Teologia

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

MARXISMO: ADOTÁ-LO PRESSUPÕE ABSORVER O ATEÍSMO?


Ricardo André

No dia 30 de agosto de 2020, um grupo de cristãos adventistas, de diversas partes do Brasil, realizaram virtualmente o I Encontro de Adventistas Progressistas “Marxismo, Política e Fé: Encontros e Desencontros”. O evento teve como objetivo iniciar o processo de discussão entre eles sobre o pensamento do filósofo alemão Karl Marx, denominado de Marxismo, considerando as contradições e proximidade entre as ideias dele e os valores cristãos.

O evento contou com a palestra do Prof. Dr. Romero Junior Venâncio Silva, professor de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe, que discutiu, entre outras coisas, sobre sua “experiência com a obra de Marx e dos marxistas sem ser ateu”. Os participantes ficaram encantados com a palestra enriquecedora. Depois, seguiu-se um interessante debate. Em um dado momento, um jovem marxista presente ao encontro (não era adventista), meio surpreso ao ver cristãos discutirem honestamente o marxismo, fez uma intervenção para comentar a respeito da natureza materialista do marxismo, destacando a contradição de se crer num Deus que criou o universo com o marxismo, que é, em essência, ateu.

Dois dias depois do evento, ele trava o mesmo debate num grupo de Whatsapp, onde faz a interessante e intrigante indagação: “Como religiosos conseguem assimilar uma teoria materialista que nega a existência concreta de qualquer sobrenatural, atribuindo essas como subprodutos das relações sociais de produção entre homens? Um outro jovem marxista também presente ao encontro foi contundente, de forma sarcástica sugere que a melhor forma de equacionar a questão é “deixar a igreja”. Ele escreveu no chat: “Adventista progressista estudando marxismo? Mais fácil deixar a igreja, né?”

Importante dizer que esse debate é recorrente. Apesar de Marx, Engels, Lenin e todos os marxistas que são referência para o debate ideológico se afirmarem materialistas, ateus, a dúvida persiste entre os que lutam pelo socialismo e querem uma sociedade justa e solidária, porém sem negar a existência de Deus. Então, é possível um cristão adotar ideias marxistas sem negar a religião, sem “deixar a igreja”? Para ser marxista precisa necessariamente ser ateu? O que Marx escreveu sobre a religião? Defendia ele a supressão dela? Queremos refletir nesse artigo exatamente sobre essas questões elencadas por esses dois jovens marxistas.

Marx e a religião

Indubitavelmente, Karl Marx era materialista, ou seja, para ele, não há nada além da matéria e da energia; não há Deus (ou deuses) e não há ações sobrenaturais. Portanto era ateu. Para ele, Deus e a religião não passavam de meras projeções humanas. Afirmou que a religião havia sido inventada como uma forma de reagir contra o sofrimento e a injustiça do mundo, os pobres e oprimidos tinham criado a religião para imaginar que teriam uma vida melhor após a morte. Servindo como uma forma de “ópio”, uma maneira de escapar da realidade. Portanto, para ele, o ateísmo é um postulado evidente. Tanto é assim que ele escreveu: “A miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da miséria real e o protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração, assim como o espírito de estados de coisas embrutecidos. Ela é o ópio do povo.” (“Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, ed. Boitempo, p. 145). Ele ainda vislumbrava a possibilidade do desaparecimento do sentimento religioso com a eliminação da alienação, numa sociedade despojada da exploração do homem pelo homem e livre do trabalho alienado.

Nesse aspecto, marxistas e cristãos estão em campos opostos. Enquanto se percebe toda uma ontologia que se encontra à base do marxismo, de que não há um Deus que criou o mundo, os cristãos acreditam na existência de um Deus amoroso, que criou os seres humanos e todas as coisas por meio do poder de Sua palavra (Gn 1:1; Jo 1:1-4).

Para o cristão não há, é claro, nenhum argumento final e racional que possa provar, por si mesmo, a existência de qualquer coisa no âmbito espiritual. Daí em diante, é a fé! Ele deposita a sua confiança nas Sagradas Escrituras – não na mera observação humana – como a expressão máxima da verdade. “Pela fé entendemos que o universo foi formado pela palavra de Deus, de modo que o que se vê não foi feito do que é visível” (Hebreus 11:3).

