Teologia

sexta-feira, 27 de outubro de 2023

A DOUTRINA DO SANTUÁRIO E SEU PAPEL NA IDENTIDADE DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA


 Ricardo André

A Igreja Adventista do Sétimo Dia é uma denominação religiosa que se destaca por suas crenças específicas e doutrinas distintivas ou únicas. Uma dessas doutrinas essenciais para a teologia adventista é a doutrina do Santuário. Ela é a 24ª crença fundamental dos adventistas do sétimo dia conforme apresentada no Manual da Igreja (MI, 2023, p. 182) e detalhada no livro Nisto Cremos (NC, 2018, p. 391-415). Esta doutrina se baseia na crença de que, há um santuário no Céu em plena atividade (Ap 11:19), do qual o santuário terrestre era uma cópia (Êx 25:8; Hb 8:5). Este santuário dado a Moisés foi uma forma que Deus utilizou para mostrar como as coisas aconteceriam no santuário celestial, antitipicamente falando. Hebreus 9:24 fala da existência de um verdadeiro santuário, e que o santuário mostrado a Moisés era uma “figura”, tipo ou “representação” desse santuário verdadeiro, isto é o santuário celestial, que precede o terrestre. Diz o texto: “Pois Cristo não entrou em santuário feito por homens, uma simples representação do verdadeiro; ele entrou no próprio céu, para agora se apresentar diante de Deus em nosso favor” (NVI).

De acordo com o texto de Hebreus, o sumo sacerdote do santuário celestial é Cristo, no qual Ele mesmo fundou (Hb 8:1, 2 e 5). Nele Cristo entrou para interceder pelo seu povo (Hb 7:25; 9:24, 25).

“As ofertas sacrificais ensinavam algumas lições importantes; constituíam maravilhosa revelação da graça redentora de Deus, enfatizada reiteradas vezes ao antigo povo de Israel. O livro de Hebreus menciona que os diversos sacrifícios oferecido no tempo de Israel se dividiam em sacrifícios “diários” (Hb 7:27; 10:11) e sacrifícios “anuais” (Hb 9:7; 10:3). Os sacrifícios eram oferecidos diariamente e também no Dia da Expiação, que ocorria uma vez por ano. A análise desses sacrifícios revelará o plano de salvação da maneira como Deus o manifestou a Seu povo no passado” (Questões sobre Doutrina: O clássico mais polêmico da história do adventismo. Tatuí, SP: CPB, 2009, p. 261). Portanto, assim como o sacerdote do santuário judaico se ocupava com os ofícios, de forma “continuamente” no “primeiro” compartimento (lugar santo), e “uma vez por ano” no “segundo” compartimento (lugar Santo dos santos) (Hb 9:6, 7), assim também Cristo realizaria Seu sumo sacerdócio em duas etapas e lugares diferentes. A primeira, desde sua nomeação como Sumo Sacerdote (Hb 5:10) ocorrida logo após a ascensão (At 1:9) e exaltação (Hb 1:2-4), até 22 de outubro de 1844 (Dn 8:14), período em que se ocupou no primeiro compartimento com a intercessão em favor dos santos (Hb 7:25; 9:24). A segunda e última fase de Seu ministério sacerdotal, de 1844 até o fim da purificação do santuário celestial, período em que se ocupa também com o julgamento de seu povo (Hb 9:26-27), em preparação para a vinda de Cristo (Hb 9:28), o que acontece no segundo compartimento do templo celestial (Dn 7:25; Ap 11:19).  “Agora o povo de Deus deve ter os olhos fixos no santuário celestial, onde está acontecendo a ministração final de nosso grande Sumo Sacerdote na obra do juízo, onde Ele está intercedendo por Seu povo” (Ellen G. White, As Três Mensagens Angélicas [CPB, 2023], p. 21).

Assim, Jesus cumpre duas etapas em (para compreensão do universo) lugares diferentes, épocas diferentes, com significados diferentes, conforme simbolizado pelo Santuário terrestre, mas sem literalizar todos os detalhes e sem desprezá-los, afinal, o problema não está na revelação mas na imperfeição da compreensão humana. As duas etapas: intercessão, purificação do santuário são reais; as duas ocasiões: após a ressurreição e após 1844 são reais; os dois lugares: santo e santíssimo, são reais. O santuário é onde Deus está, onde realmente tudo acontece, de onde todas as ações divinas procedem, centro de nossa esperança, de onde Jesus virá. Essa doutrina é uma das raízes que diferencia os adventistas de outras denominações cristãs. Ela desempenha um papel central na formação da identidade profética adventista e na definição do que a igreja entende como sua missão singular.

