A QUESTÃO DA JUSTIFICAÇÃO: DOM GRATUITO DE DEUS
Pr.
Gilberto Theiss*
(Gl 2:20) - Quando
olhamos para nós mesmos o que encontramos? O que seria de nós caso Cristo
desistisse da cruz? Será que ao menos estaríamos vivos aqui hoje lendo esta
nota? É assombroso compreender o que Deus foi capaz de fazer por este mundo
perdido. O amor de Deus é um mistério glorioso, mesmo para os seres que estão
diante de Seu trono. Não há palavra em nosso tão pobre dicionário que descreva
na mais pura essência deste amor imensurável. Não há filosofia, teologia ou
erudição que seja capaz de usar as palavras mais adequadas para descrever o
sublime feito redentivo. Não há dialética que, com indizível grandeza, consiga
desvendar os mistérios deste amor desmedido. Tudo o que sabemos é que Deus é
amor.
A cruz do calvário é a
demonstração materializada deste princípio que trouxe espanto e admiração ao
vasto universo. A cruz se tornou o centro da história, do universo de Deus, do
conflito desde o Céu e, especialmente, de nossas vidas. Sem a cruz de Cristo
jamais seríamos capazes de sobreviver à doença do pecado.
Justificação pela fé ou
justiça de Cristo, um dos temas mais discutidos em nossos dias no meio cristão,
mas, infelizmente, mal compreendido por muitos. No entanto, nada impede que
entendamos nossa real condição diante de Deus para conseguir distinguir a
diferença colossal entre fé e obras. Guarde bem, nossas obras, mesmo que
aparentemente perfeitas, não são suficientes para justificar-nos diante da
justiça divina. Jesus, mediante Sua graça, realiza uma grande obra em nossa
vida, imprimindo em nós o Seu caráter, porém, esta obra realizada não é feita
para nos justificar, mas para glorificar a Deus (S. Jo 15:8; Mt 5:16).
A
questão da “justificação”
(Gl 2:15) – Privilégio
espiritual não significa viajar de primeira classe. Na verdade, nem mesmo é
garantia de estar no voo. Privilégio espiritual sugere que você tem maiores
condições de não perder a viagem do que outros. Ou seja, na descrição bíblica,
embora os gentios não fizessem parte da aliança, eles poderiam ser redimidos
por ela. Se os judeus conversos permanecessem se garantindo na lei ou nas obras
para serem redimidos, eles é que corriam o risco de não serem alcançados pela
graça, pois, conforme o pronunciamento de Paulo, ninguém poderá ser justificado
pelas “obras da lei”.
Ao apresentar o tema da
justificação, Paulo usa a palavra que vem da base dikaios e significa
literalmente ser considerado justo, inocente ou totalmente absolvido. No
entanto, a ideia de sermos inocentados sem merecimento, parece um tanto
estranha para nós. Por este motivo é que há aqueles que julgam ser necessário
fazermos algo que pondere a questão e nos apresente diante de Deus com algum
mérito pelo que estamos recebendo. Na verdade, mesmo que façamos o melhor para
Deus e para o próximo, ainda assim teremos uma dívida impagável diante de Deus.
Não há absolutamente nada que possamos fazer por nós mesmos. Parece ser difícil
aceitar este fato. Isto se assemelha ao caso de pessoas que, após terem feito
algo de errado, para amenizar a consciência, se esforçam em fazer algo bom que
compense a sensação do alívio e da consciência. O instinto psicológico nos diz
que precisamos lutar e pagar por algo se quisermos manter ou conquistar o
reconhecimento e elogios humanos. Isso é típico do sistema capitalista que
impregna a cultura do orgulho econômico travestido de honra e grandeza. A
construção da autoestima e da boa reputação parece estar atrelada a conquistas.
