H.
Thomas Goodwin*
A
ciência proporciona um meio de adquirir o conhecimento testável sobre a
natureza – um método que promove o contínuo acúmulo de conhecimentos, dentro de
certos paradigmas, assim como a revolução científica ocasional em que um
paradigma substitui o outro. Como as crenças cristãs nos ajudam a entender essa
forma de conhecimento?
A fé e a ciência podem
conviver como parceiras? Eu acredito que sim e espero convencer você a respeito
de três pontos. Em primeiro lugar, as crenças fundamentais da igreja apresentam
uma visão crítica do poder e limites da ciência como forma de conhecimento. Em
segundo lugar, o conhecimento científico frequentemente enriquece as crenças
teológicas, especialmente as crenças sobre Deus como Criador, e os seres
humanos como criaturas formadas à imagem de Deus. Em terceiro lugar, embora os
conhecimentos científicos às vezes venham a desafiar as crenças adventistas,
esses desafios não deveriam nos surpreender, pois oferecem oportunidades para o
crescimento científico, teológico e ético. Em suma, este artigo tentará mostrar
que a ciência e a fé podem atuar como parceiras – que se apoiam, mas, às vezes,
desafiam uma à outra.
Embora a analogia da
parceria honesta proporcione interpretações úteis, ela possui limites: os
adventistas não abordam o diálogo ciência e fé com neutralidade. Reconhecemos a
Bíblia como “o autorizado revelador de doutrinas e o registro fidedigno dos
atos de Deus na História”1, e esse compromisso é o que molda a nossa
compreensão da natureza.
Definição
da natureza da ciência sob a perspectiva da fé adventista
Antes de explorar a
relação entre as crenças bíblicas e a ciência, precisamos esclarecer o que é
ciência e a maneira em que ela atua. A grosso modo, a ciência é o meio de
adquirir conhecimento sobre a natureza, procurando descrever e explicar os
fenômenos do mundo material de modo que outros cientistas possam testá-los
empiricamente.
Por sua própria
natureza, o conhecimento científico é dinâmico e está sempre mudando,
impulsionado pela contínua interação de três elementos centrais do pensamento
científico (Fig. 1): dados, teorias e princípios que o moldam.2 Os dados
representam as observações, as contagens e medições que os cientistas registram
e gostariam de explicar. As teorias são as ideias que os cientistas desenvolvem
para dar sentido e interpretar seus dados. Moldar princípios corresponde ao que
está por trás das crenças, dos compromissos e valores que, inevitavelmente,
influenciam o trabalho de um cientista, muitas vezes inconscientemente. Os
membros de determinada comunidade científica geralmente compartilham um amplo
conjunto de teorias e princípios moldados que orientam fortemente o seu
trabalho: os tipos de dados que procuram os tipos de explicações que propõem, e
assim por diante. Thomas Kuhn3, um notável filósofo da ciência, refere-se a
esses conjuntos de teorias e princípios moldados e amplamente compartilhados
como paradigmas.
Grande parte desse
dinamismo no pensamento científico é impulsionada pela interação de dados e
teorias, à medida que os cientistas procuram encontrar melhor ajuste entre o
que eles observam na natureza e suas teorias sobre ela. Às vezes, a mudança
ocorre porque uma teoria frutífera incentiva o acúmulo de novos dados. Um bom
exemplo é o aumento exponencial de dados da sequência do genoma na última
década, alimentado por teorias modernas da genética e por novos métodos de
sequenciamento do DNA. Em outros casos, a mudança ocorre porque novos dados nos
forçam a rever ou até mesmo substituir uma teoria existente.
De acordo com Kuhn, o
conhecimento científico às vezes assume uma forma mais holística e abrangente.