É importante ressaltar que, embora seja um ensinamento distintivo ou exclusivo da Igreja Adventista e praticamente a única doutrina que não temos em comum com nenhum outro grupo religioso, a verdade sobre o santuário não pode ser vista como um ensinamento estranho, desvirtuado e indefensável; tampouco um simples expediente para justificar o episódio do desapontamento de 1844, como pretendem os críticos desse ensino. Ao contrário, o santuário, pilar da fé adventista, é um ensino que tem sólida base bíblica. É revelação do amor de Deus de forma didática. Há uma vasta quantidade de material nas Sagradas Escrituras tratando desse assunto. Qualquer estudo relacionado encontrará ampla referência. Logo, se é importante para Deus o deveria ser também para o homem.

Em vez de ser um desvio da fé cristã histórica, o ensino do santuário é a conclusão lógica e a inevitável consumação dessa fé. É uma verdade presente, uma verdade para os últimos dias; mensagem oportuna, confiada ao povo do advento.

O Fundamento Histórico

A doutrina do Santuário tem suas raízes nas interpretações proféticas feitas por Guilherme Miller e outros pregadores adventistas entre as décadas de 1830 e 1840. Guilherme Miller (1782-1849), um agricultor, converteu-se à Igreja Batista e começou a estudar intensamente a Bíblia. Utilizando uma Bíblia e um material de estudo de textos bíblicos conhecido como Concordância de Cruden, conclui que o Santuário descrito na profecia de Daniel 8:14 referia-se à Terra e a purificação do mesmo ao retorno de Jesus. Fazendo uso de um método de interpretação de profecias bíblicas conhecido como princípio dia-ano (Números 14:34; Ezequiel 4:6), concluiu, depois de 16 anos de estudo das profecias (1816-1832) que as "2300 tardes e manhãs" referidas, iniciavam-se em 457 a.C e se cumpriam entre março de 1843 e março de 1844. Como o fato não ocorreu (a volta de Jesus), o retorno aos estudos sobre o assunto gerou uma compreensão mais acurada. Samuel S. Snow, ministro protestante milerita, concluiu que a purificação do santuário descrita na profecia ocorreria de acordo com o calendário judaico dos caraítas em 22 de outubro de 1844.

Miller sentiu o desejo de exclamar: “Não posso expressar a alegria que encheu meu coração!” (Miller, Apology and Defence, p. 12. Citado em A Visão Apocalíptica e a Neutralização do Adventismo, p. 33). Durante 14 anos Guilherme Miller pregara sua mensagem. Aproximadamente 50 mil pessoas em todos os Estados Unidos, aceitaram-na. Eles aguardavam com sinceridade a volta de Jesus. Todos acreditavam que finalmente havia chegado a hora da vinda do Salvador a este mundo, para terminar a triste história do pecado. A esperança daqueles crentes era tão forte que a própria morte não tinha poder sobre eles. Ellen G. White afirmou: “As alegrias da salvação nos eram mais necessárias do que a comida e a bebida. Se as nuvens nos obscureciam o espírito, não ousávamos repousar ou dormir antes que fossem varridas pela certeza de que éramos aceitos pelo Senhor” (Vida e Ensinos, p. 53).

Haviam feitos todos os preparativos, acertados todas as contas. Reconciliaram-se com aqueles que haviam ferido ou prejudicado. Deixaram de lado toda a rotina diária, doaram os frutos de suas terras aos amigos e anunciaram com galhardia e coragem ao mundo de seus dias que a volta de Jesus seria naquela data. Que fé maravilhosa! Que desejo ardente de ver o Senhor Jesus! Entre eles, encontrava-se a adolescente Ellen G. Harmon. A respeito desse dia de espera, ela escreveu: "Este foi o ano mais feliz de minha vida. Meu coração transbordava de alegre expectativa" (Testemunhos Para a Igreja, v. 1, p. 54). O dia tão esperado chegara. Não havia dúvidas. As últimas horas haviam sido gastas em fervorosa oração e reestudo da Bíblia, para confirmação das datas anunciadas na profecia. O dia era este, sem dúvida. O dia tão esperado; o dia da segunda vinda de Jesus Cristo, mas na data nada ocorreu, gerando o Grande Desapontamento e muita tristeza.

