DESACELERANDO NA PISTA DA ANSIEDADE


 Fábio Kalil*

“Não andeis ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graças” (Filipenses 4:6, ARA).

Quando escrevi este texto, estava exercendo cargo de ancião onde congrego. Como líder religioso confesso que, ao contrário do que se espera mundo à fora, já vivi não poucos momentos de ansiedade; mesmo antes de assumir o cargo, claro. Minutos antes de assumir o púlpito; “passar” a lição da escola sabatina em geral; ao abordar casos difíceis de resolver ou defender um prisma em reunião de comissão; mediar situações de desentendimentos entre membros, entre outras circunstâncias podem provocar ansiedade, tanto a positiva quanto a que produz certo desconforto emocional. Sem contar as atividades não eclesiásticas para dar conta...aquelas da vida privada. Difícil não ficar ansioso.

Segundo a Associação Americana de Psicologia-APA1, ansiedade “é uma emoção caracterizada por sentimentos de tensão, preocupação e alterações físicas, como aumento da pressão arterial (...) reação prolongada e orientada para o futuro diante de uma ameaça difusa” (tradução livre). Está relacionada à conduta de luta ou fuga ante uma ameaça real ou imaginária. Manifestando-se em diferentes tipos, ela transtorna milhões de pessoas no mundo quando patológicas. Em nosso cotidiano podemos vivenciar momentos alternados entre serenidade e ansiedade, uma vez que, ao iniciar a semana, está à nossa espera uma agenda de responsabilidades e tarefas a cumprir nas mais diferentes esferas (familiar, profissional, acadêmica, religiosa etc.). Nesse torvelinho de atividades e compromissos diários, o que podemos fazer, como cristãos, para tocar a vida com menos ansiedade?

Nesse ritmo e em anos a fio, a gente aprende a lidar com tal agenda, mas quase sempre é uma aprendizagem em que as ansiedades, positiva e negativa, aparecem. Muitas pessoas somatizam e até tem seus sintomas de doenças autoimunes intensificados pela ansiedade e estresse. Embora não pretenda explorar ao máximo o assunto, este texto fala de ansiedade e vida cristã como o título sugere. Não a ansiedade que nos move a encarar situações desafiadoras, que pode ajudar em nossa sobrevivência, mas àquela ansiedade que asfixia a emoção e pode nos adoecer mental e fisicamente. Sabe aquela tentativa de tocar o futuro, de antecipá-lo e que nos faz sentir um mal-estar emocional e dificulta a vida diária? É dela que trato aqui. Diariamente todos estamos sujeitos a ela, mesmo na infância. Ninguém está isento. O mais sereno dos cristãos viveu e viverá essas experiências que geram ansiedade, porque este mundo, seu habitat, está adoecido, gemendo em dores (Romanos 8:22). Todos nós estamos vulneráveis devido à condição de pecadores.

Circunstâncias ocasionais de ansiedade são “normais” e um dos custos inescapáveis para estar e permanecer vivo. Entretanto, às vezes preocupações podem escapulir do controle mesmo sem motivo ou desproporcional à situação, aí nasce aquela ansiedade negativa, quase imobilizante, angustiante. Essa ansiedade pode se tornar muito séria a ponto de virar um transtorno mental se ignorada. Isso porque drena a energia mental e compromete, ainda que em parte, o desempenho nas atividades (corriqueiras) diárias. Esse é um sinal de alerta para buscarmos ajuda.

Ao lado da depressão e estresse intenso, a ansiedade negativa é uma perturbadora experiência humana que afeta a espiritualidade. Uma razão frequentemente mencionada para o aumento da ansiedade (EVANS, 2022) é o peso da incerteza em quase todos os domínios da vida moderna, em resposta a uma série de mudanças culturais, sociais, econômicas e na vida familiar. E como lembram Grupe e Nitschke (2013): a incerteza não causa ansiedade, mas fornece terreno fértil. Não raro a avaliação que fazemos da incerteza ou de um acontecimento negativo que nos atinge pode gerar ansiedade. Note: o acontecimento em si pode não provocar emoções e sentimentos negativos, mas como o percebemos.

Muitos outros fatores também podem provocá-la, e isso varia de pessoa para pessoa, mas dois em especial contribuem para gerar ansiedade sobretudo em crianças, jovens e adultos: as condutas de super-proteção ou de abandono afetivo de pais ou responsáveis e a utilização das redes sociais, as quais, embora possibilite conectar pessoas, propicia a comparação social negativa, ciberbullying, cancelamento virtual entre outros mal usos. Também outras experiências traumáticas nessas fases da vida tornam o indivíduo vulnerável à ansiedade. Não vou me aprofundar nesses fatores porque não é objetivo da reflexão.

Você já se perguntou o que te deixa ansioso e como tem lidado? Essa questão talvez lhe evoque conteúdos mentais sobre pessoas e eventos indutores da ansiedade e quais suas estratégias de enfrentamento, algumas com sucesso, outras nem tanto. Em verdade, haverá situações tão complexas e ansiogênicas em nossas vidas, como a perda de um bom emprego ou o fim de um relacionamento amoroso que parecia promissor, que sozinhos nãos somos nem seremos capazes de superar. Pessoas de nossa confiança são necessárias, familiares e amigos, às vezes ajuda profissional, mas haverá situações que elas serão inúteis; travaremos uma luta solo contra essa emoção paralisante, aí entramos no texto bíblico. O que fazer para não sucumbir a essa emoção?