Sob esse ponto de vista, os cientistas normalmente não questionam seus
paradigmas; eles os consideram como sendo verdadeiros e, consequentemente,
estão em conformidade com a ciência. No processo, no entanto, os cientistas
descobrem, ocasionalmente, coisas que não se encaixam nas expectativas do
paradigma. Se essas descobertas forem suficientemente graves ou numerosas, a
disciplina científica vai experimentar uma crise, enquanto os cientistas se
esforçam para que os dados anômalos façam sentido. Durante uma crise, um
cientista brilhante pode aparecer até com uma forma totalmente nova de ver a
disciplina – chegando a um novo paradigma. Se o novo paradigma funciona bem ao
longo do tempo, a comunidade vai “mudar” do antigo para o novo, e uma revolução
científica irá ocorrer. Kuhn mencionou
que tais episódios representam acontecimentos importantes na história da
ciência porque eles abrem novas perspectivas de pesquisa, geram teorias novas e
mais abrangentes, e estimulam os cientistas a estudar uma nova gama de
fenômenos. As ideias de Kuhn podem ser simplificadas, mas oferecem noções úteis
sobre como o pensamento científico evoluiu ao longo do tempo.
Todas as disciplinas
científicas compartilham um compromisso com a capacidade de teste empírico, mas
as disciplinas variam na forma como coletam os dados e testam as teorias.
Correndo o risco de simplificação, as ciências experimentais (por exemplo, a física,
a química e muitas áreas da biologia) tipicamente testam hipóteses, fazendo
vários experimentos controlados e em condições diferentes. Em contraste,
geralmente não é possível para as ciências históricas (como a paleontologia e a
arqueologia) testarem hipóteses causais diretamente pela experiência. Em vez
disso, elas procuram decifrar as causas do passado (por exemplo, causa da
extinção dos mamutes no final da Era do Gelo), propondo múltiplas e
competitivas hipóteses e procurando evidências físicas que discriminarão entre
essas hipóteses4 – uma forma de teste de hipóteses.
Para recapitular,
entendo que a ciência seja um meio de adquirir o conhecimento testável sobre a
natureza – um método que promove o contínuo acúmulo de conhecimentos, dentro de
certos paradigmas, assim como a revolução científica ocasional em que um
paradigma substitui o outro. Como as crenças cristãs nos ajudam a entender esta
forma de saber? Vamos agora explorar o que as crenças cristãs podem nos dizer
sobre o poder e os limites da ciência.
O
poder da ciência. A ciência é uma forma poderosa de
adquirir conhecimento sobre a natureza, um poder que é demonstrado por dois
fatos. Em primeiro lugar, as teorias científicas, muitas vezes, unificam as
diversas observações de maneira elegante e simples, e geralmente fazem
previsões surpreendentes sobre a natureza, que acabam sendo válidas, em
especial nas ciências experimentais. A teoria geral da relatividade, de
Einstein, por exemplo, unificou amplas áreas da física com elegância matemática.
Também fez previsões surpreendentes e arriscadas, o que, mais tarde, foi
verificado experimentalmente. Quando as teorias científicas se unificam e
predizem acuradamente o que vemos (e deveríamos ver) dessa forma, passamos a
ter um pouco mais de confiança no fato de que a ciência nos ensina algo real
sobre o mundo.
Em segundo lugar, a
força da ciência é demonstrada pela utilidade prática das teorias científicas.
A ciência gerou o conhecimento teórico que tornou possível desenvolver
tratamentos para a malária, erradicar a varíola, aumentar exponencialmente a
produção agrícola por acre e criar iPhones e computadores pessoais.
Esse poder demonstrado
pela ciência levanta uma questão intrigante: Por que a ciência funciona tão
bem?
A teologia cristã
apresenta uma resposta simples, mas elegante, para essa pergunta. A ciência
funciona bem porque os seus pressupostos fundamentais são verdadeiros e estão
enraizados na doutrina bíblica da criação. Consideremos duas dessas suposições:
Primeiro, os cientistas supõem que, desde que o Universo foi formado, continua
a se comportar de forma ordenada. Nós pressupomos que os átomos de carbono
possuem as mesmas propriedades na Terra e nas estrelas, e que a gravidade
funciona da mesma maneira, tanto hoje como no passado. Essa suposição, que nos
permite adquirir conhecimentos úteis sobre a natureza, embora tenhamos
investigado apenas uma pequena fração dela, nunca pode ser diretamente
demonstrada a partir da ciência. No entanto, ela surge naturalmente do ensino
bíblico de que um Deus sábio e racional criou os céus e a Terra.5
O segundo pressuposto
igualmente crítico, necessário para a ciência, é que os seres humanos têm
capacidade mental para reconhecer e compreender essa ordem na natureza. Podemos
descobrir tal ordem, embora ela possa estar oculta à vista no dia a dia. Mais
uma vez, a doutrina bíblica da criação nos dá razão para acreditar que essa
suposição é verdadeira porque Deus fez o homem à Sua imagem (Gênesis 1:27). A
Bíblia não define com precisão em que os seres humanos representam a imagem de
Deus, mas uma visão comum é a de que Deus é refletido, pelo menos em parte, na
capacidade humana de pensar e escolher livremente6, uma capacidade dependente
do pensamento complexo, criativo e racional – elementos humanos fundamentais,
necessários à ciência.
