A DOUTRINA DO SANTUÁRIO E SEU PAPEL NA IDENTIDADE DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA
Ricardo André
A Igreja Adventista do
Sétimo Dia é uma denominação religiosa que se destaca por suas crenças
específicas e doutrinas distintivas ou únicas. Uma dessas doutrinas essenciais para
a teologia adventista é a doutrina do Santuário. Ela é a 24ª crença fundamental
dos adventistas do sétimo dia conforme apresentada no Manual da Igreja (MI,
2023, p. 182) e detalhada no livro Nisto Cremos (NC, 2018, p. 391-415). Esta
doutrina se baseia na crença de que, há um santuário no Céu em plena atividade
(Ap 11:19), do qual o santuário terrestre era uma cópia (Êx 25:8; Hb 8:5). Este
santuário dado a Moisés foi uma forma que Deus utilizou para mostrar como as
coisas aconteceriam no santuário celestial, antitipicamente falando. Hebreus
9:24 fala da existência de um verdadeiro santuário, e que o santuário mostrado
a Moisés era uma “figura”, tipo ou “representação” desse santuário verdadeiro,
isto é o santuário celestial, que precede o terrestre. Diz o texto: “Pois
Cristo não entrou em santuário feito por homens, uma simples representação do
verdadeiro; ele entrou no próprio céu, para agora se apresentar diante de Deus
em nosso favor” (NVI).
De acordo com o texto
de Hebreus, o sumo sacerdote do santuário celestial é Cristo, no qual Ele mesmo
fundou (Hb 8:1, 2 e 5). Nele Cristo entrou para interceder pelo seu povo (Hb
7:25; 9:24, 25).
“As ofertas sacrificais
ensinavam algumas lições importantes; constituíam maravilhosa revelação da
graça redentora de Deus, enfatizada reiteradas vezes ao antigo povo de Israel.
O livro de Hebreus menciona que os diversos sacrifícios oferecido no tempo de
Israel se dividiam em sacrifícios “diários” (Hb 7:27; 10:11) e sacrifícios
“anuais” (Hb 9:7; 10:3). Os sacrifícios eram oferecidos diariamente e também no Dia da Expiação, que ocorria uma vez por
ano. A análise desses sacrifícios revelará o plano de salvação da maneira como
Deus o manifestou a Seu povo no passado” (Questões
sobre Doutrina: O clássico mais polêmico da história do adventismo. Tatuí, SP:
CPB, 2009, p. 261). Portanto, assim como o sacerdote do santuário judaico
se ocupava com os ofícios, de forma “continuamente” no “primeiro” compartimento
(lugar santo), e “uma vez por ano” no “segundo” compartimento (lugar Santo dos
santos) (Hb 9:6, 7), assim também Cristo realizaria Seu sumo sacerdócio em duas
etapas e lugares diferentes. A primeira, desde sua nomeação como Sumo Sacerdote
(Hb 5:10) ocorrida logo após a ascensão (At 1:9) e exaltação (Hb 1:2-4), até 22
de outubro de 1844 (Dn 8:14), período em que se ocupou no primeiro
compartimento com a intercessão em favor dos santos (Hb 7:25; 9:24). A segunda
e última fase de Seu ministério sacerdotal, de 1844 até o fim da purificação do
santuário celestial, período em que se ocupa também com o julgamento de seu
povo (Hb 9:26-27), em preparação para a vinda de Cristo (Hb 9:28), o que
acontece no segundo compartimento do templo celestial (Dn 7:25; Ap 11:19). “Agora o povo de Deus deve ter os olhos fixos
no santuário celestial, onde está acontecendo a ministração final de nosso
grande Sumo Sacerdote na obra do juízo, onde Ele está intercedendo por Seu
povo” (Ellen G. White, As Três Mensagens
Angélicas [CPB, 2023], p. 21).
