UM HOMOSSEXUAL NA MINHA IGREJA?
Ricardo André
Há alguns anos temos visto na Igreja Adventista um número crescente de lésbicas, gays e bissexuais. A presença dessas minorias sexuais em muitas igrejas adventistas, bem como em outras igrejas evangélicas, é uma realidade, com a qual muitas vezes pastores e membros não estão preparados para lidar. Inúmeras famílias adventistas possuem filhos, filhas ou outros parentes homossexuais. Temos notícia também de pastores que tem filhos e filhas gays e lésbicas, e mesmo alguns pastores são homossexuais.1 No momento, ou no tempo em que cada um descobre que sente atração por pessoas do mesmo sexo, o que prevalece inicialmente são os sentimentos de culpa, a perplexidade, a dúvida, a negação, o medo e até uma certa confusão. Tudo isso se pode eternizar durante anos, e até décadas.
Muitos desses adventistas gays ocultos ou enrustidos
são muito sensíveis às coisas espirituais e atuantes em alguns ministérios da
igreja, mas poucos sabem que eles estão desmoronando por dentro enquanto lutam
contra sua homossexualidade. Muitas vezes, alguns deles oraram durante toda a
sua adolescência para que Deus os transformassem. Quando essa mudança não
acontece, viram as costas para Deus e desistem da igreja na fase adulta.
Ao longo dos anos tenho
aprendido algo sobre a dor que os adventistas gays ocultos sofrem. O medo “do
que os outros pensariam se soubessem” mantém muitos jovens no “armário”. Mas o
fardo de viver uma mentira e fingir ser algo que não é acaba por se transformar
numa pressão insuportável. Vários deles, inclusive, possuem pensamentos
suicidas enquanto lutam contra os sentimentos que tem ao aceitar sua orientação
e o fato de que não conseguem encontrar uma maneira de se livrar dela. A dor e
o trauma são reais, imensas e às vezes quase inconsoláveis. Dentro e fora da
igreja há vidas em risco, vidas necessitadas de amor. Precisando de compreensão
e compaixão.
A homossexualidade é um
tema complexo e espinhoso. Poucos se arriscam a falar sobre ela na igreja,
desprovidos de preconceito. Muitos simplesmente se sentem extremamente
desconfortáveis com esta questão delicada, e evitam falar. Particularmente,
nunca dei muita atenção ao assunto porque nunca me preocupou. Então descobri
que tenho irmãos e sobrinhos homossexuais. Esse conhecimento me deu uma nova
perspectiva. Nesse ponto, nossa ignorância e preconceito se encontram de frente
com nosso amor por nossos pais, filhos, irmãos, primos, tios e amigos
homossexuais. Em relação aos meus irmãos e sobrinhos, fico feliz em dizer que o
amor venceu, porque não deixei de amá-los por conta disso. Desde a época que
descobri a orientação sexual deles, aprendi muito sobre a homossexualidade.
Como professor, tenho lidado com muitos adolescentes LGBTQIA+. Muitas vezes
conversei com alguns deles que, por conta das lutas que travavam interiormente,
encontravam-se em profundas crises de ansiedade e depressão. E sentia a
tristeza que eles sentiam em suas vidas. Ao ouvir sua história e suas lutas,
percebi quantas vidas de pessoas são tocadas por esta dor oculta.
Importante ressaltar
também que os pais de homossexuais também sentem a dor e tristeza. Quando eles
descobrem que seu filho ou filha é homossexual, geralmente ficam em estado de
choque. Embora pudessem ter consciência de que algo em seu filho estava diferente,
provavelmente nunca admitiram para si mesmos a possibilidade impensável de que
isso pudesse ter algo a ver com a homossexualidade. Eles podem experimentar uma
ampla gama de emoções: raiva, negação, tristeza, culpa, medo ou vergonha. Os
sonhos sobre o futuro de seus filhos estão desfeitos sobre eles. Por conta
dessa descoberta, muitos pais são acometidos de uma depressão inexplicável ou
outra mudança repentina de humor.
Como cristãos
adventistas, adotamos as Sagradas Escrituras como única regra de fé e prática.
Procuramos interpretá-las literalmente sempre que possível – como está escrito
em nossas diversas traduções. Lida desta forma, a Bíblia parece condenar a
homossexualidade.2 É óbvio que alguns argumentam que existem
interpretações alternativas dos textos bíblicos. No entanto, não estou
convencido pelos seus argumentos. Prefiro ficar com a interpretação tradicional
desses textos bíblicos.