Quando a disciplina da ciência se abre para algo mais do que aquilo que é meramente materialista, então as respostas invisíveis para as principais questões começam realmente a entrar no foco. Foi nestas palavras que o apóstolo Paulo escreveu: “Assim, fixamos os olhos, não naquilo que se vê, mas no que não se vê, pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno” (2 Coríntios 4:18).

Podemos, então, provar a existência de Deus? Não, somos incapazes de prová-la. Mas, também a ciência não pode refutá-la. A questão de capital importância é: Para onde apontam as evidências? Temos evidências suficientes para crer em Deus. O rei Davi declarou: “Os céus declaram a glória de Deus; o firmamento proclama a obra das suas mãos” (Sl 19:1, NVI). E o próprio Deus nos desafia: “Ergam os olhos e olhem para as alturas. Quem criou tudo isso?” (Is 40:26, NVI). Se “os céus declaram a glória de Deus e o firmamento proclama a obra das Suas mãos”, como canta o salmista, então o estudo do Céu [no sentido espiritual], dos céus e da natureza, iluminará a nossa compreensão do próprio Deus, de Seu caráter, bondade e poder.

Por exemplo, nos últimos 20 anos, cada vez mais evidências da astronomia, da astrofísica e de diferentes campos da biologia sugerem fortemente que muitas estruturas complexas no universo físico e biológico devem ter sido projetadas. A complexidade do Universo e da vida, bem como a exata adequação do nosso Universo para a vida ganhou admiração de cientistas e levou muitos deles a comentar que ele parece ter sido projetado por um ser inteligente. O mundo também deve ter sido planejado sabiamente para que a vida existisse. A variação de temperaturas deve ser compatível com a vida. Por isso, a distância do Sol, a velocidade de rotação e a composição da atmosfera devem estar em equilíbrio. Muitos outros detalhes do mundo devem ter sido cuidadosamente projetados. Na verdade, a sabedoria de Deus é revelada no que Ele criou.

A convicção de que Deus é o Autor da criação e a crença na racionalidade de Deus levaram muitos cientistas em séculos passados – e ainda levam muitos no presente – à cuidadosa observação e experimentação, a fim de compreenderem a estrutura e o funcionamento do mundo criado. A revista Diálogo Universitário v. 7, Nº 3, de 1995, traz uma interessante matéria sobre diversos cientistas do passado e do presente que foram e são cristãos, a exemplo de Werner von Braun. Ele era “alemão, o engenheiro de foguetes, foi diretor do Centro Marshall de Vôo Espacial na década de 60. No prefácio de um livro ele diz: “Acho tão difícil compreender um cientista que não reconhece a presença de uma razão superior atrás da existência do Universo como compreender um teólogo que nega os avanços da ciência. E certamente não há razão científica pela qual Deus não pode reter a mesma relevância em nosso mundo moderno que Ele tinha antes de começarmos a perscrutar sua criação com telescópio, ciclotron e veículos espaciais”. [...] Num livro recente, 60 cientistas de renome, incluindo 24 que receberam o prêmio Nobel, responderam a perguntas sobre ciência e Deus. Um deles é Arthur Schawlow, professor de física na Universidade de Stanford, e detentor do prêmio Nobel em 1981. Ele diz: ‘Parece-me que quando confrontado com as maravilhas da vida e do Universo, a gente precisa perguntar por que e não apenas como. As únicas respostas possíveis são religiosas.... Acho necessidade de Deus no Universo e em minha própria vida’” (p. 8-10).

As descobertas na natureza levam os ateus a concluírem que o acaso, os longos períodos de tempo e a seleção natural são capazes de produzir qualquer coisa, ao passo que os cristãos podem concluir que a causa final de tudo é o Deus Criador.

Em relação a fala de Marx acerca da religião, para não se incorrer em erros de descontextualização das afirmações, se faz mister conhecer o contexto político em que estava inserido o jovem Marx para entender essa afirmação tão incisiva contra a religião. À época, a religião na Alemanha estava a serviço do Estado. E a elite dominante instrumentalizava a religião para conformar as pessoas (os dominados) a diferentes formas de opressão política e/ou econômica. Os líderes religiosos ensinavam os fiéis a se conformarem com a pobreza e a miséria, com aquela ordem vigente, marcada pela exploração capitalista, impedindo desse modo que o povo se organizasse para reivindicar melhores condições de vida, melhores salários. Esse alinhamento político das igrejas cristãs com as classes socialmente dominante levou Karl Marx e outros socialistas a considerarem a religião como adversárias ideológicas dos trabalhadores. Por conta da sua condição de instrumento de conformação (e por consequência, de sujeição), a religião foi, então, metaforicamente caracterizada por Marx como um ópio, um mecanismo de alienação dos dominados. Portanto, quando Marx disse que “a religião era o ópio do povo”, ele se referia a essa religião criada pela elite social, alienante, que levava (e leva) o povo à aceitação das desigualdades e à passividade diante das injustiças. Penso que se as igrejas da Alemanha daquele período não estivessem a serviço da burguesia e estivesse do lado dos oprimidos, talvez Marx não teria formulado essa declaração.

