A CRENÇA CATÓLICA DA TRANSUBSTANCIAÇÃO É BÍBLICA?
Ricardo
André
Pouco antes de Sua
crucificação Jesus institui a Santa Ceia ao término da refeição pascoal
preparada pelos Seus discípulos (Mt 26:17-30; Mc 14:12-26; Lc 22:7-23). Dois
elementos constituem este rito: O pão sem fermento e cálice com o suco da
videira. Jesus explicou nitidamente que o pão era Seu corpo e o cálice, Seu
sangue. E os discípulos foram ordenados a “comerem” seu corpo (e a beberem o
cálice). O evangelho de João, capítulo 6, fala de comer a “carne” e beber o
“sangue” de Cristo. Esta cerimônia recebe, hoje, o nome de Santa Ceia pela maioria das igrejas evangélicas, para indicar a
origem da cerimônia; de Eucaristia,
pela Igreja Católica, que enfatiza a ação de graças pelas boas dádivas de Deus.
Outras igrejas cristãs chamam-na de comunhão,
para indicar a comunhão com Cristo.
Segundo a crença
católica, após o padre consagrar a hóstia (pão) e o vinho, esses elementos
sofrem uma “mudança substancial”, transformando-se literalmente no corpo e
sangue de Jesus, embora eles continuem a parecer, a ter gosto, e a cheirarem
como pão e vinho comuns. Essa doutrina é chamada de “transubstanciação”, termo que começou a ser adotado somente “no
início do século 12” (Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia, p. 667).
Tal crença tem sustentação bíblica? O que realmente queria Jesus dizer com as
expressões “Isto é o meu corpo” e “Isto é o Meu sangue”?
A
origem da crença
A doutrina da
transubstanciação não foi instituída por Cristo ou pelos apóstolos, mas surgiu
das resoluções do IV Concilio Latrão, em 1215 de nossa era.
O referido Concílio
decretou: “‘Seu corpo e sangue estão realmente contidos no sacramento do altar,
sob a espécie de pão e vinho, sendo o pão transubstanciado no corpo, e o vinho
no sangue, pelo poder de Deus’ (decreto I; Leith, 58). Tomás de Aquino
(1225-1274) afirmou que, de serem consagrados, já não eram pão nem vinho: o
corpo de Cristo, que não estava presente antes da consagração, tomava-lhes o
lugar. Pelo poder de Deus, toda a substância do pão se convertia em toda a
substância do corpo de Jesus, uma conversão ‘apropriadamente chamava de
transubstanciação’ (Suma Teológica, 3ª.75.2, 4).
“A transubstanciação
era, portanto, a posição católica romana ortodoxa. Foi apresentada oficialmente
pelo Concílio de Trento: ‘Este santo sínodo declara novamente que, pela
consagração do pão e do vinho, se opera a conversão de toda substância do vinho
na substância do Seu sangue. A essa mudança, a Igreja Católica denomina, de
modo conveniente e apropriado, transubstanciação” (13ª seção, cap. 4)’” (Tratado
de Teologia Adventista do Sétimo Dia, p. 667) Esse decreto do Concílio de
Trento é mencionado no Catecismo da Igreja Católica, Edições Loyola, SP: 2000,
p. 380).
O Catecismo da Igreja
Católica, citando São Cirilo, declara: “Não pergunte se é ou não verdade;
aceita com fé as palavras do Senhor, porque ele, que é a verdade, não mente”
(p. 381).
O Catecismo acrescenta
que porque os elementos são transformados no corpo e no sangue de Cristo, é
conveniente se envolver na “adoração da eucaristia” (Catecismo... 1378), que é
o “culto de adoração” (Catecismo... 1418). Como esses elementos se tornam
(supostamente) no corpo e o sangue de Jesus, adorar a Eucaristia é adorar
Jesus. Na verdade, adorar a Eucaristia leva à idolatria. Adorar Jesus é bom mas
adorar o pão e o vinho, como se fossem Jesus, é errado. Deus é espírito e devemos
adorá-Lo em espírito (João 4:24). Não devemos adorar coisas criadas.
