Teologia

domingo, 14 de janeiro de 2018

HÁ VERDADE E MORAL ABSOLUTAS?

Ricardo André

Nos momentos finais de Sua vida, Jesus foi levado perante Pôncio Pilatos. Os anciãos dos judeus haviam acusado Jesus de traição e rebelião contra Roma e insistiam que Ele fosse condenado à morte. Quando Pilatos se viu face a face com o Homem da Galileia, ele perguntou: “Tu és rei?” Jesus respondeu: "Tu dizes que sou rei. De fato, por esta razão nasci e para isto vim ao mundo: para testemunhar da verdade. Todos os que são da verdade me ouvem". (João 18:37). “O que é a verdade?”, Pilatos perguntou a Jesus. Esta é uma pergunta muito boa, talvez a mais filosófica em toda a Bíblia (João 18:38). Uma pergunta da qual tem ocupado ao longo dos tempos filósofos, cientistas e outros pensadores. E essa é uma pergunta para todas as épocas e para todas as pessoas.

Essa questão também está presente no fundamento da cosmovisão de nossa cultura. Há uma corrente de pensamento que advoga que cada um tem sua própria verdade, não existindo, portanto, a verdade única. Muitos hoje estão convencidos de que nada é absolutamente verdadeiro, que a verdade não pode existir e, se existir, certamente não é autoevidente e talvez não seja cognoscível. Nietzsche, nascido na Alemanha, faz uma crítica forte ao pensamento clássico - ao mundo das ideias, de Platão e Sócrates. Ele vai defender que a verdade não existe. Emmanuel Kant, ilustre filósofo alemão, no seu livro "A Crítica da Razão Pura" disse que a verdade não é absoluta, mas subjetiva.  Ainda mais, muitos dizem, não há nada completamente certo ou errado. Na melhor das hipóteses, há apenas uma diversidade de verdades.

Essa visão relativista da realidade e da qualidade da experiência humana torna a verdade “dependente da pessoa” ou simplesmente “verdade para mim”, sendo estabelecida com base em preferências individuais ou segundo o grupo a que a pessoa pertence. Ela já não é vista como objetiva, atemporal ou vinda de cima. A verdade agora é criada e recriada a partir da experiência, em diálogo com os outros, dentro de uma cultura. Isso significa que a moral de hoje não é a moral de ontem. A moral de hoje é cultural, relativa e muda de acordo com o tempo, com a necessidade pessoal ou social, ou com a preferência. Naturalmente, aqueles que defendem a existência de uma verdade moral, religiosa, social ou política que esteja acima do tempo e da cultura enfrentam muitas acusações de intolerância. Pelo fato de que a verdade moral pode ser profundamente polarizadora, muitos creem que o conceito de verdade por si só é perigoso.

Surpreendentemente, em vez de levar ao colapso da moralidade, esse audaz relativismo tem gerado um renascimento pela busca, muitas vezes solitária e dolorosa, dos princípios da vida. Essa busca é uma angústia que se manifesta por meio do pluralismo, da ausência de autoridade e da centralidade do eu na constituição de agentes morais. A cacofonia das vozes morais joga o indivíduo de volta a sua própria subjetividade como autoridade ética final. O desafio de se explorar todas as vias possíveis para saber como se deve viver moralmente costuma ser ao mesmo tempo cansativo e assustador, e também pode ser arriscado.

Pilatos não deu tempo para que Jesus lhe respondesse a pergunta. “A multidão do lado de fora clamava por uma decisão, e Pilatos não esperou por uma resposta. Assim, ele deixou passar uma oportunidade áurea. Como Félix, ele esperava um momento mais favorável (At 24:25). Se, mais tarde, alguém falou a ele sobre o Céu, foi negligenciado como nesta oportunidade. Pilatos morreu alguns anos mais tarde, como um suicida (Comentário Bíblico Adventista, v. 5, p. 1178, 1179). A maioria dos que hoje perguntam sobre a verdade também não tem tempo. Ele não fez uma pausa suficiente para ouvir. Pilatos teria ouvido algumas incríveis verdades sobre a verdade e a moral absolutas.

O que seria, pois, a verdade? É realmente possível chegar a conhecê-la?

A verdade existe?

Um ponto importante em relação a verdade é que ela existe (João 8:32). Além disso, só há um caminho, uma verdade e uma vida (João 14:6). Caminho, verdade e vida são expressões bíblicas morais. A verdade é uma esfera moral em que se pode estar, ser e agir – até mesmo prestar culto (João 3:21; 4:24; 8:44). Há um espírito da verdade e um espírito do erro, e nenhuma mentira é da verdade (João 18:27; 1 João 2:21; 4:6). A verdade está em contraste com a mentira, a falsidade, a irrealidade, a ilusão ou qualquer ideia de uma diversidade de verdades.