Em seu artigo “A religião é o ópio do povo”, publicado no Blog Ativismo Protestante, o filósofo e poeta Felipe Catão torna mais clara essa frase de Marx e seus desdobramentos, à luz de seus contextos histórico, social e político:

"O ópio, naquele século, era um narcótico que a Companhia Britânica das Índias Orientais contrabandeava às toneladas da Índia para a China, com a intenção de contrabalancear o comércio entre o Reino Unido e a China. O interesse pelos produtos chineses (chá, seda, porcelana) era enorme, ao passo que os chineses pareciam se interessar por único produto – o ópio. A menção ao ópio é como uma metáfora, pois o cerne da questão é a exploração dos mais pobres pelos mais ricos – nesse caso, os chineses (mais pobres), o Reino Unido (mais ricos). Para Marx, a religião servia para aliviar a vida dos explorados, que se apegavam a ela como uma compensação (o sofrimento religioso compensa o sofrimento real). Havendo um sociedade sem exploradores e explorados, a religião deixaria de existir, segundo Marx. A proposta de Marx era para que a classe operária saísse do seu entorpecimento e rompesse com o círculo de exploração do seu trabalho, e que reivindicasse o que era seu de direito: o controle do seu trabalho e a posse de seus frutos como propriedades legítimas; que abandonassem a felicidade ilusória, proporcionada pela religião, e tomassem posse da felicidade real. E isso somente poderia ser conquistado com a luta de classe e com a revolução. De outro modo, os ricos e poderosos jamais iriam renunciar ao seu papel de explorador. Colocando a frase (“a religião é o ópio do povo”) dentro do seu contexto histórico-sócio-político, a crítica de Marx visava atingir as religiões dominantes de então, que não só comungavam, mas colaboravam diretamente com as classes dominantes e com os exploradores da classe trabalhadora. Religiosos exaltavam e enalteciam a experiência religiosa como a realização fundamental terrena do ser humano, negando a eles o direito à luta de classes e a prática revolucionária, como que condenando a classe operária às privações sem o direito de aspirar à vida digna.”

Duas análises são relevantes a partir dessa concepção filosófica de Marx acerca da religião:

1) Marx não odiava e nem defendia a perseguição a religião

Não obstante seu ateísmo, Marx não defendia a perseguição a religião e tampouco aos religiosos. Ao contrário, ele condenou e combateu, inclusive apoiando a luta dos judeus por direitos civis e políticos, na Alemanha de sua época. É o que se depreende de sua obra pouco conhecida pelo grande público “Sobre a Questão Judaica”, escrita em 1843 e publicada em Paris no ano de 1844. Marx escreveu esse texto como um contraponto as duras críticas que seu amigo Bruno Bauer fazia aos judeus na Alemanha, nas obras “A questão judaica” e “A capacidade dos judeus e dos cristãos hodiernos para se tornarem livres”. À época, os judeus haviam perdido seus direitos políticos e civis.

Bauer, em seu livro, afirma que os judeus da Alemanha só conseguiriam a emancipação política se eles abrissem mão de sua religião. Ele aponta que o sofrimento dos judeus era culpa deles mesmos, pois eles se negavam a renunciar ao judaísmo. Então, vem Marx, através de “Sobre a Questão Judaica” e diz que essa posição de Bauer é equivocada, que não se deveria perder tempo com a questão religiosa, mas com a luta pela emancipação política. Sendo assim, a emancipação política não deve libertar o homem de sua religião e sim lhe dar o direito e a liberdade à religião. Dessa forma, a religião não é um obstáculo à emancipação dos judeus.

