Teologia

domingo, 18 de junho de 2023

SAUDADES DA MINHA MÃE


 Ricardo André

Nesse artigo quero prestar uma homenagem emocionada a uma mulher extraordinária: minha mãe. Seu nome era Noêmia Cordeiro de Souza. Foi uma mãe incansável que enfrentou com uma coragem indomável inúmeras dificuldades para criar e cuidar de seus oito filhos. No dia 25 de junho completará 19 anos de seu falecimento. Embora já não esteja mais entre nós, sua memória e seu amor permanecem vivos em nossos corações.

É difícil imaginar um lar sem mãe. Tudo no lar gira em torno dela e, graças a ela, tudo funciona satisfatoriamente. A provisão material adquirida pelo pai é por ela transformada em utilidades que configuram a felicidade e a satisfação da família inteira. Está sempre pronta a sacrificar-se a fim de que cada um dos membros da família esteja com suas necessidades supridas.

Sua dedicação nem sempre é reconhecida e apreciada como deveria ser, mas isso não parece afetá-la. Sua vocação é dar-se, embora os filhos, muitas vezes, e mesmo o próprio marido, não compreendem a extensão e a grandeza de sua dedicação, e fazem pouco ou nada para aliviar-lhe os fardos que a vida impõe.

Enfrenta doenças, motivos para irritação, desenganos e desgostos, para poder ter sua família satisfeita e feliz. Diariamente, depara-se com situações difíceis e com a necessidade de tomar decisões corretas para que o êxito do lar seja assegurado. Priva-se de muitas coisas em favor dos filhos. Seus cabelos brancos, sua pele enrugada, os passos trôpegos, a voz quase inaudível de algumas; tudo isso é fruto do desgaste natural do tempo, mas também das preocupações que lhes causamos, da energia que lhes extraímos.

Com essas palavras tentei construir um perfil fiel da minha querida mãe Noêmia Cordeiro de Souza. Ela vivenciou tudo o que descrevi acima. Minha mãe mostrou-nos o verdadeiro significado da dedicação. Em cada obstáculo que surgiu em seu caminho, ela nunca desistiu. Sua força de vontade e determinação eram inabaláveis, e seu amor incondicional era uma luz que nos guiava.

Ela enfrentou desafios financeiros e momentos de incerteza, mas nunca perdeu a esperança. Recordo-me que houve uma época que vendia perfumes e vasilhas da tupperware para complementar o orçamento da família. Seus filhos eram sua razão de viver. Ela trabalhou arduamente para proporcionar-lhes um futuro melhor, mesmo quando o mundo parecia conspirar contra ela.

Em 2002, aos 51 anos minha mãe sofreu um AVC, que paralisou um lado do seu corpo. Fiquei assaz apreensivo. Após uma noite insone, em que fiquei preocupado com o estado de saúde dela, li pela manhã o Salmo 23, o famoso Salmo do Pastor. Enquanto lia, pensava: “Será que mamãe vai nos deixar? E se ela morrer? Tenho uma irmã com 13 anos de idade, que ainda precisa muito dela. Como será a vida de minha irmã mais nova Rayane Cordeiro de Souza, sem mamãe? Em meio a essa angústia li a expressão “(...) nada terei falta” (Salmos 23:1). E me concentrei na leitura: “O Senhor é o meu pastor; de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranquilas; (...) Sei que a bondade e a fidelidade me acompanharão todos os dias da minha vida, e voltarei à casa do Senhor enquanto eu viver” (Sl 23:1, 2 e 6, NVI).

Tinha esses versos memorizados, pois precisava de algo que amenizasse meus temores. E me apeguei durante todo o tempo em que minha mãe esteve doente. Todos os dias pedia a Deus que a curasse. Naquele ano (não lembro mais o dia e o mês), recebi um telefonema de minha irmã Roberlane Cordeiro de Souza que informou que ela não estava bem, e que encontrava-se no hospital para submeter-se a uma cirurgia para a retirada de mioma. Ela falou ainda que seu eu quisesse vê-la ainda com vida fosse lá. O pensamento de perdê-la doía tanto que eu mal conseguia puxar o fôlego entre um soluço e outro. Então clamei a Deus: “Senhor Jesus, Tu sabes o quanto eu desejo que minha mãe viva, por isso peço-Te que cures minha mãe. Eu não quero que mamãe morra, mas não sei como orar”.