Assim, Jesus cumpre
duas etapas em (para compreensão do universo) lugares diferentes, épocas
diferentes, com significados diferentes, conforme simbolizado pelo Santuário
terrestre, mas sem literalizar todos os detalhes e sem desprezá-los, afinal, o
problema não está na revelação mas na imperfeição da compreensão humana. As
duas etapas: intercessão, purificação do santuário são reais; as duas ocasiões:
após a ressurreição e após 1844 são reais; os dois lugares: santo e santíssimo,
são reais. O santuário é onde Deus está, onde realmente tudo acontece, de onde
todas as ações divinas procedem, centro de nossa esperança, de onde Jesus virá.
Essa doutrina é uma das raízes que diferencia os adventistas de outras
denominações cristãs. Ela desempenha um papel central na formação da identidade
profética adventista e na definição do que a igreja entende como sua missão
singular.
É importante ressaltar
que, embora seja um ensinamento distintivo ou exclusivo da Igreja Adventista e
praticamente a única doutrina que não temos em comum com nenhum outro grupo
religioso, a verdade sobre o santuário não pode ser vista como um ensinamento
estranho, desvirtuado e indefensável; tampouco um simples expediente para
justificar o episódio do desapontamento de 1844, como pretendem os críticos
desse ensino. Ao contrário, o santuário, pilar da fé adventista, é um ensino
que tem sólida base bíblica. É revelação do amor de Deus de forma didática. Há
uma vasta quantidade de material nas Sagradas Escrituras tratando desse
assunto. Qualquer estudo relacionado encontrará ampla referência. Logo, se é
importante para Deus o deveria ser também para o homem.
Em vez de ser um desvio
da fé cristã histórica, o ensino do santuário é a conclusão lógica e a
inevitável consumação dessa fé. É uma verdade presente, uma verdade para os
últimos dias; mensagem oportuna, confiada ao povo do advento.
O
Fundamento Histórico
A doutrina do Santuário
tem suas raízes nas interpretações proféticas feitas por Guilherme Miller e
outros pregadores adventistas entre as décadas de 1830 e 1840. Guilherme Miller
(1782-1849), um agricultor, converteu-se à Igreja Batista e começou a estudar
intensamente a Bíblia. Utilizando uma Bíblia e um material de estudo de textos
bíblicos conhecido como Concordância de Cruden, conclui que o Santuário
descrito na profecia de Daniel 8:14
referia-se à Terra e a purificação do mesmo ao retorno de Jesus. Fazendo uso de
um método de interpretação de profecias bíblicas conhecido como princípio dia-ano
(Números 14:34; Ezequiel 4:6), concluiu, depois de 16 anos de estudo das
profecias (1816-1832) que as "2300
tardes e manhãs" referidas, iniciavam-se em 457 a.C e se cumpriam
entre março de 1843 e março de 1844. Como o fato não ocorreu (a volta de
Jesus), o retorno aos estudos sobre o assunto gerou uma compreensão mais
acurada. Samuel S. Snow, ministro protestante milerita, concluiu que a
purificação do santuário descrita na profecia ocorreria de acordo com o
calendário judaico dos caraítas em 22 de outubro de 1844.
Miller sentiu o desejo
de exclamar: “Não posso expressar a alegria que encheu meu coração!” (Miller,
Apology and Defence, p. 12. Citado em A
Visão Apocalíptica e a Neutralização do Adventismo, p. 33). Durante 14 anos
Guilherme Miller pregara sua mensagem. Aproximadamente 50 mil pessoas em todos
os Estados Unidos, aceitaram-na. Eles aguardavam com sinceridade a volta de
Jesus. Todos acreditavam que finalmente havia chegado a hora da vinda do
Salvador a este mundo, para terminar a triste história do pecado. A esperança
daqueles crentes era tão forte que a própria morte não tinha poder sobre eles.
