Teologia

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

O QUE ELES VIRAM EM SUA CASA?

Ricardo André

Ao longo da história da monarquia em Israel e Judá, diversos reis surgiram e reis caíram. De acordo com as narrativas dos livros de Reis e Crônicas, alguns desses reis foram maus, outros foram bons. As sagas dos reis são definidas pelo que eles fizeram em termos de fidelidade a Deus, mantendo-se longe do paganismo e da idolatria, fazendo ou não fazendo o que era reto aos olhos dEle.

Nesse desfile real, em um momento importante na história moral de Israel e após seguidas falhas de reis que agiram com maldade, um novo rei aparece em cena, Ezequias que é descrito na Bíblia como alguém que “fez o que era reto perante o Senhor” (2 Rs 18:3). Ele foi um dos bons reis de Judá. Reinou por vinte e nove anos, de 716/715-687/686 AC. Era filho de Acaz, e nasceu em torno do ano de 751 a. C., morreu em 698, portanto aos 53 anos de idade.

O livro de 2 Reis menciona grandes realizações de seu reinado: recuperou muito do território e das riquezas que haviam sido perdidos e libertou Judá da tirania de potências estrangeiras a quem pagavam tributos. Ainda mais significativo, Ezequias restaurou a verdadeira adoração a Deus, destruindo os ídolos e os altares que estavam espalhados pela nação. Ele também destruiu a serpente de bronze que Moisés fizera no deserto (Números 21:8-9). Àquela altura, as pessoas estavam queimando incenso e a adorando (2 Reis 18:04). Verdadeiramente, Ezequias realizou grandes coisas e “houve grande alegria em Jerusalém” (2 Crônicas 30:26).

A Primeira Grande Crise Enfrentada por Ezequias

Enquanto as coisas estavam indo bem para o rei, um profeta entrou na história. Isaías teve acesso ao rei, a quem visitava frequentemente com mensagens de Deus. Em uma ocasião, por exemplo, Ezequias foi ao templo completamente perturbado porque os assírios estavam marchando contra ele com um exército de 185 mil homens e ameaçavam destruir Judá. Numa época tão perigosa, Ezequias voltou-se para o templo para orar e esperar pela palavra de Deus, e a palavra veio por intermédio de Isaías. Sua mensagem era simples e direta: “Não tenha medo” (2 Reis 19:6). Uma grande crise pede um grande milagre, e assim foi! Deus tomou toda a situação em Suas mãos e cumpriu prontamente Sua promessa de defender Jerusalém (2 Rs 19:35-37; 2 Cr 32:21 e 22; Is 37:36-38). No Final da história, o rei assírio, Senaqueribe, não conseguiu entrar em Jerusalém. “Então, saiu o Anjo do Senhor e feriu no arraial dos assírios a cento e oitenta e cinco mil” (Is 37:36).

“Se Senaqueribe tivesse vencido Jerusalém, ele teria deportado a população de tal maneira que Judá teria perdido sua identidade, como aconteceu a Israel do Norte. Então, sob certo aspecto, não teria havido povo judeu de quem o Messias poderia nascer. A história deles teria acabado ali mesmo. Mas Deus manteve viva a esperança” (Lição da Escola Sabatina, 2º Trimestre de 2004, p. 83).

Deus ainda hoje opera milagres em favor da Sua igreja. Ele opera milagres em nossa vida também.

A Maior Prova de Ezequias

No ano de 701 AC, Ezequias fou acometido de uma doença mortal. Dessa vez, a mensagem não era boa. “Ponha em ordem a sua casa”, Isaías advertiu, “pois você vai morrer; não se recuperará” (2 Reis 20:1). Ezequias começou a chorar como uma criança. “Lembra-te, Senhor, como tenho Te servido com fidelidade e com devoção sincera. Tenho feito o que Tu aprovas.” Como se Deus precisasse ser lembrado! Incrivelmente, antes que Isaías tivesse deixado o pátio intermediário, Deus respondeu a Ezequias: “Ouvi sua oração e vi suas lágrimas; Eu o curarei... Acrescentarei quinze anos a sua vida” (v. 5-6).

Deus havia respondido, mas Ezequias queria mais segurança: “Qual será o sinal de que o Senhor me curará e de que de hoje a três dias subirei ao templo do Senhor?” Isaías respondeu: “O sinal de que o Senhor vai cumprir o que prometeu é este: você prefere que a sombra avance ou recue dez degraus na escadaria?” Embora Ezequias estivesse doente, não era tolo. “É fácil a sombra avançar dez degraus”, disse o rei a si mesmo. Então, pediu ao profeta para a sombra voltar dez degraus. Foi o que aconteceu.

