Teologia

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

OS ADVENTISTAS DO SÉTIMO DIA E OS DIREITOS HUMANOS

Ricardo André

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU em 1948, definiu os direitos universais, invioláveis e inalienáveis de toda pessoa humana. Esses direitos não são simplesmente concedidos pelo legislador: eles são declarados, isto é, sua existência objetiva é anterior à decisão do legislador. Eles derivam do “reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana” (Preâmbulo da Declaração). Os direitos humanos se fundamentam na pressuposição do valor, da integridade e da dignidade individual. Por isso se pressupõe, também, que cada pessoa tem, pelo menos, direito a três liberdades individuais: liberdade de consciência liberdade da opressão e exploração e, finalmente, a liberdade de viver propriamente uma vida humana.

A declaração constitui um ideal pelo qual todas as pessoas devem lutar: o respeito amplo dos direitos humanos e a liberdade, garantindo sua aplicação universal e efetiva através de medidas progressivas de caráter nacional e internacional. Na declaração são listados todos os direitos próprios e inalienáveis de todo ser humano, os quais devem ser respeitados por todos os países assinantes. Apresentam-se de forma conjunta os direitos civis e políticos (art. 2-21) e os direitos sociais e culturais (art. 22-27).

Não obstante, milhares de pessoas, inclusive cristãos, por conta dos constantes homicídios e roubos, repudiam veementemente os direitos humanos, e defende a tortura, a morte e ameaças aos criminosos. Utilizam os meios de comunicação e as Redes Sociais para reproduzir um discurso de ódio contra criminosos e contra as organizações dos direitos humanos. Algumas expressões vem se propagando cada vez mais na mídia e nas Redes Sociais, a exemplo de “Bandido bom é bandido morto.” “Tem idade para matar, mas não tem idade para ir preso.” “Direitos Humanos só serve para bandido.” “Esse povinho defensor de bandido… quero ver quando for assaltado.”  Confesso que me assusta ver que jovens, inclusive cristãos, que tiveram acesso a boas escolas, conteúdos, discussões e formação religiosa estejam reproduzindo às falácias mal estruturadas dos mais velhos.

É importante que se diga que ninguém é a favor de bandido. Ninguém mesmo. Muito menos os direitos humanos. Ninguém quer que assalto, assassinato, furto e outros crimes sejam perdoados ou descriminalizados. A verdade é que as pessoas entendem errado. Por que alguém, em sã consciência, seria a favor de assaltos, homicídios, latrocínios e furtos? Penso que as pessoas não deveriam sair gritando palavras de ódio sem entender o argumento do qual discorda — a não ser que elas se aceitem como ignorantes, isto é, que ignoram parte dos fatos para manter-se na inércia do conforto.

Direitos humanos é para todos, inclusive para o bandido

O artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos Humanos diz que: “Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.”

O trecho “Toda pessoa (…)” do artigo 3º inclui todas as pessoas. Ninguém quer que os cidadãos de bem sejam vítimas de um crime. Todas as leis do código penal são pensadas para tentar garantir este e outros direitos comuns a todos os seres humanos. Ninguém quer que os bandidos sejam especiais: o que o “povinho dos Direitos Humanos” quer é que a sociedade não crie mais marginais e que a quantidade dos existentes diminua. E é aí que está: infringindo os direitos humanos, não se alcança este objetivo.

Vale ressaltar que o trecho “Toda pessoa (…)” do artigo 3º também inclui o marginal. É confuso que o cidadão que clama tanto por justiça, que a lei seja cumprida, fique ávido para descumpri-la: tortura, homicídio e ameaça são crimes, mesmo que sejam contra um condenado. Então, não, bandido não tem que morrer, porque isso te tornaria tão marginal quanto. Um erro não justifica outro.

Se as pessoas que discordam da atuação dos representantes dos Direitos Humanos querem uma sociedade com menos criminosos, é preciso que elas entendam o papel dos Direitos Humanos. O artigo 5º diz:

“Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.”

Ninguém nega as pessoas o direito a sentir dor, raiva e/ou tristeza após terem sido vítimas de um crime. A culpa não é delas e isto nunca foi dito pelos representantes dos Direitos Humanos. Só quem é vítima sabe da própria dor. Mas o fato é que o olho por olho não trará paz para a vítima ou os parentes dela, não trará um ente querido de volta, não removerá seus traumas. O dente por dente só levará a pessoa para mais perto de uma sociedade violenta, onde o crime se perpetua e ela pode ser vítima mais uma vez. Ninguém quer que o cidadão seja vítima outra vez.

