Teologia

sábado, 9 de dezembro de 2017

DEUS ORDENOU A MORTE DE PESSOAS INOCENTES?

O livro de 2 Samuel 21 traz uma história muito estranha.  Os israelitas fizeram uma aliança com os gibeonitas quatro séculos antes da época de Davi de poupá-los. Não creio que Saul tenha se esquecido dessa aliança. Com toda probabilidade ele deve ter se convencido de que ela tão “antiga” que já não estava mais em vigor. Como ele estava enganado! Ele matou vários gibeonitas. Sua atitude em relação aos gibeonitas provocou a fome em Israel tempos depois da sua morte. Sobrou para Davi lidar com o problema criado por ele e endireitar as coisas. 

“O rei então mandou chamar os gibeonitas e falou com eles. (Os gibeonitas não eram de origem israelita, mas remanescentes dos amorreus. Os israelitas tinham feito com eles um acordo sob juramento; mas Saul, em seu zelo por Israel e Judá, havia tentado exterminá-los). Davi perguntou aos gibeonitas: "Que posso fazer por vocês? Como posso reparar o que foi feito, para que abençoem a herança do Senhor? " Os gibeonitas responderam: "Não exigimos de Saul ou de sua família prata ou ouro, nem queremos matar ninguém em Israel". Davi perguntou: "O que querem que eu faça por vocês? ", e eles responderam: "Quanto ao homem que quase nos exterminou e que pretendia destruir-nos, para que não tivéssemos lugar em Israel, que sete descendentes dele sejam executados perante o Senhor, em Gibeá de Saul, no monte do Senhor". "Eu os entregarei a vocês", disse o rei. O rei poupou Mefibosete, filho de Jônatas e neto de Saul, por causa do juramento feito perante o Senhor entre Davi e Jônatas, filho de Saul. Mas o rei mandou buscar Armoni e Mefibosete, dois filhos de Rispa, filha de Aiá, que ela teve com Saul, e os cinco filhos de Merabe, filha de Saul, que ela teve com Adriel, filho de Barzilai, de Meolá. Ele os entregou aos gibeonitas, que os executaram no monte, perante o Senhor. Os sete foram mortos ao mesmo tempo, nos primeiros dias da colheita de cevada” (2 Samuel 21:2-9, NVI).

Depois desse episódio, diz a Bíblia que “Deus se tornou favorável para com a terra” (v. 14). Para os ocidentais de mente pós-moderna é muito difícil entender tal relato. Ficamos nos perguntando como e por que é necessário matar sete descendentes de Saul por um erro cometido por ele no passado? Deus autorizou a morte desses sete descendentes inocentes de Saul? Os filhos são castigados pelos erros dos seus pais? Como entender esse relato bíblico?

Transcrevemos abaixo uma resposta do Pastor Dr. Ozeas C. Moura:

“Para início de conversa, deve-se deixar claro que nem tudo o que a Bíblia relata deve ser visto como certo ou ordenado por Deus. Esse parece ser o caso da intrigante história da morte por enforcamento de sete pessoas, todas descendentes do rei Saul, nos dias do reinado de Davi.

“O que motivou a execução dessas pessoas foi a tentativa de reverter uma seca de três anos consecutivos que assolava Israel. Essa estiagem havia sido permitida por Deus porque os israelitas não haviam cumprido o acordo de paz com os gibeonitas nos dias do rei Saul (2 Sm 21:1). Vale lembrar que, nos tempos da conquista de Canaã, Josué e seus comandados haviam jurado aos moradores da cidade de Gibeão que eles não seriam mortos pelo engano praticado, mas que seriam poupados para viver na condição de servos do povo de Deus (Js 9). Poré, o rei Saul, em seu zelo nacionalista por Israel, perseguiu e procurou exterminar os gibeonitas, quebrando assim o acordo (2Sm 21:2).

“Quando ouviu a queixa dos sobreviventes gibeonitas contra o crime do rei Saul (que já havia morrido), Davi procurou fazer reparação desse dano, perguntando-lhes como poderia ser paga essa dívida (2Sm 21:2-4). Os gibeonitas pediram que familiares do rei Saul fossem enforcados (21:5, 6). Davi então entregou-lhe sete descendentes do falecido rei: dois filhos de uma concubina de saul e cinco netos, filhos de Merabe, uma das filhas de Saul (21:8). Essas sete pessoas foram enforcadas pelos gibeonitas, por causa do erro do seu antepassado, como reparação pelo dano sofrido (21:9).

“O ponto é que não há nenhum texto bíblico indicando que davi tenha consultado a Deus sobre como resolver aquela situação injusta. Visto que Deus não aprova sacrifícios humanos (Lv 20:1-5; 2Cr 28:3; 33:6) nem a morte de inocente em lugar de culpados (Ez 18:20), se Davi houvesse perguntado a Deus como agir naquela situação, com certeza Ele haveria indicado outra maneira de se fazer justiça aos gibeonitas.

“Essa história mostra que Davi contrariou orientações divinas estabelecidas e que nem o pedido dos gibeonitas nem a atitude de Davi resultaram de uma consulta a Deus. Ou seja, Ele não foi o responsável pela morte dos sete descendentes de Saul. Em vez de ter perguntado para os gibeonitas (2Sm 21:3), Davi deveria ter recorrido a Deus para saber como reparar aquele erro de Saul (Comentário Bíblico Adventista, v. 2, p. 762).

“essa história termina de maneira ainda mais surpreendente: depois que Davi sepultou os ossos dos sete enforcados, além dos de Saul e de Jônatas, “Deus De mostrou favorável para com a terra” (v. 14), mandando chuva novamente (v. 10). Então, teria Ele aprovado o pedido dos gibeonitas e a atitude de Davi? A resposta é não. Deus abençoou seu povo com chuva não por causa de um ato contrário às Suas orientações, mas em razão do interesse de Davi de fazer justiça aos gibeonitas. ‘Talvez Deus avalie um ato pela sinceridade do coração que o originou, embora condene o ato em si’ (Comentário Bíblico Adventista, v. 2, p. 764).

“A grande lição dessa estranha história é: em qualquer circunstância, deve-se perguntar a Deus, por meio do estudo da Bíblia e da oração, o que Ele deseja que façamos. Agir de modo diferente pode acarretar sofrimento, até mesmo para pessoas inocentes”


FONTE: Revista Adventista, novembro de 2017, p. 22.

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