Essa interpretação – de
que as crenças bíblicas embasam os pressupostos essenciais da ciência – pode
ter sido importante na história da ciência. Por exemplo, Melvin Calvin,
recebedor de um Prêmio Nobel em Química, em 1961, acreditava que o pressuposto
da ordem da natureza poderia ser rastreado historicamente até à antiga visão
hebraica de que “o Universo é governado por um único Deus, e não é o produto de
caprichos de muitos deuses, cada um governando sua própria região, de acordo
com suas próprias leis.”7 Essa interpretação sugere que a fé bíblica exerceu um
papel crucial na ascensão da ciência moderna, embora outras vertentes
intelectuais (nomeadamente a filosofia grega) tenham sido também importantes.
Os
limites da ciência. Conquanto a ciência tenha mostrado ser
detentora de grande poder, ela também tem limites. Vários estudiosos
adventistas têm abordado esses limites de formas mais amplas e úteis, e o
leitor é convidado a consultar suas discussões para maior aprimoramento.8 Aqui,
vou condensar esses limites em duas categorias: as limitações do método que se
origina porque são seres humanos falíveis que fazem a ciência, e os limites no
escopo em que são aplicados porque a realidade se estende para além do contexto
da ciência. Minha argumentação é de que as crenças cristãs sobre a criação e a
humanidade nos ajudam a dar sentido a essas duas formas de limites.
A ciência é um
empreendimento humano, e todos os aspectos da ciência são afetados por essa
verdade. Esse fato não surpreende os biólogos adventistas. Os seres humanos são
criaturas finitas, de acordo com sua criação (feitos à imagem de Deus, mas
jamais deuses), caídos e egoístas devido à rebelião contra Deus (Gênesis
3:1-12) e, portanto, completamente falíveis em tudo o que pensamos e fazemos,
incluindo a nossa ciência. Ocasionalmente, os cientistas exibem a falibilidade
humana em uma busca pela autogratificação, digna de censura. Casos de elevado
perfil revelado por cientistas biomédicos que usaram dados fraudulentos para se
promoverem em suas carreiras9 de investigação servem como lembretes austeros do
pecado humano. Mais costumeiramente, a nossa natureza humana falível joga com
maneiras mais sutis.
Vamos começar com o
recolhimento de dados. Os bons cientistas tentam coletar dados com cuidado para
que, ao registrarem as observações, os resultados dos experimentos sejam
precisos e objetivos. No entanto, os cientistas quase sempre coletam dados para
um fim – eles têm que testar uma teoria ou hipótese, ou uma pergunta que têm
que responder – muitas vezes, mantêm ideias preexistentes sobre onde devem
procurar para encontrar os dados relevantes e a que esses dados devem se
assemelhar. Tais motivações e expectativas são essenciais para a ciência porque
elas embasam a persistência e o foco necessário para uma investigação
científica eficaz. No entanto, eles às vezes nos cegam – pelo menos
temporariamente – para as observações mais relevantes.