A punição deve ser aplicada, sim. E com certeza será ainda melhor quando este indivíduo estiver apto a se tornar um cidadão comum, após cumprir sua pena, e nunca mais venha a causar problemas para a sociedade. E é sobre isso que os Direitos Humanos falam.

Repetimos: Todo crime deve ser devidamente punido, mas a maneira de punir pode influenciar na reincidência do criminoso, que fará novas vítimas. É preciso que entendamos que os motivos que levam a formação de criminosos e resolvê-los é mais importante do que puni-los com mais severidade. Acredito profundamente que o problema da violência, do crime, do encarceramento é uma questão social, que está relacionada às desigualdades latentes da sociedade capitalista. Logo a solução para a diminuição da violência é a implementação de políticas públicas que ofereçam oportunidades, educação, saúde, cultura, lazer, entre outros direitos fundamentais aos nossos jovens. Penso que construir presídios, prender mais pessoas, não evita que mais pessoas se transformem em bandidos. Até porque o sistema prisional brasileiro é falido. Não reabilita, pois é conhecido pelos sérios problemas de superlotação, insalubridade e negação de direitos básicos, como educação. O que aprendemos com os países mais desenvolvidos é que reabilitar marginais colabora com a redução da criminalidade. Infringir os Direitos Humanos de qualquer pessoa é atentar contra a vida e, no caso do marginal, vai na contramão da reabilitação.

A posição da Igreja Adventista

A Igreja Adventista do Sétimo Dia não põe em xeque os Direitos Humanos conforme descrito na Declaração Universal por causa dos crimes cometidos por marginais ou por causa da atuação de representantes dos Direitos Humanos, que defendem que mesmo os condenados devem ser tratados como seres humanos, que na carceragem eles devem passar por um processo de reabilitação para serem reintegrados a sociedade. Antes, ela simplesmente apoia os Direitos Humanos. Prova disso é que no dia 17 de novembro de 1998, ano do 50º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia aprovou a seguinte declaração:

"Promovendo a liberdade religiosa, a vida familiar, a educação, a saúde e a ajuda mútua, e atendendo às necessidades humanas, os adventistas do sétimo dia afirmam a dignidade da pessoa humana criada à imagem de Deus". (...) A Igreja Adventista do Sétimo Dia insiste em que as Nações Unidas, autoridades governamentais, líderes e crentes religiosos e organizações não-governamentais trabalhem incansavelmente para a implantação desta Declaração. Políticos, líderes de sindicato, professores, empregadores, representantes da mídia e todos os líderes de opinião deveriam apoiar fortemente os direitos humanos. Isto ajudaria a reduzir o crescente e violento extremismo religioso, a intolerância, crimes e discriminação baseados tanto no secularismo religioso ou antirreligioso. Dessa maneira, a Declaração Universal crescerá em importância prática e nunca correrá o risco de se tornar um documento irrelevante.1

Por que a Igreja Adventista crê na dignidade de todo ser humano e a proclama ao mundo? Por que o direito de cada homem e mulher, à vida, à igualdade, saúde, liberdade, oportunidades pessoais e vocacionais, expressão e culto, independentemente de raça, religião, nacionalidade, idioma, cor ou tribo, é tão fundamental à visão e missão da igreja? A resposta é simples. Nossa missão em prol da dignidade humana não deriva de política, educação, sociologia ou psicologia. Na origem dos direitos humanos está a dignidade humana, um princípio fundamental da ética cristã. Ele está enraizado no compromisso de fé que temos com nosso Deus Criador.

Assim sendo, quando falamos em dignidade humana, temos de começar com o relacionamento Deus-homem e isso envolve profundas implicações teológicas e relacionais. Tal consideração leva em conta a realidade da Criação, a cruz e o discipulado.