Ellen G. White afirmou: “As alegrias da salvação nos eram mais necessárias do
que a comida e a bebida. Se as nuvens nos obscureciam o espírito, não ousávamos
repousar ou dormir antes que fossem varridas pela certeza de que éramos aceitos
pelo Senhor” (Vida e Ensinos, p. 53).
Haviam feitos todos os
preparativos, acertados todas as contas. Reconciliaram-se com aqueles que
haviam ferido ou prejudicado. Deixaram de lado toda a rotina diária, doaram os
frutos de suas terras aos amigos e anunciaram com galhardia e coragem ao mundo
de seus dias que a volta de Jesus seria naquela data. Que fé maravilhosa! Que
desejo ardente de ver o Senhor Jesus! Entre eles, encontrava-se a adolescente
Ellen G. Harmon. A respeito desse dia de espera, ela escreveu: "Este foi o
ano mais feliz de minha vida. Meu coração transbordava de alegre
expectativa" (Testemunhos Para a
Igreja, v. 1, p. 54). O dia tão esperado chegara. Não havia dúvidas. As
últimas horas haviam sido gastas em fervorosa oração e reestudo da Bíblia, para
confirmação das datas anunciadas na profecia. O dia era este, sem dúvida. O dia
tão esperado; o dia da segunda vinda de Jesus Cristo, mas na data nada ocorreu,
gerando o Grande Desapontamento e muita tristeza.
C. M. Maxwell narra a
intensa expectativa entre eles: “As sombras do acaso estendiam-se serena e
friamente por toda a terra. As horas da noite passavam vagarosamente. Em
desconsolados lares de mileritas, os relógios assinalaram doze horas da
meia-noite – 22 de outubro havia terminado. Jesus não viera. Ele não voltara!”
(História do Adventismo [CPB, 1982], p.
34).
Será que temos uma
compreensão clara do que passaram aqueles primeiros “adventistas”?
Compreendemos o significado da dor e da decepção que sofreram? Já pensamos o
que significa caírem por terra todos os seus sonhos e a esperança da volta de
Cristo desvanecer-se com o amanhecer do dia 23 de outubro, ao invés de raiar
uma nova vida para os filhos de Deus? Foi um golpe terrível para os
antepassados e pioneiros do Adventistimo. Aquela multidão de homens e mulheres
pregava uma mensagem clara e inequívoca: Jesus voltará no dia 22 de outubro de
1844! É difícil compreender o grande drama experimentado pelos pioneiros
naquela época. Quando Cristo não retornou a Terra, isso ficou conhecido como o
"Grande Desapontamento". Foi nesse contexto que a Doutrina do
Santuário surgiu.
A
Explicação Adventista
Depois da experiência
do desapontamento, enquanto a maioria dos mileritas acabaram por desanimar,
vários grupos continuaram estudando a Bíblia e constataram que a profecia de
Daniel 8:14, sobre os 2.300 dias-anos, deveria realmente cumprir-se naquela
data. Contudo, o acontecimento foi interpretado de forma equivocada. Eles
compreenderam que a profecia não tratava da volta de Cristo e sim de eventos
celestiais relatados no livro de Hebreus. Um desses grupos foi liderado pelo
capitão aposentado José Bates e pelo casal Tiago White e Ellen G. White. Depois
de reexaminarem as profecias, esse grupo compreendeu que havia um santuário
real no Céu (Hb 8:1-5; Ap 11:19) e que a “purificação do santuário” de Daniel
8:14 não tinha nada ver com a Terra, mas com o Santuário Celestial, do qual o
santuário terrestre era cópia ou tipo, e que, ao invés de Jesus voltar nessa
data, Ele entrou como nosso Sumo Sacerdote no segundo compartimento do
Santuário celestial, o Santo dos Santos, para iniciar o juízo investigativo
predito na profecia de Apocalipse 14:6 e 7, e antes prefigurado no ritual do
Dia da Expiação do santuário terrestre (Lv 16).
