Teologia

sexta-feira, 21 de junho de 2024

UM HOMOSSEXUAL NA MINHA IGREJA?


 Ricardo André

Há alguns anos temos visto na Igreja Adventista um número crescente de lésbicas, gays e bissexuais. A presença dessas minorias sexuais em muitas igrejas adventistas, bem como em outras igrejas evangélicas, é uma realidade, com a qual muitas vezes pastores e membros não estão preparados para lidar. Inúmeras famílias adventistas possuem filhos, filhas ou outros parentes homossexuais. Temos notícia também de pastores que tem filhos e filhas gays e lésbicas, e mesmo alguns pastores são homossexuais.1 No momento, ou no tempo em que cada um descobre que sente atração por pessoas do mesmo sexo, o que prevalece inicialmente são os sentimentos de culpa, a perplexidade, a dúvida, a negação, o medo e até uma certa confusão. Tudo isso se pode eternizar durante anos, e até décadas.

Muitos desses adventistas gays ocultos ou enrustidos são muito sensíveis às coisas espirituais e atuantes em alguns ministérios da igreja, mas poucos sabem que eles estão desmoronando por dentro enquanto lutam contra sua homossexualidade. Muitas vezes, alguns deles oraram durante toda a sua adolescência para que Deus os transformassem. Quando essa mudança não acontece, viram as costas para Deus e desistem da igreja na fase adulta.

Ao longo dos anos tenho aprendido algo sobre a dor que os adventistas gays ocultos sofrem. O medo “do que os outros pensariam se soubessem” mantém muitos jovens no “armário”. Mas o fardo de viver uma mentira e fingir ser algo que não é acaba por se transformar numa pressão insuportável. Vários deles, inclusive, possuem pensamentos suicidas enquanto lutam contra os sentimentos que tem ao aceitar sua orientação e o fato de que não conseguem encontrar uma maneira de se livrar dela. A dor e o trauma são reais, imensas e às vezes quase inconsoláveis. Dentro e fora da igreja há vidas em risco, vidas necessitadas de amor. Precisando de compreensão e compaixão.

A homossexualidade é um tema complexo e espinhoso. Poucos se arriscam a falar sobre ela na igreja, desprovidos de preconceito. Muitos simplesmente se sentem extremamente desconfortáveis com esta questão delicada, e evitam falar. Particularmente, nunca dei muita atenção ao assunto porque nunca me preocupou. Então descobri que tenho irmãos e sobrinhos homossexuais. Esse conhecimento me deu uma nova perspectiva. Nesse ponto, nossa ignorância e preconceito se encontram de frente com nosso amor por nossos pais, filhos, irmãos, primos, tios e amigos homossexuais. Em relação aos meus irmãos e sobrinhos, fico feliz em dizer que o amor venceu, porque não deixei de amá-los por conta disso. Desde a época que descobri a orientação sexual deles, aprendi muito sobre a homossexualidade. Como professor, tenho lidado com muitos adolescentes LGBTQIA+. Muitas vezes conversei com alguns deles que, por conta das lutas que travavam interiormente, encontravam-se em profundas crises de ansiedade e depressão. E sentia a tristeza que eles sentiam em suas vidas. Ao ouvir sua história e suas lutas, percebi quantas vidas de pessoas são tocadas por esta dor oculta.

Importante ressaltar também que os pais de homossexuais também sentem a dor e tristeza. Quando eles descobrem que seu filho ou filha é homossexual, geralmente ficam em estado de choque. Embora pudessem ter consciência de que algo em seu filho estava diferente, provavelmente nunca admitiram para si mesmos a possibilidade impensável de que isso pudesse ter algo a ver com a homossexualidade. Eles podem experimentar uma ampla gama de emoções: raiva, negação, tristeza, culpa, medo ou vergonha. Os sonhos sobre o futuro de seus filhos estão desfeitos sobre eles. Por conta dessa descoberta, muitos pais são acometidos de uma depressão inexplicável ou outra mudança repentina de humor.

Como cristãos adventistas, adotamos as Sagradas Escrituras como única regra de fé e prática. Procuramos interpretá-las literalmente sempre que possível – como está escrito em nossas diversas traduções. Lida desta forma, a Bíblia parece condenar a homossexualidade.2 É óbvio que alguns argumentam que existem interpretações alternativas dos textos bíblicos. No entanto, não estou convencido pelos seus argumentos. Prefiro ficar com a interpretação tradicional desses textos bíblicos.