Se o elemento humano se
torna evidente na coleta de dados, isto ocorre ainda mais na criação das
teorias científicas e na operação dos princípios que as moldam. Os filósofos da
ciência nos lembram de que a formação de uma teoria não flui simples ou
automaticamente a partir dos dados. Ao contrário, as teorias representam ideias
criativamente formadas por mentes humanas, e sua formação e testes
inevitavelmente são moldados por nossas crenças e compromissos – por nossa
formulação de princípios.10
Considere a teoria da
evolução de Darwin pela seleção natural. Ele desenvolveu essa teoria para dar
sentido à grande parte dos dados que ele próprio havia reunido, assim, os dados
desempenharam um papel importante. No entanto, suas ideias também foram
moldadas pelas ideias econômicas e filosóficas de sua cultura. A percepção de
Darwin com relação à luta pela existência, que resulta da superpopulação e
recursos limitados da natureza, foi atribuída a Thomas Malthus. Além disso, o
compromisso intransigente de Darwin com explicações mecanicistas quanto à
origem das espécies que não envolvem ação divina refletia uma tendência no
pensamento filosófico daquela época.11 Assim, a teoria de Darwin representa uma
construção humana, cuja origem foi moldada não só pelos dados, mas também pelo
conhecimento prévio e compromissos metafísicos.
Esse compromisso de
explicações mecanicistas naturais na ciência merece mais comentários. Em certo
sentido, esse compromisso é fundamental para o empreendimento científico porque
motiva os cientistas a investigarem fenômenos desconhecidos até que sejam bem
compreendidos; não queremos que os cientistas invoquem um milagre divino cada
vez que um fenômeno permanece sem explicação! Tomado como um imperativo
filosófico, no entanto, esse compromisso pode restringir o leque de hipóteses
plausíveis consideradas para teste, especialmente nas ciências históricas,
lembrando o papel que várias hipóteses concorrentes exercem nessas
disciplinas.12 Como exemplo, um compromisso com o naturalismo filosófico exclui
automaticamente a criação especial como uma hipótese para a origem da vida e
design biológico, independentemente de como as provas científicas possam
favorecer essa hipótese.
O que tudo isso
significa, na prática, para o biólogo adventista que se depara com as teorias
científicas aparentemente bem fundamentadas, mas que entram em conflito com a
nossa compreensão bíblica? As opiniões variam. David Read, advogado adventista
que escreveu um livro sobre os dinossauros e os registros fósseis, argumenta
que muitas teorias atuais sobre a história da vida são tão profundamente
moldadas por princípios de cunho ateu que devem ser rejeitadas como sendo
falsas.13 Sob esse ponto de vista, os princípios formulados de maneira
equivocada conduzem à formação dessas teorias; os dados desempenham um papel
secundário.
Shandelle Henson, uma
ecologista e matemática, pertencente à Igreja Adventista, argumenta que os
métodos da ciência, embora sejam inevitavelmente humanos e, portanto, falíveis,
representam uma poderosa forma de manter a tendência subjetiva em xeque por causa
da contínua interação entre os dados, o raciocínio científico e o exame
cuidadoso da investigação científica por revisores, antes que venham a ser
publicados.14 Sob esse ponto de vista, os dados desempenham um papel
fundamental para manter as ideias científicas na direção certa.
A minha opinião é de
que devemos estar sempre conscientes da falibilidade humana na avaliação das
teorias científicas, especialmente no caso de algumas teorias referentes à
história da vida, que podem se tornar difíceis de ser testadas de maneira
rigorosa. Às vezes, os princípios de formulação dominantes podem desempenhar um
papel exagerado na condução da formação da teoria.
Consideremos agora a
segunda maneira em que a ciência tem seus limites: ela é limitada no âmbito do
seu objeto de estudo. A ciência oferece poderosas ferramentas que nos ajudam a
descrever e explicar os fenômenos do universo empírico. Para o cristão,
entretanto, a realidade é infinitamente mais ampla, como também muito mais rica
do que a matéria que compõe o Universo, e a ciência nos diz pouco sobre essas
dimensões da realidade. Para começar, na cosmovisão bíblica, Deus – e não o
universo material – é a realidade final. A ciência oferece algumas dicas sobre
o Seu caráter e atuação, na medida em que estes se refletem no mundo natural
(Romanos 1:20), mas não conseguem revelar as profundezas de Seu caráter ou os
planos que Ele tem para o mundo, como foi revelado por meio de Jesus Cristo.
Somente a autorrevelação de Deus nos dá essas percepções.
