QUEM CHORA É MAIS FELIZ


 Ricardo André

Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados (Mt 5:4, NAA).

Quando nascemos, a primeira coisa que fazemos é chorar; e quando nos despedimos do mundo, aqueles que nos amam choram por sentirem nossa ausência.

O choro é uma parte inevitável da experiência humana. Ele, infelizmente, começou a existir com a entrada do pecado neste mundo. O choro é uma expressão de dor, de tristeza, de sofrimento. Pode ser uma dor física ou dor no coração, dor de sentimento. Há lágrimas que deslizam pelo rosto, e outras não reveladas, que correm pelo coração. Porém, de uma forma ou de outra, há muito coração doído, quebrantado e muitas espécie de choro. Há choro por incompreensão, por rejeição, por solidão, de saudade, de perda, pela ingratidão, pelo castigo, pelo insucesso, e até pelo inconformismo. Quantas lágrimas! Disse alguém que se juntássemos todas as lágrimas que já foram vertidas teríamos um volume igual ao do rio Amazonas; e este é o maior do mundo em volume de água!

Quem não é tomado, de vez em quando ou frequentemente, por um sentimento como esse? Estudos feitos mostram que tanto homens como mulheres choram igualmente. Essa história de que “homem não chora” não passa de um condicionamento social, até nocivo. Às vezes é preciso chorar, e chorar sem pressa. Hoje se sabe que o choro é algo bom e saudável; equilibra as emoções.

Quando minha amada mãe, Noêmia Cordeiro de Souza, faleceu na madrugada do dia 25 de junho de 2004, aos 53 anos, chorei copiosamente. Foi uma grande tristeza para mim, para meus irmãos, para sua mãe Deutrudes Cordeiro (que faleceu meses depois), seus irmãos e amigos sepultar aquela que era cara ao nosso coração. Ao longo daquele ano fartei-me de chorar. Eu havia vivido o ano mais triste e difícil da minha vida. A casa dos meus pais (meu primeiro lar) ficou vazia. Eu e meus sete irmãos sentimos de modo muito agudo o golpe. Todavia, nosso compassivo Deus consolou-nos em nosso luto mediante as promessas das Sagradas Escrituras, e com fé e ânimo retornamos a nossa vida. Até porque Ele “não deseja que qualquer de nós permaneça oprimido por surda tristeza, de coração ferido e quebrantado. Deseja Ele que olhemos para cima, para ver o arco-íris da promessa, e refletir luz sobre outros” (Ellen G. White, Mensagens Escolhidas [CPB, 1988], v. 2, p. 257).

Jeremias é algumas vezes chamado de “profeta chorão” (Jr 9:1; 8:18-22; 9:6, 7; 13:15-17). Na sua visão do Céu, João chorou ao notar que não havia ninguém no Universo capaz de abrir o livro do destino da humanidade (Ap 5:4-9). Em Gn 42:24 afirma-se que José chorou. Lágrimas de José! Quantas e quantas vezes esse jovem chorou! Chorou enquanto suplicava aos irmãos para que não lhe fizessem mal. Chorou quando se transformou em escravo e contemplou pela última vez as colinas onde vivia seu amado pai e onde passava dias felizes. Chorou ao ser preso num cárcere. E anos depois chorou ao se encontrar com seus irmãos.

Jesus Cristo era um homem normal; o mais normal que já viveu. Não há relato que Ele tenha dado gargalhadas em público, mas os evangelhos afirmam que Ele chorou em público algumas vezes. Chorou diante do túmulo de seu amigo Lázaro (Jo 11:33-37). Chorou quando olhou para a cidade de Jerusalém, perto do fim da sua jornada terrena. Lemos de Seus sentimentos pelos judeus que recusaram a salvação: “Jerusalém, Jerusalém, você, que mata os profetas e apedreja os que lhe são enviados! Quantas vezes eu quis reunir os seus filhos, como a galinha reúne os seus pintinhos debaixo das suas asas, mas vocês não quiseram” (Mt 27:37; Lc 19:41 e 42).

A primeira coisa que Jesus Cristo afirmou em Mt 5:4 é que quem chora pode ser considerado um “bem-aventurado”, que significa verdadeiramente feliz. Esse é mais um paradoxo, dentro dessa série que inicia o chamado “Sermão da Montanha”, no qual Cristo deu algumas receitas estranhas, mas profundamente verdadeiras. Essa bem-aventurança contraria a sabedoria e método do mundo. As pessoas do mundo consideram tal declaração como absolutamente ridícula.