O
sentido real das expressões “Isto é o meu corpo” e “Isto é o Meu sangue”
A crença na
transubstanciação resulta de uma equivocada interpretação literal das palavras
de Jesus. Que não devemos interpretar literalmente as palavras de Jesus Cristo:
“Isto é o meu corpo” e “Isto é o Meu
sangue”, evidencia-se pelo seguinte:
1) De acordo com o Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia,
“o verbo "é" na frase “isto é o Meu corpo” é usado no sentido de
“representar” (como em Mc 4:15-18; Lc 12:1; Gl 4:24)” (v. 5. P. 562). Tanto no
Antigo como no Novo Testamento são empregadas figuras, metáforas e comparações
que não podem ser interpretadas ao pé da letra. Por exemplo: "O Senhor
Deus é Sol e escudo" (Sal. 84:11); "Tu [Senhor] és a minha rocha e a
minha fortaleza" (Sal. 31:3); "Eis o Cordeiro de Deus, que tira o
pecado do mundo!" (João 1:29); "Eu sou a porta " (Jo 10:9);
"Eu sou a videira verdadeira" (Jo15:1); "Nós, embora muitos,
somos unicamente um pão, um só corpo; porque todos participamos do único
pão" (I Co10:17); "Este cálice é a nova aliança no Meu sangue"
(I Co 11:25); "Acautelai-vos do fermento dos fariseus, que é a
hipocrisia" (Lc 12:1). Todas essas expressões são figuradas e não podem ser
interpretadas literalmente. O mesmo sucede com o pão e o vinho, os quais são
figuras ou símbolos do corpo e do sangue de Jesus Cristo.
2) Segundo é confirmado
pela vista e o paladar, o pão e o vinho, após a consagração, se mantêm
imutáveis. As dimensões, a cor, a forma, o gosto etc. são os mesmos que antes
do ato sacramental. Como disse com acerto um teólogo, “a transubstanciação,
para ser verdadeira, exigiria a transacidentação, isto é, a mudança de
substância acarretaria a mudança das qualidades.”
3) Cristo não disse que
o pão era a Sua carne, e, sim, que era o Seu corpo (Mt 26:26 e I Co 11:24).
Sendo assim, para que se confirmasse a interpretação literal, os elementos do
altar deviam assumir a forma corporal de Cristo, o que não sucede, porém.
4) Um objeto ou corpo
material não pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. O pretenso milagre
da transubstanciação ocorre milhares de vezes, no mesmo instante, em todas as
localidades em que é celebrada a missa. Para ser autêntico, é necessário que
sejam "criados" ao mesmo tempo milhares de corpos reais de Cristo - o
que é uma deturpação dos ensinos da Palavra de Deus e se afasta dos mais elementares
princípios da lógica e do bom senso.
5) Se por ocasião da
Santa Ceia, que nosso Senhor Jesus Cristo celebrou com os Seus discípulos (Mt
26:26-30), o pão e o vinho se transformaram literalmente no Seu corpo, temos de
chegar à "conclusão absurda" de que Ele ingeriu a própria carne e o
próprio sangue, e que em dado momento teriam estado presentes no cenáculo dois
Cristos reais e completos: O que estava sobre a mesa, depois da consagração do
pão e do vinho - o qual devia ser ingerido pelos discípulos, - e O que Se
achava diante deles, ministrando-lhes a Ceia. Semelhante interpretação é um
verdadeiro absurdo!
6) Deus proibiu beber
sangue (Gn 9:4 ; Dt. 12:16; Lv 7:26). Se o vinho se transformasse realmente no
sangue de Cristo, seria pecado tomá-lo. E comer a carne literal de Jesus seria
um ato de canibalismo.
7) À doutrina da
transubstanciação se associa a ideia de que Cristo é oferecido outra vez como sacrifício
pelos nossos pecados. Nesse sentido, a celebração memorial da Ceia do Senhor,
em que os fiéis recordam os sofrimentos e a propiciação da cruz, é transformada
em ato criador e sacerdotal, pelo qual o próprio Cristo, reencarnado, de novo
Se sacrifica.
O Catecismo da Igreja
Católica ensina que “neste divino sacrifício que se realiza na missa, este
mesmo Cristo, que se ofereceu a si mesmo uma vez de maneira cruenta no altar da
cruz, está contido e é imolado de maneira incruenta, este sacrifício é
verdadeiramente propiciatório” (p. 377).