É evidente que, quando Marx escreveu essa obra tinha apenas 25 anos de idade, e ainda não tinha desenvolvido sua perspectiva revolucionária, mas estava a caminho. Todavia, mesmo depois de desenvolvido as ideias do socialismo científico, em suas obras posteriores não se vê ódio de Marx a religião, tampouco orientações no sentido de perseguir os cristãos ou outros grupos religiosos, como muitos religiosos e intelectuais reacionários propalam. Isso só mostra a má intenção, no vale tudo para demonizar a esquerda. Portanto, nos países em que se implementaram o sistema socialista, como na Rússia e nos países do Leste Europeu, em que houve perseguição aos cristãos, foi sem sombra de dúvida, equívocos cometidos por esses governos, destituídos de fundamento marxista. Embora Marx visse a religião como “ópio do povo”, não está implícito aí a destruição da religião e perseguição aos adeptos dela.

Ainda que Marx equivocadamente previsse o desaparecimento da religião com o fim da exploração do homem pelo homem, ou com a construção do socialismo, não estava com isso, determinando que o Estado socialista eliminasse pela força a religião. Ainda que Marx percebesse o uso da religião pela classe dominante para fazer as pessoas a aceitarem a miséria, ele pregava a eliminação da dominação da classe burguesa, não da religião. O entendimento dele era que, com o fim da desigualdade social e da exploração capitalista o homem não sentiria mais necessidade da religião no sentido de encontrar nela alento, pois a miséria deixaria de existir. Ela ia desaparecer naturalmente. Portanto, a perseguição a religião nas ditaduras burocráticas stalinistas da Rússia e do Leste Europeu no século passado representou um crasso erro dos governos daqueles países. Não se pode chama aquelas experiências de comunismo. Elas estavam a anos-luz do comunismo idealizado por Marx.

2) Adotar o marxismo como uma abordagem metodológica para entender o funcionamento da sociedade capitalista não pressupõe adotar o ateísmo

Embora Marx tivesse uma concepção negativa da religião, isso não significa a impossibilidade de um cristão adotar o marxismo como método de análise da sociedade a fim de compreendê-la. Como concepção filosófica que norteia setores do movimento popular e social, em que muitos cristãos estão engajados, o marxismo não tem dono. Ele não pertence somente aos marxistas ateus. É ciência e método, portanto pode e deve ser estudado por todos, religiosos ou não, e não apenas aos marxistas vinculados a uma visão de mundo materialista.

Retomando a questão que o jovem marxista levantou: “Como religiosos conseguem assimilar uma teoria materialista que nega a existência concreta de qualquer sobrenatural?” Diríamos que, se se definir o marxismo apenas como um materialismo (abstrato e metafísico) é impossível um cristão ser um marxista. É impossível essa assimilação. Mas, se se defini-lo como uma filosofia política ou como uma filosofia da práxis, do qual fala Gramsci, uma filosofia que visa o desenvolvimento das potencialidades humanas rumo a construção de uma nova sociedade, é possível um cristão ser um marxista. A partir do momento que um cristão progressista enxerga a sociedade capitalista a partir da concepção desenvolvida por Marx, está adotando o marxismo como instrumento analítico, ainda que essa adesão seja limitada ou restrita, pois não adere ao materialismo, que é inerente ao marxismo. Naturalmente, os marxistas ortodoxos dirão que esse cristão não é marxista, uma vez que a ontologia está na base do marxismo. Importante ressaltar que, o marxismo não se reduz apenas ao aspecto ontológico, mas é também uma doutrina econômica, social e política, cujos pressupostos são válidos e podem ser perfeitamente apreendidos pelos cristãos.

Cabe aqui uma importante fala do Prof. Dr. Venâncio Romero dita no Encontro de Adventistas Progressistas: “A teoria do conhecimento marxista ela é ateia mesmo. É um fato histórico. Agora em nenhum momento Marx disse que para me ler tem que ser ateu, para ser socialista tem que ser ateu. [...] Agora isso não impede em momento algum do marxismo ser o que eu chamo de mediação sócio-analítica para eu ler o mundo. Entende agora? Veja, para professar minha fé eu tenho os evangelhos, eu tenho a Bíblia. Para ler o mundo eu tenho a Bíblia e uma mediação sócio-analítica chamada marxista. O marxismo é mediação sócio-analítica para ler o mundo, não é para tirar a minha fé. Minha fé não deve nada ao marxismo. Eu não dependo do marxismo para eu ter fé ou perder a fé. Quem depende do marxismo para ter fé ou perder a fé é porque, de fato, nunca teve”.

