Teologia

domingo, 24 de março de 2019

A CRENÇA CATÓLICA DA TRANSUBSTANCIAÇÃO É BÍBLICA?


Ricardo André

Pouco antes de Sua crucificação Jesus institui a Santa Ceia ao término da refeição pascoal preparada pelos Seus discípulos (Mt 26:17-30; Mc 14:12-26; Lc 22:7-23). Dois elementos constituem este rito: O pão sem fermento e cálice com o suco da videira. Jesus explicou nitidamente que o pão era Seu corpo e o cálice, Seu sangue. E os discípulos foram ordenados a “comerem” seu corpo (e a beberem o cálice). O evangelho de João, capítulo 6, fala de comer a “carne” e beber o “sangue” de Cristo. Esta cerimônia recebe, hoje, o nome de Santa Ceia pela maioria das igrejas evangélicas, para indicar a origem da cerimônia; de Eucaristia, pela Igreja Católica, que enfatiza a ação de graças pelas boas dádivas de Deus. Outras igrejas cristãs chamam-na de comunhão, para indicar a comunhão com Cristo.

Segundo a crença católica, após o padre consagrar a hóstia (pão) e o vinho, esses elementos sofrem uma “mudança substancial”, transformando-se literalmente no corpo e sangue de Jesus, embora eles continuem a parecer, a ter gosto, e a cheirarem como pão e vinho comuns. Essa doutrina é chamada de “transubstanciação”, termo que começou a ser adotado somente “no início do século 12” (Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia, p. 667). Tal crença tem sustentação bíblica? O que realmente queria Jesus dizer com as expressões “Isto é o meu corpo” e “Isto é o Meu sangue”?

A origem da crença

A doutrina da transubstanciação não foi instituída por Cristo ou pelos apóstolos, mas surgiu das resoluções do IV Concilio Latrão, em 1215 de nossa era.

O referido Concílio decretou: “‘Seu corpo e sangue estão realmente contidos no sacramento do altar, sob a espécie de pão e vinho, sendo o pão transubstanciado no corpo, e o vinho no sangue, pelo poder de Deus’ (decreto I; Leith, 58). Tomás de Aquino (1225-1274) afirmou que, de serem consagrados, já não eram pão nem vinho: o corpo de Cristo, que não estava presente antes da consagração, tomava-lhes o lugar. Pelo poder de Deus, toda a substância do pão se convertia em toda a substância do corpo de Jesus, uma conversão ‘apropriadamente chamava de transubstanciação’ (Suma Teológica, 3ª.75.2, 4).

“A transubstanciação era, portanto, a posição católica romana ortodoxa. Foi apresentada oficialmente pelo Concílio de Trento: ‘Este santo sínodo declara novamente que, pela consagração do pão e do vinho, se opera a conversão de toda substância do vinho na substância do Seu sangue. A essa mudança, a Igreja Católica denomina, de modo conveniente e apropriado, transubstanciação” (13ª seção, cap. 4)’” (Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia, p. 667) Esse decreto do Concílio de Trento é mencionado no Catecismo da Igreja Católica, Edições Loyola, SP: 2000, p. 380).

O Catecismo da Igreja Católica, citando São Cirilo, declara: “Não pergunte se é ou não verdade; aceita com fé as palavras do Senhor, porque ele, que é a verdade, não mente” (p. 381).

O Catecismo acrescenta que porque os elementos são transformados no corpo e no sangue de Cristo, é conveniente se envolver na “adoração da eucaristia” (Catecismo... 1378), que é o “culto de adoração” (Catecismo... 1418). Como esses elementos se tornam (supostamente) no corpo e o sangue de Jesus, adorar a Eucaristia é adorar Jesus. Na verdade, adorar a Eucaristia leva à idolatria. Adorar Jesus é bom mas adorar o pão e o vinho, como se fossem Jesus, é errado. Deus é espírito e devemos adorá-Lo em espírito (João 4:24). Não devemos adorar coisas criadas.