Contei a situação de minha mãe as minhas duas amigas Vânia Higino e Luzinete Carvalho, que me orientaram a ir rapidamente ver minha mãe em Pernambuco. O valioso conselho daquelas irmãs em Cristo e amigas foi fundamental para que eu tomasse a decisão de ir ver minha mãe. Sou eternamente grato a essas preciosas amigas. Um dia depois da minha chegada ao Cabo, fui com meu irmão Roberval André de Souza visitá-la no IMIP (Instituto de Medicina Integral), em Recife. Ao chegar lá, encontrei minha querida mãe. Que emoção! Que alegria para nós! Que abraços gostosos! Vi a alegria estampada no seu rosto por me ver ali. Recordo-me que ela nos apresentou para sua colega de quarto, com as seguintes palavras: “Esses são os meus dois gatos!” Mas, ao mesmo tempo fui tomado por um sentimento de tristeza ao ver minha mãe tão debilitada, com andar trôpego, resultante do derrame que havia sofrido. Eu contive minhas lágrimas. Eu não queria que ela me visse chorando, e aumentasse o seu sofrimento. Ela precisava da minha força naquele momento. Ficou vários dias naquele hospital. Sua pressão arterial estava descontrolada. Ela era hipertensa. Somente depois que a sua pressão foi controlada, os médicos puderam realizar a cirurgia para retirar o mioma. Minha mãe teve oito filhos e lutou por eles. Penso que ela lutou pela família, mais até do que por si mesma.

Aquele dia no IMIP marcou indelevelmente minha vida. Nunca vou esquecer aquele encontro. Foi o meu último encontro em que ela falava e estava lúcida. Meses depois sofreria o segundo, terceiro e quarto derrame que lhe tiraria sua capacidade motora, sua fala e memória.

Em junho de 2004, recebi um outro telefonema de minha irmã Roberlane Cordeiro. Usando quase as mesmas palavras dois ano antes, informou-me que nossa mãe ficou muito doente e que estava hospitalizada, que eu precisava ir ao Cabo de Santo Agostinho se quisesse vê-la ainda com vida. E Deus novamente usou um texto das Sagradas Escrituras para ajudar-me. Dessa vez foi o profeta Daniel. Li a corajosa resposta de Sadraque, Mesaque e Abednego deram ao rei, a caminho da fornalha de fogo ardente: “Se formos atirados na fornalha em chamas, o Deus a quem prestamos culto pode livrar-nos, e ele nos livrará das suas mãos, ó rei. Mas, se ele não nos livrar, saiba, ó rei, que não prestaremos culto aos seus deuses nem adoraremos a imagem de ouro que mandaste erguer" (Daniel 3:17,18, NVI).

As palavras de Sadraque, Mesaque e Abednego me deram coragem para orar: “Senhor, por favor, cura minha mãe. Tu tens poder para restaurar sua saúde. Mas, faça-se a Tua vontade. Não importa o que acontecer, continuarei a Te amar e a Te servir.”

No dia 20 de junho de 2004, viajei ao Cabo de Santo Agostinho/PE para ver minha mãe, que se encontrava em coma no Hospital São Sebastião.  Fui ao hospital vê-la nos dias 22 a 24. Ela não mais se movia nem falava. Ao vê-la naquele leito do hospital definhando e inerte tive a certeza de que minha mãe guerreira e batalhadora, e que amava muito estava bem próximo de encerrar sua vida aqui. A certeza de que aquela indesejada despedida estava chegando aumentava a cada dia de internação. Eu não queria que ela partisse, mas, no fundo, eu sabia que não sairia mais daquele hospital com vida.

Nessa hora difícil, eu precisava de Deus mais do que nunca. Abri a Bíblia e li: “(...) Transformarei o lamento deles em júbilo; eu lhes darei consolo e alegria em vez de tristeza” (Jeremias 31:13). No dia 25, fui pela tarde ao hospital novamente. Quando cheguei lá, sentei ao lado do seu leito, peguei em sua mão, desabei.  Uma colega de infância e vizinha nossa chamada Adma tentou me consolar, mas não consegui segurar. Chorei copiosamente. Eu queria orar, mas o que devia pedir? Então clamei: Senhor, salva minha mãe! Tenha misericórdia dela! Senti que a misericórdia do Senhor se estendeu sobre nós. Isso não mudaria minha dor, mas me ajudaria a suportá-la. Mais tarde, li Lamentações 3:22, que diz: “As misericórdias do SENHOR são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim”.