O lema do mundo não é “bem-aventurado ou felizes os que choram”, mas “bem-aventurados e felizes são aqueles que estão livres da necessidade de chorar”. O pranto é algo que o mundo procura evitar com todas as suas forças através da indústria do entretenimento, dos prazeres, da TV que é, em grande escala, um narcótico visual ou tranquilizante.

A filosofia do mundo é: “Esqueça seus problemas”; “Faça o seu melhor para fugir de problemas”. Mas tal “sabedoria” não é a de Jesus. Bem-aventurado os que choram. Como em todas as bem-aventuranças, Jesus desafia as convenções do mundo. Ele apresenta o ideal cristão como o oposto daquele do mundo não convertido. A pessoa cristã é diferente do mundo no nível mais profundo.

A pergunta de capital importância é: Como podemos ser felizes com as faces banhadas de lágrimas?

O SIGNIFICADO DAS LÁGRIMAS MENCIONADAS POR JESUS NA SEGUNDA BEM-AVENTURÇA

O que significam o pranto e as lágrimas mencionadas na segunda bem-aventurança? A fim de encontrar a resposta, deve-se considerar a íntima relação entre a primeira bem-aventurança, que fala sobre os que são espiritualmente pobre e a segunda, que fala dos que choram. Esta bem-aventurança, como a primeira encontra o pleno significado quando se aplica a vida espiritual.

A expressão “choram”, em Mt 5:4, é a palavra mais forte para pranto na língua grega. É a palavra usada para prantear os mortos. Como tal, é um ardente lamento por alguém amado. “Na Septuaginta, a versão grega do Antigo Testamento, é a palavra que designa a lamentação de Jacó quando acreditou que José, seu filho, tinha morrido (Gênesis 37:34). Define-se como essa classe de dor que se apodera de um homem ao ponto em que este não pode escondê-lo ou contê-lo. Não se trata somente da dor que nos faz doer o coração, é a dor que faz subir até nossos olhos lágrimas incontidas” (William Barclay, Comentário do Novo Testamento: Evangelho de Mateus, v. 1, p. 101). Por isso, ele amplia a segunda bem-aventurança assim: “Feliz o homem que chora como se chora por algum ser querido que morreu.”

Contudo, apesar do choro pelos mortos reproduzir a intensidade da experiência de Mt 5:4, não reflete seu significado. A profunda experiência da segunda bem-aventurança é explicada por Ellen G. White: “O pranto aqui apresentado é a sincera tristeza de coração pelo pecado” (O Maior Discurso de Cristo [CPB, 2014], p. 9).

O Dr. Mário Veloso afirma que o choro do texto em tela é “causado pela tristeza que o pecado deixa na alma, quando alguém o comete e, arrependido, busca o perdão de Deus. Tratava-se de um pranto espiritual. Um pranto que abre um novo caminho, da escravidão espiritual para a plena liberdade do espírito em Cristo. Os filhos da dor avançando pela fé em direção à vitória” (Mateus - Contando a História de Jesus Rei: Comentário Bíblico Homilético [CPB, 2006], p.79).

Portanto, é a compreensão da extrema necessidade espiritual, da insuficiência e desvalia de uma pessoa que a leva a sentir profunda tristeza e chorar por suas imperfeições e pecados. É o choro por ter praticado algo errado, com consequências, que desejaríamos de todo o coração poder sustar e até mesmo reparar os danos provocados.

É lamentar que eu seja pecador e voltar-se para Deus em busca de perdão (Rm 7:24; 7:18, 19). Essa não é uma experiência superficial. É sincera e profunda. É como a tristeza que se sente quando alguém morre. Mas com o pranto vem a esperança (1 Jo 1:9). Sobre isso, Ellen G. White escreveu: “Muitas vezes, teremos de nos prostrar e chorar aos pés de Jesus, por causa de nossas faltas e erros, mas não devemos desanimar. Mesmo quando somos vencidos pelo inimigo, não somos rejeitados, nem abandonados por Deus. Não; Cristo está à direita do pai, fazendo intercessão por nós” (Caminho a Cristo, p. 64).

Poderíamos citar o apóstolo Pedro, como um belo exemplo de choro. Durante o julgamento de Jesus, ele O negou, dizendo que nem o conhecia (Mt 26:69-75). Depois, caiu em si e “chorou amargamente”. Pedro tomou consciência de que tinha ferido uma pessoa amada, seu Mestre, e derramou lágrimas desesperadas. Após a ressurreição, Jesus manteve diálogo com ele e o consolou. Este é o choro mais importante.