Além disso, a experiência
humana exibe ricas dimensões que não podem ser totalmente reduzidas ao nível
material. Temos profundas convicções sobre o certo e o errado, sentimos que
nossa vida tem significado e propósito, experimentamos a transcendência e a
beleza da natureza em nossos relacionamentos e na arte. Para o crente, essas
experiências refletem as dimensões da realidade criada. Deus criou a lei moral
para governar a conduta humana (Salmo 19:7-11), e os seres humanos foram
formados por Ele com uma orientação moral básica. Ele investiu os seres humanos
com propósito e significado na criação (Gênesis 1:26-27) e continua a fazê-lo
através das gerações (Salmo 139:14-17). Mais uma vez, a ciência nos diz pouco
sobre essas dimensões da realidade.
Alguns cientistas
discordam fortemente dessa interpretação. Na opinião deles, a ciência explica o
nosso senso de moralidade, de finalidade e de outras áreas como adaptações
evolutivas para melhorar a aptidão humana. No entanto, concordo com Del
Ratzsch15 ao afirmar que todas as chamadas explicações só funcionam quando o
que está para ser explicado é reduzido a algo menos do que realmente é. Como
exemplo, a ciência poderia “explicar” as nossas convicções morais como uma
ferramenta útil, que pode ser adaptada para conseguirmos nos comportar de forma
a melhorar a nossa aptidão. No entanto, isso não explica a moralidade. A
ciência pode explicar por que certos comportamentos são adequados, mas não nos
ajuda a entender por que devemos agir de forma moral – a verdadeira questão da
moralidade.
Finalmente, a ciência
enfrenta limitações ainda no âmbito do estudo de seu próprio domínio – o
universo material. A ciência muitas vezes funciona bem quando faz perguntas
sobre como as coisas são feitas, como são colocadas juntas, como os fenômenos naturais
funcionam, quando e onde ocorrem os fenômenos naturais, e assim por diante.
Essas perguntas, começam com: o que, quando, onde e como. A ciência fica em
silêncio, no entanto, quando se trata das questões fundamentais sobre a
natureza – questões que começam com um filosófico por quê. E como foi possível
o Universo ser organizado tão precisamente, e da maneira exata para suportar a
vida inteligente? A ciência não nos diz. Por que o Universo existe? Mais uma
vez, a ciência não nos diz. Como crentes, obtemos uma visão dessas questões na
Palavra de Deus.
Visualizando
a ciência como meio de enriquecimento da fé e prática adventistas
Na seção anterior,
argumentei que as crenças cristãs fundamentais (mais especificamente as
doutrinas da criação e da queda) fornecem um sólido contexto para a compreensão
do poder e limites da ciência como uma forma humana de compreender o mundo
natural. Passemos agora à segunda argumentação deste estudo: As descobertas da
ciência, muitas vezes, enriquecem as nossas crenças e práticas como adventistas
do sétimo dia.
Deus
como Criador e Mantenedor – A Crença Fundamental Nº 3, da
Igreja Adventista do Sétimo Dia, declara: “Deus, o Eterno Pai, é o Criador, o
Originador, o Mantenedor e o Soberano de toda a criação.”16 Uma série de
descobertas científicas, quando vistas através das lentes da fé, oferecem
suporte para essa crença porque sugerem que as características importantes do
Universo e da vida na Terra refletem a clara intenção e planejamento de um
sábio Criador. Os biólogos que defendem o design da natureza são atingidos
pelos altamente integrados e fortemente regulados sistemas bioquímicos,
extremamente complexos e universais das células vivas. Eles não veem nenhuma
explicação naturalista viável para a forma como esses sistemas poderiam evoluir
através de processos naturais não guiados e, portanto, conseguem enxergar
apenas as evidências dos desígnios divinos.17
No entanto, como o
físico adventista Gary Burdick destaca, o extraordinário design também pode ser
revelado com o que a ciência tem explicado.18 Ele conta a história de como os
físicos vieram a compreender a forma em que os elementos de carbono e oxigênio
poderiam ser formados nos fornos nucleares das estrelas. Ao fazerem isso, eles
determinaram que os dois elementos só poderiam ser formados, e nas proporções
certas para suportarem a vida, se cada elemento exibisse um estado animado com
um nível de energia extremamente preciso. Descobertas posteriores demonstraram
que o carbono e o oxigênio exibiam exatamente esses estados animados, e os
cientistas ficaram se perguntando: “Por quê?” Por que o Universo foi feito da
maneira exata para que entrasse em ação esse processo tão imprescindível, a fim
de que a vida ocorresse em um nível tão ideal? O crente vê isso como uma evidência
dos desígnios divinos.