A verdade é uma pessoa

A essência da verdade é pessoal. Antes mesmo de Pilatos ter-Lhe questionado, Jesus já havia declarado: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida” (João 14:6). Esta afirmação de Jesus era um golpe penetrante ao que os gregos chamavam de autárkeia ou suficiência própria. Eles criam que a verdade era a manifestação da eterna, imóvel e imutável essência das coisas e que os homens podiam descobri-la mediante análise racional. A verdade última era localizada no mundo imaterial de ideias, que era formado por abstrações racionais da mente humana. Em oposição a isto, Jesus proclamou que a verdade está além do alcance da mente humana por si só; é uma revelação.

Dizendo: “Eu sou...a verdade”, Jesus rejeitou qualquer tentativa de definir a origem, a natureza e o destino da raça humana de uma perspectiva natural. Ademais, Ele Se arrogava a verdade absoluta. Ele não disse: “Sou uma dimensão da verdade, um aspeto da verdade, um elemento da verdade”. Aquele que falou era o Eterno “Eu sou”, Deus em forma humana (Êx 3:14; João 1:1-3, 14; Rm 9:5). NEle todo conhecimento encontra seu centro e significado.

Definitivamente, a afirmativa de Jesus não deixa margem para o relativismo. O seu "eu sou" é categórico; não está datado; não está restringido a uma cultura; não depende de uma escolha de fé. A vida de Jesus, um Deus que se faz homem, não é para ser vista como a de um mestre judeu; Ele era mais que um rabi; era Deus em forma de homem. O seu "eu sou o caminho, a verdade e a vida" coloca uma decisão para todo o ser humano, pois, "a questão mais pungente no problema da fé é se um homem enquanto um ser civilizado pode crer na divindade do Filho de Deus, Jesus Cristo, pois aí reside toda a nossa fé" (Fyodor Mikhailovich Dostoevsky - 1821-1861). Essa é uma ousada definição bíblica: Deus é a verdade. Sua natureza, Seu próprio espírito, é verdade. Em sua essência, a verdade é um Ser. Isso significa que a verdade é tanto moral como “inerentemente pessoal.” Ela não é abstrata nem um mero ensinamento. Tudo o que Deus diz e tudo o que Deus faz é verdade. Suas palavras e Suas obras são revelações de Sua natureza. Os ensinamentos de Jesus são verdadeiros, porque eles expressam a verdade, o que Ele mesmo é.

Portanto, se tivermos coragem e fé suficientes para trilhar Seu caminho, ele nos conduzirá à paz no coração e na mente, a um significado duradouro na vida, à felicidade neste mundo e alegria no mundo vindouro. O Salvador “não está longe de cada um de nós” (At 17:27). Temos Sua promessa de que se O buscarmos diligentemente, nós O encontraremos (Deuteronômio 4:29; Provérbios 8:17; Atos 17:27). A verdade, então, leva-nos a um relacionamento pessoal com a Fonte autêntica da vida. Ela sempre nos envolverá como pessoas.

Ao dizer “eu sou a verdade”, Jesus afirmou que a verdade não é simplesmente uma ideia ou um conceito abstrato, mas, também, uma pessoa. Assim, a verdade não é apenas algo a ser conhecido pela obtenção de informações, mas, também, pelo relacionamento, que conduz à intimidade. Não se conhece a verdade de Jesus apenas lendo a respeito dele. Essa verdade também deve ser conhecida na dinâmica das experiências relacionais. Num mundo de engano, ilusão e de problemas, podemos imprimir uma direção significativa à nossa vida. A reconfortante promessa de Jesus de que Ele é “o caminho, e a verdade, e a vida” tem dado a mim e a cada membro da minha família uma paz diária e um propósito e direção que nos conduziram realmente a um novo estilo de vida! Cristo não somente conhece o caminho e a verdade; Ele é o caminho e a verdade. Jesus é verdade a ser conhecida relacionalmente. Ellen G. White afirmou: “A verdade, como é em Jesus, pode ser experimentada mas nunca explicada. Sua altura, largura e profundidade ultrapassam nosso entendimento. Podemos exercitar ao máximo a imaginação, e veremos então só tenuemente o esboço de um amor inexplicável, tão alto quanto o Céu, mas que baixou à Terra para gravar em toda a humanidade a imagem de Deus” (Parábolas de Jesus, p. 129).