É óbvio, também, que a mensagem da segunda bem-aventurança é um consolo para aqueles que choram em face dos desenganos, da perda de um ente querido ou das dores físicas advindas das doenças ou acidentes. Felizes os que choram, pois Deus o consolará”.

Aqui está a beleza dessa mensagem para o nosso coração. O Consolador, Aquele que enxuga nossas lágrimas, que fortalece nossa alma, que reanima nossa vida é Jesus. Ele entende de dores, de angústia, de decepções, de traições, pois já passou por todo esse caminho e foi vencedor. É Ele que agora, junto ao Deus Pai, intercede por nós (Hb 7:25).

A fim de experimentar o consolo de Deus em meio as tristezas, devemos ter em mente que, assim como o carpinteiro está sempre próximo à madeira, o oleiro está sempre junto ao barro, e o ferreiro não está distante do metal, assim Cristo está sempre próximo a nós, para nos encorajar e nos confortar. 

Jesus sabe exatamente como você se sente e está se solidarizando com você. Como podemos ter tanta certeza? Por causa da história de Lázaro.

Jesus estava a quilômetros de distância quando Lázaro faleceu. Quando Ele chegou, Marta O culpou por não estar lá. Ela chegou a sugerir que a ausência de Jesus foi um fator contribuinte principal para a morte de seu irmão (João 11:21). Jesus estava tão cheio de angústia e compaixão que chorou — sim, Deus chorou (Lucas 19:41, 42; João 11:35).

Não tenha medo de chorar. Por quê? Quando você chora, você está seguindo o exemplo de Jesus. Lágrimas são a linguagem do coração. Lágrimas são uma catarse para a alma. Lágrimas liberam emoções reprimidas. Lágrimas não são uma língua estrangeira ou um dialeto estranho a Deus. Lágrimas são uma técnica criada por Deus para proporcionar alívio.

As lágrimas são um mecanismo de fuga; elas nos afastam da causa da nossa angústia e nos aproximam das nossas próprias sensações corporais. Chorar é saudável, natural, terapêutico e curativo.

O CHORO NÃO É ETERNO

Caro(a) amigo(a), quando estiver envolvido em problemas físicos, morais ou espirituais que lhe afligirem a alma e lhe fizerem escapar dos olhos lágrimas sentida, lembre-se das palavras do Salmo 30:5, que são uma promessa maravilhosa para os que creem em Jesus: “o choro pode persistir uma noite, mas de manhã irrompe a alegria” (NVI). Neste mundo, muitas vezes teremos que chorar, mas a certeza é que a alegria irromperá. Não importa o quanto você chore, não desista. Chore o quanto precisar, mas não deixe de olhar através das lágrimas.

O verso nos assegura que o choro não é eterno. Ele é passageiro. Sua duração é limitada como uma noite. Assim como as trevas da noite dão lugar à luz da manhã, nossas tristezas podem ser substituídas pela alegria e renovação trazidas por Deus. Quando você não enxergar mais nada, porque tem os olhos marejados de lágrimas, Deus está do seu lado, planejando dias melhores para você. Ele está juntando todas as suas lágrimas no seu reservatório e dizendo: “Não tema, ‘o choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã’”.

Mas o paradoxo do evangelho é que esse choro (pela morte de um ente querido, bem como pelos pecados que ferem o coração de Jesus) é o caminho para a alegria, Os que choram são consolados diariamente por Jesus; mas nós acharemos mais conforto ainda quando nos encontrarmos com o amado Senhor nas nuvens do Céu. As Sagradas escrituras nos lembram que no Novo Céu e na Nova Terra Deus “enxugará dos seus olhos toda lágrima. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou” (Ap 21:4, NVI).

Caro amigo leitor, por certo você já teve períodos tristes em sua vida. Creio que Deus não o esqueceu e a alegria tornará a vir, tão certo como após cada noite há um dia claro.

Oração: Querido Deus e bom Pai que estás no Céu, ajuda-nos a compreender melhor o que significa chorar como Cristo chorou. Agradecemos-Te pela promessa de que nossa tristeza não é permanente. Ajuda-nos a confiar em ti e ter esperança, mesmo em meio às situações mais difíceis. Fortaleça-nos para enfrentar as lutas da vida, sabendo que tu estás conosco e que no final, a alegria sempre vence. Em nome de Jesus, Amém.

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