“Levítico 16 trata de
um ritual de “purificação” do santuário israelita, incluindo a “purificação” (taher) de seu altar externo (v. 19),
mediante as aplicações do sangue sacrifical pelo sumo sacerdote. Essa remoção
de pecados e impurezas no comando central terreno de Deus representa a
restauração ou a justificação do Seu santuário. O governo de Deus só é
vindicado quando ele reconfirma as pessoas leais a quem já perdoou ao longo do
ano (ver Lv 4-5) e quando rejeita aqueles que cometeram “transgressão” (Lv
16:16). [...] Depois de uma primeira fase de expiação, na qual Deus perdoava os
israelita arrependidos que levavam ao santuário os sacrifícios durante todo o
ano (Lv 4:20, 26, 31, 35; etc.), ocorria o Dia da expiação, que era uma espécie
de segunda e última fase de expiação. Essa segunda fase purificava o santuário
dos pecados do povo, representando o fato de que Deus como juiz foi vindicado,
isentado da responsabilidade judicial na qual havia incorrido por perdoar
pessoas culpadas (ver 2Sm 14:9), atitude que um juiz justo não adota (Dt 25:1;
1 Rs 8:32). O supremo sacrifício de Cristo, para o qual apontavam os
sacrifícios de animais ao longo do ano e no Dia da Expiação, torna possível que
Deus seja ao mesmo tempo justo e justificador (mediante o perdão) daqueles que
creem (Rm 3:26). (Roy E. Gane. “O Que é a ‘Purificação do Santuário’ de Daniel
8:14?”, Interpretando as Escrituras:
descubra o sentido dos textos mais difíceis da Bíblia. Tatuí, SP: CPB,
2019, p. 213).
Portanto, estamos
vivendo no antitípico Dia da Expiação, em que Cristo, como nosso Sumo
Sacerdote, entrou no Lugar Santo dos Santos ou santíssimo, em 1844, para
realizar a segunda e última fase de Sua obra de expiação (purificação) dos
pecados do seu povo registrados nos livros no Céu (Hb 8:1, 2; 7:25). “Quando,
portanto, se ouve um adventista dizer, ou se lê na literatura adventista, mesmo
nos escritos de Ellen G. White, que Cristo está fazendo expiação agora, deve-se
compreender que queremos dizer que Cristo está agora fazendo aplicação dos benefícios da expiação sacrifical que efetuou na
cruz; que está tornando eficaz para nós individualmente, conforme nossas
necessidades e petições” (Questões sobre
Doutrina. “Expiação Sacrifical Provida e Aplicada”. Tatuí, SP: CPB, 2009,
p. 260).
Aqueles crentes
entenderam que essa era uma parte importante do plano de salvação. A partir
disso, no devido tempo, surgiu um grande movimento religioso mundial: A Igreja
Adventista do Sétimo Dia. Esta recebeu uma grande missão: Anunciar a última
mensagem de salvação a todo mundo. Ultrapassar os limites territoriais,
culturais e linguísticos para alcançar toda a população da Terra, apresentando
a tríplice mensagem angélica descrita em Ap 14:6-12, e chamar a atenção do
mundo para o juízo e Sua segunda vinda. Para isso fundaram-se instituições
médicas e educacionais em muitas parte do Globo. Foram erigidas igrejas,
escolas, hospitais e casas publicadoras para ajudar a levar o evangelho eterno
a toda não, tribo, língua e povo. Essa Igreja encara com seriedade a ordem:
“Importa que profetizes novamente” (Ap 10:11).
Ellen G. White, co-fundadora
da Igreja Adventista, afirmou: “Em sentido especial, os adventistas do sétimo
dia foram postos no mundo como vigias e portadores de luz. A eles foi confiada
a última mensagem de advertência a um mundo a perecer. Sobre eles incidiu a
maravilhosa luz da Palavra de Deus. Foram incumbidos de uma obra da mais solene
importância: a proclamação da primeira, segunda e terceira mensagem angélica. Não
existe nenhuma obra de tão grande importância. Eles não devem eles permitir que
nenhuma outra coisa lhes absorva a atenção. As mais solenes verdades já
confiadas a mortais nos foram dadas para as proclamarmos ao mundo” (As Três Mensagens Angélicas [CPB 2023], p.