Deus ouviu a oração de Ezequias, curando-o de sua enfermidade e lhe dando mais 15 anos de vida. Ele recebeu uma bênção dupla: não só o prolongamento da vida, como também saber a extensão deste prolongamento. Ele pôde se dedicar inteiramente aos seus projetos, políticos e familiares, conhecendo de antemão o tempo que tinha para tal. Ele teve uma vida normal e chegou, depois disto, a ter um filho, Manassés.

A resposta a Ezequias não decorreu de suas virtudes, mas porque orou profundamente. Ele buscou tão-somente a Deus. Ele confiou tão-somente em Deus. Ela derramou todo o seu ser diante de Deus. Foi sua oração que o salvou. Sua vida reta fez com que procedesse assim. Se fosse um ímpio, buscaria outros caminhos, reclamaria de Deus. Deus ouve a nossa oração (Is 38: 5-7).

Caro amigo, Deus também sabe das suas dores, das suas aflições, das suas ansiedades. Nada passa despercebido diante dos olhos de Deus. Deus viu as lágrimas de seu filho Ezequias. Deus vê as suas também!

O Teste de Gratidão de Ezequias

A doença e a cura de Ezequias se tornaram notícia de primeira página. Não poderia ser diferente! Afinal, além da doença do rei, havia algo inédito e inexplicável: o milagre da sombra retroceder. Até mesmo os reis das nações distantes ficaram impressionados. Um deles, Merodaque-Baladã, rei de Babilônia, enviou emissários com cartas e um presente. “Ezequias recebeu em audiência os mensageiros e mostrou- lhes tudo o que havia em seus armazéns: a prata, o ouro, as especiarias e o azeite finíssimo, o seu arsenal e tudo o que havia em seus tesouros. Não houve nada em seu palácio ou em seu reino que Ezequias não lhes mostrasse” (2 Rs 20:13). E os babilônios voltaram para casa com uma ótima notícia, mas nem uma palavra sobre Aquele que é a razão das boas notícias.

Isaías retornou. “O que esses homens disseram? De onde vieram?” “De uma terra distante”, Ezequias respondeu, “da Babilônia”. “O que eles viram em seu palácio?”, perguntou Isaías. “Viram tudo em meu palácio”, exclamou Ezequias. “Não há nada em meus tesouros que eu não lhes tenha mostrado.”

Então disse Isaías a Ezequias: “Ouça a palavra do Senhor: Um dia, tudo o que se encontra em seu palácio, bem como tudo o que os seus antepassados acumularam até hoje, será levado para a Babilônia. Nada restará, diz o Senhor. Alguns dos seus próprios descendentes serão levados, e eles se tornarão eunucos no palácio do rei da Babilônia” (versos 16-17).

A leitura da repreensão profética provoca uma certa indignação. Por que Isaías não veio antecipadamente para instruir Ezequias sobre a melhor forma de se relacionar com os babilônios? Por que esperar até depois de terem ido embora? Isaías poderia ter dito: “Ezequias, alguns babilônios estão chegando. Eu sei que às vezes você é orgulhoso e um pouco arrogante, mas não vá mostrar seu tesouro, isso seria muito perigoso!” Por que Isaías não o avisou?

A resposta é encontrada em 2 Crônicas 32. Depois de relatar todas as grandes realizações do rei Ezequias, começando no versículo 23, o cronista se refere à doença do rei e relata que um milagre aconteceu, embora a natureza exata desse milagre não seja especificada. Então, por que Isaías não avisou Ezequias sobre a visita? O versículo 31 esclarece: “Mas quando os governantes da Babilônia enviaram uma delegação para perguntar-lhe acerca do sinal miraculoso que havia ocorrido no país, Deus o deixou, para prová-lo e para saber tudo o que havia em seu coração.”

Os príncipes da Babilônia vieram para saber mais sobre as obras maravilhosas de Deus, mas o rei Ezequias lhes mostrou suas próprias obras, seu tesouro e suas realizações. Um dos visitantes da Babilônia tomou notas cuidadosas. Os babilônios um dia voltariam para se enriquecerem com os tesouros de Jerusalém!

Ezequias, em um momento de orgulho pessoal, perdeu uma oportunidade única em sua vida. “A visita desses mensageiros do governante de tão distante terra dava a Ezequias a oportunidade de celebrar o Deus vivo. Quão fácil lhe teria sido falar-lhes de Deus, o sustentador de todas as coisas criadas, por cujo favor sua própria vida tinha sido poupada, quando todas as outras esperanças haviam desaparecido. Que momentosas transformações poderiam ter ocorrido, caso esses pesquisadores da verdade, vindos das planícies da Caldeia, fossem levados ao conhecimento da suprema soberania do Deus vivo.” (Ellen G. White, Profetas e Reis, p. 344).