Você tem buscado conhecer a verdade de Jesus relacionalmente? Como está o seu relacionamento com ele?

A Palavra de Deus é a verdade

Na Sua grande oração, Jesus afirmou enfaticamente que a Palavra de Deus é a verdade declarada (João 17:17). O salmista afirma: “A verdade é a essência da tua Palavra” (Sl 119:160). O apóstolo Paulo asseverou que o evangelho pregado por ele e demais apóstolos é “a palavra da verdade” (Ef 1:13). “Visto que tudo na Escritura é palavra de Deus e que toda palavra que procede de Deus é a verdade, parece difícil evitar a conclusão de que tudo na Escritura é verdade. Era exatamente isso que os autores bíblicos reivindicavam para seus escritos. Foi isso que o Senhor afirmou e o que a maioria dos cristãos através dos séculos tem defendido e professado” (Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia, p. 50).

Uma vez que as Escrituras Sagradas são a verdade, elas representam “o único alicerce que sustenta a possibilidade de conhecimento. Se fosse deixado à razão humana decidir se a Escritura é verdadeira ou não, então a razão humana seria o padrão derradeiro que determinaria todo o conhecimento. Mas, (...) foi exatamente esse o erro que levou o ser humano a desobedecer a Deus. No final, a autoridade da Escritura repousa no testemunho que a própria Escritura dá de si mesma, porque não existe nenhuma outra autoridade maior por meio da qual a Bíblia possa ser medida. A Bíblia é a autoridade final e suprema para todo o conhecimento” (Teologia Sistemática: uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual, Vida Nova, p. 137, 138).

Embora a essência da verdade seja pessoal, a verdade pode ao mesmo tempo consistir de ideias e palavras concretas, objetivas e propositivas. A escritora cristã Ellen G. White afirmou que “o grande celeiro da verdade é a Palavra de Deus - a Palavra escrita, o livro da Natureza e o livro da experiência no trato de Deus para com a vida humana. Eis os tesouros, de que os coobreiros de Cristo devem prover-se. Na pesquisa da verdade devem confiar em Deus e não na inteligência dos grandes homens, cuja sabedoria é loucura para Deus. O Senhor comunicará ao inquiridor o conhecimento de Si mesmo, pelos canais por Ele prescritos” (Parábolas de Jesus, p. 125). Ela ainda afirma: “A Bíblia é o Livro dos livros. Se amais a Palavra de Deus, esquadrinhando-a quando tendes oportunidade, para que venhais a possuir seus ricos tesouros, e estejais perfeitamente aparelhados para toda boa obra, então podeis ter certeza de que Jesus vos está atraindo para Si. Ler, porém, as Escrituras de maneira casual, sem procurar compreender as lições de Cristo a fim de poder satisfazer Suas exigências, não é bastante. Há na Palavra de Deus tesouros que só podem ser descobertos penetrando fundo na mina da verdade” (Mensagens aos Jovens, p. 274).

A verdade como ideias ou palavras pode ser pronunciada, ouvida, escrita, lida, compreendida e mantida. Ela pode transformar a vida. Jesus assumiu que ideias e palavras cheias de verdade têm forma, conteúdo e significado compreensíveis. Há correspondência entre as ideias e as realidades que elas representam – sejam elas relativas a Jesus, ao Pai ou à vida humana moral e espiritual. As palavras verdadeiras podem ser invocadas precisamente porque estão de acordo com a realidade e vêm dAquele que é verdadeiro (João 14:6; Apocalipse 21:5; 22:6). Como o próprio Jesus é tanto “a Palavra” como a “verdade”, a correspondência entre as palavras e a realidade é assegurada (João 1:1-3, 14; Apocalipse 19:14; 1 João 1:1).

Certa feita, alguém afirmou que a verdade é o oxigênio da mente. É o ponto de partida para todas as atividades intelectuais, espirituais e morais. É o que por si só verdadeiramente liberta (João 8:32, Filipenses 4:8). Nós dizemos que algo é “verdade” quando estamos convencidos de que a realidade corresponde ao que pensamos. Dizemos que algo é “moralmente verdadeiro” quando estamos convencidos de que a realidade corresponde às nossas percepções do que é certo, justo e bom. A verdade é vital, pois influencia diretamente nossa vida. Agimos sobre o que acreditamos ser verdade, assim moldamos a maneira como vivemos. A verdade afeta o modo como vemos a nós mesmos e aos outros. Indubitavelmente, verdade é o que importa.