Mas a posição que você assume sobre os textos realmente não importa quando a maioria das pessoas em nossas igrejas toma os textos bíblicos como os encontram, o que significa que a atitude predominante é a desaprovação. A respeito desse assunto Ellen G. White escreveu: “A impureza se acha hoje disseminada, mesmo entre os pretensos seguidores de Cristo. Os desejos correm soltos, as tendências irracionais ganham força diante do consentimento, enquanto as capacidades morais se tornam cada vez mais fracas. [...] Os pecados que destruíram os antediluvianos e as cidades da planície existem hoje - não meramente nas terras pagãs, não apenas entre os supostos cristãos populares, mas também entre alguns dos que afirmam estar esperando a vinda do Filho do homem”.3 Como então nós, membros leigos, pastores e igrejas, devemos lidar de forma construtiva e redentora com os homossexuais que congregam conosco?

Nesse artigo não vou abordar esse assunto numa perspectiva teológica, ou seja, não farei uma exegese dos textos bíblicos comumente empregados pelos cristãos para condenar a prática homossexual. Muitos já fazem isso. Mas decidi refletir sobre como nós, como igreja, deveríamos tratar os gays da nossa igreja e mesmo os de fora. Para mim, essa é uma questão mais premente do que entrar em assuntos como o debate criação-natureza ou revisitar os textos bíblicos.

ABORDAGENS TÓXICAS

Quando adolescentes ou jovens vêm confiantes nos pedir ajuda, e se um pastor, um líder local ou um membro comum não estiverem preparados para lidar com tais situações, a tentativa equivocada deles de ajudá-los pode criar uma barreira entre os jovens homossexuais e a igreja. Isto, associado com os preconceitos, homofobia e a ignorância dos membros da igreja sobre a realidade da homossexualidade, tem afastado muitos jovens gays da igreja e de Cristo. E esse não é o propósito de Deus. Ellen White escreveu: “Venha, meu irmão, venha assim como está, pecaminoso e corrompido. Coloque seu fardo de culpa sobre Jesus e, pela fé, reclame Seus méritos. Venha agora, enquanto existe misericórdia; venha com confissão, venha contrito de coração, e Deus o perdoará abundantemente”4

Na tentativa de ajudar um jovem gay da sua igreja, alguns pastores e membros poderão pegar suas Bíblias e abrir em Gênesis 19, Levítico 18 ou Romanos 1. Depois fazer observações duras e condenatórias. E, finalmente, dizer para o jovem angustiado: “Você só precisa encontrar uma garota legal, se casar, e seu “problema” desaparecerá. Responder a tentativa de um homossexual de pedir ajuda com um lembrete das proscrições bíblicas e dos padrões da igreja é a abordagem com maior probabilidade de apagar a chama brilhante de uma fé em luta. Em vez disso, precisamos atraí-lo para o abraço caloroso e de apoio da igreja. Outros, depois de ouvirem um adventista gay, anuncia o seu “problema” a toda a igreja no culto da semana seguinte e pedem à igreja reunida que orem por ele. Já outros que, por entenderem que os homossexuais são dominados pelo diabo, decidem exorcizar o “demônio da homossexualidade” do jovem. Alguns pastores sentem tanta repulsa pela ideia da homossexualidade que reagem com antipatia visceral. Penso que esses tipos de abordagens são extremamente prejudiciais, tóxicas. Que não ajudam absolutamente em nada, só pioram a situação do jovem.

O QUE OS GAYS ADVENTISTAS ESPERAM DE NÓS?

Há pelo menos quatro coisas que podemos fazer no sentido de corresponder às expectativas dos homossexuais da nossa igreja. Quais sejam:

1) Conhecimento. Penso que muitos membros da igreja, incluindo pastores, ainda veem a homossexualidade como simplesmente uma perversão sexual que as pessoas escolhem, provavelmente por “diversão”. A verdade é que as pessoas não escolhem conscientemente a orientação sexual. Ninguém acorda e pensa: “ah, hoje vou ser gay”. Ser homossexual na nossa sociedade é um caminho extremamente difícil por conta do preconceito, discriminação e a violência. Se fosse uma escolha, as pessoas não escolheriam ser homossexual. Nos séculos XX e XXI, diversos cientistas declararam que a homossexualidade era um conceito identitário inato. Ora, se a homossexualidade é inata, não é uma escolha. A escolha do homossexual é adotar ou não a prática homossexual. É evidente que o debate ainda acirra, tanto nos círculos científicos como religiosos, sobre a causa da homossexualidade. A minha conclusão pessoal, baseada em algumas leituras, observações e conversas com um bom número de homossexuais, é que a homossexualidade é determinada geneticamente, ou seja, a pessoa nasce gay, resultante de alterações químicas do DNA.

