Teologia

sexta-feira, 20 de outubro de 2023

TRÊS ANJOS, UM EVANGELHO


 Ángel Manuel Rodriguez*

Uma interpretação cristológica de Apocalipse 14:6 a 12

O que você prega todas as semanas? A resposta deve ser óbvia: O evangelho da salvação pela fé na morte sacrifical de Cristo. Sua obra salvadora deve colorir e determinar o conteúdo de qualquer sermão. Um pregador adventista não tem outra opção porque no próprio cerne do verso bíblico que resume nossa missão e mensagem está o evangelho, ou seja, Apocalipse 14:6 a 12: as três mensagens angélicas. Neste artigo, sugiro uma interpretação cristológica da passagem.1

Primeira mensagem angélica

Os três anjos “representam aqueles que recebem a verdade e com poder abrem o evangelho diante do mundo”.2 O fundamento exegético para essa afirmação encontra-se em Apocalipse 14:6 a 12. O primeiro anjo proclama o evangelho eterno à raça humana no fim do conflito cósmico (v. 6). A passagem termina com a bênção do Espírito Santo sobre aqueles que mantêm juntos a lei de Deus e o evangelho da salvação pela fé na obra salvadora de Cristo (v. 12). O segundo anjo proclama a ruína do falso evangelho da Babilônia (v. 8), e no centro da terceira mensagem está uma referência maravilhosa ao Cordeiro de Deus (v. 10).

O anjo não descreve o conteúdo do evangelho, mas o chama de “evangelho eterno” (v. 6). Não há outro evangelho eterno senão aquele que anuncia ao mundo que a salvação vem por intermédio de Jesus Cristo (Mt 24:14). Esse evangelho é apresentado em Apocalipse 1:5, quando João se refere a Jesus como Aquele que “nos ama e, pelo Seu sangue, nos libertou dos nossos pecados”.

O amor de Deus foi visivelmente manifestado na morte sacrificial de Cristo. Essa linguagem soteriológica é transmitida ao longo do livro usando a imagem do Cordeiro que foi morto. Os seres celestiais proclamam que o Cordeiro é digno de adoração porque Ele foi morto, e com o sangue Dele comprou para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação (Ap 5:9). É Cristo como o Cordeiro que foi exaltado ao trono de Deus (Ap 22:3), que, como Guerreiro, derrotou o inimigo por meio de Sua morte sacrificial (Ap 17:14) e compartilha essa vitória com Seu povo (Ap 12:11). A figura do Cordeiro é uma expressão do amor sacrificial de Deus, por meio do qual somos redimidos.

As três mensagens estão integradas em uma mensagem, o evangelho eterno, que é poderoso o suficiente para nos salvar e encerrar o conflito cósmico.

A proclamação do evangelho é seguida por um chamado aos habitantes da Terra para temer a Deus (Ap 14:7). O conceito de temor a Deus pressupõe que o Senhor é um Ser transcendental e imponente, que se manifesta à humanidade envolto em luz radiante e impenetrável e faz a terra tremer (Êx 19:16, 18, 19). Este Ser majestoso oferece aos seres humanos, em um ato de amor, o privilégio de se tornar Deus deles (Dt 4:20; 5:26, 27; 7:6). Aqueles que reconhecem Nele um Deus amoroso demonstram isso submetendo-se a Ele e à Sua vontade. O primeiro anjo convoca os seres humanos a escolher esse Deus glorioso como seu Deus.

A frase “dar glória a Deus” é usada na Bíblia para expressar a disposição dos pecadores em reconhecer que eles são culpados e que Deus é justo ao condená-los (Js 7:19; 1Sm 6:5; Jo 9:24; cf. Sl 51:4). Às vezes, é uma expressão de contrição e arrependimento que reconhece a justiça de Deus (Jr 13:16; Ap 11:13). O anjo convida todos, com base na obra divina de redenção, a se arrepender e admitir que o Senhor é amoroso e justo.

O chamado é urgente porque a hora do juízo chegou e está em andamento. Na Bíblia, o Dia da Expiação era um tipo do dia do julgamento. Em Apocalipse 11:19, João é levado em visão ao lugar santíssimo do santuário celestial, em antecipação ao dia antitípico da expiação. Em Apocalipse 14:7, somos informados de que o momento profético, ou “hora”, do dia antitípico da expiação chegou. Deve-se escolher a Deus e arrepender-se (cf. Dn 8:14).