Eu sou aquilo que compro e sou aquilo que tenho, que se resume na dignidade da
minha própria conquista laboriosa. Em nossa cultura, embora seja prazeroso
receber presentes, se eles forem caros ou suntuosos, temos a tendência de
ficarmos envergonhadosa e, algumas vezes, até com sentimento de humilhação se
não retribuirmos à mesma altura. Não é exatamente o que acontece quando
recebemos um considerável presente de alguém? Passamos o ano inteiro pensando
em como retribuir. Se assim não o fizermos, ficamos com vergonha até de passar
perto da pessoa que nos presenteou. Desde criança somos ensinados a sobreviver
no sistema capitalista desta maneira. O mundo nos torna peritos em realizar
conquistas pelo esforço ou receber algo oferecendo algum tipo de pagamento. É
aqui que começa toda a confusão na mente humana, pois a graça de Cristo faz um
tremendo contraponto ao sentimento humano de querer pagar pelo que recebe.
Deus, através de Cristo, nos oferece de graça o que nunca teríamos condições de
pagar ou retribuir à altura. Os que insistem atribuir valor salvífico através
da lei e das obras, estão fazendo o mesmo que o anti-cristo fez no período
medieval, descrito por Daniel, estão retirando o “tamid” (o sacrifício do
cordeiro) do papel justificador.
Obras
da lei
(Gl 2:16, 17; 3:2,5,10;
Rm 3:20,28) - A lei é “santa, justa e boa”, porém não para nos conceder o
direito de sermos redimidos. O grande problema não é fazer da lei uma norma
para a vida e para o caráter, isso é nosso dever, mas usá-la para desenvolver
justiça própria. Todos que fazem da lei seu senso de justiça se separam
automaticamente de Cristo. Lembremo-nos que, somente a justiça de Jesus é capaz
de nos tornar justos diante de Deus. Martinho Lutero, grande precursor da
justificação pela fé, jamais fez da graça uma espécie de carta de alforria
garantindo o direito de transgredir a lei de Deus. Ele afirmou categoricamente
que “"Ambas as doutrinas, da lei e do evangelho, devem ser mantidas na
igreja." (A Justiça da Fé, págs. 29-37). Santo Agostinho também expressou
que “a lei foi dada para que a graça pudesse ser exigida, a graça é concedida
para que a lei seja cumprida”. Ellen White foi enfática ao afirmar que “O
Espírito e a Palavra estão de acordo. A voz de Deus ao coração dos homens não
contradiz as declarações feitas em tremenda majestade no monte Sinai. Deus
jamais Se contradiz. Ele reivindica obediência. As leis pelas quais governa o
mundo não são apenas santas, justas e boas, mas também são imutáveis, e por
elas o mundo brevemente será julgado. Os homens podem colocar de lado o grande
padrão moral divino de caráter, erguer um padrão que caiba em sua própria conveniência
e, por esse imperfeito padrão reivindicar santidade; mas Deus inculcará Suas
próprias leis sobre nações, famílias e indivíduos” (Signs of the Times, 21 de
julho de 1887), e diz mais, “É obra do Espírito Santo enobrecer os gostos,
santificar o coração, enobrecer o homem todo” (Mensagens Escolhidas, v. 1, p.
374).
Compreendendo que a lei
não é o grande problema em questão, pois o próprio apóstolo declarou ser
observador da mesma (Rm 7:12, 14, 22; 3:31) podemos melhor entender a base da discussão
de Paulo com os cristãos da Galácia. A menção de obras da lei provavelmente se
refere às condições impostas pelos judaizantes da época em fazer delas
condições meritórias para a redenção. Em outras palavras, o apóstolo estava
combatendo toda e qualquer insinuação de salvação pelas obras ou pela guarda da
lei. Ele estava combatendo o legalismo. Sua intenção jamais foi anular a lei,
mas protegê-la em sua real função – mostrar as brechas da vida que precisam de
reparo (Rm 3:21). A lei apresenta nossa real condição, nos reportando à graça,
caso desejemos salvação e libertação, mas ela não é capaz de realizar a obra da
graça. Quando o termo “salvação” está em jogo, o termo lei deve sair de cena. A
lei, como espelho, mostra a sujeira que está debaixo do tapete, e a graça é
quem dará um jeito na sujeira – através da justiça de Cristo.