O verso não faz distinção do tipo de ansiedade, mas evidencia que não se trata daquela que nos ajuda a encarar desafios, e sim a negativa. Há um imperativo para não andarmos inquietos. Note que está implícito um estado de permanência, de vivermos (“andarmos”) ansiosos. Podemos eventualmente vivenciar ansiedade, mas não nos ajoelhar diante dela. Para isso o verso sinaliza o modo de não declinarmos: orar e, pela fé, agradecer. Sim, nossa conduta é falar a Deus sobre o que nos angustia, rogarmos sua provisão e confiantemente agradecermos. Aqui há algo crucial: uma vez que oramos e suplicamos precisamos descansar, reencontrar a serenidade. Esta nos abraça quando sabemos em quem confiamos: um Deus todo poderoso e que nos ama como um Pai perfeito, que nunca é pego de surpresa com aquilo que nos aflige; que sabe o fim desde o início e tem ilimitados recursos para solucionar nossos mais complexos problemas e abissais necessidades.

Os comentaristas bíblicos explicam que a admoestação paulina proíbe a ansiedade doentia a todos os que dependem de Deus. Ao cristão resta-lhe duas opções opostas: negá-la ou lançar-se nos braços da Onipotência, “por que Ele tem cuidado de vós” (1 Pedro 5:7). Também nos lembra que não há nada ligada à nossa paz tão pequeno que Deus não perceba e tão grande que Ele não possa resolver. Além disso, sabe mais do que nós o que realmente necessitamos e deseja nos devolver a paz.

Ao ter em mente esse Pai amorável e cuidador e orarmos confiantemente, com súplicas, a ansiedade vai perdendo sua força; vai ficando pequena/insignificante diante de Sua grandeza e poder. Desacelera até zerar. Vale lembrar que essa confiança é um aprendizado que pode levar anos de nossas vidas, mas compensadora pelos benefícios que oferece para saúde mental e crescimento espiritual. Em minha caminhada como ancião observei na vida pessoal e de outros membros de igreja tal compensação, ainda que tenha sido uma aprendizagem marcada por medo, incerteza, sentimento de vulnerabilidade -e consequente dependência da Onipotência - e lágrimas.

A profetisa e escritora e Ellen Golden White2 chamou de “antídoto para ansiedade” a seguinte conduta:

 “Buscai do Senhor sabedoria em toda emergência. Em cada prova suplicai a Jesus que vos mostre um meio de saída de vossa dificuldade, e então vossos olhos se abrirão para verdes o remédio e aplicardes ao vosso caso as curadoras promessas que foram registradas em Sua Palavra”.

 Aprender a lidar adequadamente com situações estressantes e ansiogênicas sem adoecer psicológica e/ou fisicamente é um dos importantes desafios de nossa caminhada neste mundo, mesmo quando ela não se torna um transtorno mental, o qual requer uma intervenção multiprofissional (psicólogo, psiquiatra, pastor etc.) preferencialmente cristã. Mas antes de buscar socorro humano podemos ir a Jesus, suplicando-lhe uma saída para situação em que estamos vivendo, como nos orienta a pena inspirada. Ela afirma categoricamente que, ao buscarmos sabedoria/livramento/provisão em Cristo, nossos olhos espirituais serão abertos, ou seja, enxergaremos um escape mediante Suas promessas nas Escrituras. White3 ainda afirma que Deus tem mil maneiras, das quais desconhecemos, de dar solução ao que nos parece sem solução. Essa conduta nossa é uma entrega...

Resta dizer que como resultado dessa entrega de si; quando damos as mãos ao Onipotente confiando de verdade, encontramos descanso; encontramos a “paz que excede todo o entendimento” (v. 7); uma paz que vem do Príncipe da Paz, Cristo. Uma paz indescritível que pode mesmo confundir as pessoas, porque não entendem a razão da nossa serenidade em meio à adversidade e dor. Podemos até sorrir um riso sincero, afinal temos a presença dEle, nosso consolador, quem tem controle do Universo e, com certeza, de nossas vidas. Podemos concluir que experimentar situações de ansiedade é inevitável, mas vivermos a maior parte do tempo ansiosos, isso sim pode ser evitado. Aqui se encaixa o verso da reflexão. Só tomados dessa consciência do poder e amor divinos e com oração, súplica e gratidão poderemos não mais andarmos ansiosos.


*Fabio Kalil de Souza é casado, tem uma filha, adventista há 30 anos, foi ancião da IASD Central de Lagarto-SE entre os anos de 2019 e 2023, Pedagogo, Mestre e Doutor em Educação.


REFERÊNCIAS

1. Anxiety. APA Dictionary of Psychology. American Psychological Association-APA. Disponível em: <https://www.apa.org/topics/anxiety> Acesso em 11 de abril de 2023.

2. WHITE, Ellen G. Mente, Caráter e Personalidade II. SP: CPB, 2007.

3. ANDREASEN, Milian L. et al. Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia: Filipenses a Apocalipse. Série Logos. SP: CPB, 2014, 1353p.

4. WHITE, Ellen G.  A Ciência do Bom Viver.  SP: CPB, 2007.

5. EVANS, Arthur C. (2022). Routine anxiety screenings for adults can get people vital help earlier, APA CEO says. American Psychological Association-APA. Disponível em: <https://www.apa.org/news/apa/2022/annual-anxiety-screenings-physical-exams.> Acesso em 11 de abril de 2023.

6. GRUPE, Dan W., NITSCHKE, Jack B. Uncertainty and Anticipation in Anxiety. Nat Rev Neurosci. 2013 Jul; 14(7): 488–501. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4276319/>. Acesso em 11 de abril de 2023.

 

 

 

 

 

 

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