O sentido real das expressões “Isto é o meu corpo” e “Isto é o Meu sangue”

A crença na transubstanciação resulta de uma equivocada interpretação literal das palavras de Jesus. Que não devemos interpretar literalmente as palavras de Jesus Cristo: “Isto é o meu corpo” e “Isto é o Meu sangue”, evidencia-se pelo seguinte:

1) De acordo com o Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, “o verbo "é" na frase “isto é o Meu corpo” é usado no sentido de “representar” (como em Mc 4:15-18; Lc 12:1; Gl 4:24)” (v. 5. P. 562). Tanto no Antigo como no Novo Testamento são empregadas figuras, metáforas e comparações que não podem ser interpretadas ao pé da letra. Por exemplo: "O Senhor Deus é Sol e escudo" (Sal. 84:11); "Tu [Senhor] és a minha rocha e a minha fortaleza" (Sal. 31:3); "Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!" (João 1:29); "Eu sou a porta " (Jo 10:9); "Eu sou a videira verdadeira" (Jo15:1); "Nós, embora muitos, somos unicamente um pão, um só corpo; porque todos participamos do único pão" (I Co10:17); "Este cálice é a nova aliança no Meu sangue" (I Co 11:25); "Acautelai-vos do fermento dos fariseus, que é a hipocrisia" (Lc 12:1). Todas essas expressões são figuradas e não podem ser interpretadas literalmente. O mesmo sucede com o pão e o vinho, os quais são figuras ou símbolos do corpo e do sangue de Jesus Cristo.

2) Segundo é confirmado pela vista e o paladar, o pão e o vinho, após a consagração, se mantêm imutáveis. As dimensões, a cor, a forma, o gosto etc. são os mesmos que antes do ato sacramental. Como disse com acerto um teólogo, “a transubstanciação, para ser verdadeira, exigiria a transacidentação, isto é, a mudança de substância acarretaria a mudança das qualidades.”

3) Cristo não disse que o pão era a Sua carne, e, sim, que era o Seu corpo (Mt 26:26 e I Co 11:24). Sendo assim, para que se confirmasse a interpretação literal, os elementos do altar deviam assumir a forma corporal de Cristo, o que não sucede, porém.

4) Um objeto ou corpo material não pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. O pretenso milagre da transubstanciação ocorre milhares de vezes, no mesmo instante, em todas as localidades em que é celebrada a missa. Para ser autêntico, é necessário que sejam "criados" ao mesmo tempo milhares de corpos reais de Cristo - o que é uma deturpação dos ensinos da Palavra de Deus e se afasta dos mais elementares princípios da lógica e do bom senso.

5) Se por ocasião da Santa Ceia, que nosso Senhor Jesus Cristo celebrou com os Seus discípulos (Mt 26:26-30), o pão e o vinho se transformaram literalmente no Seu corpo, temos de chegar à "conclusão absurda" de que Ele ingeriu a própria carne e o próprio sangue, e que em dado momento teriam estado presentes no cenáculo dois Cristos reais e completos: O que estava sobre a mesa, depois da consagração do pão e do vinho - o qual devia ser ingerido pelos discípulos, - e O que Se achava diante deles, ministrando-lhes a Ceia. Semelhante interpretação é um verdadeiro absurdo!

6) Deus proibiu beber sangue (Gn 9:4 ; Dt. 12:16; Lv 7:26). Se o vinho se transformasse realmente no sangue de Cristo, seria pecado tomá-lo. E comer a carne literal de Jesus seria um ato de canibalismo.

7) À doutrina da transubstanciação se associa a ideia de que Cristo é oferecido outra vez como sacrifício pelos nossos pecados. Nesse sentido, a celebração memorial da Ceia do Senhor, em que os fiéis recordam os sofrimentos e a propiciação da cruz, é transformada em ato criador e sacerdotal, pelo qual o próprio Cristo, reencarnado, de novo Se sacrifica.

O Catecismo da Igreja Católica ensina que “neste divino sacrifício que se realiza na missa, este mesmo Cristo, que se ofereceu a si mesmo uma vez de maneira cruenta no altar da cruz, está contido e é imolado de maneira incruenta, este sacrifício é verdadeiramente propiciatório” (p. 377).