Mas a posição que você
assume sobre os textos realmente não importa quando a maioria das pessoas em
nossas igrejas toma os textos bíblicos como os encontram, o que significa que a
atitude predominante é a desaprovação. A respeito desse assunto Ellen G. White
escreveu: “A impureza se acha hoje disseminada, mesmo entre os pretensos
seguidores de Cristo. Os desejos correm soltos, as tendências irracionais
ganham força diante do consentimento, enquanto as capacidades morais se tornam
cada vez mais fracas. [...] Os pecados que destruíram os antediluvianos e as
cidades da planície existem hoje - não meramente nas terras pagãs, não apenas
entre os supostos cristãos populares, mas também entre alguns dos que afirmam
estar esperando a vinda do Filho do homem”.3 Como então nós, membros
leigos, pastores e igrejas, devemos lidar de forma construtiva e redentora com
os homossexuais que congregam conosco?
Nesse artigo não vou
abordar esse assunto numa perspectiva teológica, ou seja, não farei uma exegese
dos textos bíblicos comumente empregados pelos cristãos para condenar a prática
homossexual. Muitos já fazem isso. Mas decidi refletir sobre como nós, como
igreja, deveríamos tratar os gays da nossa igreja e mesmo os de fora. Para mim,
essa é uma questão mais premente do que entrar em assuntos como o debate
criação-natureza ou revisitar os textos bíblicos.
ABORDAGENS
TÓXICAS
Quando adolescentes ou
jovens vêm confiantes nos pedir ajuda, e se um pastor, um líder local ou um
membro comum não estiverem preparados para lidar com tais situações, a
tentativa equivocada deles de ajudá-los pode criar uma barreira entre os jovens
homossexuais e a igreja. Isto, associado com os preconceitos, homofobia e a
ignorância dos membros da igreja sobre a realidade da homossexualidade, tem
afastado muitos jovens gays da igreja e de Cristo. E esse não é o propósito de
Deus. Ellen White escreveu: “Venha, meu irmão, venha assim como está,
pecaminoso e corrompido. Coloque seu fardo de culpa sobre Jesus e, pela fé,
reclame Seus méritos. Venha agora, enquanto existe misericórdia; venha com
confissão, venha contrito de coração, e Deus o perdoará abundantemente”4
Na tentativa de ajudar
um jovem gay da sua igreja, alguns pastores e membros poderão pegar suas
Bíblias e abrir em Gênesis 19, Levítico 18 ou Romanos 1. Depois fazer
observações duras e condenatórias. E, finalmente, dizer para o jovem
angustiado: “Você só precisa encontrar uma garota legal, se casar, e seu
“problema” desaparecerá. Responder a tentativa de um homossexual de pedir ajuda
com um lembrete das proscrições bíblicas e dos padrões da igreja é a abordagem
com maior probabilidade de apagar a chama brilhante de uma fé em luta. Em vez
disso, precisamos atraí-lo para o abraço caloroso e de apoio da igreja. Outros,
depois de ouvirem um adventista gay, anuncia o seu “problema” a toda a igreja
no culto da semana seguinte e pedem à igreja reunida que orem por ele. Já
outros que, por entenderem que os homossexuais são dominados pelo diabo,
decidem exorcizar o “demônio da homossexualidade” do jovem. Alguns pastores
sentem tanta repulsa pela ideia da homossexualidade que reagem com antipatia
visceral. Penso que esses tipos de abordagens são extremamente prejudiciais,
tóxicas. Que não ajudam absolutamente em nada, só pioram a situação do jovem.
O
QUE OS GAYS ADVENTISTAS ESPERAM DE NÓS?
Há pelo menos quatro
coisas que podemos fazer no sentido de corresponder às expectativas dos homossexuais
da nossa igreja. Quais sejam:
1)
Conhecimento. Penso que muitos membros da igreja, incluindo
pastores, ainda veem a homossexualidade como simplesmente uma perversão sexual
que as pessoas escolhem, provavelmente por “diversão”. A
verdade é que as pessoas não escolhem conscientemente a orientação sexual. Ninguém
acorda e pensa: “ah, hoje vou ser gay”. Ser homossexual na nossa sociedade é um
caminho extremamente difícil por conta do preconceito, discriminação e a violência. Se fosse uma escolha, as pessoas não escolheriam ser homossexual. Nos
séculos XX e XXI, diversos cientistas declararam que a homossexualidade era um
conceito identitário inato. Ora, se a homossexualidade é inata, não é uma escolha.
A escolha do homossexual é adotar ou não a prática homossexual. É evidente que
o debate ainda acirra, tanto nos círculos científicos como religiosos, sobre a
causa da homossexualidade. A minha conclusão pessoal, baseada em algumas
leituras, observações e conversas com um bom número de homossexuais, é que a
homossexualidade é determinada geneticamente, ou seja, a pessoa nasce gay,
resultante de alterações químicas do DNA.