Isto contradiz o claro
ensino das Escrituras, de que o sacrifício de Jesus foi perfeito e completo,
tendo sido realizado uma vez por todas. Hebreus declara: “Mas este, havendo
oferecido para sempre um único sacrifício pelos pecados, está assentado à
destra de Deus” (Hb 10:10 e 12). Então, a crença católica romana de que comer a
“carne” de Cristo é parte das celebrações em que Cristo é sacrificado vez após
vez novamente, não tem respaldo bíblico. A Santa Ceia não é um a repetição do
sacrifício de nosso Salvador, e, sim, uma lembrança ou recordação do que Ele
efetuou no Calvário (I Co11:24 26). O serviço da comunhão do Novo Testamento
era um memorial da morte de Cristo (“fazei isso... em memória de mim” – 1 Co
11.25); não era uma reconstituição da morte física de Cristo, como católicos
romanos afirmam.
Ao celebrá-la, os
cristãos se reúnem em obediência ao mandamento de Cristo, rendem graças pelo
sacrifício que Ele cumpriu em benefício deles e renovam os propósitos de união
com o Senhor. Os emblemas do pão e o vinho devem ser encarados com respeito,
quando separados para um santo propósito, mas não têm virtude em si mesmos,
para conferir graça aos que participam deles. A Santa Ceia é a comunhão a que
Cristo está espiritualmente presente; e onde há verdadeira fé, a morte de Cristo
se apresenta figuradamente e Ele é apreendido pelo crente através da fé e de
maneira celestial ou espiritual.
Que significa comer a
carne e beber o sangue do divino Mestre, segundo as palavras de Jo 6:53-58?
Essas expressões devem ser interpretadas de acordo com a própria explanação
dada por Jesus: “O espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita; as
palavras que Eu vos tenho dito, são espírito e são vida." v. 63.
Portanto comer a carne
de Cristo e beber o Seu sangue é uma linguagem simbólica aplicável à
assimilação da Palavra de Deus, por meio da qual os crentes mantém comunhão com
o Céu e se habilitam a desenvolver uma vida espiritual. Ele afirmou: ‘As
palavras que que Eu vos tenho dito, são espírito e são vida’ (S. Jo 6:63) ‘Nem
só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca Deus’ (Mt
4:4).
“Os crentes
alimentam-se de Cristo, o Pão da vida, ao participarem da Palavra da vida – a
Bíblia. Com esta palavra vem o poder vivificador de Cristo. Nos serviços da
Comunhão também participamos de Cristo ao assimilarmos Sua Palavra por
intermédio do Espírito Santo. Por isso a pregação da Palavra acompanha cada
cerimônia da Ceia do Senhor” (Nisto Cremos: 27 Ensinos Bíblicos dos Adventistas
do Sétimo Dia, 4ª ed., CPB, SP: 1997, p. 273).
A Sra. Ellen G. White
amplia esse conceito ao afirmar: "Comer a carne e beber o sangue de Cristo
é recebê-Lo como Salvador pessoal, crendo que Ele perdoa nossos pecados, e nEle
estamos completos. É contemplando o Seu amor, detendo-nos sobre Ele,
sorvendo-O, que nos havemos de tornar participantes de Sua natureza. O que a
comida é para o corpo, deve Cristo ser para a alma. O alimento não nos
aproveita se o não ingerimos; a menos que se torne parte de nosso corpo. Da
mesma maneira Cristo fica sem valor para nós, se O não conhecemos como Salvador
pessoal. Um conhecimento teórico não nos fará bem nenhum. Precisamos
alimentar-nos dEle, recebê-Lo no coração, de modo que Sua vida se torne nossa
vida. Seu amor, Sua graça, devem ser assimilados.” (O Desejado de Todas as
Nações, p. 289).
Ademais, quando Jesus
falava, em João capítulo 6, Ele ainda não tinha tido a Última Ceia com Seus
discípulos, na qual Ele instituiu a Ceia do Senhor. Compreender João capítulo 6
como sendo a Ceia do Senhor/Comunhão Cristã, portanto, não se justifica. Como
John Walvoord notou, “uma vez que a Ceia do Senhor ocorreu um ano depois que os
incidentes registrados neste capítulo, comer sua carne e beber seu sangue não
deve ser pensado como sacramentalismo” (The Bible Knowledge Commentary, vol. 2,
p. 297).
Participando
conscienciosamente da Ceia do Senhor, reconhecemos ser o Senhor Jesus toda a
nossa suficiência, de que o pão e o vinho constituem um emblema, símbolo ou
figura, bem como conforme ensinou claramente o apóstolo Paulo aos coríntios, a
celebração da Ceia do Senhor proclama a morte do senhor até que Ele venha (I Co
11:26). A participação nos emblemas do sofrimento de Cristo é um ato da
proclamação da certeza da segunda vinda.
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