Teologia

domingo, 7 de outubro de 2018

CONSTRUINDO O DIÁLOGO



Ganoune Diop*

Como os adventistas se relacionam com outras denominações cristãs e religiões mundiais, sem cair no ecumenismo de crenças?

Conselho Mundial de Igrejas (CMI), que neste mês [agosto] completa 70 anos, nasceu quando o mundo ainda dava seus primeiros passos de recuperação após a Segunda Guerra Mundial. Hoje, com cerca de 350 igrejas-membros, o CMI é uma das entidades ecumênicas mais influentes.

Logo após a guerra, o CMI se envolveu na ajuda aos imigrantes, refugiados    e pobres. Nas décadas seguintes, procurou assumir uma postura de mediação no contexto da Guerra Fria e dos conflitos raciais na África do Sul. Inicialmente formado por igrejas do Ocidente, nos anos 1960 conseguiu se aproximar das tradições ortodoxas e de igrejas independentes.

Apesar de a Igreja Católica Apostólica Romana não ser membro da entidade, em celebração ao aniversário do CMI, o papa Francisco visitou a sede da instituição no dia 21 de junho, em Genebra, na Suíça. Ao longo do ano, outras festividades têm sido organizadas.

A Igreja Adventista do Sétimo Dia não é membro do CMI, mas participa de suas reuniões como observadora. Essa postura distinta de nossa denominação desperta dúvidas em muitos adventistas. Diante desse impasse, vale apenas refletir sobre a posição da igreja em relação ao movimento ecumênico e ao diálogo inter-religioso.

PONTOS EM COMUM

Os adventistas do sétimo dia ocupam uma posição privilegiada quanto ao relacionamento com pessoas de outras denominações cristãs e religiões. Existem intersecções de valores que podem funcionar como ponto de partida para diálogos e parcerias com o intuito de melhorar as condições de vida de toda a família humana.

Por exemplo, os adventistas adotaram a abstinência de bebidas alcoólicas, um ponto em comum com os muçulmanos. Muitos adventistas se abstêm de comer carne, ponto em comum com o hinduísmo e o budismo. A maioria dos adventistas evita as bebidas cafeinadas, ponto em comum com os mórmons. Mesmo os adventistas que comem carne se abstêm das que são consideradas imundas (Lv 11; Dt 14), ponto em comum com os judeus.

Em nível mais profundo, embora as nuances de conteúdo devam ser levadas em consideração, a crença na criação e na segunda vinda de Jesus à Terra, sugerida no nome “adventista do sétimo dia”, é compartilhada por religiões que enfatizam a intervenção escatológica divina para restaurar a justiça e a paz no mundo. Portanto, o adventismo é uma ponte oportuna para a maioria das religiões, e sua mensagem pode ecoar positivamente em vários contextos e culturas.

Há premissas filosóficas que influenciam o compromisso dos adventistas de construir pontes com pessoas de outras denominações, ou com ateus e agnósticos. Todas convergem na convicção de que Jesus Cristo é o “Desejado de todas as nações”(Ageu 2:7-9, ARC), isto é, Ele é o Deus que as pessoas desejam profundamente conhecer, ainda que não estejam conscientes disso. Portanto, nosso diálogo é motivado pelo sincero desejo de testemunhar de Cristo, conforme O compreendemos a partir das escrituras.

Entendemos também que, para dialogar, é preciso compreender o outro e ser compreendido por ele. Por isso, os adventistas procuram genuinamente conhecer melhor as crenças, as concepções de mundo e os valores de pessoas de outras religiões ou convicções, em seus próprios termos, de acordo com sua própria visão de mundo.

Existem várias declarações oficiais facilmente acessíveis que fornrcem diretrizes a respeito de como os adventistas devem se relacionar com outras organizações religiosas. O livro Declarações da Igreja (CPB, 2012), traz alguns posicionamentos sobre o tema nas páginas 19-26, 133—138, 141-153.

Essas orientações giram em torno de uma abordagem positiva para com outras religiões e a necessidade de se garantir a liberdade de crença e autonomia para que todos possam testemunhar em favor de suas convicções. Adota-se a mesma abordagem quando se trata  de pessoas que não professam nenhuma religião, adeptas de filosofias puramente seculares.

LIBERDADE PARA A MISSÃO

A história das relações entre religiões e ideologias concorrentes que levaram a inúmeras guerras, confrontos, intimidações, abusos e violência em todas as suas formas torna necessário delinear da maneira mais clara possível nossa compreensão sobre outras religiões e a natureza do alcance de nosso testemunho a elas.

