas, em especial nas ciências experimentais. A teoria geral da relatividade, de Einstein, por exemplo, unificou amplas áreas da física com elegância matemática. Também fez previsões surpreendentes e arriscadas, o que, mais tarde, foi verificado experimentalmente. Quando as teorias científicas se unificam e predizem acuradamente o que vemos (e deveríamos ver) dessa forma, passamos a ter um pouco mais de confiança no fato de que a ciência nos ensina algo real sobre o mundo.

Em segundo lugar, a força da ciência é demonstrada pela utilidade prática das teorias científicas. A ciência gerou o conhecimento teórico que tornou possível desenvolver tratamentos para a malária, erradicar a varíola, aumentar exponencialmente a produção agrícola por acre e criar iPhones e computadores pessoais.

Esse poder demonstrado pela ciência levanta uma questão intrigante: Por que a ciência funciona tão bem?

A teologia cristã apresenta uma resposta simples, mas elegante, para essa pergunta. A ciência funciona bem porque os seus pressupostos fundamentais são verdadeiros e estão enraizados na doutrina bíblica da criação. Consideremos duas dessas suposições: Primeiro, os cientistas supõem que, desde que o Universo foi formado, continua a se comportar de forma ordenada. Nós pressupomos que os átomos de carbono possuem as mesmas propriedades na Terra e nas estrelas, e que a gravidade funciona da mesma maneira, tanto hoje como no passado. Essa suposição, que nos permite adquirir conhecimentos úteis sobre a natureza, embora tenhamos investigado apenas uma pequena fração dela, nunca pode ser diretamente demonstrada a partir da ciência. No entanto, ela surge naturalmente do ensino bíblico de que um Deus sábio e racional criou os céus e a Terra.5

O segundo pressuposto igualmente crítico, necessário para a ciência, é que os seres humanos têm capacidade mental para reconhecer e compreender essa ordem na natureza. Podemos descobrir tal ordem, embora ela possa estar oculta à vista no dia a dia. Mais uma vez, a doutrina bíblica da criação nos dá razão para acreditar que essa suposição é verdadeira porque Deus fez o homem à Sua imagem (Gênesis 1:27). A Bíblia não define com precisão em que os seres humanos representam a imagem de Deus, mas uma visão comum é a de que Deus é refletido, pelo menos em parte, na capacidade humana de pensar e escolher livremente6, uma capacidade dependente do pensamento complexo, criativo e racional – elementos humanos fundamentais, necessários à ciência.

Essa interpretação – de que as crenças bíblicas embasam os pressupostos essenciais da ciência – pode ter sido importante na história da ciência. Por exemplo, Melvin Calvin, recebedor de um Prêmio Nobel em Química, em 1961, acreditava que o pressuposto da ordem da natureza poderia ser rastreado historicamente até à antiga visão hebraica de que “o Universo é governado por um único Deus, e não é o produto de caprichos de muitos deuses, cada um governando sua própria região, de acordo com suas próprias leis.”7 Essa interpretação sugere que a fé bíblica exerceu um papel crucial na ascensão da ciência moderna, embora outras vertentes intelectuais (nomeadamente a filosofia grega) tenham sido também importantes.

Os limites da ciência. Conquanto a ciência tenha mostrado ser detentora de grande poder, ela também tem limites. Vários estudiosos adventistas têm abordado esses limites de formas mais amplas e úteis, e o leitor é convidado a consultar suas discussões para maior aprimoramento.8 Aqui, vou condensar esses limites em duas categorias: as limitações do método que se origina porque são seres humanos falíveis que fazem a ciência, e os limites no escopo em que são aplicados porque a realidade se estende para além do contexto da ciência. Minha argumentação é de que as crenças cristãs sobre a criação e a humanidade nos ajudam a dar sentido a essas duas formas de limites.