Alguns cristãos
concluem que a evidência científica impele essencialmente à crença em um Deus
Criador. Ariel Roth, colaborador de longa data para o pensamento adventista
sobre a fé e a ciência, apresenta esta perspectiva: “Os dados da própria
ciência nos forçam a concluir essencialmente que algo incomum está acontecendo,
como se um Deus experiente e transcendente estivesse envolvido na criação das
complexidades que a observação científica mantém descoberta.”19 Outros crentes
julgam que tais evidências são sugestivas, mas não coercitivas. Depois de
analisar a surpreendente beleza racional da natureza e do perfeito ajuste do
Universo para sustentar a vida consciente, John Polkinghorne, físico que se
tornou padre anglicano, conclui que uma interpretação teísta do Universo,
embora não “logicamente coerciva”, apresenta um “entendimento intelectualmente
satisfatório do que, de outra maneira, seria uma ininteligível boa sorte”.20
Sob outro ponto de vista, o conhecimento adquirido por meio da ciência é,
muitas vezes, congruente com a convicção cristã de que o Universo é criação de
Deus.
Talvez a contribuição
mais importante que o estudo científico traz à nossa crença em Deus seja que
ela proporciona a ocasião prática para vivermos essa crença – “adorai Aquele
que fez o céu e a Terra, o mar e as fontes das águas” (Apocalipse 14:7). Muitos
cientistas, mesmo aqueles que não possuem uma orientação religiosa, expressam
espanto e admiração diante da grandeza e complexidade do que eles estudam, e às
vezes expressam essa experiência em termos transcendentais, quase que
religiosos.21 Os biólogos cristãos podem aproveitar essa experiência dando um
passo à frente. Assim como Jó, há muito tempo atrás, ao ser confrontado pelo
manifesto poder de Deus na natureza selvagem (Jó 39-41), somos lembrados de
nossa pequenez, a fim de nos arrependermos de nossas atitudes orgulhosas e
adorarmos o nosso Criador (Jó 42:1-6).
Embora o estudo da
natureza forneça melhores percepções para as crenças cristãs sobre Deus,
devemos reconhecer que isso é feito com complexidade e ambiguidade. Lembro-me
de uma sexta-feira em que ocorreu algo fascinante no sul da Flórida, quando os
alunos se maravilhavam, juntamente com os seus professores, diante do
comportamento perfeito de uma aranha tecedora enquanto construía sua teia.
Alguns mencionaram essa maravilha do design nas reflexões do culto naquela
noite. No sábado de manhã, no entanto, um aluno observou o fato de que aquela
bela teia de aranha serve como uma armadilha mortal e levou os colegas a
meditarem sobre o seu significado na vida de cada um. A natureza é cheia de
tais reviravoltas que transformam os simples projetos da natureza em discussões
sobre a existência de Deus. Em um mundo caído, não enxergamos as coisas claramente;
vemos tudo como se estivéssemos atrás de um vidro escuro.
Concepção
adventista da humanidade – A narrativa do Gênesis nos diz:
“[O] Senhor Deus formou o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o
fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente” (2:7). Essa narrativa
fundamenta duas verdades sobre a natureza humana. Em primeiro lugar, nós
compartilhamos muito com o restante da criação porque somos feitos da mesma
matéria (aves e animais também foram formados “da terra”, Gênesis 2:19). Em
segundo lugar, nosso status como “almas viventes” reflete uma unidade
indivisível entre corpo e espírito. Os adventistas do sétimo dia formalizaram
essa última verdade na Crença Fundamental Nº 7, que afirma: “[Cada um] é uma
unidade indivisível de corpo, mente e alma, e dependente de Deus quanto à vida,
respiração e tudo o mais.”22 O compromisso adventista do sétimo dia para a
manutenção de uma vida benéfica e saudável vem a partir desta convicão: Se for
para eu cuidar da minha alma, tenho que cuidar do meu ser inteiro – corpo,
mente e espírito. As descobertas
científicas continuam a iluminar essas crenças e compromissos. A bioquímica nos
mostra que compartilhamos muito do maquinário molecular fundamental da vida com
outras criaturas, e a ecologia revela as formas essenciais em que os seres
humanos estão integrados aos ecossistemas naturais. Em nível mais prático, o
avanço do conhecimento em nutrição e bem-estar confirma o compromisso dos
adventistas com o viver saudável.23 Mais teoricamente, as descobertas científicas
dão pistas sobre a integralidade da natureza humana. Nós ainda temos muito a
aprender nessa área.