13).
Os primeiros
adventistas reconheceram que a pregação das três mensagens angélicas começou de
modo sequencial no contexto do movimento milerita. Ellen White escreveu: “A
primeira e a segunda mensagens foram dadas em 1843 e 1844, e estamos agora sob
a proclamação da terceira; mas todas as três mensagens devem ainda ser
proclamadas” (Mensagens Escolhidas, v.
2, p. 88, 89).
Com base nos capítulos
7 a 9 de Daniel, temos anunciado que o juízo investigativo que precede a
segunda vinda de Cristo começou em 1844 e será concluído pouco antes desse
glorioso evento. “Esse juízo procura essencialmente vindicar o povo de Deus,
conforme se vê em Daniel 7, onde os santos são julgados e absolvidos. O povo de
Deus permanece num atitude de completa dependência de Deus nas circunstâncias
mais angustiosas. Os registros de sua vida são examinados e seus pecados,
apagados; ao mesmo tempo, o nome dos falsos crentes é retirado dos livros (cf.
Êx 34:33; Lv 23:29, 39). Aqueles cujo nome é conservado nos livros, inclusive
os santos mortos, herdam o reino (Dn 7:22; 12:1, 2). Assim o santuário é
purificado.” (Ângel M. Rodriguez, “O Santuário”, Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia. Tatuí, SP: CPB, 2011,
p. 455, 456).
Quando essa obra
investigativa terminar, é proferida a sentença de juízo. Então, Jesus virá como
justo juiz para executar a sentença. O livro do Apocalipse descreve o momento
do término da obra de julgamento e o consequente fim do tempo da graça, nos
seguintes termos: “O santuário ficou cheio da fumaça da glória de Deus e do seu
poder, e ninguém podia entrar no santuário enquanto não se completassem as sete
pragas dos sete anjos” (Ap 15:8, NVI). Note que quando o santuário celestial
enche-se “da fumaça da glória de Deus e do seu poder”, as pessoas são impedidas
de terem acesso ao santuário, numa clara indicação de que o tempo de graça se
acabou e a intercessão em favor dos pecadores não mais existe, de maneira que a
ira de Deus não misturada com misericórdia e graça é experimentada pelos
pecadores impenitentes como consequência de sua resistência e oposição ao
evangelho. Uma realidade completamente oposta a do tempo da graça, quando somos
exortados a “aproximemo-nos do trono da graça com toda a confiança, a fim de
recebermos misericórdia e encontrarmos graça que nos ajude no momento da
necessidade” (Hb 4:16, NVI).
No final do juízo
investigativo ou pré-advento, a sorte de todas as pessoas estará
irrevogavelmente decidida para a vida ou para a morte. Não haverá um segundo
tempo de graça para ninguém. Ao encerrar-se a obra de julgamento não haverá
mais oportunidades de salvação para ninguém. O Espírito Santo
não apelará mais à consciência das pessoas para se arrependerem de seus
pecados, pois Se terá retirado da Terra. Nesse tempo cumprir-se-á as palavras
de Cristo registradas em Ap 22:11, 12: “Continue o injusto a praticar
injustiça; continue o imundo na imundícia; continue o justo a praticar justiça;
e continue o santo a santificar-se. Eis que venho em breve! A minha recompensa
está comigo, e eu retribuirei a cada um de acordo com o que fez” (NVI).
A
doutrina do Santuário como chave hermenêutica
Para além de uma crença
distintiva dos adventistas, a verdade do santuário é, indubitavelmente, a chave
teológica fundamental do sistema doutrinário adventista. É a partir do estudo
do santuário terrestre e seu ritual que passamos a entender o plano de salvação
ou o evangelho, bem como verdades essenciais das Sagradas Escrituras. O
santuário permite entendermos não somente as doutrinas bíblicas, mas a própria
identidade e missão da igreja.