A ciência é um empreendimento humano, e todos os aspectos da ciência são afetados por essa verdade. Esse fato não surpreende os biólogos adventistas. Os seres humanos são criaturas finitas, de acordo com sua criação (feitos à imagem de Deus, mas jamais deuses), caídos e egoístas devido à rebelião contra Deus (Gênesis 3:1-12) e, portanto, completamente falíveis em tudo o que pensamos e fazemos, incluindo a nossa ciência. Ocasionalmente, os cientistas exibem a falibilidade humana em uma busca pela autogratificação, digna de censura. Casos de elevado perfil revelado por cientistas biomédicos que usaram dados fraudulentos para se promoverem em suas carreiras9 de investigação servem como lembretes austeros do pecado humano. Mais costumeiramente, a nossa natureza humana falível joga com maneiras mais sutis.

Vamos começar com o recolhimento de dados. Os bons cientistas tentam coletar dados com cuidado para que, ao registrarem as observações, os resultados dos experimentos sejam precisos e objetivos. No entanto, os cientistas quase sempre coletam dados para um fim – eles têm que testar uma teoria ou hipótese, ou uma pergunta que têm que responder – muitas vezes, mantêm ideias preexistentes sobre onde devem procurar para encontrar os dados relevantes e a que esses dados devem se assemelhar. Tais motivações e expectativas são essenciais para a ciência porque elas embasam a persistência e o foco necessário para uma investigação científica eficaz. No entanto, eles às vezes nos cegam – pelo menos temporariamente – para as observações mais relevantes.

Se o elemento humano se torna evidente na coleta de dados, isto ocorre ainda mais na criação das teorias científicas e na operação dos princípios que as moldam. Os filósofos da ciência nos lembram de que a formação de uma teoria não flui simples ou automaticamente a partir dos dados. Ao contrário, as teorias representam ideias criativamente formadas por mentes humanas, e sua formação e testes inevitavelmente são moldados por nossas crenças e compromissos – por nossa formulação de princípios.10

Considere a teoria da evolução de Darwin pela seleção natural. Ele desenvolveu essa teoria para dar sentido à grande parte dos dados que ele próprio havia reunido, assim, os dados desempenharam um papel importante. No entanto, suas ideias também foram moldadas pelas ideias econômicas e filosóficas de sua cultura. A percepção de Darwin com relação à luta pela existência, que resulta da superpopulação e recursos limitados da natureza, foi atribuída a Thomas Malthus. Além disso, o compromisso intransigente de Darwin com explicações mecanicistas quanto à origem das espécies que não envolvem ação divina refletia uma tendência no pensamento filosófico daquela época.11 Assim, a teoria de Darwin representa uma construção humana, cuja origem foi moldada não só pelos dados, mas também pelo conhecimento prévio e compromissos metafísicos.

Esse compromisso de explicações mecanicistas naturais na ciência merece mais comentários. Em certo sentido, esse compromisso é fundamental para o empreendimento científico porque motiva os cientistas a investigarem fenômenos desconhecidos até que sejam bem compreendidos; não queremos que os cientistas invoquem um milagre divino cada vez que um fenômeno permanece sem explicação! Tomado como um imperativo filosófico, no entanto, esse compromisso pode restringir o leque de hipóteses plausíveis consideradas para teste, especialmente nas ciências históricas, lembrando o papel que várias hipóteses concorrentes exercem nessas disciplinas.12 Como exemplo, um compromisso com o naturalismo filosófico exclui automaticamente a criação especial como uma hipótese para a origem da vida e design biológico, independentemente de como as provas científicas possam favorecer essa hipótese.

O que tudo isso significa, na prática, para o biólogo adventista que se depara com as teorias científicas aparentemente bem fundamentadas, mas que entram em conflito com a nossa compreensão bíblica? As opiniões variam. David Read, advogado adventista que escreveu um livro sobre os dinossauros e os registros fósseis, argumenta que muitas teorias atuais sobre a história da vida são tão profundamente moldadas por princípios de cunho ateu que devem ser rejeitadas como sendo falsas.13 Sob esse ponto de vista, os princípios formulados de maneira equivocada conduzem à formação dessas teorias; os dados desempenham um papel secundário.