Como um navegador que recebe apoio das estrelas para que ele possa navegar à noite, precisamos de alguns pontos fixos pelos quais podemos nos orientar moralmente, algo que esteja fora de nós mesmos. A Palavra de Deus como verdade fornece esses pontos fixos de orientação moral. “Em Sua Palavra, Deus conferiu aos homens o conhecimento necessário à salvação. As Santas Escrituras devem ser aceitas como autorizada e infalível revelação de Sua vontade. Elas são a norma do caráter, o revelador das doutrinas, a pedra de toque da experiência religiosa. “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.” - II Tim. 3:16 e 17” (Ellen G. White, O Grande Conflito, p. 9). Portanto, “a Bíblia foi inspirada por Deus de forma que a verdade nela contida é adequada e tem autoridade como um guia em tudo que tenha relação com fé e prática” (Teologia Sistemática: uma análise história, bíblica e apologética para o contexto atual. Vida Nova, p. 104, 105). A declaração de Jesus, dizendo “a Tua Palavra é a verdade” (João 17:17), implica revelação. Assim, se a revelação é possível, a moral absoluta é possível. A verdade moral não é construída, é revelada; não é descoberta nem determinada por maioria de votos. É autoritativa e não apenas uma questão de preferência pessoal.

“Segundo Jesus, toda palavra que vem da boca de Deus é o padrão da vida cristã (Mt 4:4). Ele citou Deuteronômio 8:3 como sua base de autoridade, e continuou citando as Escrituras do Antigo Testamento contra as tentações do Diabo. Então, empregou a Palavra como arma contra os ataques o inimigo, e usou-a como fonte de verdade contra as deturpações da verdade que o diabo fez. A implicação do exemplo de Jesus é que uma vez que a palavra de Deus é identificada, o cristão deve se submeter a ela absolutamente e sem reserva” (Teologia Sistemática: uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual, Vida Nova, p. 111, 112).

Ivan Karamazov, personagem de um romance de Dostoiévski, argumentou que se Deus não existe, tudo é permitido. Mas se Deus existe, então se pode esperar que a verdade moral também exista. E se o padrão absoluto de moralidade é o Próprio Deus, toda ação moral deve ser julgada à luz de Sua natureza. A Palavra revelada de Deus – a Escritura – é nossa ligação tanto a Deus quanto à verdade moral. A Bíblia é nosso padrão ético porque vem de Deus, o único padrão para a moralidade. Isso deve ser mantido em mente quando apelamos para a Bíblia em questões morais, pois ela foi escrita em uma situação cultural e em um tempo diferentes de nossa realidade. Somente o fato de que Deus transcende a cultura nos permite nutrir a esperança de usar os princípios morais da Bíblia em nossa própria cultura. Sem isso, não poderíamos esperar elevarmo-nos acima do relativismo cultural. Mas Deus está acima dele. E Deus tem falado. O que Deus revela na Bíblia se aplica universalmente a todas as culturas. Portanto, ela deve ser obedecida porque é a verdade absoluta, e não simplesmente por ser uma boa palavra com bons conselhos.

A verdade da qual Jesus falou incorpora a moral, uma dimensão transformadora de vida: “Conhecerão a verdade, e a verdade os libertará.” Ele orou: “Santifica-os na verdade, a Tua palavra é a verdade” (João 8:32; 17:17). Nós não necessitamos tanto de liberdade a fim de descobrirmos a verdade, como residimos na verdade, a fim de experimentarmos a liberdade.

Existem valores morais absolutos?

Há valores morais absolutos? É claro! Como um padrão infinito, eterno, a verdade está no coração da cosmovisão cristã. Estamos procurando por ela, acreditando nela, vivendo por ela, modelando-a e falando dela. Temos de tomar decisões com base nela e sermos transformados por ela. A batalha pela verdade moral está no cerne do grande conflito entre Cristo e Satanás. É uma batalha que se trava por nossa mente e nosso caráter enquanto vivemos a vida e estamos envolvidos no confronto final da história da Terra (2 Tessalonicenses 2:8-12, Apocalipse 12:17; 14:6-13; 16:12-16). Deus nos deu Seu Espírito para nos guiar à verdade (João 16:13). A cada passo, Jesus nos lembra: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida.”

Caro amigo leitor, Deus quer mudar as nossas vidas com a Sua verdade e só Jesus pode remover as vendas e as amarras da mentira que nos impedem de viver de forma feliz e digna. Não quer você aceitar Jesus e a Sua Palavra, a Bíblia Sagrada, tornando-se uma nova criatura? Através dela podemos ser “perfeitos e perfeitamente habilitados para toda boa obra” (2Tm 3:16 e 17).

Deus te abençoe!



























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