As
crenças adventistas e as descobertas científicas às vezes desafiam umas às
outras
Até aqui, tenho
enfatizado as maneiras positivas em que as crenças adventistas e a ciência
interagem. Temos que reconhecer, no entanto, que, para os adventistas, as
crenças bíblicas e o conhecimento científico às vezes se desafiam. Enfrentamos
esse desafio mais diretamente quando estudamos a história da vida. Os
adventistas aceitam as narrativas da criação registradas no Gênesis como a
história factual,24 que descreve a obra da criação de Deus, realizada em seis
dias literais, seguidos pelo sábado (Crença Fundamental Nº 6).25 As descobertas
científicas modernas são interpretadas com base na indicação de que houve um
processo de formação gradual, ocorrido durante um período de tempo muito longo.
Como podemos conciliar as evidências da Bíblia com as da natureza, a fim de
alcançarmos uma imagem coerente da criação?
Consideremos quatro
princípios gerais para um diálogo construtivo, princípios esses que irão
afirmar a autoridade da Bíblia, incentivar o crescimento em nossa compreensão,
tanto da Palavra de Deus como da natureza, e facilitar um diálogo respeitoso
entre os participantes. Primeiro, temos
que afirmar a autoridade das Escrituras e não forçar as interpretações da
Bíblia para acomodar a ciência. Por exemplo, alguns interpretaram os dias
descritos em Gênesis 1 como figurativos, representando períodos indefinidos da
criação.26 Essa interpretação ajuda a resolver a discrepância de tempo entre a
geologia e o Gênesis, mas os estudiosos adventistas a rejeitaram porque é
inconsistente com a evidência revelada no texto bíblico.27
Em segundo lugar, temos
que ser honestos com a evidência empírica da ciência e não forçar as
interpretações dessa evidência para resolver as tensões.
Como crentes, queremos
harmonizar o que aprendemos por meio da natureza e da Bíblia – os dois livros
de Deus. No entanto, temos que realizar as atividades relacionadas à ciência
com cuidado, somente com base em nossas conclusões científicas, tanto quanto a
evidência permite, e publicarmos essas conclusões de forma honesta – mesmo
quando o que descobrimos não venha a atender nossas expectativas.
Em terceiro lugar,
temos que buscar a integração. Embora os estudos bíblicos e científicos tenham
seus próprios métodos de investigação e provas, há uma maneira apropriada para
ambos dialogarem quando não houver acordo: cada um pode incentivar o outro a
reexaminar as interpretações feitas tempos antes e considerar as alternativas.
Em alguns casos, as ideias científicas têm ajudado os defensores da fé a
identificarem a interpretação bíblica incorreta (por exemplo, a afirmação de
que a Bíblia defende um Universo geocêntrico). Em outros casos, há conceitos
bíblicos que têm sugerido novas linhas de investigação científica, levando a
descobertas que reduzem a tensão entre as teorias científicas e a nossa
compreensão da Bíblia.28
Em condições ideais, a
integração vai eliminar o conflito que há entre a nossa compreensão da ciência
e da Bíblia, mas, na prática, alguns conflitos irão persistir. Tais conflitos
podem ser profundamente frustrantes, porém, não nos devem surpreender: Todo o
nosso conhecimento é parcial e sujeito à fragilidade humana! Na verdade, são
apenas esses pontos de conflito que podem sugerir novas linhas de pesquisa e
descobertas. Além disso, o fato de saber que nós simplesmente não podemos e não
sabemos tudo ameniza os ânimos do ego humano, estimula-nos à humildade e
promove a nossa honestidade intelectual. Assim, a presença da tensão não
resolvida pode se tornar não uma inimiga, mas estar a serviço da fé cristã: os
crentes são encorajados a crescer tanto em conhecimento como no caráter,
mantendo-se fiéis à Palavra de Deus.29
Finalmente, devemos ser
respeitosos em nossos diálogos uns com os outros. As conversações sobre a
ciência e a Bíblia tornam-se muitas vezes acaloradas, mesmo entre os cristãos.