Shandelle Henson, uma ecologista e matemática, pertencente à Igreja Adventista, argumenta que os métodos da ciência, embora sejam inevitavelmente humanos e, portanto, falíveis, representam uma poderosa forma de manter a tendência subjetiva em xeque por causa da contínua interação entre os dados, o raciocínio científico e o exame cuidadoso da investigação científica por revisores, antes que venham a ser publicados.14 Sob esse ponto de vista, os dados desempenham um papel fundamental para manter as ideias científicas na direção certa.

A minha opinião é de que devemos estar sempre conscientes da falibilidade humana na avaliação das teorias científicas, especialmente no caso de algumas teorias referentes à história da vida, que podem se tornar difíceis de ser testadas de maneira rigorosa. Às vezes, os princípios de formulação dominantes podem desempenhar um papel exagerado na condução da formação da teoria.

Consideremos agora a segunda maneira em que a ciência tem seus limites: ela é limitada no âmbito do seu objeto de estudo. A ciência oferece poderosas ferramentas que nos ajudam a descrever e explicar os fenômenos do universo empírico. Para o cristão, entretanto, a realidade é infinitamente mais ampla, como também muito mais rica do que a matéria que compõe o Universo, e a ciência nos diz pouco sobre essas dimensões da realidade. Para começar, na cosmovisão bíblica, Deus – e não o universo material – é a realidade final. A ciência oferece algumas dicas sobre o Seu caráter e atuação, na medida em que estes se refletem no mundo natural (Romanos 1:20), mas não conseguem revelar as profundezas de Seu caráter ou os planos que Ele tem para o mundo, como foi revelado por meio de Jesus Cristo. Somente a autorrevelação de Deus nos dá essas percepções.

Além disso, a experiência humana exibe ricas dimensões que não podem ser totalmente reduzidas ao nível material. Temos profundas convicções sobre o certo e o errado, sentimos que nossa vida tem significado e propósito, experimentamos a transcendência e a beleza da natureza em nossos relacionamentos e na arte. Para o crente, essas experiências refletem as dimensões da realidade criada. Deus criou a lei moral para governar a conduta humana (Salmo 19:7-11), e os seres humanos foram formados por Ele com uma orientação moral básica. Ele investiu os seres humanos com propósito e significado na criação (Gênesis 1:26-27) e continua a fazê-lo através das gerações (Salmo 139:14-17). Mais uma vez, a ciência nos diz pouco sobre essas dimensões da realidade.

Alguns cientistas discordam fortemente dessa interpretação. Na opinião deles, a ciência explica o nosso senso de moralidade, de finalidade e de outras áreas como adaptações evolutivas para melhorar a aptidão humana. No entanto, concordo com Del Ratzsch15 ao afirmar que todas as chamadas explicações só funcionam quando o que está para ser explicado é reduzido a algo menos do que realmente é. Como exemplo, a ciência poderia “explicar” as nossas convicções morais como uma ferramenta útil, que pode ser adaptada para conseguirmos nos comportar de forma a melhorar a nossa aptidão. No entanto, isso não explica a moralidade. A ciência pode explicar por que certos comportamentos são adequados, mas não nos ajuda a entender por que devemos agir de forma moral – a verdadeira questão da moralidade.

Finalmente, a ciência enfrenta limitações ainda no âmbito do estudo de seu próprio domínio – o universo material. A ciência muitas vezes funciona bem quando faz perguntas sobre como as coisas são feitas, como são colocadas juntas, como os fenômenos naturais funcionam, quando e onde ocorrem os fenômenos naturais, e assim por diante. Essas perguntas, começam com: o que, quando, onde e como. A ciência fica em silêncio, no entanto, quando se trata das questões fundamentais sobre a natureza – questões que começam com um filosófico por quê. E como foi possível o Universo ser organizado tão precisamente, e da maneira exata para suportar a vida inteligente? A ciência não nos diz. Por que o Universo existe? Mais uma vez, a ciência não nos diz. Como crentes, obtemos uma visão dessas questões na Palavra de Deus.