O chamado angélico convida os pecadores a adorar o Criador (Ap 14:7), ecoando a linguagem do mandamento do sábado, o sinal e selo do poder santificador de Deus. O sétimo dia nos lembra Daquele que nos criou e que, por intermédio do Cordeiro, nos redimiu. Adoração é um ponto-chave no conflito cósmico, e os seres humanos são encorajados a adorar a Deus e não ao querubim caído e seus aliados

(Ap 14:9). No momento em que o Criador e o sábado foram rejeitados ou ignorados, Deus insiste que todos devem se curvar diante da Fonte de vida.

Segunda mensagem angélica

O segundo anjo anuncia a queda de Babilônia, um símbolo da independência e da busca pela autopreservação por meio das realizações humanas (Gn 11). As descrições das intenções do querubim caído e do rei da antiga Babilônia coincidem: ambos queriam ocupar o lugar de Deus na Terra

(Is 14:3-23). Contudo, o reino literal de Babilônia ruiu. No tempo do fim, o dragão criará uma Babilônia mística por intermédio da qual tentará ocupar o lugar de Deus e receber a adoração que Lhe é devida. Babilônia é constituída por uma falsa trindade: a besta do mar (Ap 13:1), o cristianismo apostatado da Idade Média; a besta da terra (v. 11), o protestantismo apostatado, representado pelos Estados Unidos; e o dragão, a obra de Satanás por meio do espiritualismo.

Babilônia é a tentativa do dragão de unificar o cristianismo apóstata por meio de eventos milagrosos que visam legitimar sua afirmação de ser de origem divina. Ela oferece ao mundo seu evangelho corrompido, chamado de “vinho” (Ap 14:8). Jesus deu vinho a Seus discípulos como símbolo de Sua morte sacrificial (Mt 26:27, 28). No tempo do fim, Babilônia oferece à humanidade seu próprio vinho, um meio de salvação por meio da submissão ao querubim caído. Nestes últimos dias, o dragão mudará de muitas maneiras o mapa religioso, político, filosófico e econômico por meio da realização de milagres que vão persuadir muitos de que ele é, de fato, Deus. Devemos antecipar mudanças radicais no mundo, cuja magnitude é difícil de imaginar.

A Babilônia mística ainda está se revelando. Os três espíritos demoníacos que saem da boca do dragão, da besta e do falso profeta vão ao mundo a fim de uni-lo para a batalha do dia do Senhor (Ap 16:13, 14). Enquanto isso, as três mensagens angélicas são proclamadas com o objetivo de preparar o mundo para a vinda de Cristo. Como resultado dos dois movimentos, o mundo será polarizado entre aqueles que serão fiéis ao Cordeiro e ao dragão. No entanto, a vitória do Cordeiro, o verdadeiro evangelho, está assegurada, e Babilônia cairá para não mais se levantar (Ap 16:19; 17:14; 19:20).

Terceira mensagem angélica

A mensagem do terceiro anjo é o último apelo de Deus aos habitantes da Terra para que escolham o lado do Cordeiro no conflito cósmico. É uma questão de lealdade e compromisso final. Enquanto o dragão anuncia que aqueles que não o adorarem e rejeitarem o nome e a marca da besta serão eliminados (Ap 13:15-17), o terceiro anjo alerta que os seguidores do dragão enfrentarão a ira divina no juízo final (Ap 14:9-11).

A lealdade ao dragão e seus aliados exige o recebimento do nome e da marca da besta. Os ímpios se identificarão com o caráter e as aspirações da falsa trindade.

A lealdade se expressa em ações que manifestam a natureza do objeto de lealdade. Apropriar-se do nome e da marca da besta significa que eles pertencem ao dragão e supostamente serão protegidos por ele. Ao se submeter à autoridade da falsa trindade, a vontade de Deus se torna irrelevante para os ímpios.