Imaginando que ela ficaria mais tempo naquele estado de coma, decidi voltar para minha casa, em Lagarto, Sergipe. Tomei o ônibus à meia-noite do dia 24 de junho, na Rodoviária do Recife. Ao chegar em casa, na manhã do dia 25, minha esposa, Ana Claudia, me deu a pior notícia que já recebi: Minha mãe tinha morrido. Ela morreu na madrugada do dia 24 para 25 de junho de 2004, enquanto viajava de volta para Lagarto. Não tinha mais como voltar para o Cabo de Santo Agostinho para acompanhar o velório. A dor de não ter podido participar do velório de mamãe foi uma experiência extremamente dolorosa e angustiante. A sensação de impotência e a tristeza de não estar presente para prestar minhas últimas homenagens e buscar consolo nos rituais de despedida foram avassaladoras.

Infelizmente, tivemos que dizer adeus à mãe mais forte e maravilhosa que conheci. Não poderia estar mais impressionado por sua força e me sinto um afortunado por tê-la como minha mãe. Foi uma grande tristeza para mim, para meus irmãos, para sua mãe Deutrudes Cordeiro (que faleceu meses depois), seus irmãos e amigos. Ao longo do ano fartei-me de chorar. Eu havia vivido o ano mais triste e difícil da minha vida. E durante esse tempo Deus usou os as promessas constantes na Bíblia Sagrada para trazer-me conforto.

Convivi com ela apenas 19 anos da minha vida, pois em fevereiro de 1993, viajei para morar na cidade de Lagarto, em Sergipe, onde até hoje vivo. No dia 23 de janeiro de 1994, minha mãe escreveu uma pequena carta para mim. Nesta linda carta ela expressa muita preocupação e tristeza por eu, à época, está sozinho em Lagarto. Num trecho da Carta ela diz: “(...) Naquele dia que você me telefonou entrei em depressão só em lembrar que estava sozinho sem família. Espero que tenha encontrado alguém que [lhe dê] palavras de conforto. [...] Termino aqui estas poucas linhas com o coração cheio de saudades. A próxima te dou mais notícias. Eu te abençoo”.  Esta carta da minha mãe causou-me uma impressão tão grande que a guardo com muito carinho. Vi muito amor nela. Ela me abençoou. E essa bênção me acompanha até hoje. Foi graças as suas orações e sua bênção que tenho dois empregos públicos (professor concursado das Redes Estadual e Municipal) e construí uma família maravilhosa.

Seu legado não está apenas nas histórias que compartilhamos, mas também nas lições que aprendemos. Ela nos ensinou a valorizar o que realmente importa: a fé em Deus, o amor, a família e a solidariedade. Suas palavras de encorajamento e de amor ecoam em nossos ouvidos, nos momentos em que precisamos de coragem para enfrentar os desafios que a vida nos apresenta. Não obstante estar afastada da igreja de sua infância, algumas vezes entrei em seu quarto, à noite, e a vi de joelho orando a Deus. Mesmo afastada de sua igreja nunca perdeu a fé e continuou com o hábito espiritual de orar a Deus. Nunca perguntei a ela pelo que orava, mas certamente, entre seus pedidos a Deus estava por sua família. Acredito profundamente que as orações de uma mãe acompanham seus filhos neste mundo, e adiante através dos portais da Nova Jerusalém para o eterno mundo por vir.

Também recordo-me com carinho as vezes que sentei ao seu lado, no sofá de casa, e ela me ensinou alguns hinos da Harpa Cristã, hinos que ela tinha aprendido em sua adolescência na Igreja Assembleia de Deus. Aqueles dias em que me ensinou os cânticos ficaram marcados para sempre em minha mente, e especialmente o hino: “Breve Vem o Dia”, Harpa Cristã, nº 371. É muito significativa e inspiradora a letra do hino:

BREVE VEM O DIA

1. Breve vem o grande dia

Em que lutas findarão

Todos males, agonias

Deste mundo cessarão

 

Coro: Cessará no céu o pranto

Pois não haverá mais dor

E ouvir-se-á o canto

Dos remidos do Senhor!

 

2. Oh! Que gozo, estar com Cristo

Escutando a Sua voz!

Eu almejo hoje isto

E segui-lo sempre após!

 

3. Se Jesus Cristo é meu guia

O caminho hei de trilhar

Quem assim em Deus confia

Lá no céu há de chegar

Aquela atitude de oração de minha mãe, os cânticos que me ensinou nunca saíram da minha memória. Certamente, suas lições, sua força diante do sofrimento, simplicidade e orações moldaram a vida de seus filhos e nos guiaram pelos caminhos da vida. Somos o que somos hoje, graças a nossa mãe.