Isto contradiz o claro ensino das Escrituras, de que o sacrifício de Jesus foi perfeito e completo, tendo sido realizado uma vez por todas. Hebreus declara: “Mas este, havendo oferecido para sempre um único sacrifício pelos pecados, está assentado à destra de Deus” (Hb 10:10 e 12). Então, a crença católica romana de que comer a “carne” de Cristo é parte das celebrações em que Cristo é sacrificado vez após vez novamente, não tem respaldo bíblico. A Santa Ceia não é um a repetição do sacrifício de nosso Salvador, e, sim, uma lembrança ou recordação do que Ele efetuou no Calvário (I Co11:24 26). O serviço da comunhão do Novo Testamento era um memorial da morte de Cristo (“fazei isso... em memória de mim” – 1 Co 11.25); não era uma reconstituição da morte física de Cristo, como católicos romanos afirmam.

Ao celebrá-la, os cristãos se reúnem em obediência ao mandamento de Cristo, rendem graças pelo sacrifício que Ele cumpriu em benefício deles e renovam os propósitos de união com o Senhor. Os emblemas do pão e o vinho devem ser encarados com respeito, quando separados para um santo propósito, mas não têm virtude em si mesmos, para conferir graça aos que participam deles. A Santa Ceia é a comunhão a que Cristo está espiritualmente presente; e onde há verdadeira fé, a morte de Cristo se apresenta figuradamente e Ele é apreendido pelo crente através da fé e de maneira celestial ou espiritual.

Que significa comer a carne e beber o sangue do divino Mestre, segundo as palavras de Jo 6:53-58? Essas expressões devem ser interpretadas de acordo com a própria explanação dada por Jesus: “O espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita; as palavras que Eu vos tenho dito, são espírito e são vida." v. 63.

Portanto comer a carne de Cristo e beber o Seu sangue é uma linguagem simbólica aplicável à assimilação da Palavra de Deus, por meio da qual os crentes mantém comunhão com o Céu e se habilitam a desenvolver uma vida espiritual. Ele afirmou: ‘As palavras que que Eu vos tenho dito, são espírito e são vida’ (S. Jo 6:63) ‘Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca Deus’ (Mt 4:4).

“Os crentes alimentam-se de Cristo, o Pão da vida, ao participarem da Palavra da vida – a Bíblia. Com esta palavra vem o poder vivificador de Cristo. Nos serviços da Comunhão também participamos de Cristo ao assimilarmos Sua Palavra por intermédio do Espírito Santo. Por isso a pregação da Palavra acompanha cada cerimônia da Ceia do Senhor” (Nisto Cremos: 27 Ensinos Bíblicos dos Adventistas do Sétimo Dia, 4ª ed., CPB, SP: 1997, p. 273).

A Sra. Ellen G. White amplia esse conceito ao afirmar: "Comer a carne e beber o sangue de Cristo é recebê-Lo como Salvador pessoal, crendo que Ele perdoa nossos pecados, e nEle estamos completos. É contemplando o Seu amor, detendo-nos sobre Ele, sorvendo-O, que nos havemos de tornar participantes de Sua natureza. O que a comida é para o corpo, deve Cristo ser para a alma. O alimento não nos aproveita se o não ingerimos; a menos que se torne parte de nosso corpo. Da mesma maneira Cristo fica sem valor para nós, se O não conhecemos como Salvador pessoal. Um conhecimento teórico não nos fará bem nenhum. Precisamos alimentar-nos dEle, recebê-Lo no coração, de modo que Sua vida se torne nossa vida. Seu amor, Sua graça, devem ser assimilados.” (O Desejado de Todas as Nações, p. 289).

Ademais, quando Jesus falava, em João capítulo 6, Ele ainda não tinha tido a Última Ceia com Seus discípulos, na qual Ele instituiu a Ceia do Senhor. Compreender João capítulo 6 como sendo a Ceia do Senhor/Comunhão Cristã, portanto, não se justifica. Como John Walvoord notou, “uma vez que a Ceia do Senhor ocorreu um ano depois que os incidentes registrados neste capítulo, comer sua carne e beber seu sangue não deve ser pensado como sacramentalismo” (The Bible Knowledge Commentary, vol. 2, p. 297).

Participando conscienciosamente da Ceia do Senhor, reconhecemos ser o Senhor Jesus toda a nossa suficiência, de que o pão e o vinho constituem um emblema, símbolo ou figura, bem como conforme ensinou claramente o apóstolo Paulo aos coríntios, a celebração da Ceia do Senhor proclama a morte do senhor até que Ele venha (I Co 11:26). A participação nos emblemas do sofrimento de Cristo é um ato da proclamação da certeza da segunda vinda.



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