É óbvio, não tenho a
pretensão de ser um especialista nesse assunto. Existem muitas opiniões diferentes
e não creio que alguém compreenda totalmente este problema complexo. Mas se
você realmente deseja ajudar os homossexuais e suas famílias, você deve a eles
se tornarem mais conhecedores dessas complexidades.
Sobre isso, o médico
brasileiro Dráuzio Varella afirmou: “A homossexualidade tem forte componente
genético. Diversos estudos com gêmeos univitelinos demostraram que, quando um
deles é homossexual, a probabilidade de o outro também o ser varia de 20% a
50%, ainda que separados quando bebês e criados por famílias estranhas. Nas
duas últimas décadas, acumulamos evidências científicas suficientes para
afirmar que a homossexualidade está longe de ser mera questão de escolha
pessoal ou estilo de vida. É condição enraizada na biologia humana. Nunca houve
nem existirá sociedade em que a homossexualidade esteja ausente. O estudo mais
completo até hoje, realizado por Bailey e colaboradores da Austrália, mostrou
que 8% das mulheres e dos homens são homossexuais. [...] A homossexualidade é
um fenômeno de natureza tão biológica quanto a heterossexualidade. Esperar que
uma pessoa homossexual não sinta atração por outra do mesmo sexo, é pretensão
tão descabida quanto convencer heterossexuais a não desejar o sexo oposto”.5
Quando você entende
isso, você começa a perceber algumas das dificuldades que os homossexuais
enfrentam, especialmente aqueles que foram criados num lar religioso.
Condicionados pela atitude da sociedade e da igreja em relação aos
homossexuais, mas reconhecendo esta coisa terrível em si mesmos, eles aprendem
cedo a negar uma parte da sua personalidade e a usar uma máscara protetora
perto dos outros.
2)
Abertura. O estigma associado ao fato de ser homossexual gera
sigilo e vergonha. A igreja deve proporcionar um lugar seguro onde aqueles com
esta orientação possam ser honestos sobre o seu problema. Eles precisam de um
lugar onde possam falar sobre suas emoções confusas e os problemas espirituais
resultantes, um lugar onde outros envolvidos na batalha contra o pecado orem
com eles e por eles.
Assim, depois de ter
deixado de lado a sua própria ignorância e preconceito, você pode ajudar a
educar a sua igreja e encorajá-la a enfrentar o fato de que uma minoria
significativa dos nossos membros luta contra uma orientação homossexual.
3)
Apoiar. Acredito que há uma necessidade premente de que a
nossa igreja forneça um grupo de apoio publicamente reconhecido para aqueles
homossexuais que desejam viver um estilo de vida celibatário. Precisam
experimentar a calorosa aceitação e apoio de outros membros da igreja, que
compreendem que, como qualquer pessoa envolvida numa guerra séria contra o
pecado, podem não vencer todas as batalhas. Precisamos mostrar-lhes o mesmo
perdão e paciência que mostramos a alguém que ocasionalmente cede à tentação do
orgulho, do ciúme ou do adultério. Como afirmou Ellen White, “aqueles que têm o
Espírito de Cristo verão todos os homens pelos olhos da compaixão divina”.6
Provavelmente esse
artigo será lido por pais de filhos gays. Certamente, uma das primeiras perguntas
que ocorrem aos pais cristãos depois de descobrirem que seu filho é homossexual
é: Meu filho estará perdido? Geralmente isso ocorre porque eles não entendem a
diferença entre orientação homossexual e comportamento homossexual.
Queremos tranquilizá-los
de que Deus ama e quer salvar a todos, inclusive seus filhos gays. Um dos
textos mais belos das Sagradas Escrituras nos assegura: “[...] Ele que nos ama
e nos libertou dos nossos pecados por meio do seu sangue” (Ap 1:5, NVI). Com
quanta simplicidade fala-nos ao coração esse verso bíblico! “Ele nos ama”. Como
é bom sabermos que a afirmação é verdadeira, sob quaisquer circunstância. Quão
bondoso é Jesus, que nos permite saber disso!
Ele não responsabiliza
as pessoas por uma condição sobre a qual elas não têm escolha – apenas pela
maneira como escolhem se relacionar com ela. E se fizerem a escolha errada,
ainda assim Deus continua a amá-las, não os abandona e podem ser levados pelo
Espírito Santo a arrepender-se dessa escolha. A Mensageira do Senhor escreveu
os poderosos pensamentos: “Conheço as vossas lágrimas; também Eu chorei.
Aqueles pesares demasiado profundos para serem desafogados em algum ouvido
humano, Eu os conheço. Não penseis que estais perdidos e abandonados. Ainda que
vossa dor não encontre eco em nenhum coração na Terra, olhai para Mim e
vivei”7.