É curioso perceber que, a maior prova de Ezequias não foi no campo de batalha, mas no leito da doença. Sua recuperação miraculosa em resposta a uma oração desesperada o levou a deixar de glorificar a Deus quando foi visitado pelos embaixadores de Babilônia, que queriam ouvir sobre a maneira bondosa como Deus procedera com ele. Ao contrário, Ezequias exibiu suas riquezas reais, perdendo assim uma oportunidade dada por Deus para testemunhar sobre a salvação (I Rs 10:1-24). Ezequias se arrependeu, mas o resultado do seu erro devastou a nação (Is 38, 39).

Ellen G. White afirma que “a visita dos embaixadores a Ezequias foi um teste de sua gratidão e devoção” (Profetas e Reis, p. 346). Infelizmente, Ezequias não passou no teste. No auge de sua popularidade e poder, ele não viveu de acordo com os benefícios que ele recebeu (II Crônicas 32:25). Isso é típico de atitudes das pessoas hoje em dia. Eles logo se esquecem das abundantes misericórdias de Deus. Alguns cristãos não vivem de forma diferente dos incrédulos. Muitas vezes também enfrentamos adversidades e dificuldades, recebemos a intervenção de Deus para nos ajudar a superá-los, e depois, de forma ingrata, esquecemos dEle, como fez Ezequias e aqueles nove leprosos que foram curados e esqueceram de voltar para agradecer a Jesus (Lc 17:11-19). Como Ezequias e esses nove leprosos, nós não vivemos de acordo com os benefícios que recebemos de Deus.

Amigo, tudo o que temos foi dado por Deus. Porém, hoje o problema se repete. A maioria esquece que, se estamos vivos agora é apenas pela graça de Deus. Atribuem os milagres silenciosos do Criador à sorte ou coincidência. É comum ouvirmos estas frases: “Hoje por sorte não fui atropelado por um carro.” “Que sorte que meu filho teve hoje, conseguiu um bom emprego.” Para nós, cristãos, não existe “sorte”. O que acontece são milagres silenciosos de Deus! As Sagradas Escrituras não dão base para a crença de que as coisas acontecem por acaso. O próprio Jesus foi claro ao mencionar que nada acontece sem o conhecimento do Pai, e Ele é tão preciso que “até os cabelos da cabeça estão contados” (Mt 10:30). Então, por que chamar de sorte as bênçãos de Deus e azar os desafios que Ele nos permite enfrentar? Se “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8:28), por que definir como azar o que acontece de negativo e sorte o que ocorre de positivo quando todas são ações divinas para moldar o caráter e proporcionar salvação?

A escritora cristã Ellen G. White aprofundou essa visão, destacando que “frequentemente os homens oram e lamentam por causa das perplexidades e obstáculos que os confrontam. Mas é propósito de Deus que eles enfrentem perplexidades e obstáculos e, se mantiverem firme até o fim o princípio de sua confiança […] terão êxito ao lutar com perseverança contra dificuldades aparentemente insuperáveis, e com o êxito virá maior alegria” (Olhando Para o Alto, p. 119). Ela vai mais longe: “A aflição e adversidade podem causar tristeza, mas é a prosperidade que representa maior perigo para a vida espiritual” (Profetas e Reis, p. 24). O que parece perda pode se tornar ganho e o que parece ganho pode acabar em perda.

Ezequias viveu os seus quinze anos de graça, mas perdeu a oportunidade de dar um grande testemunho de sua fé e do seu Deus aos visitantes de Babilônia.

O que os outros veem em sua casa? O que eles vão ver em sua vida? Será que eles vão ouvir uma ladainha de suas realizações? Será que eles vão ver seus troféus e aquisições? Ou eles vão ver o poder de Deus em transformar a vida? Como testemunhamos de Deus aos outros? Falamos das bênçãos recebidas da parte de Deus, ou mostramos as riquezas que Deus nos concedeu? Deus tem que ser a prioridade em nossa vida, e devemos testemunhar de Suas bênçãos a todos os que nos cercam. Devemos aproveitar todas as oportunidades que Deus coloca diante de nós. Temos sido uma influência positiva na vida das pessoas que se associam a nós?

“(...) Se por nosso exemplo ajudamos a outros no desenvolvimento de bons princípios, damos-lhes capacidade para fazer o bem. Por seu turno eles exercem a mesma benéfica influência sobre os outros. Assim centenas e milhares são ajudados pela nossa influência por nós despercebida. O verdadeiro seguidor de Cristo fortalece os bons propósitos de todos aqueles com quem entra em contato. Diante de um mundo incrédulo e amante do pecado, ele revela o poder da graça de Deus e a perfeição do Seu caráter” (Idem, p. 348).

Caro amigo leitor, que a cada dia sejamos moldados pelo evangelho, para que nossa vida transformada possa dar testemunho da mais radical mudança que ocorreu em nossas vidas. O evangelho nos transforma em perdidos em salvos, e essa salvação vai produzindo transformações visíveis às pessoas que nos rodeiam. Elas querem ver se a certeza da salvação eterna, da nossa filiação com Deus irá impactar nossa forma de viver aqui e agora.




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