1) Criação e dignidade humana

O conceito adventista de dignidade humana teve sua origem na própria mente de Deus, quando Ele, em Sua infinita sabedoria e amor, tornou a humanidade a coroa de Seu processo criativo. Adão e Eva foram criados à imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1:26, 27). As palavras imagem e semelhança usadas juntas no texto sugere a ideia de similaridade. Segundo o Minidicionário Contemporâneo Caldas Aulete, similaridade é “qualidade ou condição de similar; semelhança; similitude”. O que temos aqui inicialmente é um grande contraste. No início da criação Deus criou toda a natureza e os animais. Essa primeira parte da criação não é mencionada como tendo similaridade especial com Deus. Deus a fez através de Sua palavra criativa. No entanto, já sobre a criação do ser humano, vemos que existe algo a mais, a similaridade com o próprio Deus. Ele diz ali que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. Quando o Criador disse: "Façamos o homem à Nossa imagem" (Gênesis 1:26), estava compartilhando com os seres humanos algo de Sua singularidade. O ser humano não é mera criatura. Seu lugar na criação é absolutamente singular. Foi-lhe atribuído o domínio "sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra". Foi lhe concedida a faculdade de pensar, escolher, ser criativo e desfrutar parceria com Deus por meio de comunhão e mordomia.

Todas as demais criaturas são também "seres viventes", mas os seres humanos devem refletir a imagem de Deus e ser cumpridores da Sua vontade. Adão recebeu uma missão: gerenciar o planeta Terra. A diferença entre o conceito bíblico e as antigas tradições ou a teoria da evolução é imensa. Não somos o produto acidental de um longo e sinuoso processo evolucionário, nem a ação arbitrária de uma divindade lunática. Somos fruto do amor de Deus e parte de Seu desígnio universal. Somos chamados a ser os principais protagonistas de um extraordinário destino. Portanto, quando lidamos com seres humanos, estamos lidando com o seu Criador. É esse parentesco divino que fundamenta o conceito adventista de dignidade humana.

Ademais, de acordo com o princípio de Gênesis, todo ser humano mantém um status de igualdade ante seus semelhantes. A doutrina da criação expressa a profunda consciência da unidade da humanidade e do valor sagrado do ser humano quando apresenta a raça humana como uma família, em comunidade uns com os outros e com Deus.

2) A cruz e a dignidade humana

O segundo fator que reforça a âncora teológica da dignidade humana, como defendido pelos adventistas, é que Deus não abandonou a raça humana à morte e destruição, mesmo após ter ela se rebelado contra a Sua vontade. Quando Adão e Eva pecaram no Jardim do Éden, revoltaram-se contra a manifesta vontade divina e se tornaram merecedores de morte (Rm 6:24). Mas Deus preferiu enfrentar o pecado de uma forma diferente. Rebeldes como fossem, Adão, Eva e seus descendentes eram ainda Sua criação, e Deus preferiu enfrentar a rebelião com redenção, a morte com vida, o ódio com amor. "Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigênito, para que todo o que nEle crê não pereça, mas tenha a vida eterna" (João 3:16). Embora sejamos pecadores e a despeito de quão longe tenhamos ido na prática do pecado, ainda somos a preciosa propriedade de Deus. Ele nos dotou de certa dignidade.

Portanto, o valor do ser humano é medido pela cruz de Cristo, por Sua morte inocente em favor dos pecadores e inimigos de Deus (Romanos 5:10). É incrível a descrição que o salmista faz sobre o valor que o homem tem diante de Deus: “Quando contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que estabeleceste, que é o homem, para que te lembres dele? e o filho do homem, para que o visites? Contudo, pouco abaixo de Deus o fizeste; de glória e de honra o coroaste” (Salmos 8:3-5).

Ellen G. White afirmou: “(...) Jamais poderemos entender o valor do ser humano, até que compreendamos o grande sacrifício feito pela redenção humana no Calvário> O pecado de Adão no Éden mergulhou a humanidade em desesperançada desgraça. Entretanto, no plano da salvação, providenciou-se uma via para que todos escapem, se cumprirem os requisitos. Foi concedida uma segunda oportunidade pelo sacrifício do Filho de Deus. Temos uma batalha a travar, mas podemos sair vitoriosos pelos méritos do sangue de Cristo”. 2

Diz mais ela: “É só pela cruz que podemos avaliar o valor do ser humano. O valor dos homens por quem Cristo morreu é tal que o Pai ficou satisfeito com o preço infinito que pagou pela salvação do homem ao entregar o próprio Filho para morrer por sua redenção. Que sabedoria, misericórdia e amor em sua plenitude são aí manifestados! O valor do homem só é conhecido indo ao Calvário. No mistério da cruz de Cristo podemos fazer uma estimativa do homem”. 3