É óbvio, não tenho a pretensão de ser um especialista nesse assunto. Existem muitas opiniões diferentes e não creio que alguém compreenda totalmente este problema complexo. Mas se você realmente deseja ajudar os homossexuais e suas famílias, você deve a eles se tornarem mais conhecedores dessas complexidades.

Sobre isso, o médico brasileiro Dráuzio Varella afirmou: “A homossexualidade tem forte componente genético. Diversos estudos com gêmeos univitelinos demostraram que, quando um deles é homossexual, a probabilidade de o outro também o ser varia de 20% a 50%, ainda que separados quando bebês e criados por famílias estranhas. Nas duas últimas décadas, acumulamos evidências científicas suficientes para afirmar que a homossexualidade está longe de ser mera questão de escolha pessoal ou estilo de vida. É condição enraizada na biologia humana. Nunca houve nem existirá sociedade em que a homossexualidade esteja ausente. O estudo mais completo até hoje, realizado por Bailey e colaboradores da Austrália, mostrou que 8% das mulheres e dos homens são homossexuais. [...] A homossexualidade é um fenômeno de natureza tão biológica quanto a heterossexualidade. Esperar que uma pessoa homossexual não sinta atração por outra do mesmo sexo, é pretensão tão descabida quanto convencer heterossexuais a não desejar o sexo oposto”.5

Quando você entende isso, você começa a perceber algumas das dificuldades que os homossexuais enfrentam, especialmente aqueles que foram criados num lar religioso. Condicionados pela atitude da sociedade e da igreja em relação aos homossexuais, mas reconhecendo esta coisa terrível em si mesmos, eles aprendem cedo a negar uma parte da sua personalidade e a usar uma máscara protetora perto dos outros.

2) Abertura. O estigma associado ao fato de ser homossexual gera sigilo e vergonha. A igreja deve proporcionar um lugar seguro onde aqueles com esta orientação possam ser honestos sobre o seu problema. Eles precisam de um lugar onde possam falar sobre suas emoções confusas e os problemas espirituais resultantes, um lugar onde outros envolvidos na batalha contra o pecado orem com eles e por eles.

Assim, depois de ter deixado de lado a sua própria ignorância e preconceito, você pode ajudar a educar a sua igreja e encorajá-la a enfrentar o fato de que uma minoria significativa dos nossos membros luta contra uma orientação homossexual.

3) Apoiar. Acredito que há uma necessidade premente de que a nossa igreja forneça um grupo de apoio publicamente reconhecido para aqueles homossexuais que desejam viver um estilo de vida celibatário. Precisam experimentar a calorosa aceitação e apoio de outros membros da igreja, que compreendem que, como qualquer pessoa envolvida numa guerra séria contra o pecado, podem não vencer todas as batalhas. Precisamos mostrar-lhes o mesmo perdão e paciência que mostramos a alguém que ocasionalmente cede à tentação do orgulho, do ciúme ou do adultério. Como afirmou Ellen White, “aqueles que têm o Espírito de Cristo verão todos os homens pelos olhos da compaixão divina”.6

Provavelmente esse artigo será lido por pais de filhos gays. Certamente, uma das primeiras perguntas que ocorrem aos pais cristãos depois de descobrirem que seu filho é homossexual é: Meu filho estará perdido? Geralmente isso ocorre porque eles não entendem a diferença entre orientação homossexual e comportamento homossexual.

Queremos tranquilizá-los de que Deus ama e quer salvar a todos, inclusive seus filhos gays. Um dos textos mais belos das Sagradas Escrituras nos assegura: “[...] Ele que nos ama e nos libertou dos nossos pecados por meio do seu sangue” (Ap 1:5, NVI). Com quanta simplicidade fala-nos ao coração esse verso bíblico! “Ele nos ama”. Como é bom sabermos que a afirmação é verdadeira, sob quaisquer circunstância. Quão bondoso é Jesus, que nos permite saber disso!

Ele não responsabiliza as pessoas por uma condição sobre a qual elas não têm escolha – apenas pela maneira como escolhem se relacionar com ela. E se fizerem a escolha errada, ainda assim Deus continua a amá-las, não os abandona e podem ser levados pelo Espírito Santo a arrepender-se dessa escolha. A Mensageira do Senhor escreveu os poderosos pensamentos: “Conheço as vossas lágrimas; também Eu chorei. Aqueles pesares demasiado profundos para serem desafogados em algum ouvido humano, Eu os conheço. Não penseis que estais perdidos e abandonados. Ainda que vossa dor não encontre eco em nenhum coração na Terra, olhai para Mim e vivei”6.

