Ricardo
André
A Declaração Universal
dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU em 1948, definiu os direitos
universais, invioláveis e inalienáveis de toda pessoa humana. Esses direitos
não são simplesmente concedidos pelo legislador: eles são declarados, isto é,
sua existência objetiva é anterior à decisão do legislador. Eles derivam do
“reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana”
(Preâmbulo da Declaração). Os direitos humanos se fundamentam na pressuposição
do valor, da integridade e da dignidade individual. Por isso se pressupõe,
também, que cada pessoa tem, pelo menos, direito a três liberdades individuais:
liberdade de consciência liberdade da opressão e exploração e, finalmente, a
liberdade de viver propriamente uma vida humana.
A declaração constitui
um ideal pelo qual todas as pessoas devem lutar: o respeito amplo dos direitos
humanos e a liberdade, garantindo sua aplicação universal e efetiva através de
medidas progressivas de caráter nacional e internacional. Na declaração são
listados todos os direitos próprios e inalienáveis de todo ser humano, os quais
devem ser respeitados por todos os países assinantes. Apresentam-se de forma
conjunta os direitos civis e políticos (art. 2-21) e os direitos sociais e
culturais (art. 22-27).
Não obstante, milhares
de pessoas, inclusive cristãos, por conta dos constantes homicídios e roubos,
repudiam veementemente os direitos humanos, e defende a tortura, a morte e
ameaças aos criminosos. Utilizam os meios de comunicação e as Redes Sociais
para reproduzir um discurso de ódio contra criminosos e contra as organizações
dos direitos humanos. Algumas expressões vem se propagando cada vez mais na
mídia e nas Redes Sociais, a exemplo de “Bandido bom é bandido morto.” “Tem
idade para matar, mas não tem idade para ir preso.” “Direitos Humanos só serve
para bandido.” “Esse povinho defensor de bandido… quero ver quando for
assaltado.” Confesso que me assusta ver
que jovens, inclusive cristãos, que tiveram acesso a boas escolas, conteúdos,
discussões e formação religiosa estejam reproduzindo às falácias mal
estruturadas dos mais velhos.
É importante que se
diga que ninguém é a favor de bandido.
Ninguém mesmo. Muito menos os direitos humanos. Ninguém quer que assalto,
assassinato, furto e outros crimes sejam perdoados ou descriminalizados. A
verdade é que as pessoas entendem errado. Por que alguém, em sã consciência,
seria a favor de assaltos, homicídios, latrocínios e furtos? Penso que as
pessoas não deveriam sair gritando palavras de ódio sem entender o argumento do
qual discorda — a não ser que elas se aceitem como ignorantes, isto é, que
ignoram parte dos fatos para manter-se na inércia do conforto.
Direitos
humanos é para todos, inclusive para o bandido
O artigo 3º da
Declaração Universal dos Direitos Humanos diz que: “Toda pessoa tem direito à vida,
à liberdade e à segurança pessoal.”
O trecho “Toda
pessoa (…)” do artigo 3º inclui todas as pessoas. Ninguém quer que os
cidadãos de bem sejam vítimas de um crime. Todas as leis do código penal são
pensadas para tentar garantir este e outros direitos comuns a todos os seres
humanos. Ninguém quer que os bandidos sejam especiais: o que o “povinho dos
Direitos Humanos” quer é que a sociedade não crie mais marginais e que a
quantidade dos existentes diminua. E é aí que está: infringindo os direitos
humanos, não se alcança este objetivo.
Vale ressaltar que o
trecho “Toda pessoa (…)” do artigo 3º também inclui o marginal. É
confuso que o cidadão que clama tanto por justiça, que a lei seja cumprida,
fique ávido para descumpri-la: tortura, homicídio e ameaça são crimes, mesmo
que sejam contra um condenado. Então, não, bandido não tem que morrer, porque isso
te tornaria tão marginal quanto. Um erro não justifica outro.
Se as pessoas que
discordam da atuação dos representantes dos Direitos Humanos querem uma
sociedade com menos criminosos, é preciso que elas entendam o papel dos
Direitos Humanos. O artigo 5º diz:
“Ninguém será submetido
à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.”
Ninguém nega as pessoas
o direito a sentir dor, raiva e/ou tristeza após terem sido vítimas de um
crime. A culpa não é delas e isto nunca foi dito pelos representantes dos
Direitos Humanos. Só quem é vítima sabe da própria dor. Mas o fato é que o olho
por olho não trará paz para a vítima ou os parentes dela, não trará um ente
querido de volta, não removerá seus traumas. O dente por dente só levará a pessoa
para mais perto de uma sociedade violenta, onde o crime se perpetua e ela pode
ser vítima mais uma vez. Ninguém quer que o cidadão seja vítima outra vez.