Por isso, podemos afirmar com convicção que a cruz se torna a afirmação perdurável de que todo ser humano é uma pessoa de imenso valor e dignidade. De fato, Jesus de tal modo Se identificou com a humanidade, que aquilo que fazemos a uma pessoa equivale a tê-lo feito ao próprio Cristo. "Em verdade vos afirmo que sempre que o fizestes a um destes Meus pequeninos irmãos, a Mim o fizestes" (Mateus 25:40). Portanto, toda vez que alguém (mesmo os condenados na prisão) sofre abuso, tortura ou humilhação, Cristo é atingido. A criatura de Deus, motivo da redenção provida por Cristo, nunca deve ser tratada como um objeto comum a ser manipulado, mas como uma joia insubstituível.


3) Dignidade humana: Implicações na missão da Igreja

Para os adventistas do sétimo dia, a dignidade humana não deve aparecer como algo distante e inatingível. Isolar as crenças da prática tem sido uma contínua tentação em nossa vida religiosa, e isso não se mostra mais real do que na arena das relações humanas. Quando Deus nos ordena amá-Lo com todo o nosso ser e aos nossos semelhantes como a nós mesmos, está apelando a um retorno à meta da vida como planejada originalmente por Ele. O centro da vida é o relacionamento bom e apropriado, tanto com Deus quanto com os seres humanos. O profeta Isaías declara quão inseparáveis são: "Porventura não é também este o jejum que escolhi, que soltes as ligaduras da impiedade, desfaças as ataduras da servidão, deixes livres os oprimidos e despedaces todo jugo? Porventura não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres desabrigados, e se vires o nu, o cubras, e não te escondas do teu semelhante?" (Isaías 58:6 e 7).

A mensagem é bastante clara: Haviam pessoas que se preocupavam em fazer práticas de jejum, afligindo o próprio corpo, mostrando-se aflitos pela fome e sede, mas não observavam o cerne da Lei, que é o amor pelo próximo. Eram capazes de serem assíduos no jejum, mas não deixavam de oprimir os pobres. Primeiro de tudo vem o amor pelo próximo, como sublinhará o ensinamento de Jesus e a Lei então será facilmente observada.

Em si, Isaías não critica o jejum; critica a incoerência. Essa mensagem pode ser aplicada a tantas outras situações, onde se desvela a hipocrisia: de um lado a fidelidade em mostrar aspectos que aparecem (ir sempre aos cultos) e do outro o dia-a-dia, onde nem sempre se observa os ensinamentos de Cristo.

A religião, portanto, é mais do que uma rotina formal. É mais do que belas frases, comoventes orações, hinos inspiradores ou reuniões movimentadas num templo elegante e confortável. Não se trata de um catálogo de doutrinas, a despeito de quão importantes elas sejam. É vida real! Como declara Tiago: "A religião pura e sem mácula para com o nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo" (Tiago 1:27). Em outras palavras, não pode haver verdadeira experiência religiosa sem respeito pela dignidade humana.

Isso explica por que os adventistas, desde o início de sua história, têm-se comprometido em defender o valor de todo ser humano. Desde o princípio foi adotada uma firme posição contra toda forma de injustiça social. Ellen White escreveu: "A escravidão, o sistema de castas, os preconceitos raciais, a opressão dos pobres, a negligência dos desventurados -- isso tudo é estabelecido como anticristão e uma séria ameaça ao bem-estar da humanidade, e como males apontados por Cristo que a Sua igreja tem o dever de vencer".4

Em um caso específico ela deixou claro que os adventistas não deveriam obedecer à uma lei injusta relacionada à escravidão nos EUA. Se um escravo escapasse dos domínios de seu senhor, a lei exigia que ele fosse devolvido ao patrão. Ela protestou contra essa lei e mandou que os adventistas não a obedecessem, a despeito das consequências: “Quando as leis dos homens conflitam com a Palavra e a lei de Deus, cumpre-nos obedecer a estas, sejam quais forem as consequências. À lei de nossa terra que nos obriga a entregar um escravo ao seu senhor, não devemos obedecer; e cumpre-nos sofrer as consequências de transgredir essa lei. O escravo não é propriedade de nenhum homem. Deus é seu legítimo senhor, e o homem não tem nenhum direito de tomar em suas mãos o que foi criado por Deus, e pretender que seja propriedade sua”. 5

