Teologia

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

O HOMEM QUE NÃO TEVE FUNERAL E O SENTIDO ESCATOLÓGICO DE SUA EXPERIÊNCIA

Ricardo André

Quero nesse artigo refletir acerca de um personagem enigmático das Sagradas Escrituras. A história impressionante e incomum desse homem está repleto de lições espirituais, e está registrada no quinto capítulo do livro de Gênesis. Nele, também encontra-se registrada a existência das primeiras gerações de vida humana na Terra. Esse capítulo é chamado de o livro das gerações de Adão. Possui um ciclo natural e repetitivo, onde o ancestral gera um filho, vive um tempo e morre. O ciclo se repete em Adão, Sete, Enos, até o sétimo na lista, chamado Enoque. Essas pessoas superaram em longevidade e capacidade qualquer pessoa conhecida hoje em dia. Os antediluvianos não tem comparação. Somos como crianças, quando comparados com suas habilidades. Eles arrasariam os recordes olímpicos, apagariam todas as realizações intelectuais e anulariam todos os recordes de desenvolvimento.

Mas a despeito de tudo isto, havia o terrível problema do pecado. Seu canceroso crescimento havia se espalhado por todos os lugares. Os gigantes físicos e mentais produziram pecadores gigantescos. Eles mergulharam em iniquidade tão profunda que excede nossa compreensão. Era uma época de ceticismo e rebelião espiritual.

No meio deste cenário viveu um homem cuja escolha racional para seguir outra direção foi recompensada à altura.

Quando o pecado parece mais atrativo do que a justiça, quando ações pecaminosas apresentam mais encanto do que a integridade e a pureza, é tempo de retirar-se por algum tempo para ver as possibilidades de alguma coisa melhor. Precisamos compreender realmente o impacto total da escolha de Enoque.

Quem foi esse homem que andou com Deus e, após 365 anos na Terra, foi trasladado para a vida eterna? Que estilo de vida possuía para dar à humanidade a esperança de que a temível maldição da morte não segurará para sempre todos nós em suas gélidas garras?

Quem foi Enoque?

Sabemos tão pouco a respeito desse homem. No registro de Gênesis, ele é descrito como aquele que “andou com Deus; e já não foi encontrado, pois Deus o havia arrebatado” (Gn 5:24, NVI). Ele é a sétima geração desde Adão e pai de Matusalém, que viveu 969 anos. Antes do nascimento do seu filho, Enoque amou, temeu e obedeceu a Deus. Mas depois experimentou um relacionamento ainda mais íntimo com o Senhor. Não morreu. Ele nunca celebrou seu 366º aniversário, nem esteve presente em seu funeral. Foi trasladado sem morrer para o Céu. Além desse registro de Gênesis, Enoque é mencionado, rapidamente, em apenas dois outros lugares na Bíblia Sagrada. O livro de Hebreus nos diz que “pela fé Enoque foi arrebatado, de modo que não experimentou a morte; "ele já não foi encontrado porque Deus o havia arrebatado", pois antes de ser arrebatado recebeu testemunho de que tinha agradado a Deus” (Hb 11:5, NVI). No livro de Judas lemos que Enoque profetizou o julgamento iminente do Senhor sobre os ímpios (Jd 14, 15).

Provavelmente o arrebatamento de Enoque aconteceu “relativamente poucos anos após a morte de Adão” (Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, v. 7, p. 513), e não foi secreto. Ellen White afirma que sua trasladação foi presenciada por alguns, tanto justos como ímpios. “Na presença de justos e ímpios Enoque foi removido deles. Aqueles que o amavam pensaram que Deus pudesse tê-lo deixado em algum de seus lugares de retiro, porém, depois de procurarem diligentemente por ele, e sendo incapazes de achá-lo, disseram que não se acharia mais, porque Deus o tomara” (História da Redenção, p. 59).

“A lembrança desse evento notável sobreviveu na tradição judaica (ver Eclesiástico 44:16), no registro cristão (Hb 11:5; Jd14) e até em fábulas pagãs. O apócrifo livro de Enoque descreve o patriarca exortando seu filho e todos os seus contemporâneos, advertindo-os do juízo vindouro. A obra judaica Livro dos Jubileus diz que ele foi levado ao paraíso, onde escreveu o juízo de todos os homens. Lendas árabes o apresentam como o inventor da escrita e da aritmética. Sua partida deve ter exercido grande impressão sobre os contemporâneos, a julgar pela extensão em que sua história foi divulgada entre as gerações posteriores. A vida exemplar de Enoque, com seu glorioso clímax, ainda testifica da possibilidade de viver num mundo ímpio sem pertencer a ele” (Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, v. 1, p. 234).

“Enoque Andou com Deus”

A característica mais marcante de Enoque, o único crente antediluviano a ser trasladado para o Céu ser passar pela morte, é o fato de que, em meio a uma geração perversa, “andou Enoque com Deus” (Gn 5:24). Isso aconteceu, como falamos no início, nos dias que antecederam o dilúvio, período em que homens e mulheres extremamente inteligentes mergulharam de cabeça numa vida de violência e imoralidade, utilizando seu poder criativo para inventar novas expressões do mal. Em meio a essa geração, Enoque se manteve afastado. Ele escolheu a Deus; Deus tornou-Se seu melhor amigo. Diz Ellen White que “o Senhor amava a Enoque porque ele firmemente O seguia, aborrecendo a iniquidade, e fervorosamente buscava conhecimento celestial, para fazer Sua vontade com perfeição. Ele anelava unir-se ainda mais estreitamente com Deus, a quem temia, reverenciava e adorava” (História da Redenção, p. 59).