A punição deve ser
aplicada, sim. E com certeza será ainda melhor quando este indivíduo estiver apto
a se tornar um cidadão comum, após cumprir sua pena, e nunca mais venha a
causar problemas para a sociedade. E é sobre isso que os Direitos Humanos
falam.
Repetimos: Todo crime
deve ser devidamente punido, mas a maneira de punir pode influenciar na
reincidência do criminoso, que fará novas vítimas. É preciso que entendamos que
os motivos que levam a formação de criminosos e resolvê-los é mais importante
do que puni-los com mais severidade. Acredito profundamente que o problema da
violência, do crime, do encarceramento é uma questão social, que está
relacionada às desigualdades latentes da sociedade capitalista. Logo a solução
para a diminuição da violência é a implementação de políticas públicas que
ofereçam oportunidades, educação, saúde, cultura, lazer, entre outros direitos
fundamentais aos nossos jovens. Penso que construir presídios, prender mais
pessoas, não evita que mais pessoas se transformem em bandidos. Até porque o
sistema prisional brasileiro é falido. Não reabilita, pois é conhecido pelos
sérios problemas de superlotação, insalubridade e negação de direitos básicos,
como educação. O que aprendemos com os países mais desenvolvidos é que
reabilitar marginais colabora com a redução da criminalidade. Infringir os
Direitos Humanos de qualquer pessoa é atentar contra a vida e, no caso do
marginal, vai na contramão da reabilitação.
A
posição da Igreja Adventista
A Igreja Adventista do
Sétimo Dia não põe em xeque os Direitos Humanos conforme descrito na Declaração
Universal por causa dos crimes cometidos por marginais ou por causa da atuação
de representantes dos Direitos Humanos, que defendem que mesmo os condenados
devem ser tratados como seres humanos, que na carceragem eles devem passar por
um processo de reabilitação para serem reintegrados a sociedade. Antes, ela
simplesmente apoia os Direitos Humanos. Prova disso é que no dia 17 de novembro
de 1998, ano do 50º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a
Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia aprovou a seguinte declaração:
"Promovendo a
liberdade religiosa, a vida familiar, a educação, a saúde e a ajuda mútua, e
atendendo às necessidades humanas, os adventistas do sétimo dia afirmam a
dignidade da pessoa humana criada à imagem de Deus". (...) A Igreja
Adventista do Sétimo Dia insiste em que as Nações Unidas, autoridades
governamentais, líderes e crentes religiosos e organizações não-governamentais
trabalhem incansavelmente para a implantação desta Declaração. Políticos,
líderes de sindicato, professores, empregadores, representantes da mídia e
todos os líderes de opinião deveriam apoiar fortemente os direitos humanos.
Isto ajudaria a reduzir o crescente e violento extremismo religioso, a
intolerância, crimes e discriminação baseados tanto no secularismo religioso ou
antirreligioso. Dessa maneira, a Declaração Universal crescerá em importância
prática e nunca correrá o risco de se tornar um documento irrelevante.1
Por que a Igreja
Adventista crê na dignidade de todo ser humano e a proclama ao mundo? Por que o
direito de cada homem e mulher, à vida, à igualdade, saúde, liberdade,
oportunidades pessoais e vocacionais, expressão e culto, independentemente de
raça, religião, nacionalidade, idioma, cor ou tribo, é tão fundamental à visão
e missão da igreja? A resposta é simples. Nossa missão em prol da dignidade
humana não deriva de política, educação, sociologia ou psicologia. Na origem
dos direitos humanos está a dignidade humana, um princípio fundamental da ética
cristã. Ele está enraizado no compromisso de fé que temos com nosso Deus
Criador.
Assim sendo, quando
falamos em dignidade humana, temos de começar com o relacionamento Deus-homem e
isso envolve profundas implicações teológicas e relacionais. Tal consideração
leva em conta a realidade da Criação, a cruz e o discipulado.