Visualizando a ciência como meio de enriquecimento da fé e prática adventistas

Na seção anterior, argumentei que as crenças cristãs fundamentais (mais especificamente as doutrinas da criação e da queda) fornecem um sólido contexto para a compreensão do poder e limites da ciência como uma forma humana de compreender o mundo natural. Passemos agora à segunda argumentação deste estudo: As descobertas da ciência, muitas vezes, enriquecem as nossas crenças e práticas como adventistas do sétimo dia.

Deus como Criador e Mantenedor – A Crença Fundamental Nº 3, da Igreja Adventista do Sétimo Dia, declara: “Deus, o Eterno Pai, é o Criador, o Originador, o Mantenedor e o Soberano de toda a criação.”16 Uma série de descobertas científicas, quando vistas através das lentes da fé, oferecem suporte para essa crença porque sugerem que as características importantes do Universo e da vida na Terra refletem a clara intenção e planejamento de um sábio Criador. Os biólogos que defendem o design da natureza são atingidos pelos altamente integrados e fortemente regulados sistemas bioquímicos, extremamente complexos e universais das células vivas. Eles não veem nenhuma explicação naturalista viável para a forma como esses sistemas poderiam evoluir através de processos naturais não guiados e, portanto, conseguem enxergar apenas as evidências dos desígnios divinos.17

No entanto, como o físico adventista Gary Burdick destaca, o extraordinário design também pode ser revelado com o que a ciência tem explicado.18 Ele conta a história de como os físicos vieram a compreender a forma em que os elementos de carbono e oxigênio poderiam ser formados nos fornos nucleares das estrelas. Ao fazerem isso, eles determinaram que os dois elementos só poderiam ser formados, e nas proporções certas para suportarem a vida, se cada elemento exibisse um estado animado com um nível de energia extremamente preciso. Descobertas posteriores demonstraram que o carbono e o oxigênio exibiam exatamente esses estados animados, e os cientistas ficaram se perguntando: “Por quê?” Por que o Universo foi feito da maneira exata para que entrasse em ação esse processo tão imprescindível, a fim de que a vida ocorresse em um nível tão ideal? O crente vê isso como uma evidência dos desígnios divinos.

Alguns cristãos concluem que a evidência científica impele essencialmente à crença em um Deus Criador. Ariel Roth, colaborador de longa data para o pensamento adventista sobre a fé e a ciência, apresenta esta perspectiva: “Os dados da própria ciência nos forçam a concluir essencialmente que algo incomum está acontecendo, como se um Deus experiente e transcendente estivesse envolvido na criação das complexidades que a observação científica mantém descoberta.”19 Outros crentes julgam que tais evidências são sugestivas, mas não coercitivas. Depois de analisar a surpreendente beleza racional da natureza e do perfeito ajuste do Universo para sustentar a vida consciente, John Polkinghorne, físico que se tornou padre anglicano, conclui que uma interpretação teísta do Universo, embora não “logicamente coerciva”, apresenta um “entendimento intelectualmente satisfatório do que, de outra maneira, seria uma ininteligível boa sorte”.20 Sob outro ponto de vista, o conhecimento adquirido por meio da ciência é, muitas vezes, congruente com a convicção cristã de que o Universo é criação de Deus.

Talvez a contribuição mais importante que o estudo científico traz à nossa crença em Deus seja que ela proporciona a ocasião prática para vivermos essa crença – “adorai Aquele que fez o céu e a Terra, o mar e as fontes das águas” (Apocalipse 14:7). Muitos cientistas, mesmo aqueles que não possuem uma orientação religiosa, expressam espanto e admiração diante da grandeza e complexidade do que eles estudam, e às vezes expressam essa experiência em termos transcendentais, quase que religiosos.21 Os biólogos cristãos podem aproveitar essa experiência dando um passo à frente. Assim como Jó, há muito tempo atrás, ao ser confrontado pelo manifesto poder de Deus na natureza selvagem (Jó 39-41), somos lembrados de nossa pequenez, a fim de nos arrependermos de nossas atitudes orgulhosas e adorarmos o nosso Criador (Jó 42:1-6).