Há muitos cristãos que empregam o método marxista para compreender a história, as relações sociais, bem como uma arma do pensamento e da ação indispensável na luta contra a exploração capitalista e para ajudar na construção de uma sociedade mais justa, uma vez que muitos deles são engajados em partidos de esquerda e/ou nos movimentos sociais, sem necessariamente absorver o materialismo ou o ateísmo.

Há uma outra questão, que decorre paralelamente desta, que queremos destacar: o fato do Marxismo ontologicamente ser ateu, isso não significa a impossibilidade de diálogo entre os cristãos e os marxistas a partir de pontos convergentes. Todo marxista quer uma sociedade igualitária, justa, fraterna, socialista. Da mesma forma os cristãos politicamente progressistas querem a mesma sociedade livre da exploração e da opressão. E, a sociedade socialista deve ser laica e garantir a mais ampla liberdade de opinião e de crença. Como disse o Prof. Dr. Romero Venâncio na palestra com os cristãos adventistas, “um socialismo que massacre os cristãos não é socialismo. O socialismo  que persegue cristãos falhou. [...] Um comunismo que não respeite a dimensão simbólica da religião pra mim não é comunismo. É outra cosia. [...] Um comunismo de verdade jamais será um perseguidor de cristãos, de cristãos não, de nenhuma religião [...], porque, acima de tudo, o comunismo é laico. Eu defendo o comunismo laico, não um comunismo ateu. Não tem sentido. Ateísmo de Estado, isso é um absurdo! Ateísmo de Estado é como Teocracia. Eu estou fora! Teocracia também não defendo. Estado religioso sou contra e como também sou contra o Estado ateu. Isso não é compatível com a obra de Marx”. Nessa perspectiva, os marxistas ateus não deveriam desenvolver uma atitude antirreligiosa, como comumente se observa. Inclusive, alguns marxistas apontam diversas desvantagens nesta postura antirreligiosa, entre elas o abismo colossal que há entre os marxistas e cristãos, quando poderiam ser aliados no combate as injustiças e as desigualdades sociais.

Embora Marx tenha negado a existência de Deus e a religião como forma de ligação com esse Deus, reconhecemos a contribuição do marxismo, como método de análise, na produção de conhecimento filosófico, histórico e sociológico na atualidade. Indubitavelmente, Marx foi um pensador de máxima envergadura, brilhante em suas análises e que revolucionou o pensamento filosófico, rompendo barreiras e desvelando a forma de organização de nossa sociedade. O conjunto de suas análises do modo de produção capitalista continuam válidas. Afinal, o sistema capitalista permanece, e como consequência, permanece também ainda hoje a exploração das camadas mais pobres pelas camadas mais ricas da sociedade. Suas ideias continuam inspirando aqueles que acreditam que é possível construir um mundo melhor, livre da exploração capitalista.

Todavia, como cristãos, não podemos endossar todas as formas de pensar e escrever de Marx, ainda que a essência de suas ideias seja boa e bem fundamentada cientificamente. A Bíblia Sagrada não sugere censura. Ela recomenda o discernimento espiritual. É o que recomenda o apóstolo Paulo: “Examinem tudo, fiquem com o que é bom” (1Ts 5:21, NTLH). Ao encorajar o livre exame das coisas, Paulo acrescenta um conselho: o de ficar com o que é bom. É exatamente o que os cristãos progressistas fazem em relação ao marxismo, examinam seus postulados e suas ideias. Aquilo que não é bom, por conflitar com sua cosmovisão, que é baseada na Bíblia Sagrada, lançam-no fora. Porém, aquilo que é bom no marxismo abraçam, sem, contudo, abandonar um ponto sequer da fé.