1) Criação e dignidade
humana
O conceito adventista
de dignidade humana teve sua origem na própria mente de Deus, quando Ele, em
Sua infinita sabedoria e amor, tornou a humanidade a coroa de Seu processo
criativo. Adão e Eva foram criados à imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1:26,
27). As palavras imagem e semelhança usadas juntas no texto sugere a ideia de
similaridade. Segundo o Minidicionário Contemporâneo Caldas Aulete,
similaridade é “qualidade ou condição de similar; semelhança; similitude”. O
que temos aqui inicialmente é um grande contraste. No início da criação Deus
criou toda a natureza e os animais. Essa primeira parte da criação não é
mencionada como tendo similaridade especial com Deus. Deus a fez através de Sua
palavra criativa. No entanto, já sobre a criação do ser humano, vemos que
existe algo a mais, a similaridade com o próprio Deus. Ele diz ali que o homem
foi criado à imagem e semelhança de Deus. Quando o Criador disse: "Façamos
o homem à Nossa imagem" (Gênesis 1:26), estava compartilhando com
os seres humanos algo de Sua singularidade. O ser humano não é mera criatura.
Seu lugar na criação é absolutamente singular. Foi-lhe atribuído o domínio "sobre
os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre
toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra".
Foi lhe concedida a faculdade de pensar, escolher, ser criativo e desfrutar
parceria com Deus por meio de comunhão e mordomia.
Todas as demais
criaturas são também "seres viventes", mas os seres humanos devem
refletir a imagem de Deus e ser cumpridores da Sua vontade. Adão recebeu uma
missão: gerenciar o planeta Terra. A diferença entre o conceito bíblico e as
antigas tradições ou a teoria da evolução é imensa. Não somos o produto
acidental de um longo e sinuoso processo evolucionário, nem a ação arbitrária
de uma divindade lunática. Somos fruto do amor de Deus e parte de Seu desígnio
universal. Somos chamados a ser os principais protagonistas de um
extraordinário destino. Portanto, quando lidamos com seres humanos, estamos
lidando com o seu Criador. É esse parentesco divino que fundamenta o conceito
adventista de dignidade humana.
Ademais, de acordo com
o princípio de Gênesis, todo ser humano mantém um status de igualdade ante seus
semelhantes. A doutrina da criação expressa a profunda consciência da unidade
da humanidade e do valor sagrado do ser humano quando apresenta a raça humana
como uma família, em comunidade uns com os outros e com Deus.
2) A cruz e a dignidade
humana
O segundo fator que
reforça a âncora teológica da dignidade humana, como defendido pelos
adventistas, é que Deus não abandonou a raça humana à morte e destruição, mesmo
após ter ela se rebelado contra a Sua vontade. Quando Adão e Eva pecaram no
Jardim do Éden, revoltaram-se contra a manifesta vontade divina e se tornaram
merecedores de morte (Rm 6:24). Mas Deus preferiu enfrentar o pecado de uma
forma diferente. Rebeldes como fossem, Adão, Eva e seus descendentes eram ainda
Sua criação, e Deus preferiu enfrentar a rebelião com redenção, a morte com
vida, o ódio com amor. "Porque Deus amou ao mundo de tal
maneira que deu o Seu Filho unigênito, para que todo o que nEle crê não pereça,
mas tenha a vida eterna" (João 3:16). Embora sejamos pecadores e a
despeito de quão longe tenhamos ido na prática do pecado, ainda somos a
preciosa propriedade de Deus. Ele nos dotou de certa dignidade.
Portanto, o valor do
ser humano é medido pela cruz de Cristo, por Sua morte inocente em favor dos
pecadores e inimigos de Deus (Romanos 5:10). É incrível a descrição que o
salmista faz sobre o valor que o homem tem diante de Deus: “Quando contemplo os
teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que estabeleceste, que é o
homem, para que te lembres dele? e o filho do homem, para que o visites?
Contudo, pouco abaixo de Deus o fizeste; de glória e de honra o coroaste”
(Salmos 8:3-5).
Ellen G. White afirmou:
“(...)
