Teologia

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

O VÍRUS DE JUDAS


 por Lyndon K. McDowelI

Como detectá-lo e como se livrar dele

Jerusalém jamais havia visto um julgamento como aquele. 0 Prisioneiro era inocente do todo pecado; Seus juízes, culpados dos mais hediondos crimes. 0 acusado, era o Juiz de toda a Terra; os que pronunciavam a sentença, estavam condenados por suas próprias obras. Como se estivessem presos nas mãos do destino, homens e mulheres pareciam compelidos por forças além de seu próprio controle.

E, entre a agitada multidão, um homem estava sentado só, enquanto um sombrio temor lhe aguilhoava a alma. "Aquele a quem eu beijar, é esse; prendei-O." Mat. 26:48.

No bruxuleante ambiente do pátio superlotado, Judas via somente o clarão do archote incidindo na pálida face do Filho do homem, e, acima do tumulto e da gritaria, ouviu apenas uma sentença: "Judas, com um beijo trais o Filho do homem?" Luc. 22:48. Então, sem poder suportar a tortura de sua consciência culpada, exclamou: "Ele é inocente; poupa-O, ó Caifás!" (O Desejado é Todas as Nações, p. 721; Mat. 27:4). E, saindo apressadamente do pátio, foi-se enforcar.

0 que levou esse homem, antes honrado membro de um grupo especial, a se tornar um provérbio em todas as nações, através do tempo? A pergunta é importante, pois a história de Judas não é a história exclusiva de um homem. Embora seu nome seja vilipendiado e desprezado, Judas representa muitos que professam ser seguidores de Cristo, e os métodos que o diabo usou para enganá-lo naquele tempo, são usados contra nós hoje.

Lembremo-nos de que Judas não havia manifestado oposição aberta a Jesus. Mesmo durante a Santa Ceia, quando Jesus lhe disse que ele devia fazer o que estava em seu coração, os discípulos pensaram que "Jesus lhe dissera: Compra o que precisamos para a festa ou lhe ordenara que desse alguma coisa aos pobres". João 13:29. Eles jamais haviam pensado no plano diabólico a que Jesus Se referia.

Como, pois, se desenvolveu um plano tão ímpio no coração de Judas? Como se tomou ele um traidor? Apresento três razões com base em comentários de Ellen G. White (ver O Desejado de Todas as Nações, págs. 716-722).

1. Judas orgulhava-se de suas opiniões próprias e cultivava uma disposição para criticar e acusar.

Inventado no Céu, praticado no Éden e usado através da história cristã, o espírito de divisão é uma das mais bem-sucedidas artimanhas de Satanás. E todos os homens e mulheres dotados de carisma, poder de persuasão e mente ágil, são especialmente vulneráveis. É fácil estribar-se num pequeno ponto de discórdia e, daí para a frente, acrescentar outros.

Um exemplo, neste sentido, encontra-se na Didache: "Vossos jejuns não devem ser feitos nos mesmos dias com os hipócritas, pois eles jejuam na segunda-feira e na quinta-feira, mas deveis jejuar na quarta-feira e na sexta-feira." (Edgar Goodspeed, The Apostolic Fathers, An American Translation (New York: Harper and Brothers, 1950, pág. 14). Uma disputa dessa natureza levou Paulo a escrever Romanos 14:1-6. Ele disse que não devemos fazer julgamentos sobre assuntos polêmicos. "Um faz diferença entre dia e dia; outro julga iguais todos os dias" (verso 5).

Na época de Henrique VIII, um tipógrafo cometeu um erro numa edição do Livro de Orações. Escrita em Latim, a palavra sumpsimus foi escrita assim: mumsimus. Como poucos clérigos soubessem Latim, logo se habituaram a pronunciar "mumsimus".

Certo dia, um clérigo perspicaz percebeu o engano e exigiu que fosse feita a correção. Isso causou uma divisão tão grande entre o clero que Henrique VIII foi obrigado a fazer um discurso sobre o assunto, em 1545: "Alguns são intransigentes com seu mumsimus, ao passo que outros se apegam ao seu sumpsimus."

A Igreja Adventista tem seus "mumsimus" e "sumpsimus". Há membros independentes, relutantes em ceder a suas opiniões, e, por este motivo, causam divisão. Independência contumaz é parte da insanidade de nosso tempo, e quem de nós não sente seu apelo? Judas tomou sua penúltima decisão em Cafamaum. Foi em Cafarnaum que muitos discípulos de Jesus "O abandonaram e já não andavam com Ele" (João 6:66). Decepcionado, Judas "decidiu não se unir a Cristo tão intimamente que não se pudesse retirar" (O Desejado de Todas as Nações, pág. 719). Raramente se vê uma igreja de centro que não enfrente pressões a respeito de problemas teológicos ou administrativos, e, assim, as igrejas independentes proliferam e aumentam. Isso faz parte da agitação de nosso tempo.

Judas queria ser independente e tomou-se um traidor.