A
base da nossa justificação
(Rm 3:22,26; Gl 3:22;
Ef 3:12; Fp 3:9) - A justificação não é realização humana, mas 100% divina.
Ninguém pode se apoderar da justificação por sua bondade ou obras - somente
pela fé. A base de nossa justificação é Cristo, pois Ele sim comprou o direito
de nos conceder liberdade do pecado e da morte. Vida eterna para os humanos é
uma prerrogativa totalmente divina através de Jesus. Somos redimidos, aceitos,
justificados e justificados através da graça de Cristo somente. Embora a lei e
a graça devam andar de mãos dadas, ambas não compartilham da mesma função. A
lei mostra que estamos perdidos e por isto, evidencia que precisamos de um
poder acima de nós para anular a perdição. A lei não pode justificar, mas ela
conduz à justificação (Cristo). A lei não pode agraciar, mas ela nos conduz à
graça. Ela não pode nos santificar, mas ela nos conduz à santificação (Espírito
Santo). Ela não pode nos libertar, mas nos conduz à libertação. Isto acontece
porque, ao nos mostrar o pecado, mostra também o único Ser capaz de nos
libertar das algemas do pecado. O papel da lei é unicamente nos ajudar a
perceber que somos indignos e que precisamos da misericórdia e compaixão de
quem é digno.
Jesus é o Ser digno que
teve compaixão e misericórdia de nós e que ofereceu a Sua vida para substituir
a nossa na condenação eterna. Ele adquiriu o direito de salvar quem Ele
desejar. Por isto que é aqui que morre todo o nosso orgulho, arrogância,
prepotência, sentimento de grandeza e, em especial, sentimento de mérito. É
aqui também que deve morrer a sensação de superioridade aos outros pelo fato de
não praticar os mesmos pecados que eles cometem. Independente de eu ser íntegro
e correto na vida, todos estamos no mesmo saco, degrau ou nível. Todos os que
forem salvos serão porque Cristo ofereceu de graça a sua graça. É a vida justa
e o caráter perfeito de Jesus que o Céu aceita em nosso lugar para nos
considerar justos. Observe: “Alei
requer justiça – vida justa, caráter perfeito; e isso não tem o homem para dar.
Não pode satisfazer as reivindicações da santa lei divina. Mas Cristo, vindo à
Terra como homem, viveu vida santa, e desenvolveu caráter perfeito. Estes
oferece Ele como dom gratuito a todos quantos O queiram receber. Sua vida
substitui a dos homens. Assim obtêm remissão de pecados passados, mediante a
paciência de Deus. Mais que isso, Cristo lhes comunica os atributos divinos.
Forma o caráter humano segundo a semelhança do caráter de Deus, uma esplêndida
estrutura de força e beleza espirituais. Assim, a própria justiça da lei se
cumpre no crente em Cristo. Deus pode ser “justo e justificador daquele que tem
fé em Jesus.” (O Desejado de Todas as Nações, p. 762).
A
obediência da fé
(Gn 15:5,6; Jo 3:14-16;
2Co 5:14,15; Gl 5:6) - Fé envolve entrega e compromisso. Quando alguém afirma
ter fé em Cristo, mas vive de maneira contrária à Sua vontade, isso não pode
ser considerado fé. Eu posso acreditar que Jesus é real e ao mesmo tempo
ignorar Seus ensinamentos e verdades. A verdadeira fé apresentada pela
Escritura tem a ver com aceitação, entrega e compromisso. A fé é uma resposta
humana ao chamado de Deus. Abraão teve fé e atendeu ao chamado divino saindo da
casa de sua parentela. Davi teve fé ao atender a advertência do profeta. Noé
teve fé ao construir a arca conforme o mandado de Deus. Ana teve fé ao cumprir
o pacto feito com Deus. Ester teve fé ao arriscar sua própria vida pelo povo de
Deus. José teve fé ao suportar a prova diante da mulher de Potifar mantendo-se
fiel a Deus. Moisés teve fé ao aceitar o chamado e mandado do Senhor. Josafá e
seus soldados tiveram fé ao cumprir as ordens do Senhor mesmo em circunstâncias
estranhas. Enfim, toda vez que aparece um fiel e obediente servo do Senhor em
toda a Bíblia, eles sempre surgem com fé munida de ação. Fé que não leva o
pecador a viver uma vida de renúncia progressiva não é a fé anunciada pela
Escritura. Como bem expressou Paulo, “antes confirmamos a lei” (Rm 3:31). Significa
que o cumprimento dos deveres cristãos diante de Deus e dos homens é uma
resposta crescente da verdadeira fé inserida no coração. Fé sem obediência é
morta (Tg 2:17). A fé genuína não isenta o pecador de suas imperfeições, mas
concede vigor para continuar lutando contra elas através da guerra contra o
próprio eu. É uma batalha que durará toda a jornada de peregrinação, mas que
dará vigor para suportar as dificuldades do trajeto.