Essa perspectiva levou Ellen
G. White a declarar que “a compreensão correta do ministério no santuário
celestial constitui o alicerce de nossa fé” (Evangelismo [CPB, 1978], 221). Isso porque lá está “Cristo. Nele se
encontra o sistema completo da verdade divina” (Ellen G. White, E Recebereis Poder, p. 29). Dessa
forma, Ellen G. White interpretou o desapontamento milerita de 1844 a partir dessa
visão hermenêutica: “O assunto do santuário foi a chave que desvendou o
mistério do desapontamento de 1844. Revelou um sistema completo de verdades
ligadas harmoniosamente entre si, o qual mostrava que a mão de Deus havia
dirigido o grande movimento adventista e indicava novos deveres ao esclarecer a
posição e obra de Seu povo” (O Grande
Conflito [CPB, 2006], p. 423).
Nessa declaração, depreende-se
que Ellen White nitidamente entendia que o santuário era uma chave hermenêutica
que abriu a visão dos pioneiros adventistas para a compreensão de um sistema
completo de verdades, a exemplo distinção de leis, lei de Deus, sábado,
expiação, mediação, justificação, santificação, segunda vinda de Cristo,
recompensa dos justos e dos ímpios e completa destruição do mal.
À semelhança dos
discípulos de Jesus, que as antigas profecias previam a vinda de Cristo como
rei no ano 31 AD, sofrendo grande decepção ao vê-lo pendurado numa cruz, os
pioneiros do adventismo sofreram um grande desapontamento em 1844. Certamente,
a mão de Deus estava conduzindo tudo, mas o que foi necessário para entender
isso? A resposta é: a chave do santuário que abriu a visão não apenas para o
que tinha acontecido, mas para a missão do movimento profético adventista.
Assim foi possível compreender melhor a posição e obra desse povo.
A doutrina do sábado
como dia do Senhor e de guarda é um exemplo emblemático da compreensão do
santuário como um “sistema harmonioso de doutrinas”. A Bíblia revela que as
tábuas dos Dez Mandamentos foram depositadas na arca da aliança (Êx 40:20, 21;
Hb 9:3, 4). Esta ficava no lugar santíssimo do santuário terrestre, compartimento
mais importante. Ao apóstolo João foi mostrado o santuário celestial. Ele
afirmou: “Abriu-se, então, o santuário de Deus que se acha no céu, e foi vista
a Arca da Aliança no seu santuário, e sobrevieram relâmpagos, vozes, trovões,
terremoto e grande saraivada” (Apocalipse 11:19). Uma vez que a lei de Deus,
que inclui o sábado, foi guardada no lugar mais importante do Santuário,
compreendemos a importância do sábado na nossa adoração a Deus.
No dia 3 de abril de
1847, Ellen G. White teve uma visão do Santíssimo, no templo do Céu. Contemplou
a arca aberta e, dentro dela, as tábuas da lei. Um halo especial de luz incidia
sobre o quarto mandamento (Vida e
Ensino, p. 84, 85). A partir desse momento, ficou claro para os pioneiros
que a aceitação da verdade do santuário envolvia o reconhecimento dos
requisitos da lei de Deus e a obrigatoriedade da guarda do sábado do quarto
mandamento, não como meio de salvação, mas como fruto de um relacionamento
salvífico com Jesus (Ef 2:8-10; Jo 15:10). Todos os 10 mandamentos dados por
Deus devem ser guardados pelos cristãos, assim como o foi pelo próprio Cristo
(Tg 2:10-12; Jo 15:10).