“Cristo jamais
abandonará a alma por quem morreu. A pessoa poderá deixa-Lo, e ser vencida pela
tentação; Cristo, porém, jamais se desvia daquele por quem pagou o resgate com
a própria vida”.8
4)
Amor. A necessidade emocional mais profunda e básica do
ser humano é de amor e companheirismo. Todos nós nascemos com a necessidade de
amar e ser amado. Os heterossexuais solteiros podem satisfazer esta
necessidade, até certo ponto, partilhando as suas vidas com um colega de escola
ou da igreja do mesmo sexo, mas mesmo isto é problemático e provavelmente não é
possível para o homossexual. Assim, a vida deles é muitas vezes a mais
solitária. A solidão, o isolamento e a confusão são sentidos por eles à medida
que reconhecem que os seus sentimentos de atração emocional e sexual são
diferentes e inaceitáveis.
Reconhecendo isto, a
igreja deve alcançá-los com amor, incluindo-os como membros queridos da família
de Deus, em compensação pelos desejos normais de lar e família, aos quais devem
renunciar.
A própria igreja será
bem recompensada pelos seus esforços para encorajar e reter os seus membros
homossexuais não praticantes. Como grupo, são conhecidos por serem altamente
abençoados com dons de natureza artística, que podem oferecer no serviço de
Deus.
Os pais de gays, por
sua vez, precisam compreender que as duas coisas mais importantes que podem
fazer por seu filho ou filha são mostrar o mesmo amor incondicional que Deus
nos mostrou quando ainda éramos pecadores (Rm 5:8) e orar para que o Espírito
Santo opere uma mudança radical na vida de seus filhos. Muitas vezes as coisas
podem piorar antes de melhorarem, mas o amor, a compreensão, o apoio e a
aceitação dos pais e dos membros da igreja podem acelerar a reconciliação dos
filhos com Deus. Muitos pais acham que devem lembrar continuamente aos filhos
que o que eles estão fazendo é errado, e que se não fizerem isso serão vistos
como tolerantes com o comportamento pecaminoso. Mas isso apenas os afasta da
família e também de Deus. O Espírito Santo pode realizar o que nós não podemos.
Além disso, de qualquer forma, não é uma pessoa que coloque na “cara”
cotidianamente que ele está pecando que o homossexual está realmente
procurando. Em vez disso, sua necessidade desesperada é de alguém que ouça, com
amor e sem julgamento, enquanto ele finalmente expressa todos os sentimentos
reprimidos.
CONCLUSÃO
Acredito que será um
sinal de maturidade espiritual da nossa igreja quando reconhecermos que este
problema complexo afeta a nossa comunidade, quando estivermos dispostos a
trazê-lo à luz e discuti-lo com honestidade, franqueza, sem homofobia e quando
oferecermos apoio solidário àqueles que lutam com uma das mais confusas e
dolorosas consequências do pecado sobre a raça humana.
Quão maravilhoso seria
se a nossa igreja pudesse liderar a demonstração de carinho e compaixão cristã
para com os homossexuais, nem discriminando-os por uma orientação sobre a qual
eles não têm controle final, nem encorajando-os a aceitar algo menos do que o melhor
de Deus para suas vidas, mas em vez disso, apoiá-los com amor e compreensão
enquanto procuram seguir a vontade de Deus. Minha oração é que você, caro irmão
e irmã, ajude a fazer isso acontecer na sua igreja.
REFERÊNCIAS:
1. Zelota: Um evangelho
da fé popular. Saša Gunjević é primeiro pastor bissexual adventista credenciado.
Disponível em: https://revistazelota.com/sasa-gunjevic-e-primeiro-pastor-bissexual-adventista-credenciado/
> Consultado em 19 de junho de 2024.
2. Romanos 1:26-27;
Levítico 18:22; 1Coríntios 6:9; 1Timóteo 1:10, 11.
3. WHITE, Ellen G.
Conduta Sexual: Testemunhos sobre abuso, homossexualidade, adultério e
divórcio. Tatuí, SP: CPB, 2011, p. 90.
4. _________________.
Testemunhos Para a Igreja. Tatuí, SP: CPB, 2007, v. 5, 353.
5. Drauzio Varella.
Homossexualidade, DNA e a Ignorância. Disponível em: <https://drauziovarella.uol.com.br/drauzio/artigos/homossexualidade-dna-e-a-ignorancia-artigo/
> Consultado em 20 de junho de 2024.
6. WHITE, Ellen G. O
Desejado de Todas as Nações. Tatuí, SP: CPB, 2004, p. 483.
7. _____________. O
Maior Discurso de Cristo. Tatuí, SP: CPB, 2014, p. 118, 119.
8. _____________. The
Sings of the Times, 20 de junho de 1892.
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