Embora o estudo da natureza forneça melhores percepções para as crenças cristãs sobre Deus, devemos reconhecer que isso é feito com complexidade e ambiguidade. Lembro-me de uma sexta-feira em que ocorreu algo fascinante no sul da Flórida, quando os alunos se maravilhavam, juntamente com os seus professores, diante do comportamento perfeito de uma aranha tecedora enquanto construía sua teia. Alguns mencionaram essa maravilha do design nas reflexões do culto naquela noite. No sábado de manhã, no entanto, um aluno observou o fato de que aquela bela teia de aranha serve como uma armadilha mortal e levou os colegas a meditarem sobre o seu significado na vida de cada um. A natureza é cheia de tais reviravoltas que transformam os simples projetos da natureza em discussões sobre a existência de Deus. Em um mundo caído, não enxergamos as coisas claramente; vemos tudo como se estivéssemos atrás de um vidro escuro.

Concepção adventista da humanidade – A narrativa do Gênesis nos diz: “[O] Senhor Deus formou o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente” (2:7). Essa narrativa fundamenta duas verdades sobre a natureza humana. Em primeiro lugar, nós compartilhamos muito com o restante da criação porque somos feitos da mesma matéria (aves e animais também foram formados “da terra”, Gênesis 2:19). Em segundo lugar, nosso status como “almas viventes” reflete uma unidade indivisível entre corpo e espírito. Os adventistas do sétimo dia formalizaram essa última verdade na Crença Fundamental Nº 7, que afirma: “[Cada um] é uma unidade indivisível de corpo, mente e alma, e dependente de Deus quanto à vida, respiração e tudo o mais.”22 O compromisso adventista do sétimo dia para a manutenção de uma vida benéfica e saudável vem a partir desta convicão: Se for para eu cuidar da minha alma, tenho que cuidar do meu ser inteiro – corpo, mente e espírito.  As descobertas científicas continuam a iluminar essas crenças e compromissos. A bioquímica nos mostra que compartilhamos muito do maquinário molecular fundamental da vida com outras criaturas, e a ecologia revela as formas essenciais em que os seres humanos estão integrados aos ecossistemas naturais. Em nível mais prático, o avanço do conhecimento em nutrição e bem-estar confirma o compromisso dos adventistas com o viver saudável.23 Mais teoricamente, as descobertas científicas dão pistas sobre a integralidade da natureza humana. Nós ainda temos muito a aprender nessa área.

As crenças adventistas e as descobertas científicas às vezes desafiam umas às outras

Até aqui, tenho enfatizado as maneiras positivas em que as crenças adventistas e a ciência interagem. Temos que reconhecer, no entanto, que, para os adventistas, as crenças bíblicas e o conhecimento científico às vezes se desafiam. Enfrentamos esse desafio mais diretamente quando estudamos a história da vida. Os adventistas aceitam as narrativas da criação registradas no Gênesis como a história factual,24 que descreve a obra da criação de Deus, realizada em seis dias literais, seguidos pelo sábado (Crença Fundamental Nº 6).25 As descobertas científicas modernas são interpretadas com base na indicação de que houve um processo de formação gradual, ocorrido durante um período de tempo muito longo. Como podemos conciliar as evidências da Bíblia com as da natureza, a fim de alcançarmos uma imagem coerente da criação?