Jamais poderemos entender o valor do ser humano, até que compreendamos o grande
sacrifício feito pela redenção humana no Calvário> O pecado de Adão no Éden
mergulhou a humanidade em desesperançada desgraça. Entretanto, no plano da
salvação, providenciou-se uma via para que todos escapem, se cumprirem os
requisitos. Foi concedida uma segunda oportunidade pelo sacrifício do Filho de
Deus. Temos uma batalha a travar, mas podemos sair vitoriosos pelos méritos do
sangue de Cristo”. 2
Diz mais ela: “É só
pela cruz que podemos avaliar o valor do ser humano. O valor dos homens por
quem Cristo morreu é tal que o Pai ficou satisfeito com o preço infinito que
pagou pela salvação do homem ao entregar o próprio Filho para morrer por sua
redenção. Que sabedoria, misericórdia e amor em sua plenitude são aí
manifestados! O valor do homem só é conhecido indo ao Calvário. No mistério da
cruz de Cristo podemos fazer uma estimativa do homem”. 3
Por isso, podemos
afirmar com convicção que a cruz se torna a afirmação perdurável de que todo
ser humano é uma pessoa de imenso valor e dignidade. De fato, Jesus de tal modo
Se identificou com a humanidade, que aquilo que fazemos a uma pessoa equivale a
tê-lo feito ao próprio Cristo. "Em verdade vos afirmo que sempre que o
fizestes a um destes Meus pequeninos irmãos, a Mim o fizestes" (Mateus
25:40). Portanto, toda vez que alguém (mesmo os condenados na prisão)
sofre abuso, tortura ou humilhação, Cristo é atingido. A criatura de Deus,
motivo da redenção provida por Cristo, nunca deve ser tratada como um objeto
comum a ser manipulado, mas como uma joia insubstituível.
3) Dignidade humana:
Implicações na missão da Igreja
Para os adventistas do
sétimo dia, a dignidade humana não deve aparecer como algo distante e
inatingível. Isolar as crenças da prática tem sido uma contínua tentação em
nossa vida religiosa, e isso não se mostra mais real do que na arena das
relações humanas. Quando Deus nos ordena amá-Lo com todo o nosso ser e aos
nossos semelhantes como a nós mesmos, está apelando a um retorno à meta da vida
como planejada originalmente por Ele. O centro da vida é o relacionamento bom e
apropriado, tanto com Deus quanto com os seres humanos. O profeta Isaías
declara quão inseparáveis são: "Porventura não é também este o jejum
que escolhi, que soltes as ligaduras da impiedade, desfaças as ataduras da
servidão, deixes livres os oprimidos e despedaces todo jugo? Porventura não é
também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres
desabrigados, e se vires o nu, o cubras, e não te escondas do teu
semelhante?" (Isaías 58:6 e 7).
A mensagem é bastante
clara: Haviam pessoas que se preocupavam em fazer práticas de jejum, afligindo
o próprio corpo, mostrando-se aflitos pela fome e sede, mas não observavam o
cerne da Lei, que é o amor pelo próximo. Eram capazes de serem assíduos no
jejum, mas não deixavam de oprimir os pobres. Primeiro de tudo vem o amor pelo
próximo, como sublinhará o ensinamento de Jesus e a Lei então será facilmente
observada.
Em si, Isaías não
critica o jejum; critica a incoerência. Essa mensagem pode ser aplicada a
tantas outras situações, onde se desvela a hipocrisia: de um lado a fidelidade
em mostrar aspectos que aparecem (ir sempre aos cultos) e do outro o dia-a-dia,
onde nem sempre se observa os ensinamentos de Cristo.
A religião, portanto, é
mais do que uma rotina formal. É mais do que belas frases, comoventes orações,
hinos inspiradores ou reuniões movimentadas num templo elegante e confortável.
Não se trata de um catálogo de doutrinas, a despeito de quão importantes elas
sejam. É vida real! Como declara Tiago: "A religião pura e sem mácula para com
o nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações,
e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo" (Tiago 1:27). Em
outras palavras, não pode haver verdadeira experiência religiosa sem respeito
pela dignidade humana.
Isso explica por que os
adventistas, desde o início de sua história, têm-se comprometido em defender o
valor de todo ser humano. Desde o princípio foi adotada uma firme posição
contra toda forma de injustiça social. Ellen White escreveu: "A
escravidão, o sistema de castas, os preconceitos raciais, a opressão dos
pobres, a negligência dos desventurados -- isso tudo é estabelecido como
anticristão e uma séria ameaça ao bem-estar da humanidade, e como males
apontados por Cristo que a Sua igreja tem o dever de vencer".4
Em um caso específico
ela deixou claro que os adventistas não deveriam obedecer à uma lei injusta
relacionada à escravidão nos EUA. Se um escravo escapasse dos domínios de seu
senhor, a lei exigia que ele fosse devolvido ao patrão. Ela protestou contra
essa lei e mandou que os adventistas não a obedecessem, a despeito das
consequências: “Quando as leis dos homens conflitam com a Palavra e a lei de Deus,
cumpre-nos obedecer a estas, sejam quais forem as consequências. À lei de nossa
terra que nos obriga a entregar um escravo ao seu senhor, não devemos obedecer;
e cumpre-nos sofrer as consequências de transgredir essa lei. O escravo não é
propriedade de nenhum homem. Deus é seu legítimo senhor, e o homem não tem
nenhum direito de tomar em suas mãos o que foi criado por Deus, e pretender que
seja propriedade sua”. 5
E também: "O
Senhor requer que reconheçamos os direitos de todos os homens. Os direitos
sociais dos homens, e seus direitos como cristãos, devem ser tomados em
consideração. Todos têm de ser tratados fina e delicadamente, como filhos e
filhas de Deus".6
Como resultado, a
igreja desenvolveu um ministério de restauração e respeito pela dignidade
humana. Mediante um sistema global de igrejas, escolas, hospitais, serviços
comunitários e a Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais
(ADRA), os adventistas difundem a mensagem de preocupação e cuidado para com
toda a humanidade em 203 dentre 208 países reconhecidos pelas Nações Unidas.