E também: "O Senhor requer que reconheçamos os direitos de todos os homens. Os direitos sociais dos homens, e seus direitos como cristãos, devem ser tomados em consideração. Todos têm de ser tratados fina e delicadamente, como filhos e filhas de Deus".6

Como resultado, a igreja desenvolveu um ministério de restauração e respeito pela dignidade humana. Mediante um sistema global de igrejas, escolas, hospitais, serviços comunitários e a Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (ADRA), os adventistas difundem a mensagem de preocupação e cuidado para com toda a humanidade em 203 dentre 208 países reconhecidos pelas Nações Unidas. Entre as igrejas cristãs, assumimos um papel de liderança na promoção da liberdade religiosa para todos. Recentemente a Divisão Sul-Americano dos ASD criou para os oito países que a compõe, o Projeto “Quebrando o Silêncio”, cujo objetivo é “prevenir e combater a violência contra crianças, mulheres e idosos, além de orientar as vítimas na busca de ajuda dos órgãos competentes, quebrando assim o ciclo de violência. A violência doméstica é nutrida pela ignorância. Assim, para combater esse mal é preciso trazê-lo a público, examiná-lo e dar a solução necessária. Os cidadãos em geral devem se tornar parte dessa solução e o primeiro passo é a prevenção, procurando alcançar todas as faixas etárias”.7

Através da pena e da voz, de missão e ministério, não somente suscitamos mais tentamos oferecer uma resposta significativa a perguntas como: De que forma estamos defendendo e promovendo os direitos humanos? Que deve ser feito quanto às várias formas de discriminação em diferentes países? Como nos relacionamos com políticas que tratam de guerra e terror? Que dizer de sistemas e estruturas políticas que podem afetar a vida das pessoas, gerar fome, criminosos, refugiados? Que dizer da exploração do trabalho infantil, do racismo e da condição da mulher?

Não pretendemos ter todas as respostas ou soluções eficazes para todos os problemas. Mas levantar tais indagações e agir em cooperação com outras agências na promoção dos valores humanos são, por si só, tarefas necessárias. Não podemos de forma alguma dar-nos ao luxo de permanecer em silencio no que se refere à violação do ser humano.

A Igreja não deve ficar em silêncio frente a violação dos Direitos Humanos

Penso que a igreja precisa envolver-se mais no mundo marcado pela dor e sofrimento. Precisa envolver-se na luta pelos direitos humanos, identificar-se com os pobres, oprimidos, excluídos do desenvolvimento econômicos com aqueles que têm seus direitos básicos violentados, negados, uma vez que Jesus Cristo, durante Seu ministério terrestre identificou-se exatamente com esses segmentos da sociedade. O engajamento na luta em favor da humanidade e a dignidade de cada ser humano não pode ser apenas uma opção para os cristãos adventistas, mas é o sinal visível de credibilidade para a ética cristã. Então, para os não cristãos a defesa dos direitos humanos é uma ideologia ou uma utopia, mas para os cristãos é uma manifestação do amor e a misericórdia de Deus.

Acredito profundamente que os cristãos adventistas não podem ficar indiferentes perante a luta pelos direitos humanos, pois tendo em conta que fomos criados a imagem e semelhança de Deus, temos a responsabilidade de transpor para nossas relações inter-humanas o amor, a justiça e a misericórdia de Deus. Os cristãos têm que abraçar e fazer realidade o apelo do profeta Miquéias: praticar a justiça, amar a misericórdia e caminhar humildemente com Deus (Miqueias 6:8) E esse apelo à prática do amor, da justiça e da misericórdia, em sintonia com um Deus que é amor, justiça e misericórdia, aparece na Bíblia em muitos textos e formulações legais. Vejamos.

O relato de Caim e Abel (Gn 4) é a primeira violação dos direitos humanos real narrado na Bíblia. É a partir daqui que emerge a necessidade de defender o direito à vida. Dessa maneira, com a Bíblia nasce a consciência de solidariedade para o próximo. Por isso, ante a pergunta de Deus a Caim, “sou eu guardador de meu irmão?”, é categórica a resposta implícita de Deus no texto: “sim, você é!”