2. Judas não conseguiu vencer as características perversas de sua vida.

Vivemos num tempo em que nossas percepções espirituais se corrompem ante o que é sensual e obsceno. Os desvios de comportamento são considerados coisas normais, e a liberdade individual tem o beneplácito da sociedade. Há um crescente abismo entre as injunções dos mandamentos de Deus e a fantasia mundana que a mídia moderna quer inculcar em nossa mente. Nenhum de nós está imune a suas atrações. A televisão está poluída e violenta, e isto faz parte de um propósito definido. Muitos se deixam levar passivamente por esses programas, e o gosto pela verdade e pelo belo é imperceptivelmente minado. Revistas requintadas, com conceitos morais liberalizantes, estão diante de nossos olhos nos caixas de todo supermercado. Orientadas para as paixões carnais, estimulam nosso eros e ofuscam nosso agape. (Obs.: Eros refere-se ao amor sensual e agape, ao amor-princípio.) Os anúncios publicitários cortejam nossa cobiça.

Lá no íntimo, ambicionamos fama e sucesso, ao passo que um coração quebrantado e humilde não é mais algo atrativo. Estamos tão insensíveis que quase não percebemos as arremetidas das ondas do mal. Como podemos ter a certeza de que não estamos seguindo os passos de Judas?

O pecado não foi arquitetado para ser uma atração apenas; foi também configurado para parecer racional. Por vezes, só começamos a ver a fealdade e hediondez do pecado quando colhemos os seus frutos. Judas estava ciente de sua decisão de trair a Jesus. Se Jesus fosse condenado por alguma falta, Ele teria sido visto como um falso Messias. E se fosse, de fato, o Messias, não poderia permitir que fosse crucificado. Judas imaginava que não tinha nada a perder, qualquer que fosse o desfecho.

Assim, tornou-se ele um traidor.

3. Judas negligenciou a oportunidade de se entregar a Jesus.

A entrega do coração a Jesus pode tornar-se um mero chibolete. Mas, na vida real, é algo muito difícil. O inimigo, muitas vezes, zomba de nossas fraquezas, enquanto nos cega para pecados mais graves.

Se nos deixarmos influenciar pela atmosfera que nos cerca, como poderemos discernir entre uma entrega total e o fanatismo? E fazer a diferença entre regras de natureza cultural e os mandamentos divinos? A distinção não parece tão fácil como se imagina, e ambos têm sido confundidos.

A entrega sincera requer uma compreensão de tudo o que nos tem levado a ser o que somos: nossa abordagem das Escrituras, nossa cultura, nossa educação, nossa posição hierárquica. Todos esses aspectos desempenham um papel fundamental.

Portanto, o que chamamos de entrega sem reservas é algo muito íntimo e extremamente difícil. Tal entrega não pode ser definida nem imposta por comissões ou mesas administrativas.

0 ato final do drama de Judas ocorreu na Santa Ceia. Quando Jesus estava lavando seus pés, "Judas comoveu-se intensamente com o impulso de confessar no mesmo instante e ali mesmo o seu pecado. Mas não se queria humilhar". (0 Desejado de Todas as Nações, pág. 645). Judas havia tomado sua última decisão, pois "a hora e o poder das trevas" haviam chegado (Luc. 22:53). Para ele, a porta da graça estava fechada, e "Satanás se apossou dele". (Testimonies, vol. 5, pág. 103).

Parte da tragédia de Judas deveu-se ao fato de que ele foi leal a uma causa e não a Cristo, e quando lhe pareceu que a causa fosse fracassar, ele conscientemente desfez o compromisso. Judas nunca experimentou o que Isaías sentiu quando viu a santidade do Senhor e exclamou: "Ai de mim! Estou perdido!" Isa. 6:5. Ele nunca partilhou a experiência de Pedro, que, prostrando-se aos pés de Jesus, disse: "Senhor, retira-Te de mim, porque sou pecador" (Luc. 5:8), ou de Tome, que, deixando de lado a incredulidade, exclamou: "Senhor meu e Deus meu!" João 20:28. E Judas jamais soube da visão de João, que, ao contemplar a glória do Cristo ressurreto, caiu a Seus pés como se estivesse morto.

É importante enfatizar novamente que não houve uma oposição aberta da parte de Judas para com Jesus, nenhum "grande" pecado em sua vida. Ele foi um evangelista, um operador de milagres. Foi, por assim dizer, tesoureiro da igreja e membro influente do grupo. Mas suas tênues decisões, sua decrescente convicção diária foram traços de caráter que o levaram finalmente a trair o Senhor.

Ao olhar para dentro de mim e para a igreja, após 40 anos de ministério, vejo um problema semelhante. Temos anunciado a santidade do sábado. Temos retratado a besta em nossos folhetos, e nos orgulhamos, até certo ponto, de nossas luminosas ideias. Mas temos nós levado homens e mulheres a ver a santidade transcendente de Cristo e a prostrar-se a Seus pés, dizendo: "Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros"?

Judas jamais exclamou assim; por isso, tornou-se um traidor.

Todos nós, em maior ou menor grau, temos o vírus de Judas. O único antídoto é o humilde reconhecimento de nossa vulnerabilidade e uma sincera entrega diária ao controle de Cristo em nossa vida. Se o terrível dia do "poder das trevas" (Luc. 22:53) está às portas, também é verdade que temos um amorável Salvador que não quer que ninguém pereça. Ele conhece os mais íntimos segredos de nossa alma e Se interessa por nós, dizendo: "Como te deixaria?" Osé. 11:8.

Nossa resposta determinará nosso destino. Nem hábitos, nem posição hierárquica, nem "30 moedas de prata" - nada disso pode ser comparado à gloriosa aparência de nosso Senhor.

 

*Lyndon JC McDowell é pastor jubilado e reside em Scottsdale, Arizona, EUA.

 

FONTE: Revista Adventista, Ago 1998, p. 8-10

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