C. M. Maxwell narra a intensa expectativa entre eles: “As sombras do acaso estendiam-se serena e friamente por toda a terra. As horas da noite passavam vagarosamente. Em desconsolados lares de mileritas, os relógios assinalaram doze horas da meia-noite – 22 de outubro havia terminado. Jesus não viera. Ele não voltara!” (História do Adventismo [CPB, 1982], p. 34).

Será que temos uma compreensão clara do que passaram aqueles primeiros “adventistas”? Compreendemos o significado da dor e da decepção que sofreram? Já pensamos o que significa caírem por terra todos os seus sonhos e a esperança da volta de Cristo desvanecer-se com o amanhecer do dia 23 de outubro, ao invés de raiar uma nova vida para os filhos de Deus? Foi um golpe terrível para os antepassados e pioneiros do Adventistimo. Aquela multidão de homens e mulheres pregava uma mensagem clara e inequívoca: Jesus voltará no dia 22 de outubro de 1844! É difícil compreender o grande drama experimentado pelos pioneiros naquela época. Quando Cristo não retornou a Terra, isso ficou conhecido como o "Grande Desapontamento". Foi nesse contexto que a Doutrina do Santuário surgiu.

A Explicação Adventista

Depois da experiência do desapontamento, enquanto a maioria dos mileritas acabaram por desanimar, vários grupos continuaram estudando a Bíblia e constataram que a profecia de Daniel 8:14, sobre os 2.300 dias-anos, deveria realmente cumprir-se naquela data. Contudo, o acontecimento foi interpretado de forma equivocada. Eles compreenderam que a profecia não tratava da volta de Cristo e sim de eventos celestiais relatados no livro de Hebreus. Um desses grupos foi liderado pelo capitão aposentado José Bates e pelo casal Tiago White e Ellen G. White. Depois de reexaminarem as profecias, esse grupo compreendeu que havia um santuário real no Céu (Hb 8:1-5; Ap 11:19) e que a “purificação do santuário” de Daniel 8:14 não tinha nada ver com a Terra, mas com o Santuário Celestial, do qual o santuário terrestre era cópia ou tipo, e que, ao invés de Jesus voltar nessa data, Ele entrou como nosso Sumo Sacerdote no segundo compartimento do Santuário celestial, o Santo dos Santos, para iniciar o juízo investigativo predito na profecia de Apocalipse 14:6 e 7, e antes prefigurado no ritual do Dia da Expiação do santuário terrestre (Lv 16).

“Levítico 16 trata de um ritual de “purificação” do santuário israelita, incluindo a “purificação” (taher) de seu altar externo (v. 19), mediante as aplicações do sangue sacrifical pelo sumo sacerdote. Essa remoção de pecados e impurezas no comando central terreno de Deus representa a restauração ou a justificação do Seu santuário. O governo de Deus só é vindicado quando ele reconfirma as pessoas leais a quem já perdoou ao longo do ano (ver Lv 4-5) e quando rejeita aqueles que cometeram “transgressão” (Lv 16:16). [...] Depois de uma primeira fase de expiação, na qual Deus perdoava os israelita arrependidos que levavam ao santuário os sacrifícios durante todo o ano (Lv 4:20, 26, 31, 35; etc.), ocorria o Dia da expiação, que era uma espécie de segunda e última fase de expiação. Essa segunda fase purificava o santuário dos pecados do povo, representando o fato de que Deus como juiz foi vindicado, isentado da responsabilidade judicial na qual havia incorrido por perdoar pessoas culpadas (ver 2Sm 14:9), atitude que um juiz justo não adota (Dt 25:1; 1 Rs 8:32). O supremo sacrifício de Cristo, para o qual apontavam os sacrifícios de animais ao longo do ano e no Dia da Expiação, torna possível que Deus seja ao mesmo tempo justo e justificador (mediante o perdão) daqueles que creem (Rm 3:26). (Roy E. Gane. “O Que é a ‘Purificação do Santuário’ de Daniel 8:14?”, Interpretando as Escrituras: descubra o sentido dos textos mais difíceis da Bíblia. Tatuí, SP: CPB, 2019, p. 213).