Podemos ser mais respeitosos e generosos entre nós, quando nos lembramos de
nossa própria fragilidade e de que o mandamento de Cristo é que amemos uns aos
outros – mesmo quando participamos de debates vigorosos sobre como harmonizar a
Palavra de Deus com o mundo que Ele criou.
A ciência e a fé cristã
podem, desse modo, ser consideradas parceiras. A crença cristã oferece uma
estrutura para compreendermos a ciência como uma forma de conhecimento; as
descobertas científicas lançam luz sobre as crenças bíblicas relacionadas a
Deus e à humanidade, e ambas, às vezes, desafiam umas às outras a fim de
encontrar melhores explicações.
*H.
Thomas Goodwin, PhD pela Universidade de Kansas, é
professor de Biologia na Universidade Andrews, em Berrien Springs, Michigan,
EUA.
Este artigo foi
resumido a partir do original, sob o título de Biology: A Seventh-day Adventist
Approach for Students and Teachers, ed. H. Thomas Goodwin (Berrien Springs,
Michigan: Editora da Universidade Andrews, 2014). Reproduzido com permissão do
autor.
Citação
Recomendada
H. Thomas Goodwin ,
"A ciência e a fé como parceiras ," Diálogo 27:1 (2015): 5-9, 23
REFERÊNCIAS
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SP: Casa Publicadora Brasileira, 2008), p. 11.
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13. D. Read, Dinosaurs:
An Adventist View (Keene, Texas: Clarion Call Books, 2009).
14. S. Henson, “Why
mathematics, science, and humanities (including religion) don’t have a
quarrel”, Spectrum 37 (2009) 3:44-49.
15. Ratzsch, The Battle
of Beginnings, p. 96-99.
16. Nisto Cremos, p.
40.
17. Ver M. Behe,
Darwin’s Black Box: The Biochemical Challenge to Evolution (New York: Free
Press, 1996); L. Brand, Faith, Reason, and Earth History, 2a ed. (Berrien
Springs, Michigan: Andrews University Press, 2009).
18. G. Burdick,
“Ciência e projeto: Perspectiva de um físico”, Diálogo 20 (2008) 3:5-7.
19. A. Roth, Origins:
Linking Science and Scripture (Hagerstown, Maryland: Review and Herald
Publishing Assn., 1998), p. 10.
20. J. Polkinghorne,
Belief in God in an Age of Science (New Haven, Connecticut: Yale University
Press, 1998), p. 10.
21. Ver, por exemplo,
E. Wilson, The Creation: An Appeal to Save Life on Earth (New York: W. Norton,
2006), p. 55-61.
22. Nisto Cremos, p.
100.
23. G. Fraser,
“Association between diet and cancer, ischemic heart disease, and all-cause
mortality in non-Hispanic white Californian Seventh-day Adventists”, American
Journal of Clinical Nutrition 70 (1999): 532s-538s.
24. Ver, por exemplo,
R. Davidson, “The biblical account of origins,” Journal of the Adventist
Theological Society 14 (2003):4-43.
25. Nisto Cremos, p.
100.
26. Por exemplo, H.
Ross, A Matter of Days: Resolving a Creation Controversy (Colorado Springs,
Colorado: Navpress, 2004).
27. G. Hasel, “The
‘days’ of creation in Genesis 1: Literal ‘days’ or figurative ‘periods/epochs’
of time? Origins 21 (1994): 5-38; R. Davidson, “The biblical account of
origins”, Journal of the Adventist Theological Society 14 (2003):4-43.
28. Ver H. Goodwin,
“The fossil record: Seventh-day Adventist perspectives”, Biology: A Seventh-day
Adventist Approach, ed. H. Goodwin (Berrien Springs, Michigan: Andrews
University Press, 2014), p. 101-126.
29. H. Goodwin, “When
faith and knowledge clash: Leveraging the tension to advance Christian
education,” The Journal of Adventist Education 70 (2008) 4:44-47.
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