A marca da besta é a falsificação do selo de Deus, o sábado. O domingo se torna o símbolo da autoridade do dragão sobre aqueles que o seguem, sua autoridade para mudar a lei de Deus, e isso facilita a sua adoração. Adoramos o Criador no sábado do sétimo dia e, no fim do conflito cósmico, os ímpios adorarão a criatura por meio de sua obediência ao domingo.

O terceiro anjo anuncia que aqueles que são leais ao dragão experimentarão a ira de Deus (Ap 6:16, 17). Em seguida, o anjo passa a explicar como é a ira divina, usando a linguagem do vinho, fogo e enxofre. De acordo com o anjo, a ira de Deus é como o vinho que não foi misturado com água, mas cujo poder intoxicante foi aumentado pela adição de certas especiarias. O ponto da metáfora é que a ira escatológica do Senhor não será misturada com misericórdia, ou seja, não haverá espaço para arrependimento. Os ímpios cairão e não se levantarão novamente.

A segunda metáfora é tirada da experiência de uma pessoa que foi diretamente exposta ao enxofre. A ira de Deus é comparada à intensa dor que uma pessoa sente quando o enxofre em chamas cai sobre sua pele. É extremamente doloroso! Há um segundo ponto nessa metáfora, a saber, que o que é queimado perece para sempre. A ira de Deus resultará na morte eterna dos ímpios.

A intensidade do sofrimento dos ímpios no juízo final é descrita como um tormento, uma dor sobre a qual a pessoa não tem controle e que experimentará durante um período de tempo não especificado (Ap 14:11). Essa experiência ocorre “diante dos santos anjos e na presença do Cordeiro”. Os estudiosos sugerem diferentes maneiras de interpretar essa frase, ignorando a óbvia. A imagem é tirada da vinda de Cristo com Seus anjos na parousia. É a linguagem de uma cristofania usada para indicar que Jesus aparecerá aos ímpios durante o julgamento final. Eles estarão diante do Cordeiro que foi morto! Olharão para a cruz de Jesus, rejeitada por eles, mas onde o amor magnífico de Deus foi revelado ao Universo.

Essa é a melhor e única evidência que Deus apresenta ao tribunal cósmico para demonstrar que o anjo caído estava errado, e que Ele é inquestionavelmente um Deus amoroso e justo. Na presença do Cordeiro, os ímpios se veem como realmente são, miseráveis pecadores com um profundo sentimento de culpa, percebendo que estarão eternamente separados do Pai. A compreensão dessa separação eterna é realmente muito dolorosa, um tormento. Na cruz, Jesus experimentou a dor lancinante da separação de Deus para que mais ninguém tivesse que passar por isso. No entanto, os ímpios desconsideraram o sangue do Cordeiro que foi morto e serão atormentados pelo amor que escolheram ignorar. Paradoxalmente, o amor de Deus, constituindo a alegria dos mundos não caídos e despertando a mais profunda gratidão no coração dos redimidos, é um tormento para os ímpios, Satanás e seus anjos.

O conflito cósmico termina pacificamente com o reconhecimento universal e a declaração de que o Senhor é um Deus de amor. O poder persuasivo do sacrifício do Cordeiro derrota as forças do mal. João antecipou esse momento quando escreveu: “Então ouvi que toda criatura que há no Céu e sobre a Terra, debaixo da terra e sobre o mar, e tudo o que neles há, estava dizendo: ‘Àquele que está sentado no trono e ao Cordeiro sejam o louvor, a honra, a glória e o domínio para todo o sempre’” (Ap 5:13).

As três mensagens angélicas estão incorporadas em uma mensagem, o evangelho eterno, que é poderoso o suficiente para nos salvar e encerrar o conflito cósmico. Talvez seja bom perguntar novamente: o que você vai levar ao púlpito na próxima semana? Pregue o Cordeiro!

 

*Ángel Manuel Rodríguez, ex-diretor do Instituto de Pesquisa Bíblica da Igreja Adventista do Sétimo Dia

 

Referências

 

1. Este artigo é um resumo de “The Closing of the Cosmic Conflict: Role of the Three Angels’ Messages”, a ser publicado em Artur Stele (ed.), The Word: Searching, Living, Teaching, v. 2 (2021).

2. Ellen G. White, A Verdade Sobre os Anjos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2005), p. 246.

 

FONTE: Revista Ministério, Nov-Dez 2021

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