Portanto, estamos vivendo no antitípico Dia da Expiação, em que Cristo, como nosso Sumo Sacerdote, entrou no Lugar Santo dos Santos ou santíssimo, em 1844, para realizar a segunda e última fase de Sua obra de expiação (purificação) dos pecados do seu povo registrados nos livros no Céu (Hb 8:1, 2; 7:25). “Quando, portanto, se ouve um adventista dizer, ou se lê na literatura adventista, mesmo nos escritos de Ellen G. White, que Cristo está fazendo expiação agora, deve-se compreender que queremos dizer que Cristo está agora fazendo aplicação dos benefícios da expiação sacrifical que efetuou na cruz; que está tornando eficaz para nós individualmente, conforme nossas necessidades e petições” (Questões sobre Doutrina. “Expiação Sacrifical Provida e Aplicada”. Tatuí, SP: CPB, 2009, p. 260).

Aqueles crentes entenderam que essa era uma parte importante do plano de salvação. A partir disso, no devido tempo, surgiu um grande movimento religioso mundial: A Igreja Adventista do Sétimo Dia. Esta recebeu uma grande missão: Anunciar a última mensagem de salvação a todo mundo. Ultrapassar os limites territoriais, culturais e linguísticos para alcançar toda a população da Terra, apresentando a tríplice mensagem angélica descrita em Ap 14:6-12, e chamar a atenção do mundo para o juízo e Sua segunda vinda. Para isso fundaram-se instituições médicas e educacionais em muitas parte do Globo. Foram erigidas igrejas, escolas, hospitais e casas publicadoras para ajudar a levar o evangelho eterno a toda não, tribo, língua e povo. Essa Igreja encara com seriedade a ordem: “Importa que profetizes novamente” (Ap 10:11).

Ellen G. White, co-fundadora da Igreja Adventista, afirmou: “Em sentido especial, os adventistas do sétimo dia foram postos no mundo como vigias e portadores de luz. A eles foi confiada a última mensagem de advertência a um mundo a perecer. Sobre eles incidiu a maravilhosa luz da Palavra de Deus. Foram incumbidos de uma obra da mais solene importância: a proclamação da primeira, segunda e terceira mensagem angélica. Não existe nenhuma obra de tão grande importância. Eles não devem eles permitir que nenhuma outra coisa lhes absorva a atenção. As mais solenes verdades já confiadas a mortais nos foram dadas para as proclamarmos ao mundo” (As Três Mensagens Angélicas [CPB 2023], p. 13).

Os primeiros adventistas reconheceram que a pregação das três mensagens angélicas começou de modo sequencial no contexto do movimento milerita. Ellen White escreveu: “A primeira e a segunda mensagens foram dadas em 1843 e 1844, e estamos agora sob a proclamação da terceira; mas todas as três mensagens devem ainda ser proclamadas” (Mensagens Escolhidas, v. 2, p. 88, 89).

Com base nos capítulos 7 a 9 de Daniel, temos anunciado que o juízo investigativo que precede a segunda vinda de Cristo começou em 1844 e será concluído pouco antes desse glorioso evento. “Esse juízo procura essencialmente vindicar o povo de Deus, conforme se vê em Daniel 7, onde os santos são julgados e absolvidos. O povo de Deus permanece num atitude de completa dependência de Deus nas circunstâncias mais angustiosas. Os registros de sua vida são examinados e seus pecados, apagados; ao mesmo tempo, o nome dos falsos crentes é retirado dos livros (cf. Êx 34:33; Lv 23:29, 39). Aqueles cujo nome é conservado nos livros, inclusive os santos mortos, herdam o reino (Dn 7:22; 12:1, 2). Assim o santuário é purificado.” (Ângel M. Rodriguez, “O Santuário”, Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia. Tatuí, SP: CPB, 2011, p. 455, 456).

Quando essa obra investigativa terminar, é proferida a sentença de juízo. Então, Jesus virá como justo juiz para executar a sentença. O livro do Apocalipse descreve o momento do término da obra de julgamento e o consequente fim do tempo da graça, nos seguintes termos: “O santuário ficou cheio da fumaça da glória de Deus e do seu poder, e ninguém podia entrar no santuário enquanto não se completassem as sete pragas dos sete anjos” (Ap 15:8, NVI). Note que quando o santuário celestial enche-se “da fumaça da glória de Deus e do seu poder”, as pessoas são impedidas de terem acesso ao santuário, numa clara indicação de que o tempo de graça se acabou e a intercessão em favor dos pecadores não mais existe, de maneira que a ira de Deus não misturada com misericórdia e graça é experimentada pelos pecadores impenitentes como consequência de sua resistência e oposição ao evangelho. Uma realidade completamente oposta a do tempo da graça, quando somos exortados a “aproximemo-nos do trono da graça com toda a confiança, a fim de recebermos misericórdia e encontrarmos graça que nos ajude no momento da necessidade” (Hb 4:16, NVI).