Consideremos quatro princípios gerais para um diálogo construtivo, princípios esses que irão afirmar a autoridade da Bíblia, incentivar o crescimento em nossa compreensão, tanto da Palavra de Deus como da natureza, e facilitar um diálogo respeitoso entre os participantes.  Primeiro, temos que afirmar a autoridade das Escrituras e não forçar as interpretações da Bíblia para acomodar a ciência. Por exemplo, alguns interpretaram os dias descritos em Gênesis 1 como figurativos, representando períodos indefinidos da criação.26 Essa interpretação ajuda a resolver a discrepância de tempo entre a geologia e o Gênesis, mas os estudiosos adventistas a rejeitaram porque é inconsistente com a evidência revelada no texto bíblico.27

Em segundo lugar, temos que ser honestos com a evidência empírica da ciência e não forçar as interpretações dessa evidência para resolver as tensões.

Como crentes, queremos harmonizar o que aprendemos por meio da natureza e da Bíblia – os dois livros de Deus. No entanto, temos que realizar as atividades relacionadas à ciência com cuidado, somente com base em nossas conclusões científicas, tanto quanto a evidência permite, e publicarmos essas conclusões de forma honesta – mesmo quando o que descobrimos não venha a atender nossas expectativas.

Em terceiro lugar, temos que buscar a integração. Embora os estudos bíblicos e científicos tenham seus próprios métodos de investigação e provas, há uma maneira apropriada para ambos dialogarem quando não houver acordo: cada um pode incentivar o outro a reexaminar as interpretações feitas tempos antes e considerar as alternativas. Em alguns casos, as ideias científicas têm ajudado os defensores da fé a identificarem a interpretação bíblica incorreta (por exemplo, a afirmação de que a Bíblia defende um Universo geocêntrico). Em outros casos, há conceitos bíblicos que têm sugerido novas linhas de investigação científica, levando a descobertas que reduzem a tensão entre as teorias científicas e a nossa compreensão da Bíblia.28

Em condições ideais, a integração vai eliminar o conflito que há entre a nossa compreensão da ciência e da Bíblia, mas, na prática, alguns conflitos irão persistir. Tais conflitos podem ser profundamente frustrantes, porém, não nos devem surpreender: Todo o nosso conhecimento é parcial e sujeito à fragilidade humana! Na verdade, são apenas esses pontos de conflito que podem sugerir novas linhas de pesquisa e descobertas. Além disso, o fato de saber que nós simplesmente não podemos e não sabemos tudo ameniza os ânimos do ego humano, estimula-nos à humildade e promove a nossa honestidade intelectual. Assim, a presença da tensão não resolvida pode se tornar não uma inimiga, mas estar a serviço da fé cristã: os crentes são encorajados a crescer tanto em conhecimento como no caráter, mantendo-se fiéis à Palavra de Deus.29

Finalmente, devemos ser respeitosos em nossos diálogos uns com os outros. As conversações sobre a ciência e a Bíblia tornam-se muitas vezes acaloradas, mesmo entre os cristãos. Podemos ser mais respeitosos e generosos entre nós, quando nos lembramos de nossa própria fragilidade e de que o mandamento de Cristo é que amemos uns aos outros – mesmo quando participamos de debates vigorosos sobre como harmonizar a Palavra de Deus com o mundo que Ele criou.

A ciência e a fé cristã podem, desse modo, ser consideradas parceiras. A crença cristã oferece uma estrutura para compreendermos a ciência como uma forma de conhecimento; as descobertas científicas lançam luz sobre as crenças bíblicas relacionadas a Deus e à humanidade, e ambas, às vezes, desafiam umas às outras a fim de encontrar melhores explicações.

*H. Thomas Goodwin, PhD pela Universidade de Kansas, é professor de Biologia na Universidade Andrews, em Berrien Springs, Michigan, EUA.


Este artigo foi resumido a partir do original, sob o título de Biology: A Seventh-day Adventist Approach for Students and Teachers, ed. H. Thomas Goodwin (Berrien Springs, Michigan: Editora da Universidade Andrews, 2014). Reproduzido com permissão do autor.

Citação Recomendada
H. Thomas Goodwin , "A ciência e a fé como parceiras ," Diálogo 27:1 (2015): 5-9, 23

REFERÊNCIAS
1. Nisto Cremos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2008), p. 11.