 

“Cristo jamais abandonará a alma por quem morreu. A pessoa poderá deixa-Lo, e ser vencida pela tentação; Cristo, porém, jamais se desvia daquele por quem pagou o resgate com a própria vida”.8

4) Amor. A necessidade emocional mais profunda e básica do ser humano é de amor e companheirismo. Todos nós nascemos com a necessidade de amar e ser amado. Os heterossexuais solteiros podem satisfazer esta necessidade, até certo ponto, partilhando as suas vidas com um colega de escola ou da igreja do mesmo sexo, mas mesmo isto é problemático e provavelmente não é possível para o homossexual. Assim, a vida deles é muitas vezes a mais solitária. A solidão, o isolamento e a confusão são sentidos por eles à medida que reconhecem que os seus sentimentos de atração emocional e sexual são diferentes e inaceitáveis.

Reconhecendo isto, a igreja deve alcançá-los com amor, incluindo-os como membros queridos da família de Deus, em compensação pelos desejos normais de lar e família, aos quais devem renunciar.

A própria igreja será bem recompensada pelos seus esforços para encorajar e reter os seus membros homossexuais não praticantes. Como grupo, são conhecidos por serem altamente abençoados com dons de natureza artística, que podem oferecer no serviço de Deus.

Os pais de gays, por sua vez, precisam compreender que as duas coisas mais importantes que podem fazer por seu filho ou filha são mostrar o mesmo amor incondicional que Deus nos mostrou quando ainda éramos pecadores (Rm 5:8) e orar para que o Espírito Santo opere uma mudança radical na vida de seus filhos. Muitas vezes as coisas podem piorar antes de melhorarem, mas o amor, a compreensão, o apoio e a aceitação dos pais e dos membros da igreja podem acelerar a reconciliação dos filhos com Deus. Muitos pais acham que devem lembrar continuamente aos filhos que o que eles estão fazendo é errado, e que se não fizerem isso serão vistos como tolerantes com o comportamento pecaminoso. Mas isso apenas os afasta da família e também de Deus. O Espírito Santo pode realizar o que nós não podemos. Além disso, de qualquer forma, não é uma pessoa que coloque na “cara” cotidianamente que ele está pecando que o homossexual está realmente procurando. Em vez disso, sua necessidade desesperada é de alguém que ouça, com amor e sem julgamento, enquanto ele finalmente expressa todos os sentimentos reprimidos.

CONCLUSÃO

Acredito que será um sinal de maturidade espiritual da nossa igreja quando reconhecermos que este problema complexo afeta a nossa comunidade, quando estivermos dispostos a trazê-lo à luz e discuti-lo com honestidade, franqueza, sem homofobia e quando oferecermos apoio solidário àqueles que lutam com uma das mais confusas e dolorosas consequências do pecado sobre a raça humana.

Quão maravilhoso seria se a nossa igreja pudesse liderar a demonstração de carinho e compaixão cristã para com os homossexuais, nem discriminando-os por uma orientação sobre a qual eles não têm controle final, nem encorajando-os a aceitar algo menos do que o melhor de Deus para suas vidas, mas em vez disso, apoiá-los com amor e compreensão enquanto procuram seguir a vontade de Deus. Minha oração é que você, caro irmão e irmã, ajude a fazer isso acontecer na sua igreja.

REFERÊNCIAS:

1. Zelota: Um evangelho da fé popular. Saša Gunjević é primeiro pastor bissexual adventista credenciado. Disponível em: https://revistazelota.com/sasa-gunjevic-e-primeiro-pastor-bissexual-adventista-credenciado/ > Consultado em 19 de junho de 2024.

2. Romanos 1:26-27; Levítico 18:22; 1Coríntios 6:9; 1Timóteo 1:10, 11.

3. WHITE, Ellen G. Conduta Sexual: Testemunhos sobre abuso, homossexualidade, adultério e divórcio. Tatuí, SP: CPB, 2011, p. 90.

4. _________________. Testemunhos Para a Igreja. Tatuí, SP: CPB, 2007, v. 5, 353.

5. Drauzio Varella. Homossexualidade, DNA e a Ignorância. Disponível em: <https://drauziovarella.uol.com.br/drauzio/artigos/homossexualidade-dna-e-a-ignorancia-artigo/ > Consultado em 20 de junho de 2024.

6. WHITE, Ellen G. O Desejado de Todas as Nações. Tatuí, SP: CPB, 2004, p. 483.

7. _____________. O Maior Discurso de Cristo. Tatuí, SP: CPB, 2014, p. 118, 119.

8. _____________. The Sings of the Times, 20 de junho de 1892.

 

 

 

 

 

 

 

 


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