Acredito profundamente que as mães receberam de Deus o poder de moldar o caráter dos filhos para o tempo e a eternidade, poder esse que ultrapassa nossa imaginação. A escritora cristã Ellen G. White escreveu: “Depois de Deus, o poder da mãe para o bem é a maior força conhecida na Terra” (O Lar Adventista, p. 240).

Minha mãe foi uma guerreira incansável, uma verdadeira inspiração para todos que a conheceram. Sinto falta dela mais do que as palavras podem dizer. Sinto falta das conversas que sempre tivemos e das gargalhadas na varanda de casa, no Cabo de Santo Agostinho/PE. Do nosso dia a dia, do seu abraço, da sua graça, da sua comida saborosa (na época de São João preparava a canjica, mungunzá e cozia milhos), de sua maneira simples de contar as coisas, da sua presença maravilhosa. Quando a morte arrebatou-a um grande vazio foi aberto em minha alma. Acho que esse espaço nunca será preenchido e a lembrança dos bons momentos e daquilo que vivemos e aprendemos consegue me dar conforto. Ela viverá para sempre no meu coração e no coração dos meus outros sete irmãos. Embora a saudade seja imensa, encontramos conforto ao saber que ela “morreu no Senhor” (1Ts 4:16; Ap 14:13), sabendo que, nós, seus filhos seguiremos seu exemplo e continuaremos honrando sua memória.

De acordo com as Sagradas Escrituras, quando os seguidores de Jesus morrem, eles descansam “das suas fadigas, pois as suas obras os seguirão" (Ap 14:13, NVI). Sua influência para o bem não para na borda da sepultura; ela segue adiante e abençoa o mundo. As obras da mãe a acompanham. Ela, mesmo estando morta, “ainda fala” (Hb 11:4). Por seu exemplo, em algum momento de crise, um filho toma a decisão de fazer as coisas certas, em favor de Cristo, e uma de suas filhas busca o auxílio de Deus.

Minha mãe, anos antes de seu falecimento, tinha voltado para Jesus Cristo, aceitando-O novamente como Senhor e Salvador de sua vida. Portanto, descansou no Senhor. Tenho a esperança bíblica de que um dia nos encontraremos, não muito longe, no Novo Céu e na Nova Terra. Caminharemos pelas ruas de ouro da Santa Cidade que Deus preparou para aqueles que O amam (Ap 21). Estaremos juntos por toda eternidade sem fim com o nosso compassivo Salvador Jesus e todos os remidos do Senhor. Quando leio algo sobre o Céu na minha Bíblia – ou mesmo em algum outro livro – fico imaginando a alegria que desfrutaremos ao reencontrar familiares, amigos e irmãos que se foram sem nos dar a chance de dizer “até breve”.

Caro amigo leitor, esta separação que nos causa tanta dor não será eterna. Quando nosso querido Jesus voltar em glória e Majestade poderemos reencontrar todos os nossos queridos que morreram em Cristo, se crermos em Jesus. "Promete-se um reencontro entre pais, filhos e amigos. Veremos novamente os nossos filhos. Encontrar-nos-emos com eles e os reconheceremos nos átrios celestiais" (Ellen G. White, Carta 196, 1899). Esta ESPERANÇA está baseada sobre um sólido e indestrutível fundamento... Sim, ela se baseia na realidade de um Cristo vivo (I Co 15:4). A ressurreição do Senhor é o fundamento de nossa esperança (I Ped. 1:3; I Co 15:12-19). Assim como Deus, o Pai, trouxe Jesus, nosso Salvador, dentre os mortos na manhã de Sua ressurreição no jardim, fora dos muros de Jerusalém, assim com Ele também trará nossos queridos mortos à vida novamente, quando voltar a segunda vez. Ela também está fundamentada no prometido e esperado retorno do Senhor à Terra (I Tes. 1:10; Atos. 1:10, 11).

Haverá, então, uma feliz e eterna reunião! Viveremos por toda a eternidade sem fim com todos os remidos de todos os tempos. No Mundo do Amanhã que Deus trará para todos os que crerem nele não haverá mais morte. Ele nos promete: “Ele enxugará de seus olhos toda lágrima; e não haverá mais morte, nem haverá mais pranto, nem lamento, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas." (Ap 21:4).

Oh, como almejo esse dia! Vem, Senhor Jesus!







 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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