Nas leis mosaicas (Ex 20-23) podemos encontrar os fundamentos morais do comportamento humano com o propósito de preservar a justiça, a liberdade e a paz, no processo de consolidação de uma sociedade harmônica. Os Dez Mandamentos contêm proibições como não matar, não cometer adultério, não cobiçar, no falar falso testemunho contra o próximo (Ex 20,1-7).

Também esse conjunto legal fala de não explorar nem oprimir o estrangeiro, e não maltratar a viúva e o órfão, porque viúvas, estrangeiros e órfãos não tinham ninguém que os defendesse; de não agir como um agiota, nem cobrar juros quando se empresta dinheiro para um irmão; e de devolver o manto tomado em penhor ao pôr-do-sol, porque o manto que protege a pessoa é seu único cobertor (Ex 22,20-26).  .

Os pioneiros adventistas entendiam isso perfeitamente. Ellen White pode não ter promovido uma melhoria das condições dos escravos, mas condenou a escravidão em termos bem vigorosos: "A instituição da escravatura... permite [o homem] exercer sobre seu semelhante um poder que Deus nunca lhe conferiu, e que pertence somente ao Senhor". 8 Ela prosseguiu condenando a política escravagista como "um insulto a Jeová".9

Tiago White escreveu que o cristão "tem realmente tanto interesse neste velho mundo quanto qualquer outro homem. Aqui ele deve permanecer e fazer sua parte até que o Príncipe da Paz venha para reinar". 10

Essa visão dos pioneiros, de que o cristão deve ir além da metodologia tradicional de assistência social, até os problemas da dignidade e valor humanos, refletiu-se na resolução da Associação Geral de 1865: "Resolvido que, a nosso ver, o ato de votar quando exercido em benefício da justiça, humanidade e direito, é em si mesmo correto e pode às vezes ser altamente apropriado; mas a admissão de tais crimes como intemperança, insurreição e escravidão, consideramos como altamente condenáveis à vista do Céu". 11

A dignidade humana: Um valor central

Assim, para os adventistas, a dignidade humana é um valor essencial. Não devemos apoiar de modo algum uma política ou atitude que negue a dignidade de qualquer segmento da humanidade. Violar direitos humanos é opor-se ao Evangelho. Até porque direitos humanos e Bíblia convergem, porque tanto a Bíblia como a luta a favor dos direitos humanos apresentam um ideal de dignidade universal para o ser humano. Uma universalidade concreta e humanitária de solidariedade. Creio que como igreja, devemos ser prudentes e sábios ao falarmos oficialmente, mas ser uma igreja silenciosa sobre questões vitais é envergonhar-se de Jesus, nosso Salvador e de Deus, nosso Criador.

Como membros da igreja, não devemos tomar parte em nenhum empreendimento que transforme alguém feito à imagem de Deus em uma coisa ou objeto. A questão não tem a ver somente com coerência, mas também com testemunho. Nunca devemos nos esquecer de que somos embaixadores do reino de Deus na Terra, e arautos de uma nova criação que restaura e estabelece para sempre a dignidade humana. Só então, "romperá a tua luz como a alva, a tua cura brotará sem detença, a tua justiça irá adiante de ti, e a glória do Senhor será a tua retaguarda" (Isaías 58:8).


Referências:

1. Declarações de Igreja, 1a. ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2003), p. 59.

2. Ellen G. White, A Caminho do Lar [MD 2017], p. 134.

3. ____________, Testemunhos Para a Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2008), vol. 2, p. 634, 634.

4. _____________, Life Sketches of Ellen G. White (Mountain View, Calif.: Pacific Press Publ. Assn., 1943), p. 473.

5. _____________, Testemunhos para a Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2008), v. 1, p. 201, 202.

6. __________, Obreiros Evangélicos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1993), p. 123.


8. Ellen White, Testemunhos Para a Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2008), vol. 1, p. 358.

9. Ver Douglas Morgan, Adventists and the American Republic (Knoxville: The University of Tennessee Press, 2001), p. 31.

10. Tiago White, citado por Morgan, p. 34.

11. "Report on the Third Annual Session of the General Conference", p. 197; citado por Morgan, pp. 36 e 37.

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