Entre as igrejas cristãs, assumimos um papel de liderança na promoção da liberdade
religiosa para todos. Recentemente a Divisão Sul-Americano dos ASD criou para
os oito países que a compõe, o Projeto “Quebrando o Silêncio”, cujo objetivo é
“prevenir e combater a violência contra crianças, mulheres e idosos, além de
orientar as vítimas na busca de ajuda dos órgãos competentes, quebrando assim o
ciclo de violência. A violência doméstica é nutrida pela ignorância. Assim,
para combater esse mal é preciso trazê-lo a público, examiná-lo e dar a solução
necessária. Os cidadãos em geral devem se tornar parte dessa solução e o
primeiro passo é a prevenção, procurando alcançar todas as faixas etárias”.7
Através da pena e da
voz, de missão e ministério, não somente suscitamos mais tentamos oferecer uma
resposta significativa a perguntas como: De que forma estamos defendendo e
promovendo os direitos humanos? Que deve ser feito quanto às várias formas de
discriminação em diferentes países? Como nos relacionamos com políticas que
tratam de guerra e terror? Que dizer de sistemas e estruturas políticas que
podem afetar a vida das pessoas, gerar fome, criminosos, refugiados? Que dizer
da exploração do trabalho infantil, do racismo e da condição da mulher?
Não pretendemos ter
todas as respostas ou soluções eficazes para todos os problemas. Mas levantar
tais indagações e agir em cooperação com outras agências na promoção dos
valores humanos são, por si só, tarefas necessárias. Não podemos de forma
alguma dar-nos ao luxo de permanecer em silencio no que se refere à violação do
ser humano.
A
Igreja não deve ficar em silêncio frente a violação dos Direitos Humanos
Penso que a igreja
precisa envolver-se mais no mundo marcado pela dor e sofrimento. Precisa
envolver-se na luta pelos direitos humanos, identificar-se com os pobres,
oprimidos, excluídos do desenvolvimento econômicos com aqueles que têm seus
direitos básicos violentados, negados, uma vez que Jesus Cristo, durante Seu
ministério terrestre identificou-se exatamente com esses segmentos da
sociedade. O engajamento na luta em favor da humanidade e a dignidade de cada
ser humano não pode ser apenas uma opção para os cristãos adventistas, mas é o
sinal visível de credibilidade para a ética cristã. Então, para os não cristãos
a defesa dos direitos humanos é uma ideologia ou uma utopia, mas para os
cristãos é uma manifestação do amor e a misericórdia de Deus.
Acredito profundamente
que os cristãos adventistas não podem ficar indiferentes perante a luta pelos
direitos humanos, pois tendo em conta que fomos criados a imagem e semelhança
de Deus, temos a responsabilidade de transpor para nossas relações
inter-humanas o amor, a justiça e a misericórdia de Deus. Os cristãos têm que
abraçar e fazer realidade o apelo do profeta Miquéias: praticar a justiça, amar
a misericórdia e caminhar humildemente com Deus (Miqueias 6:8) E esse apelo à
prática do amor, da justiça e da misericórdia, em sintonia com um Deus que é
amor, justiça e misericórdia, aparece na Bíblia em muitos textos e formulações
legais. Vejamos.
O relato de Caim e Abel
(Gn 4) é a primeira violação dos direitos humanos real narrado na Bíblia. É a
partir daqui que emerge a necessidade de defender o direito à vida. Dessa
maneira, com a Bíblia nasce a consciência de solidariedade para o próximo. Por
isso, ante a pergunta de Deus a Caim, “sou eu guardador de meu irmão?”, é
categórica a resposta implícita de Deus no texto: “sim, você é!”