A religião como criação divina

Diferentemente do que pensava Marx a respeito da religião, as Sagradas Escrituras revelam que a religião tem sua origem em Deus, o Criador. Em Eclesiastes 3:11, Salomão fala de forma enfática que “Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo; também pôs a eternidade no coração do homem, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o princípio até ao fim”. Segundo o texto bíblico, na criação, Deus colocou no coração do homem a eternidade, algo eterno, algo maior do que tudo que pensamos ou fazemos ou planejamos. O que significa isso? Isso quer dizer que, como Deus pôs no coração do homem o anseio pelo infinito, logo as coisas finitas não podem em toda a sua plenitude preencher o coração do homem. Isto é notório na sociedade como um todo. De acordo com as Sagradas Escrituras, fomos feitos à imagem de Deus (Gn 1:26, 27). Logo, fomos dotados por Deus de uma faculdade espiritual. Nascemos com o desejo nato de adorar alguém ou a algo. Por isso, que em todas as civilizações antigas que temos conhecimento possuem um traço em comum: a religião. Desde as comunidades mais primitivas até as sociedades mais desenvolvidas, todas tinham religião, (e até hoje as nações e regiões se fundam em princípios religiosos, mesmo que minimamente) sejam elas cultos e divinizações dos elementos da natureza ou religiões organizadas com deuses complexos. No nosso entendimento, isso representa uma clara evidência de que o homem é um ser essencialmente espiritual. Temos uma necessidade interna de nos relacionarmos com Deus, implantada nele pelo próprio Deus. Se o homem consciente e persistentemente, não cultivar esta profunda espiritualidade resultará num vazio do coração humano.

Indubitavelmente, uma “insatisfação divina” permeia a experiência humana, o que nos leva a indagar se existe alguma coisa capaz de satisfazer a busca do homem pela satisfação dos desejos do seu coração. O ser humano está numa constante busca pela realização. Há em nós uma sensação de incompletude. Isso é inegável. Esse fenômeno é um fato conhecido e discutido desde o início da história da filosofia. Platão, um dos grandes filósofos gregos da antiguidade, em um de seus diálogos (Górgias, 492b-d) compara os seres humanos a jarros que estão vazando. De algum modo, estamos sempre incompletos. Podemos despejar coisas nos recipientes de nossa vida, mas há algo que impede que o jarro fique cheio. Estamos sempre parcialmente vazios e, por esse motivo, temos uma consciência profunda de falta de completude e de felicidade.

Aristóteles, discípulo de Platão, afirmou que “Todos os homens aspiram à vida feliz e à felicidade, esta é uma coisa manifesta”. O fato a ser observado é que a felicidade e satisfação pessoal é a grande aspiração do ser humano. Porém esse desejo não é o problema, mas o fato dos homens buscarem nos lugares errados.

O avanço científico e tecnológico não resolveu, nem resolverá jamais, o problema existencial do ser humano – essa sensação de que sempre há algo faltando, mesmo depois de termos concretizado nossos sonhos. Sempre queremos mais e queremos coisas diferentes. Parece-nos então que nada que seja finito é capaz de satisfazer o profundo anseio que sentimos dentro de nós. Muitos se matam, e muitos outros estão sofrendo de depressão, stress, insônia, alcoolismo. Hoje há fobias de todos os tipos. A ansiedade é um mal generalizado. Isso tudo claramente aponta para um sentimento de vazio no ser humano.

“Nas profundezas da alma humana se acha implantada a inquietação pelo futuro. Essa percepção do infinito no tempo e no espaço produz insatisfação com a natureza transitória das coisas desta vida. É o plano de Deus que o homem perceba que o atual mundo material não constitui o centro de sua existência. Ele se acha ligado a dois mundos: fisicamente a este mundo, mas mental, emocional e psicologicamente ao mundo eterno” (Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, v. 3, 1075).

Certa vez, Santo Agostinho escreveu que cada um de nós tem dentro de si um espaço vazio deixado por Deus. Você pode tentar preencher esse vazio com qualquer coisa que existe no mundo, mas nunca vai conseguir, pois é imenso, infinito como Deus, e só Ele pode preencher. Ele escreveu: “Criaste-nos para Ti, e nosso coração permanece intranquilo até que encontre paz em Ti”.

Os seres humanos têm tentado de tudo, na ânsia de preencher esse vazio cavado por Deus. Diz C. S. Lewis: “O que Satanás pôs na cabeça de nossos primeiros pais foi a ideia de que eles poderiam ser como Deus, como se fossem independentes e tivessem vida em si próprios; que eles poderiam inventar algum tipo de felicidade sem Deus. E dessa tentativa infrutífera surgiu quase tudo na história humana – riqueza, pobreza, ambição, guerras, prostituição, classes, impérios, escravidão – a longa e terrível história do homem tentando achar outra coisa, menos Deus, para fazê-lo feliz. E por que isso nunca deu certo? É porque Deus nos criou, nos inventou, um como um fabricante inventa uma máquina. Se um veículo é fabricado para ser movido a óleo diesel, ele não vai funcionar direito com outro combustível. E Deus criou a máquina humana para se mover nEle. Ele é o combustível que nos faz agir, o alimento do qual precisamos para nos nutrir. Não há outro”.