No final do juízo investigativo ou pré-advento, a sorte de todas as pessoas estará irrevogavelmente decidida para a vida ou para a morte. Não haverá um segundo tempo de graça para ninguém. Ao encerrar-se a obra de julgamento não haverá mais oportunidades de salvação para ninguém. O Espírito Santo não apelará mais à consciência das pessoas para se arrependerem de seus pecados, pois Se terá retirado da Terra. Nesse tempo cumprir-se-á as palavras de Cristo registradas em Ap 22:11, 12: “Continue o injusto a praticar injustiça; continue o imundo na imundícia; continue o justo a praticar justiça; e continue o santo a santificar-se. Eis que venho em breve! A minha recompensa está comigo, e eu retribuirei a cada um de acordo com o que fez” (NVI).

A doutrina do Santuário como chave hermenêutica

Para além de uma crença distintiva dos adventistas, a verdade do santuário é, indubitavelmente, a chave teológica fundamental do sistema doutrinário adventista. É a partir do estudo do santuário terrestre e seu ritual que passamos a entender o plano de salvação ou o evangelho, bem como verdades essenciais das Sagradas Escrituras. O santuário permite entendermos não somente as doutrinas bíblicas, mas a própria identidade e missão da igreja.

Essa perspectiva levou Ellen G. White a declarar que “a compreensão correta do ministério no santuário celestial constitui o alicerce de nossa fé” (Evangelismo [CPB, 1978], 221). Isso porque lá está “Cristo. Nele se encontra o sistema completo da verdade divina” (Ellen G. White, E Recebereis Poder, p. 29). Dessa forma, Ellen G. White interpretou o desapontamento milerita de 1844 a partir dessa visão hermenêutica: “O assunto do santuário foi a chave que desvendou o mistério do desapontamento de 1844. Revelou um sistema completo de verdades ligadas harmoniosamente entre si, o qual mostrava que a mão de Deus havia dirigido o grande movimento adventista e indicava novos deveres ao esclarecer a posição e obra de Seu povo” (O Grande Conflito [CPB, 2006], p. 423).

Nessa declaração, depreende-se que Ellen White nitidamente entendia que o santuário era uma chave hermenêutica que abriu a visão dos pioneiros adventistas para a compreensão de um sistema completo de verdades, a exemplo distinção de leis, lei de Deus, sábado, expiação, mediação, justificação, santificação, segunda vinda de Cristo, recompensa dos justos e dos ímpios e completa destruição do mal.

À semelhança dos discípulos de Jesus, que as antigas profecias previam a vinda de Cristo como rei no ano 31 AD, sofrendo grande decepção ao vê-lo pendurado numa cruz, os pioneiros do adventismo sofreram um grande desapontamento em 1844. Certamente, a mão de Deus estava conduzindo tudo, mas o que foi necessário para entender isso? A resposta é: a chave do santuário que abriu a visão não apenas para o que tinha acontecido, mas para a missão do movimento profético adventista. Assim foi possível compreender melhor a posição e obra desse povo.

A doutrina do sábado como dia do Senhor e de guarda é um exemplo emblemático da compreensão do santuário como um “sistema harmonioso de doutrinas”. A Bíblia revela que as tábuas dos Dez Mandamentos foram depositadas na arca da aliança (Êx 40:20, 21; Hb 9:3, 4). Esta ficava no lugar santíssimo do santuário terrestre, compartimento mais importante. Ao apóstolo João foi mostrado o santuário celestial. Ele afirmou: “Abriu-se, então, o santuário de Deus que se acha no céu, e foi vista a Arca da Aliança no seu santuário, e sobrevieram relâmpagos, vozes, trovões, terremoto e grande saraivada” (Apocalipse 11:19). Uma vez que a lei de Deus, que inclui o sábado, foi guardada no lugar mais importante do Santuário, compreendemos a importância do sábado na nossa adoração a Deus.