A
fé promove o pecado?
(Gl 2:17-21) - Viver
pela fé significa carregar a cruz de Cristo. A verdadeira fé não promove a
trivialidade e nem o descompromisso. Os que professam a fé em Cristo, mas
arrumam desculpas para evitar a renúncia do eu, estão afastando de si o poder
do Espírito Santo. Embora a salvação seja unicamente pela graça, a mesma graça
não concede licença para viver a velha vida. O ódio, a ira, a vingança, o
egoísmo, o ato de falar da vida alheia, a arrogância e o desinteresse pelo bem
do amigo ou do inimigo precisam ser, progressivamente, deletados de nossa vida.
O pecado é um acidente de percurso e não um estilo de vida, como pretendem
alguns professos cristãos. A graça de Cristo, gradativamente, cobre nossa vida
e nos transforma à semelhança de Cristo – no amor e na abnegação. Aqueles que
não desejam possuir o caráter de Jesus e seguir Seus conselhos estão rejeitando
a ação da Sua graça. A justificação é uma resposta de nossa escolha em amar a
Deus acima de todas as coisas. A graça nada poderá fazer por um pecador que
deseja conscientemente permanecer no pecado. Isto chamamos de rebelião e pecar
contra o Espírito.
Infelizmente, em nossos
dias, há uma apologia ao pecado por parte de quem deveria batalhar contra ele.
O pecado angariou um número considerável de advogados dentro da própria esfera cristã.
Muitos cristãos sinceros que amam obedecer a Deus têm sido acusados de
legalistas e moralistas. Por incrível que pareça, por parte de alguns, parece
que pecado é deixar o pecado, e o errado é deixar o erro. Há os que batem as
mãos no peito para dizer que pertencem a Cristo, e ao mesmo tempo são capazes
de se deitar com alguém que não é o seu cônjuge. Outros se dizem pertencer a
Cristo, mas vivem em inimizade com alguns irmãos. Outros pregam na igreja sobre
o amor e, nas rodas escarnecedoras, vivem apontando os erros ou desmerecendo o
caráter alheio. Outros maltratam os filhos e a esposa. Outras se dizem servas
de Cristo, mas às escondidas, fazem coisas que machucam o coração de Deus.
Enfim, que espécie de graça é essa não é capaz de inserir no coração paixão
pelo que é reto, puro, honesto, nobre, honroso, íntegro e glorioso? Que tipo de
graça é essa que nos faz perseguir ou odiar, repudiar ou desrespeitar, ferir ou
magoar, roubar ou defraudar, difamar ou torturar, desprezar ou abandonar? A
graça não anula a necessidade de obediência e não invalida a função da lei. A
verdadeira graça, segundo a Bíblia, nos conduz a cumprir os deveres da vida
cristã (Santificação, p. 81, 87). Este tipo de apologia da graça barata e vazia
que desfavorece o papel das obras é satânica e não conduz à verdade.
Gilberto
Theiss* - Graduado em Teologia, Mestrando em Interpretação Bíblica,
Pós-Graduado em Filosofia, Ciências da Religião e Pós-Graduando em História e
Antropologia. Atualmente é pastor no Estado do Ceará.
FONTE: www.feoufideismo.com
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