A resposta para o vazio não é encontrada em nós mesmos tampouco no ateísmo, porque como disse o personagem do escritor russo de pequenas estórias, Fyodor Mikhaylovich Dostoyevsky, Príncipe Mishkin, na obra O Idiota: “O ateísmo não proclama nada”. O preenchimento do vazio existencial não é encontrada no dinheiro. Podemos conquistar fortunas incalculáveis, e ainda que fosse possível conquistar o mundo todo, restaria sempre a ânsia de novas e maiores aquisições, nessa sede insaciável de preencher o vazio infinito do coração. O magnata Rockfeller disse: "Juntei milhões, mas eles não me trouxeram felicidade". Não é encontrada no poder. Alexandre, o Grande chorava após derrubar seus inimigos e dizia desconsolado: "Não há mais mundos para conquistar". Não é encontrada nos prazeres terrenos. O escritor pornográfico Lord Byron disse antes de morrer: "Tudo que me restou agora foram vermes, câncer e ressentimento". Por outro lado, Deus tem preenchido milhões de pessoas no correr da História, entre as quais eu me incluo.

Muitos povos achavam que eram espertos demais para precisar de Deus. Pensavam que poderiam preencher esse vazio infinito com poder, diversão, sexo ou malas cheias de dinheiro. Mas nunca conseguiram.

Amigo, talvez você esteja lutando com dúvidas a respeito da existência de Deus. Suas dúvidas são a fonte de um continuo desejo de conhecer a Deus e estar em harmonia com Ele. Como o homem na narrativa do evangelho clame: "Eu creio; ajuda-me a vencer minha incredulidade!" (Marcos 9:24). Talvez você também sinta dentro de si esse vazio. Não perca tempo e esforço tentando preenchê-lo com trabalho, estudo, consumismo, filosofias, sexo, divertimentos, relacionamentos pessoais, viagens. Você poderá conseguir distrair-se por algum tempo, mas quando a sua máquina começar a engasgar e a tossir, por ter usado combustível errado, você vai ter de parar e pensar que a única solução é nEle viver, se mover e existir (At 17:28).

Para além do “ópio” de Marx, nossa religação com Deus é a chave para o mistério dos mistérios, o significado da vida. Deus é o Criador da vida, por isso é Ele que dá sentido à vida. Deus nos criou para Seu louvor (Isaías 43:20-21). Ele nos formou de maneira especial, para mostrar Sua glória e Seu amor através de nós. Esse é o grande sentido da vida. A satisfação plena é produto da segurança absoluta e da paz interior que só Deus pode dar. Só um Deus infinito pode preencher, com o Seu amor, o espaço infinito do coração humano. E esta conquista espiritual está ao alcance de todos os que, reconhecendo a sua insuficiência, aceitam o presente que o Céu oferece – a vida eterna, através de Jesus Cristo: “Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 6:23).

Ocorre que o Senhor não invade nosso coração, Ele espera um convite para entrar e fazer moradas. Em Apocalipse 3:20 diz: “Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo”.

Quando detectamos o vazio de nossa alma, tentamos preenchê-lo de todas as formas, mas somente somos saciados quando Jesus entra em nosso coração. É Ele que quer saciar a sede de nossa alma. Quando Ele entra em nosso coração nos sentimos supridos, saciados, felizes, prontos para qualquer boa obra.

Quer as pessoas aceitem ou não; todos precisam de Jesus. Jesus está batendo à porta do nosso coração; se abrirmos, Ele entrará e equilibrará nossa alma e a paz que excede todo entendimento invadirá nossa vida para sermos plenos nEle.

Caro amigo leitor, que tal começar a buscar a Deus hoje? Que tal largarmos dessa vida miserável que o mundo oferece, vida vazia e eu sei que uma vida longe de Deus é vazia, uma vida de aparência e buscarmos aquilo que é eterno. Que adianta preservar uma vida nessa terra, umas amizades, uns prazeres terrenos e perder a vida eterna? Perder a herança que Deus nos deixou?

Não existe vida sem Deus, não tem, não é viver com Deus ou viver sem Deus, é viver. Com Deus você vive, sem Deus você não vive, simples. Ele é tudo o que você tem e precisa, sem Ele você não tem nada.

Deus abençoe sua vida!

 

 

 

 

 

 

 

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