Um valor fundamental promovido pelos adventistas no cenário mundial é a liberdade de escolha religiosa. No adventismo, esse privilégio é considerado um direito humano. Portanto, embora caracterizados por um senso de missão para com todos os grupos de pessoas, os adventistas insistem na liberdade de cada indivíduo poder manter suas convicções. Coerção, intimidação e manipulação da vulnerabilidade ou ingenuidade das pessoas vão fundamentalmente contra nossas valores essenciais.

Além disso, a honestidade quanto ao conteúdo de nossas crenças deve ser claramente expressa e explicada àqueles a quem proclamamos a soberania de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, e com quem compartilhamos o evangelho eterno, para que possam entender a natureza e a abrangência da aliança que são convidados a firmar.

Em essência, os adventistas proclamam os fundamentos do evangelho bíblico para o mundo. Em linhas gerais, essa narrativa se desenvolve da seguinte forma: A eterna Divindade (Pai, Filho e Espírito Santo) criou o mundo com base no amor. Deus também preparou um plano de redenção para salvar o mundo quando o mal se infiltrou e prejudicou e prejudicou Suas criaturas e Sua criação. O Filho, a eterna Palavra de Deus, que estava com Deus era Deus, encarnou-Se, viveu entre nós para nos salvar e mostrar como viver. Ele nos ensinou a pensar, lidou com as pessoas de uma forma que exemplificou como devemos nos relacionar com os outros. Cristo morreu pelos nossos pecados, mas venceu a morte, o último inimigo. Ele está vivo e tem as chaves da morte e do inferno (Ap 1:18).

Após Sua ascensão ao Céu, Jesus desempenha a função de Sumo Sacerdote, intercedendo e preparando as pessoas para viver em eterna comunhão com Deus. Ele virá como Rei dos Reis e Senhor dos Senhores para inaugurar uma nova era de vida, liberdade, justiça e paz. Todos esses temas estão contidos na expressão “reino de Deus”. Para preparar Seus seguidores para o encontro escatológico cósmico, Deus enviou Seu Espírito para habitar neles, transformá-los a ser Suas testemunhas, adorando-O e servindo aos outros.

O evangelho pregado pelos adventistas é integral e se concentra em todos os aspectos da existência humana: espiritual, mental, emocional, físico, social e relacional. O adventismo defende a dignidade de todo ser humano, independentemente de origem étnica, cor, sexo ou status social. Seu persistente compromisso de aliviar o sofrimento e melhorar a vida das pessoas em muitas partes do mundo é um sinal claro de que a esperança está no centro de sua mensagem.

UNIDADE SEM ECUMENISMO

Ao saber que a Igreja Adventista está representada nas reuniões de organizações ecumênicas cristãs, alguns perguntam como exatamente os adventistas veem a unidade cristã, o diálogo inter-religioso e o ecumenismo. Outra dúvida recorrente está relacionada à razão de optarmos por aceitar e manter apenas o status de observadores e não de membros nas organizações ecumênicas cristãs, como o Conselho Mundial de Igrejas.

A resposta é simples: é legítimo que indivíduos e instituições de boa vontade se unam para salvar e proteger pessoas e afirmar a importância e o caráter sagrado da vida. É inclusive urgente que mais pessoas se associem para tornar este mundo  um lugar melhor para todos os seres humanos, contribuindo para melhorias na saúde, educação e no trabalho humanitário, fazendo isso com toda a dignidade, liberdade, justiça, paz e fraternidade. No cumprimento de sua missão, os adventistas procuram se misturar com essas outras organizações cristãs.

Contudo, no que se refere à sua posição em organizações cristãs globais, a Igreja Adventista do Sétimo Dia tem ocupado o status de observadora nas reuniões e estado aberta à cooperação com outras igrejas em áreas que não comprometem sua identidade, missão e mensagem. A regra geral é não se tornar membro de qualquer corpo ecumênico que diminua o impacto da distinta mensagem que o adventismo tem para dar em relação à soberania de Deus, o Criador, ao sábado e à segunda vinda de Cristo.

Para os adventistas, a liberdade religiosa é o antídoto para o ecumenismo sincretista. É um chamado para abraçar a verdade com a inalienável liberdade de consciência, de expressar publicamente suas doutrinas, de convidar outros para compartilhar suas convicções e se unir à sua comunidade de fé.

COMPREENSÃO CORRETA

No âmbito das relações inter-religioso e entre igrejas, um sutil conjunto de tópicos inter-relacionados que necessita de muita clareza é a questão da unidade e do ecumenismo. Às vezes, outras palavras como “colaboração”, “parceria” e “diálogo inter-religioso” são trazidas às conversas como se tivessem o mesmo significado.