2. D. Ratzsch, The Battle of Beginnings: Why Neither Side is Winning the Creation-Evolution Debate (Downers Grove, Illinois: InterVarsity Press, 1996), p. 120-128.

3. Thomas Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions, 2a ed. (Chicago: University of Chicago Press, 1970).

4. C. Cleland, “Historical science, experimental science, and the scientific method”, Geology 29 (2001):987–990.

5. N. Pearcey, and C. Thaxton, The Soul of Science: Christian Faith and Natural Philosophy (Wheaton, Illinois: Crossway Books, 1994), p. 24-27.

6. M. Erickson, Christian Theology, (Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1985), p. 513.

7. M. Calvin, Chemical Evolution (New York and Oxford: Oxford University Press, 1969), p. 258.

8. A. Roth, Origins: Linking Science and Scripture (Hagerstown, Maryland: Review and Herald Publishing Assn., 1998), p. 285-295; L. Brand, Faith, Reason, and Earth History, 2a ed. (Berrien Springs, Michigan: Andrews University Press, 2009), p. 16-39.

9. J. Couzin, “Breakdown of the year: Scientific fraud,” Science 314 (2006):1853.

10. D. Ratzsch, Science and Its Limits: The Natural Sciences in Christian Perspective (Downers Grove, Illinois: InterVarsity Press, 2000), p. 18-20.

11. Ver N. Gillespie, Charles Darwin and the Problem of Creation (Chicago: University of Chicago Press, 1979).

12. Cleland.
 
13. D. Read, Dinosaurs: An Adventist View (Keene, Texas: Clarion Call Books, 2009).
 
14. S. Henson, “Why mathematics, science, and humanities (including religion) don’t have a quarrel”, Spectrum 37 (2009) 3:44-49.

15. Ratzsch, The Battle of Beginnings, p. 96-99.

16. Nisto Cremos, p. 40.

17. Ver M. Behe, Darwin’s Black Box: The Biochemical Challenge to Evolution (New York: Free Press, 1996); L. Brand, Faith, Reason, and Earth History, 2a ed. (Berrien Springs, Michigan: Andrews University Press, 2009).

18. G. Burdick, “Ciência e projeto: Perspectiva de um físico”, Diálogo 20 (2008) 3:5-7.

19. A. Roth, Origins: Linking Science and Scripture (Hagerstown, Maryland: Review and Herald Publishing Assn., 1998), p. 10.

20. J. Polkinghorne, Belief in God in an Age of Science (New Haven, Connecticut: Yale University Press, 1998), p. 10.

21. Ver, por exemplo, E. Wilson, The Creation: An Appeal to Save Life on Earth (New York: W. Norton, 2006), p. 55-61.

22. Nisto Cremos, p. 100.

23. G. Fraser, “Association between diet and cancer, ischemic heart disease, and all-cause mortality in non-Hispanic white Californian Seventh-day Adventists”, American Journal of Clinical Nutrition 70 (1999): 532s-538s.

24. Ver, por exemplo, R. Davidson, “The biblical account of origins,” Journal of the Adventist Theological Society 14 (2003):4-43.

25. Nisto Cremos, p. 100.

26. Por exemplo, H. Ross, A Matter of Days: Resolving a Creation Controversy (Colorado Springs, Colorado: Navpress, 2004).

27. G. Hasel, “The ‘days’ of creation in Genesis 1: Literal ‘days’ or figurative ‘periods/epochs’ of time? Origins 21 (1994): 5-38; R. Davidson, “The biblical account of origins”, Journal of the Adventist Theological Society 14 (2003):4-43.

28. Ver H. Goodwin, “The fossil record: Seventh-day Adventist perspectives”, Biology: A Seventh-day Adventist Approach, ed. H. Goodwin (Berrien Springs, Michigan: Andrews University Press, 2014), p. 101-126.

29. H. Goodwin, “When faith and knowledge clash: Leveraging the tension to advance Christian education,” The Journal of Adventist Education 70 (2008) 4:44-47.




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