Nas Sagradas Escrituras encontramos revelações muito sinceras sobre os defeitos de grandes homens de Deus, a exemplo de Abraão, Isaque, Jacó, Davi, Moisés, entre outros. Todavia, acerca de Enoque não encontramos nenhuma referência desabonadora, embora, como ser humano, ele tivesse “intuição de sua própria fraqueza e imperfeição” (Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, p. 85). E por fim Deus lhe concedeu a suprema demonstração de Sua graça. Levou Enoque para habitar com Ele.

Como Enoque conseguiu alcançar tamanha grandeza espiritual? Ellen G. White responde: “O andar de Enoque com Deus não foi em arrebatamento de sentidos ou visão, mas em todos os deveres da vida diária. Não se tornou um eremita, excluindo-se inteiramente do mundo; pois que tinha uma obra a fazer para Deus no mundo. Na família e em suas relações com os homens, como esposo e como pai, como amigo, cidadão, foi ele um servo do Senhor, constante, inabalável. [...] Enoque [...] passava muito tempo na solidão, entregando-se à meditação e oração” (Idem).

A vida de Enoque é, sem dúvida, um exemplo para os crentes de todas as épocas. Nosso andar com Deus não deve ser alcançado através de experiências místicas ou afastamento da sociedade, “mas em todos os deveres da vida diária”. Em meio à correria desenfreada da vida moderna, precisamos encontrar tempo para ficar a sós com Deus, entregando-nos à meditação e a oração e, então, voltar ao convívio social, refletindo a imagem divina obtida nesses momentos de comunhão.

Nestes últimos dias, Deus também olha para a terra e vê um mundo cheio de “homens mais amigos dos deleites do que amigos de Deus,” como descrito em 2 Timóteo 3:1-5. Ele nos convida a andar com Ele. Andar com Deus é andar em justiça e integridade! Ser justo e íntegro é não aceitar ou praticar a parcialidade, a adulteração, a corrupção. Quer que sejamos “irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis, no meio de uma geração corrompida e perversa, entre a qual resplandeceis como astros no mundo” (Fp 2:15). No meio deste mundo maligno podemos ter o testemunho de que andamos com Deus e que agradamos a Deus.

Fazemos isso renunciando às nossas próprias concupiscências e desejos, motivados pelo amor para servir a Deus em obediência à Sua vontade. Nós podemos ser aquelas pessoas que são descritas em Colossenses 3 que buscam as coisas que estão acima, e rejeitam tudo o que vem deste mundo.

Significado escatológico da trasladação de Enoque

Segundo Ellen G. White, a transladação de Enoque para o Céu possui um significado escatológico. Ele é um tipo do fiel povo de Deus que será trasladado no último dia. Ela escreveu:

Enoque, separando-se do mundo, e gastando muito de seu tempo em oração e comunhão com Deus, representa o leal povo de Deus nos últimos dias, que se há separar do mundo. A injustiça deverá prevalecer em terrível extensão sobre a Terra. Os homens se dedicarão a seguir toda imaginação de seu corrupto coração e levar a cabo sua enganosa filosofia e rebelião contra a autoridade dos altos Céus.

O povo de Deus separar-se-á das práticas injustas dos que os rodeiam e procurará a pureza de pensamentos e santa conformidade com Sua vontade, até que Sua divina imagem seja refletida neles. Como Enoque, estarão se preparando para a trasladação ao Céu. Enquanto se esforçam para instruir e advertir o mundo, eles não se conformarão ao espírito e costumes dos descrentes, mas os condenarão por meio de seu santo procedimento e piedoso exemplo. A trasladação de Enoque para o Céu, pouco antes da destruição do mundo pelo dilúvio, representa a trasladação de todos os justos vivos da Terra antes da sua destruição pelo fogo. Os santos serão glorificados na presença daqueles que os odiaram por sua leal obediência aos justos mandamentos de Deus” (Idem, p. 60, 61).

A experiência de Enoque é aquela da qual necessitamos hoje. Todas as pessoas que hoje servem a Deus com o coração cheio de alegria e fé, anda com Ele diariamente serão levadas para o lar eterno quando o Senhor Jesus voltar em glória e majestade (Jo 14:1-3).

Caro amigo leitor, se você está passando agora por um tempo difícil e precisa de encorajamento, lembre-se de que Enoque passou por frustrações semelhantes. O mundo se havia tornado corrupto, à medida que o pecado se espalhava como uma lepra mortal. Mas, em meio a tudo isso, Enoque permaneceu fiel a Deus. Se você está desanimado e acha que talvez Jesus não lhe ouça as orações, ou se você é tentado inclusive a duvidar a iminência do retorno de Cristo para pôr fim aos problemas deste mundo, quero garantir que seus sentimentos não alteram a verdade das preciosas promessas na Palavra de Deus. Jesus é confiável. Coloque nEle a sua fé. Ele o fará vitorioso agora e lhe dará a confiança de que você precisa. Por que não expressar-Lhe sua gratidão neste momento?

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