A palavra “ecumenismo”, por exemplo, é usada de maneira diferente em contexto variados. O termo pode se referir à unidade entre as igrejas cristãs, mas as pessoas costumam usá-lo para descrever um sentido geral de relações cordiais, diálogo ou parceria para um projeto. Rotular qualquer parceria entre os cristãos como ecumenismo doutrinário pode revelar falta de conhecimento, instrução e mesmo exagero.

Cada aspecto do engajamento adventista com qualquer instituição, órgão ou organização, seja eclesiástica ou política, desenvolve-se principalmente com base na razão para a existência da igreja: ser “sal” e “luz” do mundo (Mt 5:13-17), trazendo esperança para a humanidade enredada em todo tipo de maldade.

Para cumprir essa missão, os adventistas seguem o método de Jesus, conforme sintetizado pela pioneira Ellen White no livro A Ciência do Bom Viver, p. 143. Ele serviu as pessoas, procurando alimentá-las e curá-las sem esperar nada em troca. Cristo as fez saber e sentir que eram livres para escolher seu futuro, com ou sem Ele. A liberdade de consciência é importante para Jesus. Sem essa liberdade, nenhuma aliança é genuína. Isso ocorre porque o amor não pode ser forçado.

RELAÇÕES ENTRE IGREJAS

Apesar de não fazerem parte das organizações ecumênicas que exigem adesão, os adventistas desfrutam do status de convidados ou observadores nas reuniões. A cooperação com outras denominações cristãs está de acordo com a visão que a Igreja Adventista tem dos demais cristãs. Reconhecemos “todas as organizações que elevam Cristo perante os homens como parte do plano divino de evangelização do mundo, e [...] têm grande estima pelos homens e mulheres cristãos de outras denominações que estão empenhados em ganhar almas para Cristo” (Declarações da Igreja, p. 152, 153).

Ellen White escreveu também algumas vezes sobre a necessidade de cooperação entre as igrejas. A respeito do debate público de sua época em torno de questões da temperança, ela aconselhou que os adventistas se unissem às pessoas que defendiam a mesma causa que eles (Testemunhos Para a Igreja, v. 6, p. 110). Em outra citação, ela orientou os pastores adventistas a orar pelos líderes de outras denominações, pois sobre esses homens, como “mensageiros de Cristo”, pesava grande responsabilidade (p. 78).

PRINCÍPIO MAIOR

Apesar de Deus sempre ter desejado unir todas as famílias da Terra (Gn 12:1-3; Jo 17), a unidade não é um valor supremo, nem superior ao da verdade. Na prática, a unidade genuína só pode acontecer em torno da verdade de Deus revelada nas Escrituras. Por isso, os dois princípios que influenciam as relações dos adventistas com outros cristãos, conforme também ressaltados pela pioneira adventista Ellen White, são a verdade e a liberdade religiosa (Atos dos Apóstolos, p. 68, 69).

A Igreja Adventista é várias outras denominações que não se uniram aos corpos ecumênicos organizados se opõem ao ecumenismo como doutrina ou como meio de fundir igrejas cristãs em uma igreja mundial. Além disso, os adventistas e outros crentes não aderem a alianças sincretistas que diminuem a importância e o peso da verdade, especialmente quando as crenças de algumas igrejas não estão em harmonia com a verdade revelada na Bíblia.

Em realidade, a unidade doutrinária entre as igrejas cristãs é enganosa e inatingível, a menos que as igrejas percam suas crenças distintivas e se unam a uma das tradições religiosas, seja ela católica romana, ortodoxa oriental, anglicana, reformada, evangélica, pentecostal, ou qualquer outra.

Embora considere outros cristãos como irmãos e irmãs em Cristo, o princípio que levou a Igreja Adventista a não ser membro de uma união de igrejas organizada foi a liberdade religiosa. Essa liberdade implica o direito irrestrito de compartilhar as convicções religiosas e de convidar outros a se unirem à própria tradição, sem ser acusado de proselitistas. Assim, a principal preocupação dos adventistas é a possibilidade de serem impedidos de compartilhar suas convicções com outros.

A liberdade de religião ou crença é um inegociável dom de Deus que deve caracterizar a liberdade de todo cristão ou comunidade cristã para compartilhar suas convicções e convidar outros a se unirem à sua tradição. Obviamente, por causa da missão, os cristãos podem se unir para testemunhar de Cristo ao mundo que necessita Dele com muita urgência.  

*Ganoune Diop é diretor do departamento de Assuntos Públicos e Liberdade Religiosa da Igreja Adventista e secretário-geral da Associação Internacional de Liberdade Religiosa (Irla, em inglês)

FONTE: Revista Adventista, Agostos 2018, p. 12-15.





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