É importante ressaltar
que no processo de formação das doutrinas distintivas dos adventistas, no
período que se seguiu ao desapontamento de 1844, elas não surgiram a partir das
visões de Ellen G. White, como muitos críticos da igreja afirmam. Antes, essas doutrinas foram fruto de intenso estudo das Sagradas Escrituras. Como afirmou
o historiador da IASD George Knight, “as visões de Ellen White desempenharam
mais o papel de confirmar as doutrinas do que dar-lhes origem” (Em Busca de Identidade. Tatuí, SP: CPB,
2011, p. 88).
Como se vê, percebe-se
nitidamente que, sem a doutrina do santuário, perderíamos nossa identidade como
povo especial. Para além disso, careceríamos de base como movimento profético,
ficaríamos destituídos do sentido de missão e, consequentemente, sem razão de
existir, como bem observou o estudioso e erudito adventista Leroy Edwin Froom:
“Se não existe santuário no Céu, e nele não há operado um grande Sumo
Sacerdote, e se já não existe mensagem da hora do juízo a ser, por ordem
divina, pregada atualmente, então não há lugar para nós no mundo religioso, nem
missão e mensagem denominacionais distintas, nem desculpas para ficarmos como
entidade eclesiástica separada” (Ministério
Adventista, julho/agosto de 1971, p. 13).
Na mesma linha, o
teólogo Adriani Milli Rodrigues escreveu: “Deus configurou o santuário para ser
uma chave que abre nossa compreensão no que diz respeito aos Seus planos se
cumprindo ao longo da história; isto é, um processo profético que culminou no
surgimento de um povo escolhido para a missão especial de proclamar as três mensagens
angélicas, último convite divino ao mundo. Portanto, se perdermos a noção do
santuário, consequentemente não teremos uma visão doutrinária completa nem uma
concepção clara da identidade profética da igreja e para onde ela caminha” (Revista Adventista, outubro de 2023).
Seis semanas depois do
desapontamento de 22 de outubro de 1844, Guilherme Miller escreveu muitas
linhas demonstrando claramente que não tinha perdido a esperança na volta de
Jesus. Ele escreveu: "Tenho fixado minha mente em outro tempo, e pretendo
permanecer aqui até que Deus me conceda mais luz. E esse tempo é hoje, hoje e
hoje, até que Ele venha e eu veja aquele por quem minha alma anseia" (George
Knight, Adventismo: Origem e impacto do
movimento milerita. Tatuí, SP: CPB, 2015, p. 210).
A doutrina do santuário
aponta inequivocamente para esse glorioso dia da volta de Jesus. Ao final do
dia mais importante do povo de Israel, o dia da expiação, quando o sumo sacerdote
saía, voltando de dentro do santíssimo, simbolizava que os pecados chegariam ao
seu fim, simbolizava a erradicação do mal do Universo. Semelhantemente, quando Cristo
sair do santuário celestial e disser as palavras de Apocalipse "está
feito" (16:17), todas as vidas estarão decididas para sempre, Jesus virá a
esta terra e levará todos os seus súditos, herdeiros de um novo reino, que não
passará, o eterno Lar Paterno. Ele prometeu: "Não se perturbe o coração de
vocês. Creiam em Deus; creiam também em mim. Na casa de meu Pai há muitos
aposentos; se não fosse assim, eu lhes teria dito. Vou preparar-lhes lugar. E
se eu for e lhes preparar lugar, voltarei e os levarei para mim, para que vocês
estejam onde eu estiver” (João 14:1-3, NVI).
Caro amigo leitor,
continuemos a aguardar a volta de Jesus. Ele virá! Alegremo-nos por isso! Você está
pronto para encontrar-se com Ele? “A
passos furtivos aproxima-se o dia do Senhor; mas os homens supostamente grandes
e sábios não conhecem os sinais da vinda de Cristo e do fim do mundo” (Ellen G.
White, Testemunhos Seletos, v. 3, p. 13).
Que possamos ouvir dos lábios do Mestre as boas-vindas para a eterna Pátria
celestial.
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