No dia 3 de abril de 1847, Ellen G. White teve uma visão do Santíssimo, no templo do Céu. Contemplou a arca aberta e, dentro dela, as tábuas da lei. Um halo especial de luz incidia sobre o quarto mandamento (Vida e Ensino, p. 84, 85). A partir desse momento, ficou claro para os pioneiros que a aceitação da verdade do santuário envolvia o reconhecimento dos requisitos da lei de Deus e a obrigatoriedade da guarda do sábado do quarto mandamento, não como meio de salvação, mas como fruto de um relacionamento salvífico com Jesus (Ef 2:8-10; Jo 15:10). Todos os 10 mandamentos dados por Deus devem ser guardados pelos cristãos, assim como o foi pelo próprio Cristo (Tg 2:10-12; Jo 15:10).

É importante ressaltar que no processo de formação das doutrinas distintivas dos adventistas, no período que se seguiu ao desapontamento de 1844, elas não surgiram a partir das visões de Ellen G. White, como muitos críticos da igreja afirmam. Antes, essas doutrinas foram fruto de intenso estudo das Sagradas Escrituras. Como afirmou o historiador da IASD George Knight, “as visões de Ellen White desempenharam mais o papel de confirmar as doutrinas do que dar-lhes origem” (Em Busca de Identidade. Tatuí, SP: CPB, 2011, p. 88).

Como se vê, percebe-se nitidamente que, sem a doutrina do santuário, perderíamos nossa identidade como povo especial. Para além disso, careceríamos de base como movimento profético, ficaríamos destituídos do sentido de missão e, consequentemente, sem razão de existir, como bem observou o estudioso e erudito adventista Leroy Edwin Froom: “Se não existe santuário no Céu, e nele não há operado um grande Sumo Sacerdote, e se já não existe mensagem da hora do juízo a ser, por ordem divina, pregada atualmente, então não há lugar para nós no mundo religioso, nem missão e mensagem denominacionais distintas, nem desculpas para ficarmos como entidade eclesiástica separada” (Ministério Adventista, julho/agosto de 1971, p. 13).

Na mesma linha, o teólogo Adriani Milli Rodrigues escreveu: “Deus configurou o santuário para ser uma chave que abre nossa compreensão no que diz respeito aos Seus planos se cumprindo ao longo da história; isto é, um processo profético que culminou no surgimento de um povo escolhido para a missão especial de proclamar as três mensagens angélicas, último convite divino ao mundo. Portanto, se perdermos a noção do santuário, consequentemente não teremos uma visão doutrinária completa nem uma concepção clara da identidade profética da igreja e para onde ela caminha” (Revista Adventista, outubro de 2023).

Seis semanas depois do desapontamento de 22 de outubro de 1844, Guilherme Miller escreveu muitas linhas demonstrando claramente que não tinha perdido a esperança na volta de Jesus. Ele escreveu: "Tenho fixado minha mente em outro tempo, e pretendo permanecer aqui até que Deus me conceda mais luz. E esse tempo é hoje, hoje e hoje, até que Ele venha e eu veja aquele por quem minha alma anseia" (George Knight, Adventismo: Origem e impacto do movimento milerita. Tatuí, SP: CPB, 2015, p. 210).

A doutrina do santuário aponta inequivocamente para esse glorioso dia da volta de Jesus. Ao final do dia mais importante do povo de Israel, o dia da expiação, quando o sumo sacerdote saía, voltando de dentro do santíssimo, simbolizava que os pecados chegariam ao seu fim, simbolizava a erradicação do mal do Universo. Semelhantemente, quando Cristo sair do santuário celestial e disser as palavras de Apocalipse "está feito" (16:17), todas as vidas estarão decididas para sempre, Jesus virá a esta terra e levará todos os seus súditos, herdeiros de um novo reino, que não passará, o eterno Lar Paterno. Ele prometeu: "Não se perturbe o coração de vocês. Creiam em Deus; creiam também em mim. Na casa de meu Pai há muitos aposentos; se não fosse assim, eu lhes teria dito. Vou preparar-lhes lugar. E se eu for e lhes preparar lugar, voltarei e os levarei para mim, para que vocês estejam onde eu estiver” (João 14:1-3, NVI).

Caro amigo leitor, continuemos a aguardar a volta de Jesus. Ele virá! Alegremo-nos por isso! Você está pronto para encontrar-se com Ele?  “A passos furtivos aproxima-se o dia do Senhor; mas os homens supostamente grandes e sábios não conhecem os sinais da vinda de Cristo e do fim do mundo” (Ellen G. White, Testemunhos Seletos, v. 3, p. 13). Que possamos ouvir dos lábios do Mestre as boas-vindas para a eterna Pátria celestial.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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