Nas leis mosaicas (Ex
20-23) podemos encontrar os fundamentos morais do comportamento humano com o
propósito de preservar a justiça, a liberdade e a paz, no processo de consolidação
de uma sociedade harmônica. Os Dez Mandamentos contêm proibições como não
matar, não cometer adultério, não cobiçar, no falar falso testemunho contra o
próximo (Ex 20,1-7).
Também esse conjunto
legal fala de não explorar nem oprimir o estrangeiro, e não maltratar a viúva e
o órfão, porque viúvas, estrangeiros e órfãos não tinham ninguém que os
defendesse; de não agir como um agiota, nem cobrar juros quando se empresta
dinheiro para um irmão; e de devolver o manto tomado em penhor ao pôr-do-sol,
porque o manto que protege a pessoa é seu único cobertor (Ex 22,20-26). .
Os pioneiros
adventistas entendiam isso perfeitamente. Ellen White pode não ter promovido
uma melhoria das condições dos escravos, mas condenou a escravidão em termos
bem vigorosos: "A instituição da escravatura... permite [o homem] exercer sobre
seu semelhante um poder que Deus nunca lhe conferiu, e que pertence somente ao
Senhor". 8 Ela prosseguiu condenando a política escravagista como
"um insulto a Jeová".9
Tiago White escreveu
que o cristão "tem realmente tanto interesse neste velho mundo quanto qualquer
outro homem. Aqui ele deve permanecer e fazer sua parte até que o Príncipe da
Paz venha para reinar". 10
Essa visão dos
pioneiros, de que o cristão deve ir além da metodologia tradicional de
assistência social, até os problemas da dignidade e valor humanos, refletiu-se
na resolução da Associação Geral de 1865: "Resolvido que, a nosso ver, o ato de
votar quando exercido em benefício da justiça, humanidade e direito, é em si
mesmo correto e pode às vezes ser altamente apropriado; mas a admissão de tais
crimes como intemperança, insurreição e escravidão, consideramos como altamente
condenáveis à vista do Céu". 11
A
dignidade humana: Um valor central
Assim, para os
adventistas, a dignidade humana é um valor essencial. Não devemos apoiar de
modo algum uma política ou atitude que negue a dignidade de qualquer segmento
da humanidade. Violar direitos humanos é opor-se ao Evangelho. Até porque
direitos humanos e Bíblia convergem, porque tanto a Bíblia como a luta a favor
dos direitos humanos apresentam um ideal de dignidade universal para o ser
humano. Uma universalidade concreta e humanitária de solidariedade. Creio que
como igreja, devemos ser prudentes e sábios ao falarmos oficialmente, mas ser
uma igreja silenciosa sobre questões vitais é envergonhar-se de Jesus, nosso
Salvador e de Deus, nosso Criador.
Como membros da igreja,
não devemos tomar parte em nenhum empreendimento que transforme alguém feito à
imagem de Deus em uma coisa ou objeto. A questão não tem a ver somente com
coerência, mas também com testemunho. Nunca devemos nos esquecer de que somos
embaixadores do reino de Deus na Terra, e arautos de uma nova criação que
restaura e estabelece para sempre a dignidade humana. Só então, "romperá
a tua luz como a alva, a tua cura brotará sem detença, a tua justiça irá
adiante de ti, e a glória do Senhor será a tua retaguarda" (Isaías 58:8).
Referências:
1. Declarações de
Igreja, 1a. ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2003), p. 59.
2. Ellen G. White, A
Caminho do Lar [MD 2017], p. 134.
3. ____________, Testemunhos
Para a Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2008), vol. 2, p. 634,
634.
4. _____________, Life Sketches of Ellen G. White
(Mountain View, Calif.: Pacific Press Publ. Assn., 1943), p. 473.
5. _____________,
Testemunhos para a Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2008), v. 1,
p. 201, 202.
6. __________, Obreiros
Evangélicos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1993), p. 123.
8. Ellen White,
Testemunhos Para a Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2008), vol.
1, p. 358.
9. Ver Douglas Morgan, Adventists and the American
Republic (Knoxville: The University of Tennessee Press, 2001), p. 31.
10. Tiago White, citado
por Morgan, p. 34.
11. "Report on the Third Annual Session of the
General Conference", p. 197; citado por Morgan, pp. 36 e 37.
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